BATALHAS ESPACIAIS II

Retomando o tema da

Realidade Física Contra O Romantismo
Audiovisual da Ficção Científica

Abril de 2015

O livro BATALHAS ESPACIAIS - Um Manual para a Imaginação das Guerras Estelares, de Antônio Luiz M. C. Costa (editor da Carta Capital), lançado este ano pela Editora Draco, é confessamente inspirado em meu texto homônimo Batalhas Espaciais, de 2004.

Como ele próprio declara na abertura do livro, esse meu texto foi discutido tardiamente numa comunidade do Orkut em 2013, e concordando com as premissas iniciais questiona: "...por que não tentar surpreender com uma visão menos batida do que poderia ser uma batalha espacial? Experimentamos discutir o texto de XR e tentar ir um pouco além e o resultado está aqui." Então, passa a uma verdadeira análise do texto propondo respostas e soluções.

O autor, contra o qual a única reclamação que tenho foi chamar meu site de blog, fez um ótimo trabalho e propôs muitas abordagens interessantes. Mas lamento que ele não tenha procurado entrar em contato comigo antes, pois muitas das críticas e réplicas que faz já estavam previamente respondidas em outros textos meus ou seriam prontamente esclarecidas caso me fossem dirigidas antes, o que certamente teria aperfeiçoado ainda mais os argumentos do autor e resultado num livro de ainda melhor qualidade.

Pretendo abordar algumas delas aqui e mostrar em que pontos ele não ofereceu uma solução suficiente, deixando a desejar justo no quesito em que se propôs a ajudar. Isto é, fornecer elementos para que autores de FC, especialmente escritores, tornem suas estórias mais coerentes, realistas e interessantes.

A Questão Ética

Começarei pela primeira objeção. No primeiro capítulo do livro, Pilotos humanos ou robôs?, o autor parece subestimar meus pressupostos éticos adicionados aos questionamentos técnicos, e de fato eu não os explicitei claramente. Ele afirma: "Primeiro, se há uma batalha é porque dois lados decidiram ir à guerra e pôr vidas em risco. O exemplo proposto é uma guerra entre Marte e Terra em que cada lado envia naves ao planeta adversário. Se isso não for um jogo de computador, o objetivo declarado é matar. Mais que isso, matar civis, o que é menos ético do que arriscar tripulantes militares."

Foi um alívio constatar posterioremente que este foi seguramente o momento menos inspirado do livro, pois é terrivelmente equivocado. A começar pelo fato de que na quase totalidade das guerras que já existiram ou mesmo das guerras concebíveis entre humanos o objetivo JAMAIS FOI MATAR! Mas sim tomar recursos do adversário. São raros os casos onde este, se decidisse entregar livremente o que o invasor pretendia obter, ou decidisse aceitar as condições exigidas, não evitaria a mortalidade. Exemplos históricos não faltam. A própria escravidão é o resultado da rendição do adversário, cujo vencedor prefere quase sempre se apropriar dos bens e das pessoas vencidas do que simplesmente exterminá-las. Ainda mais inconcebível é que isso viesse a ocorrer no futuro levando em conta nossa tradição recente de guerras. Até mesmo o holocausto nazista só começou a ocorrer quando a Alemanha passou a perder a guerra, como uma forma de vingança e macabro senso de ser só o que lhe restava a favor do futuro da raça ariana.

Assim, embora haja exceções principalmente em guerras de forte fervor religioso ou ideológico onde de fato houve extermínio de populações vencidas, na grande maioria das vezes a tendência do adversário é se render ante a derrota iminente, e a do vencedor de aceitar a rendição. E levando em conta o fato óbvio de que nunca em toda história da humanidade as vidas humanas foram tão valorizadas (apesar da incrível psicopatologia de senso comum em pensar o contrário, que nomeei como Complexo de Paraíso Perdido), é cada vez menos provável que forças envolvidas numa guerra espacial estejam dispostas a sacrificar vidas humanas inutilmente, por isso concluí meu texto dizendo "...prefiro pensar que batalhas espaciais no futuro, se houverem, serão para os humanos algo muito próximo de um Videogame, com naves automáticas ou teleguiadas se enfrentando a distância enquanto seus operadores ficam em segurança em suas bases, os que perderem a batalha que negociem ou se rendam."


The Ender's Game, a meu ver, apresentou a melhor e mais plausível retratação de batalhas espaciais da história do cinema. Além de um apaixonante personagem de forte senso ético, autocontrole e inteligência.

A violência é o meio, não o fim, da guerra, e a morte é uma das consequências da violência. Mesmo nos tempos remotos os vencedores quase sempre estiveram dispostos a aceitar a rendição do adversário, quanto mais hoje, e levando em conta a elevação da consciência humanitária, não é por outro motivo que as guerras matam cada vez menos. Quem examinar a evolução histórica dos índices de morte em guerras verá isso claramente.

Esse deslize do autor possivelmente o impediu de considerar uma resposta muito melhor para justificar a presença de humanos nas naves de guerra espacial, caso sejam necessárias por motivos técnicos ou estratégicos. Eles simplesmente podem querer ir! Mesmo num mundo de alta valorização da vida humana e nível ético, sempre haverá pessoas voluntariamente dispostas a arriscar suas vidas em troca de fortuna, glória, fama ou mesmo por atração pelo perigo. Essa natureza especialmente masculina tem ditado a tônica da história e é aliás um dos fatores primordiais da guerra. Não houvesse sempre uma multidão de jovens dispostos a arriscar suas vidas, as guerras seriam impossíveis.

Já a segunda objeção do autor é muitíssimo mais interessante e pode ser resumida na ideia de que os sistemas de inteligência artificial que poderiam ser usados nas naves, se tem de fato capacidades superiores à humana em tomar decisões, não deveriam então também ser eticamente considerados. Ou seja, sacrificar computadores inteligentes não seria tão anti-ético quanto sacrificar humanos?

Se o autor tivesse me contatado antes, eu simplesmente lhe indicaria locais onde já tratei desse tema. O mais breve é o texto sobre o filme ELA, onde apresento a distinção entre uma Inteligência Artificial e uma Mente Artificial, onde a primeira não seria de fato um ser de características humanas, embora tivesse uma capacidade de aprendizado e improvisação. Somente a segunda seria digna, de fato, de considerações éticas. Os detalhes são explicados lá, mas posso resumir na hipótese de que um computador poderia ser suficientemente inteligente para superar em muito os humanos nos quesitos técnicos e estratégicos necessários, como uma batalha espacial, e mesmo assim não possuir nenhuma das outras qualidade humanas como emoções, sensciência, senso de auto preservação etc. Uma inteligência como essa não teria qualquer empecilho psíquico quanto a ideia de se auto destruir se concluir ser isso necessário.

Igual distinção é mais aprofundada no meu livro GRIDVENC, onde a distinção entre as IAs e as MAs é um elemento central da trama, sendo as MAs consideradas num grau praticamente equivalente aos dos humanos, enquanto as IAs são totalmente desconsideradas como sujeitos de preocupações éticas. E também no Universo DAMIATE, em especial no livro PLANETA FANTASMA, é esmiuçada em linguagem diferente a distinção entre os computadores mentais, que são até mesmo passíveis de influência telepática e para todos os efeitos possuem afinidades psíquicas com humanos, e os computadores literalmente não-inteligentes das Espadas Espaciais, que são "Naves de combate automatizadas sem inteligência artificial, usando somente computação pura, bruta, baseada em supercomputadores poderosíssimos que os engenheiros do século XXI jamais puderam contemplar. Processadores holográficos descomunais, programas de complexidade lógica inacreditáveis, memórias quânticas vastíssimas permitiram que sistemas de puro cálculo conseguissem tomar decisões complexas a ponto de se sair bem contra inteligências humanas." No caso deste universo de FC especificamente, as Espadas Espaciais eram necessárias por, não tendo mente, serem inumes a ataques telepáticos que poderiam afetar até mesmo os computadores mentais.

Assim, por mais interessante que seja essa objeção de Antonio Luiz M. C. Costa, ela não pode ser respondida sem antes considerar a natureza dessa inteligência artificial em questão. Mas mesmo que as considerássemos Mentes Artificias plenamente humanas a nível psicológico, ainda haveria as questões corpóreas envolvidas. Pelo simples fato de não possuir um corpo bioquímico essas entidades já estariam menos sujeitas a uma série de sofrimentos humanos típicos, e dado sua maior capacidade de sobrevivência, isso por si só já justificaria que elas fossem enviadas em lugar de humanos. Ainda mais se elas possuísem recursos típicos dos softwares como capacidade de se replicar em cópias e serem transmitidas a distância, podendo se tornar virtuamente imunes à morte.

A não ser que estivéssemos falando de inteligências artificiais em corpos artificiais equivalentes aos humanos, o que nos levaria noutro sentido de discussão.

Para finalizar essa parte gostaria de citar uma das ideias mais interessantes do autor, quando lida com a possibilidade de uma necessária parceria entre sistema de inteligência artificial e humanos numa nave de combate. Ideia genial que fala por si. "Outro fator a considerar é a confiança e, por assim dizer, "companheirismo" entre o elemento natural e o artificial: se este tem uma inteligência e consciência reais, confiará mais em um parceiro orgânico disposto a compartilhar os riscos."

Em parte, é algo muito similar a isso que acontece em GRIDVENC, na parceria entre o protagonista humano e as Mentes Artificiais que enfrentam jogos de guerra na ambientação da estória.

LUZ CONTRA MÍSSEIS

O autor começa o segundo capítulo de seu livro, Combate em velocidades inferiores à da luz, considerando que talvez o meu modelo proposto de batalha espacial provável no futuro esteja demais ancorado em conceitos do século XXI, em oposição aos conceitos de batalhas da Segunda Guerra Mundial ou do estilo batalha entre navios que denunciei em obras famosas. Mas eu deixei claro que estava me referindo sim a uma concepção mais próxima das perspectivas tecnológicas que temos hoje, sem levar inicialmente em conta naves se momendo a velocidades superiores à da luz.

Aliás, em vários momentos lamentei que o autor não tivesse conhecido meu texto sobre Viagens Espaciais, que esmiuça as possibilidades de deslocamento a velocidades fabulosas que ele aborda em vários momentos de seu livro. Ele também ficou desnecessariamente focado na ideia de que eu sugerisse um radar ao estilo atual no espaço, pelo que depreendeu da seguinte ilustração.

Mas apesar da compreensível interpretação causada pela arte, em momento algum em falei em radar, mas sim em mera detecção, e na realidade pensei primariamente em detecção visual ou rastreamente de diversas frequências eletromagnéticas. Por isso os comentários do autor sobre a ineficiência de radares no espaço, no que está certo, de modo algum se aplicam à ideia por mim proposta. Foi uma correção certa porém na ideia errada, visto que quem utiliza claramente radares são certos episódios de Star Trek, especialmente a série antiga, e alguns momentos de Star Wars que também parecem fazê-lo, bem como no episódio Points of Departure de Babylon5,

Alguns comentários do autor sobre combates entre naves e instalações em planetas ou satélites teriam sido complementados por mim simplesmente indicando-lhe RAIO-Y, onde ocorre descrição de batalhas exatamente com essas características, inclusive descrevendo os recursos de defesa planetária que incluem até mesmo nuvens de fumaça para acobertar as cidades, ou estações marítimas móveis que sustentam canhões nucleares que alcancam milhões de kms no espaço profundo.

Mas o que quero chamar atenção no momento é a insistência do autor no uso de Mísseis e mesmo Projéteis, no caso lançados por impulsão eletromagnética (Canhões de Gauss), que poderiam sim ter aplicação numa batalha espacial. Para isso, o autor basicamente subestimou os LASERs no sentido de que eles "...não tem capacidade infinita, demandam energia, têm uma cadência de tiro limitada e precisam se fixar sobre o alvo para ter efeitos destrutivos." E ao mesmo tempo superestimou a eficiência de mísseis espaciais, que não precisariam "...ser muito grandes nem muito caros. Uma salva de mísseis, lançada de outra nave ou de um planeta, pode ocupar tais armas a ponto de que ser (SIC) impossível de deter a todos."

Em suma, o autor defende uma possível vantagem dos mísseis sobre os LASERs, quando eu afirmei que os últimos destruiriam facilmente os primeiros ou simplesmente os inutilizariam. Eu vou insistir nessa opinião, e para isso primeiro apontarei elementos que embasam a ideia de que LASERs de alta potência e eficiência não só são altamente prováveis como na realidade deverão começar a ser vistos ainda no próximo meio século.

Vejamos por exemplo o já testado sistema LaWS (Laser Weapon System) da Marinha dos EUA que embora ainda em fase de desenvolvimento já deu resultados práticos como destruir um drone em pleno ar, e com a previsão de que por volta de 2020 estarão operacionais versões muito mais eficientes nas quais cada disparo custa meros centavos, em oposição aos custos de milhares de dólares de cada míssil. Lembrando também que um dos empecilhos é a densidade atmosférica que prejudica o desempenho, que como sabemos, dificilmente será um problema no espaço.

Talvez até mais interessantes sejam os LASERs à venda para o público geral no Wicked Lasers, dentre os quais temos alguns capazes de realizar façanhas caseiras como estourar uma fileira de 24 balões. Isso feito por um "brinquedo" de 200 dólares!

Sem contar a genialidade caseira de alguns particulares capazes de construir seus próprios equipamentos ainda mais potentes.

Não parece crível que batalhas espaciais comecem a ocorrer em menos de um século, e sendo assim, como estará essa tecnologia LASER, ou de outras armas de energia como Microondas, até lá? Os LASERs baratos acima são respectivamente de 2 e 7.6 Watts! O LaWS gera raios de 30 Kilowatts. Não é difícil imaginar o que potências maiores poderiam fazer, e se pensarmos em reatores nucleares, sabemos que eles geram muito mais de 1 Megawatt, muitos passam de um 1 Gigawatt! Se o LaWS com 30 kwatts já tem esse desempenho, o que um LASER no espaço MIL VEZES mais poderoso não faria?


Neste teste com o Area Defense Anti-Munitions (ADAM) o LASER destrói o míssil em 1,4 segundos de contato.

Ao mesmo tempo, por mais que a tecnologia dos mísseis evolua, dentro de nossas perspectivas atuais, eles continuaram limitados em termos de velocidade. Talvez o grande ponto não tenha sido devidamente frisado: Todo e qualquer míssiel ou projétil seria detectado MUITO antes de se aproximar do alvo, ou mesmo seu disparo o seria. Por outro lado um feixe de energia não pode ser detectado antes de atingir o alvo! Assim, mesmo sensores medianos tenderiam a perceber a aproximação deles com muita antecedência, lembrando que não estamos considerando batalhas ao estilo Segunda Guerra Mundial onde as aeronaves precisam se aproximar umas das outras a distâncias de poucos kms. Como explicado no texto original as espaçonaves tenderiam a atacar a distâncias muitíssimo superiores, de milhares, talvez milhões de kms.

Vamos supor por exemplo mísseis capazes de se mover a espantosa e já altamente improvável velocidade de 100 Milhões de km/h, o que seria 1/10 da velocidade da luz. A uma distância de um segundo luz, 300 mil km, eles ainda demorariam 10 segundos para chegar ao alvo, o que significa que os sensores os detectariam com esse mesmo tempo de antecedência e os disparos de energia o destruiriam praticamente instantaneamente. A única questão é com relação ao alcance dos disparos, mas como o próprio Antonio Luiz M. C. Costa admite, no espaço vazio feixes de energia devidamente coerentes e colimados podem ter alcance virtualmente ilimitado. Ainda que muitos de nossos LASERs atuais tenham algum grau de dispersão, fato é que já conseguimos facilmente fazer raios de luz, disparados da Terra, atingir a superfície da Lua a 350 mil km.

Facilitando o cálculo, pensemos em distâncias de 300 mil km que são percorridos pela luz em um segundo. Míssil algum poderia evitar ser atingido pelos raios, cujo sucesso do disparo dependeria apenas do alcance e precisão do emissor do feixe de energia. Como já vimos, não parece que o consumo de energia venha a ser um impeditivo para que o raio fosse disparado em frequência elevada ou mesmo num disparo contínuo varendo áreas imensas velozmente com potência devastadora. Reatores nucleares futuros deverão ser muito mais poderosos e sequer precisarão de isolamento contra radiação nas naves automáticas. E quanto ao superaquecimento, uma nave de tamanho pequeno já poderia ter equipamentos de resfriamento altamente eficientes, até mesmo deixando os emissores de LASERs previamente em temperaturas baixíssimas, optimizando o desempenho.

Com todos esses fatores, não vejo porque uma saraivada de mísseis não poderia ser varrida numa fração de segundos. O único impecilho seria aquilo que há adiantei no texto original.

O que os mísseis poderiam fazer seriam agir como mini naves com o objetivo deliberado de serem sacrificados em prol da nave maior, visto que iriam sendo destruídos à medida que a nave que os lançou se aproximava. Eles poderiam ir liberando partículas ou gases que fossem gradativamente obscurecendo a visão da nave atacada, de modo que os próximos mísseis se aproximariam mais e mais. Mas mesmo assim a nave simplesmente iria se movendo, também saindo da trajetória inicial dos mísseis, que também teriam sua visão prejudicada pelos gases e partículas ocultadores. De qualquer modo, a vantagem sempre seria da nave reagindo com raios, que só precisaria consumir energia para continuar disparando indefinidamente, enquanto os mísseis acabariam muito mais rápido, exatamente ao contrário do que sugere o autor.

Assim, seu único real propósito seria permitir a aproximação da outra nave, talvez por possuir menor alcance de disparo, que poderia usar os mísseis como forma de proteger sua aproximação até ficar em pé de igualdade. Assim, não seriam exatamente mísseis, mas drones de proteção, lembrando que por utilizarem materiais sólidos, jamais poderiam existir em quantidade suficiente para sobrepujar a capacidade praticamente ilimitada de disparo dos LASERs, ou ouros feixes de energia.

LUZ CONTRA PROJÉTEIS

Há anos venho dizendo que Hollywood parece ter baixado um decreto proibindo armas de raios em filmes e séries de ficção científica, dos quais só escaparam os tradicionais Star Trek e Star Wars, e filme de super heróis. No mais, a produção de FC audiovisual americana, e mesmo grande parte dos videogames, tem há décadas, limitado os combates do futuro ao uso quase exclusivo de armas de fogo convencionais. Em jogos como Mass Effect, ou filmes da série Alien, pode-se notar tecnologias avançadíssimas como deslocamento superluminal, gravidade artificial, criogenia e outras ainda mais extremas, mas armas de fogo pura e simplesmente idênticas às atuais exceto pelo Design.

Alguns filmes e séries como a nova versão de Battlestar Galactica decidiram levar isso para o espaço, e agora temos batalhas espaciais sendo travadas com metralhadoras que em nada diferem das atuais. Já não bastasse o estilo típico de Segunda Guerra mundial que já imperava em Star Wars.

Todavia, convem repetir porque o uso de armas de fogo no espaço é de uma estupidez delirante! Nas palavras do próprio Antônio Luiz M. C. Costa: "No sentido literal, elas de fato não teriam nada a fazer num combate espacial: canhões convencionais exigem oxigênio e seus projéteis são lentos demais (820 m/s para os canhões de um encouraçado da II Guerra mundial, 930 m/s para um fuzil moderno) para um combate espacial."

Na verdade outros gases podem ser usados como comburentes no lugar do oxigênio, e parece ser possível que a própria munição contenha o comburente necessário, segundo o texto What Would Happen If You Shot a Gun In Space?. E de acordo outro texto que neste se inspirou Guns In Space: Still Just Science Fiction, elas ainda teriam a vantagem de se deslocar mais rapidamente pois não haveria a resistência do ar.

Tenho sérias dúvidas com relação a real efetividade dessas explosões, considerando que não haveria comburente adicional para potencializá-las, mas mesmo que aceitemos isso, ambos os textos não estão defendendo o uso de armas de fogo no espaço, e o segundo aponta uma série de inconvenientes. Em especial o fato de que os disparos causariam recuos mais fortes do que na atmosfera, dificultando a movimentação das naves, que as baixas temperaturas do espaço podem dificultar muito a conservação da pólvora e dos metais das armas (o que para o uso de LASERs, pelo contrário, seria vantajoso), e por outro lado o super aquecimento após o uso seria mais rápido devido a ausência do efeito resfriador da atmosfera.

Ademais, a munição é constituída mais do cartucho com o explosivo do que da pólvora em si, o que exigiria vastos compartimentos, e o mais importante de tudo é que tais disparos seriam visualizados com muitíssima antecedência pelas naves oponentes, que então poderiam facilmente sair da trajetória, com o agravante de que os misseis ainda poderiam corrigir o curso, enquanto as saraivadas de disparos continuariam na mesma rota sendo evitadas pelas naves inimigas de modo pateticamente simples. Ela não precisaria sequer se dar ao trabalho de destruí-las.


Na realidade cosmonautas russos já carregaram armas no espaço, embora aparentemente nunca as tenham disparado.

Mas o autor do livro considerou algo bem mais promissor, o uso de armas que impulsionam os projéteis eletromagneticamente. Canhões Elétricos (Railguns), ou Canhões de Gaus teriam a vantagem de não exigirem comburentes, a munição não precisaria do cartucho, sendo constuída inteiramente do projétil, não teria o problema do recuo e poderia disparar projéteis a velocidades muito superiores aos das armas de fogo. Já foram obtidos disparos de projéteis de 3,5kg a velocidades superiores a 8 mil km/h, enquanto armas de fogo convencional disparando projéteis muitíssimo mais leves mal passam de mil.

Considerando o mesmo raciocínio de que a energia dificilmente seria um problema para essas naves do futuro, podemos dar por certo que o uso de projéteis seria certamente promovido por esses meios, invés do primitivo método de cartucho explosivos.

No entanto, mesmo essas tecnologias ainda não resolveriam o problema principal da lentidão dos disparos comparados a capacidade de detecção. Os projéteis ainda seriam vistos com facilidade muitíssimo antes de se aproximarem do alvo, e como o próprio autor apontou, já estão surgindo tecnologias que possibilitam criar resistência contra projéteis mesmo que a nave seja atingida, como o Escudo de Força Eletromagnético que envolve o metal de tanques com um campo de repulsão que enfraquece o impacto dos projéteis, como se vê no texto Star Trek-style force-field armour being developed by military scientists. Enquanto isso, não fazemos a menor ideia de como poderíamos proteger uma estrutura do disparo de um raio, exceto o uso de espelhos que poderia em parte até mesmo refletir o raio de volta à sua origem, embora com baixíssima chance de acertá-lo, e mesmo assim de resistêcia limitada e temporária, pois o espelho acabaria derretendo após alguns instantes.

Também superfícies claras são mais resistentes à luz do que superfícies escuras, ou de cores iguais ao do LASER. Uma superfície verde resistiria mais tempo à exposição a um LASER verde, ao passo que seria mais vulnerável a um vermelho. A superfície branca sobreviveria mais tempo a qualquer cor, e a preta seria a mais vulnerável. Mesmo assim, todas teriam resistência limitada, ganhando apenas poucos segundos contra LASERs de alta potência.

Já contra projéteis o uso de escudos também seria relativamente fácil. A nave teria tempo de sobra para ativar um escudo de repulsão eletromagnética se isso fosse preferível a se mover. Ou mesmo lançar escudos sólidos, como chapas de metal de alta densidade. Enquanto isso, mais uma vez, seria completamente impossível se antecipar ao disparo de um raio.

Armas eletromagnéticas, como Armas de Gauss, já estão sendo testadas tanto por particulares em iniciativas caseiras...


...quanto por grandes indústrias militares.

Não tenho dúvida de que essas tecnologias são perfeitamente viáveis em combates em planetas, dentro da atmosfera, ou para atacar alvos parados. Mas lembremos que minha abordagem sempre foi no combate entre naves com capacidade de movimentação rápida, e nesse caso, mantenho a conclusão de que por tudo que nossas perspectivas tencológicas apontam, o uso de mísseis e projéteis, mesmo aqueles disparados por armas eletromagnéticas, não são viáveis contra naves móveis com sensores e armas de raios.

Ainda temos um problema adicional que foi apenas vagamente considerado no texto Guns In Space, e que se por um lado pode ser inicialmente visto como um problema ético, na verdade tem consequências práticas bem evidentes. Por quaisquer meios, O Disparo de Projéteis no Espaço seria de uma Irresponsabilidade Ambiental Espantosa!

Os projéteis ficariam vagando indefinidamente, oferencendo extremo risco a navegação espacial. A não ser que se pretenda jamais voltar nem se aproximar do local onde foram usados, o risco de que terminem por afetar os próprios usuários é altíssimo. Lembrando do exemplo que ofereci de uma guerra entre Terra e Marte, projéteis que não fossem totalmente destruídos nos impactos, o que provavelmente se aplicaria à grande maioria dos que fossem disparados, tenderiam a ficar orbitando pelo Sistema Solar, oferecendo risco até mesmo milhares de anos após os conflitos. Disparados na exosfera de um planeta, tenderiam a ficar girando em torno dos mesmos produzindo uma verdadeira nuvem de destruição que poderia facilmente inviabilizar o uso de satélites, estações espaciais e tráfego de naves. Se caíssem nos planetas, seriam como pequeninos meteoros artificiais muitíssimo mais mortíferos que os naturais.

Já temos uma tradição de proibir armamentos que ofereçam risco desproporcional ao necessário. As armas químicas foram largamente usadas na Primeira Grande Guerra, mas seus efeitos foram tão horrendos que foram praticamente erradicadas dos conflitos posteriores. Nem a Segunda Guerra Mundial as utilizou em qualquer escala significativa em campos de batalha, e somente pequenos grupos terroristas ou ditadores locais irresponsáveis as utilizaram em nichos específicos.

Por outro lado, elas seriam de grande utilidade para forças que não se importassem, e não fossem afetadas, pelo seu uso local. Se invasores extra solares nos atacassem, poderia ser uma ótima ideia, para eles, encher nosso Sistema Solar e os arredores de nossos planetas de projéteis de alta velocidade. O filme Gravidade dá uma boa ideia do desastre que pode ocorrer com fragmentos orbitando o planeta em velocidades elevadas, e uma nuvem de projéteis circulando a Terra poderia até mesmo impedir tentativas de lançar naves ao espaço ao menos por algum tempo, literalmente nos aprisionando no planeta.

Em Babylon 5 tivemos a aplicação do conceito de Mass Drivers, basicamente o arremesso de projéteis por meios eletromagnéticos contra planetas. Banido por todas as raças civilizadas, seria especialmente devastador por ser antes de tudo simples e barato, apenas jogar objetos massivos do espaço contra alvos planetários resultando em meteoros de altíssimo poder de destruição.

Nenhuma rocha vinda do espaço, por maior e mais densa que seja, pode ser tão compacta quando uma esfera de metal artificial de alta densidade, extremamente simples e fácil de ser feita, que resistiria a entrada na atmosfera e atingiria a superfície com impacto incomparável. O resultado seria catastrófico. Uns poucos projéteis de uma tonelada feitos de chumbo revestido com ligas de alto ponto de fusão poderiam causar destruição comparável ao de armas nucleares. E seria essencialmente uma arma para uso contra alvos civis, ou ao menos parados, visto serem muito pouco eficientes contra alvos móveis.

Portanto, sim, o uso de projéteis é plausível numa guerra espacial, mas jamais entre naves de combate, que os evitariam facilmente. Eu mesmo previ esse uso, de forma até mais simples pelo mero arremesso de asteróides contra planetas, em meu livro e FC Raio-Y.

Finalizando

Há muitas outras coisas interessantes no livro BATALHAS ESPACIAIS - Um Manual para a Imaginação das Guerras Estelares, de Antônio Luiz M. C. Costa. Embora eu o considere muito caro pela quantidade de texto que traz, a qualidade em si é muito boa, e ele faz ótimas reflexões sobre más concepções na FC, como naves de tamanho excessivo, naves mães transportando nave menores com proporções equivocadas, a questão das abordagens e batalhas em condições de deslocamento superluminal, e outras.

Mas a maioria delas não tem uma relação direta com o meu texto original de Batalhas Espaciais ou eu não tenho o que objetar as demais observações que ele faz. Meu objetivo aqui foi discutir basicamente os pontos acima, que se dão em um contexto de perspectiva tecnológica atual sem grandes revoluções na física ou saltos tecnológicos imprevisíveis.

Também não me pronunciei sobre batalhas aéreas do futuro, que penso poderem sim continuar usando mísseis e projéteis devido as condições atmosféricas dificultarem muito mais a detecção à distância, a mobilidade das aeronaves, e mesmo a eficiência dos LASERs. Embora no que se refere a ausência do fator humano, acho probabilíssimo que sejam travadas por aviões automáticos que não terão que se preocupar com a fragilidade do organismo humano.

Recapitulando, se um dia tivermos combates espaciais no futuro, eu aposto que serão travados fundamentalmente por naves não tripuladas, a longuíssimas distâncias e usando basicamente raios de energia. O fator humano estará envolvido mais na estratégia e diretrizes dadas remotamente para as frotas espaciais. Mas como a FC precisa de uma forte dose de dramaticidade e beleza audiovisual, estamos acostumados a usar uma série de conceitos românticos que podem ser belos, mas terrivelmente improváveis. Permanece o desafio lançado no meu texto Batalhas Espaciais, onde proponho algumas ideias que podem permitir que Ficção continue emocionante, mas sem desprezar a Racionalidade.

E nesse sentido, só posso agradecer a Antônio Luiz M. C. Costa por apoiar essa proposta.

Marcus Valerio XR

Abril de 2015

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