Esse é um resumo em forma de seculários do registro IGG-20B, direcionado para estudantes de PsicoHistória Geral e dos Costumes dos séculos XX a XXX. Meu Primeiro Século (1986 - 2086) Nasci numa família de posição social baixa ascendente em uma cidade de aproximadamente 30 mil Habitantes na América do Sul. Levei uma vida completamente normal, estudando e trabalhando, e consideravelmente medíocre. Por volta de meus 40 anos minha existência se resumia ao trabalho burocrático, tendo concluído um Curso Médio em Administração de Empresas, a uma vida familiar com uma esposa, também da área burocrática, e 3 descendentes. Sendo dois rapazes e uma moça Meus repousos semanais eram gastos com reuniões de famílias e colegas, em geral em torno de refeições de carne bovina e consumo de bebidas alcóolicas, e prática de Futebol amador, que era também meu assunto favorito além de discussões triviais e superficiais sobre a situação sócio política e sobre as relações humanas, em especial entre os sexos. Foi numa tarde de primeiro dia da semana que, estando a frente de um televisor assistindo a um programa de auditórios popular, ouvi o comentário que marcaria o início de todo o processo de transformação de minha vida. Uma amiga notou repentinamente, e espantada, que eu não mostrava sinais de envelhecimento mesmo algumas semanas antes de completar meus 40 anos de vida. Eu e a maioria de meus amigos, inclusive minha família, de fato nunca havíamos reparado seriamente nisso, e não demos muita importância ao fato pelos anos seguintes. Mas aquele comentário foi sem dúvida a primeira ação a nos chamar a atenção a esse detalhe. A partir de meus 48 anos, como minha minha aparência era praticamente a mesma de meus 30, é que tal fato passou a ficar cada vez mais evidente, sendo motivo de comentários constantes e situações não muito agradáveis. Minha aparência jovial me permitia mentir sobre minha idade sem qualquer constrangimento, e passei a despertar o interesse de muitas mulheres mais jovens e de minha mesma idade, para aborrecimento de minha esposa que mesmo sendo 6 anos mais nova, já formava comigo um casal contrastante. Aceitei dois contratos comerciais para colaborar com a venda de produtos de beleza e rejuvenescimento, nos quais eu só devia declarar para quem me perguntasse, que eu utilizava tais e quais produtos há muitos anos, o que era evidentemente falso. Como eu não via qualquer empecilho moral, aceitei a proposta me beneficiando com o dinheiro. Mas só mesmo após meu aniversário de 50 anos os eventos que transformariam minha vida começaram definitivamente a ocorrer. Completar meio século possui um notável efeito psicológico sobre muitas pessoas, e o fato de eu aparentar metade desta idade já se tornara assunto corriqueiro e cada vez mais priorizado. Apesar de meus dois peculiares contratos com empresas de cosméticos apelarem para argumentos científicos na defesa de suas argumentações de eficiência, nenhuma das empresas teve a idéia que diversas outras pessoas tiveram, de que eu devia procurar a medicina, a qual não visitava há quase uma década, a fim de realizar um checagem extensiva. Uma semana após minha comemoração de semi seculário, consultei um clínico geral que boquiaberto com minha aparência me direcionou a especialistas na áreas de envelhecimento. Após semanas de exames vieram resultados assombrosos. Eu não era apenas externa e aparentemente jovial, na realidade, em todo o meu organismo, mesmo a nível micro celular, eu não apresentava qualquer sinal de degeneração que deveriam ser certos em qualquer pessoa da minha idade. Em menos de um mês minha vida mudou por completo. Diversas clínicas e universidades quiseram me estudar, pagavam todas as minhas despesas de viagem e hospedagem e logo me tornei uma celebridade. Fui capa em várias revistas de ciência, medicina e saúde e fui constantemente assediado pela indústria de cosméticos com contratos milionários para me utilizar como meio propagandístico. Numa repentina sede de lucro, fechei um dos mais caros contratos de propaganda da história, faturando em poucos meses, mais do que tudo o que recebera na vida. Foram milhares de entrevistas, comerciais, documentários e exames. Os cientistas criam ter em mim uma resposta definitiva para a maior longevidade. Com o dinheiro que recebi garanti uma vida tranquila para todos os meus filhos e minha esposa, da qual me separei assim que provei o gosto do poder e das mulheres espetaculares que poderia usufruir. Vivi muitos anos num dos melhores padrões de vida que alguém poderia sonhar. As instituições científicas e comerciais que me exploravam me garantiam o que quisesse. Eu era um caso único, jamais registrado em todo o mundo. Meus filhos não herdaram o meu dom, assim como não possuo qualquer histórico familiar semelhante. Foi uma exploração em todos os sentidos, os laboratórios se beneficiaram de mim, assim como as empresas de produtos de rejuvenescimento que vendiam produtos fraudulentos explorando minha pessoa, fraude com a qual eu compactuava sem grande peso na consciência. Só mesmo aos 64 anos algo iria mudar minha vida. Eu vinha sendo procurado também por grupos místicos e religiosos em geral, que tentavam ver em mim algum sinal de milagre, ou que viam em mim alguma ameaça. Para alguns eu era uma aberração, uma afronta a determinadas verdades dogmáticas, e um atentado terrorista contra minha pessoa quase ceifa minha vida. Apesar de minha relativa "imortalidade", eu não era invulnerável, tinha sim uma saúde acima da média, recuperação e cicatrização mais rápidas que o normal mas nada extraordinário. Adoecia como qualquer outra pessoa, inclusive era vítima ocasional de resfriados até que minha celebridade me garantiu um acompanhamento médico dedicado. Escapei do atentado após ver a face da morte pela primeira vez, e contemplar o medo do fim de minha existência. Tal experiência me deixou marcas profundas. Me senti mudado, de repente subitamente envergonhado de minha conduta pouco ética, endossando charlatanismo de várias espécies e dando pouca importância aos avanços científicos que ademais também esgotavam minha paciência. Com meu poder financeiro promovi uma extensa cirurgia plástica e mudei de indentidade. Desaparecendo no mundo para desespero de meus patrocinadores e cientistas. Viajei para vários lugares até me fixar na Índia, subitamente seduzido por religiões místicas. Lá tive meu primeiro, e verdadeiro, grande amor. Xalisa era uma sacerdotisa da religião da deusa Aditi, a qual me converti. Foi ela, que compartilhando e guardando meu segredo, me despertou o interesse por coisas mais elevadas, pela cultura e pelas artes. Até esta época eu lera por livre e espontânea vontade no máximo uns 5 livros. Todos romances tolos. Com ela tudo mudou, me interessei por mística, filosofia e me tornei um homem culto e profundo. Vivi com ela até meus 72 anos, quando uma segunda experiência marcante viria pela primeira vez em minha vida, me fazer desejar morrer. Ela foi acometida de um tipo raro de Cancêr, que num ataque fulminante lhe destruiu os pulmões em poucos meses. Meu sofrimento foi intenso. Não acreditava mais na possibilidade de ser feliz e me senti culpado quando descobri que era um dos tipos de Cancêr que vinham sendo estudados pelos pesquisadores que de mim se beneficiavam. Senti que se eu colaborasse mais nas pesquisas, a medicina seria capaz de curá-la. Após um ano de isolamento voltei à fama, dando a notícia de meu retorno para completo alvoroço do mundo. Repeli duramente qualquer tentativa comercial de me explorar para benefício de empresas de cosméticos, cadeias de retiros ou charlatões que vendiam fórmulas de juventude. Me dediquei completamente a ciência. Após me recuperar do trauma, me sentido um novo homem, decidi eu mesmo compreender o fenômeno que eu era, e passei 10 anos de minha vida estudando ciências em especial Biologia. Aos 81 anos me formei em Bioquímica e aos 85 em Genética, me tornando um cientista respeitado. Os governos do mundo, com grande interesse, colaboraram comigo, e tive meu próprio centro de pesquisas e minha própria equipe de cientistas que contava com os melhores do planeta. Me fechei para o resto do mundo e mergulhei fundo em minhas pesquisas. Confirmei praticamente tudo o que os cientistas que me pesquisaram haviam descoberto e em meu aniversário de 90 anos, lancei um livro que se tornou dos mais vendidos em todos os tempos ainda que sua linguagem não fosse muito acessível ao público leigo. No limiar de completar meu primeiro século de vida, sem demonstrar qualquer sinal de envelhecimento, eu já estava particularmente desinteressado do meio científico embora ainda colaborando largamente. E muitos avanços foram feitos, a mais importante de todas com certeza, a identificação e isolamento dos Chronoprions, responsáveis pelo envelhecimento, os temporizadores da vida, com o único objetivo de inviabilizar, em todos os seres vivos, a existência perpétua. Foi graças a mim, tanto como objeto de estudo quanto como pesquisador, que conseguiu-se a quase completa cura do Cancêr e de diversas outras doenças mortíferas. Descobriu-se definitivamente que o Cancêr é uma reação a um envelhecimento desordenado e particularizado. A uma certa idade nosso organismo começa a se degenerar progressivamente sob o comando dos Chronoprions que podem ser afetados por fatores ambientais, como todo o organismo está sincronizado, o envelhecimento se dá sem problemas. O Cancêr ocorre, e isso foi ignorado durante quase dois séculos, devido a uma falha desse sistema de envelhecimento natural, que envia uma ordem de diminuição de produção para determinadas células de forma desarmônica com relação ao resto do organismo, as células então, ao "perceberem" que aquele comando está em desequilíbrio com o resto do metabolismo, desobedecem a ordem, mas os Chronoprions então passam a sabotá-las e então estas se reproduzem de forma errônea através da única opção que lhes resta para continuarem agindo, Mutação. Curioso, durante mais de 100 anos de pesquisas científicas sempre se atribuiu a culpa pelo Cancer às células rebeldes que desobedeciam o "organismo", quando na realidade o "organismo" é que cometia o erro, obrigando as células a reagirem como podiam. Ou seja, apesar dos indiscutíveis avanços da medicina, durante todo esse tempo a ciência atacava as consequências e não a causa, que estava na desregulagem dos Chronoprions. A conquista da cura de diversos tipos de Cancêr foi então paralela aos primeiros avanços na manutenção da longevidade humana, que "enganando"os Chronoprions já garantia que muitas pessoas fossem minhas contemporâneas em idade com boa saúde apesar da radical diferença de aspecto. Descobrimos diversos mecanismos genéticos que administram o envelhecimento dos seres vivos sob a orientação dos Chronoprions e fizemos outros avanços monumentais em outras áreas do conhecimento. O ano de 2086 foi comemorado com muito entusiasmo e uma imensa festa dedicada a minha pessoa. Como celebridade de grande carisma e fama, era cada vez mais procurado por todo o tipo de pessoas, desde religiosos, políticos, filósofos, poetas e etc. E passei a cada vez mais tentar me adequar ao que esperavam de mim. Que eu fosse uma espécie de iluminado.
Meu Segundo Século (2086 - 2186) Ao contrário do que muitos pensavam, a ainda pensam, o envelhecimento não é um processo tão natural e espontâneo quanto parece. É trivial que qualquer material sofre desgaste progressivo com o tempo, tendo que ser conservado por intervenção externa ou isolado de qualquer ação ambiental. Porém o organismo vivo possui seu próprio sistema de regeneração, ele constantemente se renova, consumindo recursos externos. Por que então ele não se renova indefinidamente? Desde que possa contar com boa alimentação e respiração. Por que a partir de um certo momento ele começa a falhar resultando no envelhecimento? Creio que resposta seja óbvia. Por que nem tudo no organismo se regenera, alguma coisa se desgasta com o tempo sem a mesma capacidade de renovação da maior parte do organismo, e uma dessas coisas é justamente a que gerencia o sistema de renovação. Descobrimos então que uma cadeia de genes que administra uma série de instrumentos mantenedores do sistema de regeneração, determina que tal sistema seja composto de elementos que não se regeneram, e com o tempo se desgastam provocando o colapso do sistema. Esse tempo é então contado com os relógios regressivos da vida, os Chronoprions. Por estranho que pareça ninguém jamais concluiu definitivamente por que isso ocorre. Mas foi o que eu tentei elucidar. Eu era na verdade um tipo de "deficiente" genético. Primeiro, nasci com um erro na sequência genética que determina a não regeneração de determinadas estruturas do organismo, e Segundo, nasci pura e simplesmente sem Chronoprions. De uma certa forma um erro acoberta o outro, pois os indivíduos acometidos apenas do primeiro caso, que ocorrem com relativa constância, desenvolvem toda uma sorte de más formações intra uterinas ou mutações cancerígenas tendo então pouco tempo de vida, pois o organismo não sabe com que frequência deve administrar a regeneração celular fazendo uma leitura errônea dos Chronoprions. Mas são exatamente estes dos quais meu organismo carece, sendo eu um caso único em toda a história conhecida. Ao invés de Chronoprions eu possuo uma sequência de enzimas de outra natureza, que fornecem uma outra leitura ao sistema genético que fica indefinidamente esperando uma instrução de começar a regenerar o organismo com menos frequência, e envelhecer, mas essa instrução jamais vem. Embora isso tenha sido razoavelmente bem compreendido, o "como" jamais ficou claro. A possibilidade de que tal viesse acontecer é, segundo os melhores matemáticos e estatísticos, menor que 1 dividido pelo número de prótons de todo o Universo! Era para todos os efeitos, um milagre. Ao perceber que a Ciência não me responderia ao porquê definitivo desta questão, me voltei para a Filosofia, e meu primeiro passo foi absorver tudo o que quis do pensamento já produzido na Terra. Essa foi a fase de minha vida, dos 103 aos 117 anos, que mais li. Mais de 6.000 livros com certeza. A grande maioria é claro, tiveram seu conteúdo esquecido, minha memória não é superior a de qualquer pessoa normal de 20 a 60 anos. Embora o potencial de meu cérebro seja relativamente infinito, como o de qualquer pessoa, é impossível a nível de associação simbólico mnemônica armazenar tantas informações de forma precisa e eficiente. Mas nada disso importa, pois cresci muito em substância como pensador. Descobri então que as respostas não seriam obtidas em centros de pesquisas, livros ou mídias, e passei mais do que nunca a viajar, na realidade a peregrinar pelo mundo em busca de experiência. Pela segunda vez promovi uma extensa cirurgia plástica, mudando até mesmo minhas impressões digitais. Assumi outra identidade e me pus à aventura. Vivi tudo o que podia, em todas as partes do mundo. Conheci todas as religiões, costumes e culturas. Acompanhei o processo global de miscigenação das culturas que no ano de 2108 viria a resultar no definitivo Governo Mundial, num mundo sem fronteiras. Aos 128 anos fundei minha própria religião e tive milhares de seguidores apesar de minha mensagem básica ser anti dogmática. Aos 135 a abandonei e ela ganhou vida própria, indo algumas décadas mais tarde se tornar uma das 8 maiores religiões do mundo. Aos 140 tive uma experiência intensa, uma "iluminação" que me fez desenvolver uma disposição por me responsabilizar pelo meu mundo, e liderando centenas de políticos e ativistas lutamos contra as inúmeras revoltas mundiais que se opunham a queda das fronteiras internacionais. Mesmo globalizado o mundo estava em guerra constante. Inúmeras guerrilhas e revoltas, geralmente de ordem religiosa, se levantavam em todas as partes da Terra. Grupos radicais Cristãos, Muçulmanos, Shiks, Judeus e Hindus ainda protagonizavam atrocidades em todas as partes do globo. Em 2136, ao completar 150 anos de vida, decidi concorrer as eleições para compor o seleto grupo de 7 líderes mundiais e fui eleito. Minha influência e popularidade, após me revelar mais uma vez ao mundo, logo me rendeu poderes extremos os quais usei largamente na tentativa de pacificação mundial. Foi quase inútil, fui identificado com um tipo de Anticristo e sofri vários atentados. Um deles custou a vida de 257 pessoas, mas eu sobrevivi. Percebi então que apesar de minha popularidade um cargo público não era a melhor maneira de lutar pelo meu mundo e criei um movimento semi-secreto de implementação de um nova ordem mundial. A estabilidade econômica e política ocorrida entre 2150 e 2160 me tranquilizou, e pude relaxar um pouco, mas o surgimento de um novo "messias" no oriente médio, que foi identificado como o verdadeiro messias do Judaísmo, com o segundo Advento de Cristo, com o Anticristo e como o último profeta do Islam, entre outros, quase põe o mundo em ruínas. A Guerra de 2164 matou mais de 360 milhões de pessoas e deixou o mundo em colapso, fundamentalistas religiosos de várias designações fizeram uso de armas nucleares radioativas, enquanto o Governo Mundial usou somente bombas de Fusão Pura. Quase metade do planeta foi envenenado e 10 anos depois isso resultaria na morte de quase 1/5 da população mundial. Entrei em depressão e aproveitei a oportunidade para divulgar a notícia de minha morte e sumir de cena novamente, temporariamente bem sucedida. Mesmo com a a relativa estabilização da década de 80 não conseguia recuperar meu otimismo com o futuro, após 30 anos de intensas lutas políticas e sociais, ora usando minha fama de Homem Imortal, ora usando fantoches, simplesmente desisti de me integrar diretamente na luta pela paz mundial, decepcionado também com muitos de meus companheiros. Meu aniversário de 200 anos foi sem dúvida o menos marcante, embora não o menos feliz, e entrei meu terceiro século caracterizado pelo desinteresse político, voltando a me aprofundar nas questões filosóficas num plano cada vez mais metafísico.
Meu Terceiro Século (2186 - 2286) Ao completar 212 anos finalmente me tornei a pessoa mais idosa da Terra. Meu concorrente falecera de morte natural após ter sua longevidade aumentada graças aos avanços no campo da medicina. Eu, como sempre, não demonstrava qualquer indício de que iria envelhecer, minha disposição física e mental ainda era a de um homem de 30 anos. Mas isso não era em tudo. Foi aí que comecei a me dar conta de que eu não era a mesma pessoa, era como se tivesse passado por pelo menos 3 vidas diferentes. Não conseguia me identificar em absoluto com aquele homem que viveu de forma totalmente medíocre seus primeiros anos de vida. Aliás sequer conseguia me lembrar, e tinha ojeriza daquele que se deixou vender por dinheiro endossando multi milionários engodos comerciais. Essa percepção me atingiu em cheio. Eu não conseguia me lembrar de muitos dos eventos que vivi em meu primeiro século, mesmo eventos muito importantes. Não me lembrava sequer de como eram meus filhos e minha primeira esposa. So recobrei através de registros. A única pessoa que ainda me assaltava a memória era Xalisa, e foi alguns dias depois de me aperceber disso, que conheci outra mulher maravilhosa. Chian-Wuan. Em muitas ocasiões em tinha impressão que Chian-Wuan era uma reencarnação de Xalisa, embora eu sempre tenha sido razoavelmente cético em relação mesmo a vida pós-morte. Mas depois percebi que era uma pessoa muito diferente. Eu tivera muitas outras mulheres, mas simplesmente não conseguia me lembrar da maioria delas. Chian-Wuan era uma mulher dotada de sensibilidade extraordinária. Foi com ela que me iniciei nas artes, me tornei músico, cantor e desenhista. Ela me ensinou a ver o micro mundo, eu que como filósofo das grandes questões estava em geral orientado para o macro, para o total. Ele me fez lembrar do tempo em que estudei biologia, que mexia com micro estruturas. Mas agora era diferente. Eu via o micro com a visão poética. Fiz loucuras por Chian-Wuan, inclusive um guerra numa das províncias chinesas que causou a morte de algumas centenas de pessoas, para beneficiar os ideais da família dela, algo que só não me arrependo por motivos de ordem política, pois foi de fato bastante benéfico socialmente. Tive o prazer de conviver 62 anos com ela, tivemos um filho que morreu jovem devido a insensatez adolescente e enfrentamos tal sofrimento juntos. Quando ela se foi eu não sofri tanto quanto com a perda de Xalisa, estava mais preparado e seu envelhecimento foi tranquilo e feliz. Mas eu fiquei ainda mais obcecado com o grande mistério, o maior de todos os mistérios. A possibilidade da vida pós-morte. Para mim tal questão era duplamente crucial, não era apenas a tentativa de desbravar a verdadeira fronteira final dos mistérios humanos, mas em parte seria talvez a razão de minha existência. Aos 281 anos fiz amizade com um riquíssimo homem que não acreditava na vida pós-morte, e achava que a razão da existência da raça humana deveria ser a busca da imortalidade. Eu fosse talvez, a resposta. Eu era uma mutação, uma absurda coincidência da natureza que fez com que meu sistema gerenciador de regeneração, também fosse regenerável, algo que os cientistas não conseguiam reproduzir. Por mais que conseguissem um avanço em manter tais estruturas funcionando corretamente, o envelhecimento sempre saltava para algum outro ponto, ainda que recuasse um pouco. Pois os Chronoprions estão presentes no DNA de todas as células do organismo. Por uns tempos pensei em ajudar novamente nas pesquisas nesta área, mas eu me esquecera de quase tudo o que aprendi sobre genética e biologia celular e não estava disposto a aprender tudo de novo. Aos 291 anos, no lendário ano de 2277, o surgimento de novos meios de deslocamento espacial começaram a mudar minha atenção para algo que curiosamente nunca tinha me interessado. Os outros planetas. Meu aniversário de 300 anos foi um dos mais felizes, estava eu numa fase mais alegre e despreocupada, tinha muitos amigos divertidos e nesse mesmo dia anunciei que iria me aventurar na nova colônia de Marte. Poucos dias depois eu partia a bordo de uma das novas naves que demoravam menos de meio mês para atingir o planeta vermelho. No dia 15 de Setembro de 2286 eu desembarcava em um outro mundo.
Meu Quarto Século (2286-2386) Nessa época cerca de 12 mil pessoas moravam em Marte. Distribuídas ao longo de 20 colônias. Minha chegada foi vital para a implementação do sistema de reforma ambiental que era severamente criticado pelos conservadores da natureza marciana. Com minha influência o sistema foi implantado. Em menos de uma década terrestre era possível respirar sem qualquer tipo de proteção em Marte, embora ainda com algumas restrições em termos de tempo de exposição. O céu se azulou e a vegetação se tornou exuberante. A população marciana triplicou e nisso foram achadas as primeiras evidências indiscutíveis de existência de uma civilização inteligente, extinta há milhões de anos. As ruínas da antiga sociedade marciana foram a maior descoberta científica de todos os tempos, inaugurando a Exoarquelogia em complemento a já razoavelmente avançada Exobiologia. Após muitas atividades sociais em Marte, me interessei pelo Projeto Vênus. Com minha influência ajudei a viabilizar a operação que transformou, ao longo de 30 anos, a atmosfera do planeta, tornando-o tão agradável quanto a Terra. Teria colaborado também com meus conheciementos científicos se não tivesse esquecido por completo qualquer noção de biologia que há menos de 200 anos atrás eu dominava. Viver em Vênus foi o início de mais uma nova vida, era como ajudar a fundar o paraíso. Foi uma das minhas épocas mais felizes, eu tinha uma ilha inteira, de mais de 4.000Km2 a minha disposição. O planeta foi colonizado com muito cuidado, fazendo jus ao seu nome. Foi lá também que conheci uma jovem que marcaria minha vida. Seu nome era Afrodite, nome muito comum nas primeiras nasciturnas de Vênus. Aos 14 anos ela desenvolveu uma fixação nesse homem de então 363 anos. Ela me preparou uma armadilha. Após uma comemoração em que exagerei no consumo de bebidas alcóolicas, ela me amarrou em minha cama, me excitou e copulou comigo. Afrodite driblara então milhares de concorrentes. Como o famoso Homem Imortal, eu gozava de fama inigualável, vasta influência política, fortunas, e um organismo que recebia o que a medicina tinha de melhor a oferecer. Eu me esterilizara há mais de um século, nunca mais tendo tido outro descendente após o filho de Chian-Wuan, mas meu poder de regeneração reabilitara minha fertilidade. Afrodite propositalmente ficou grávida e me cercou de todas as formas possíveis. Nossa filha, Alpendra, foi uma das mais brilhantes sociólogas e humanistas da história da humanidade, seus feitos no aperfeiçoamento da socidade Venusiana e também da Terrestre são lendários. Mas ela não herdou meu dom e viveu apenas 170 anos. Aos 390 anos deixei Vênus voltando para a Terra, Afrodite me seguiu e testemunhei seus últimos dias de vida. Ela jamais tivera nenhum outro homem além de mim, e permaneceu sempre ao meu lado. Após sua morte uma enorme desânimo pela vida me atingiu. Perdi por completo meu interesse por qualquer assunto, só dando atenção ocasional a trajetória marcante de minha filha principalmente em sua luta pelos direitos humanos dos clones semi orgânicos. Me isolei numa mínima cidade perdida nos confins da América do Norte e vivi uma vida tão pacata que acabei regredindo. Eu estava cansado, mas tranquilo. Só pensava em sossego e quando me procuraram para comemorar meus 400 anos de vida, em nem me lembrava de minha idade. Apenas Alpendra me parecia conhecida. Eu aparentava abatimento e temendo por meu estado de saúde alguns amigos me administraram as últimas e poderosas vacinas contra as últimas doenças que ainda estavam em fase de erradicação. Mesmo assim só alguns anos mais tarde eu viria a despertar para uma nova vida.
Meu Quinto Século (2386-2486) Um dia decidi subitamente sair de minha isolada residência, onde vivia totalmente sozinho, e ir para a cidade mais próxima. Minha aeronave automática mal pousou e me deparei com um torneio de artes marciais ao ar livre. Um novo curso se iniciava e sem saber muito bem o porquê decidi participar. Em menos de 10 anos me tornei o campeão mundial de Kiai-Do, uma arte marcial que misturava Karate, Aikido e Krav Magah. Durante esse tempo minha vida se resumia as artes marciais. Os livros que eu lia, os filmes que via, tudo o que falava, eram sobre o Kiai-Do ou outras artes marciais. Me esqueci completamente de meu passado, chegando a ficar surpreso por que possuía um crédito monetário tão vasto. Viajei por todos os centros de artes marciais na Terra, Vênus e Marte, neste último desenvolvi o estilo Kiai-Do de baixa gravidade. Além de vencer inúmeros campeonatos também fui instrutor e tive mais de 40 mil alunos ao longo de toda essa minha fase. Nessa época (2405-2436) muitas pessoas achavam que o Homem Imortal era apenas uma lenda, eu inclusive. Era muito comum pessoas com memórias recém apagadas que procuravam uma nova vida, fugindo de seu próprio passado. Como eu mesmo fazia ainda que insconcientemente. Só no ano de 2436 que manter a aparência de pessoa normal se tornou insustentável e finalmente conseguiram provar, apesar do oculto esforço de meus antigos amigos aos quais eu não mais conhecia em preservar minha privacidade, que era eu o Homem Imortal. Até hoje custo a acreditar o quanto reagi a isso. Eu não queria ser o Homem Imortal. Quando isso foi exposto, organizações esportivas anularam vários de meus títulos como lutador, e eles eram tudo para mim. Minha negação em me aceitar como sendo o homem de quase meio milênio me dera a injusta fama de hipócrita, mas eu realmente não acreditava que fosse eu a tal aberração, ou milagre do Universo. Em 2442 lutei pela última vez num torneio e venci o campeonato de Marte, agora com mais de 15 milhões de habitantes. Feito isso, meu interesse pelas artes marciais subitamente desapareceu. Voltei para Vênus e desapareci de novo. Minha filha Alpendra conviveu comigo em seus últimos dias e me interessei novamente pelo campo intelectual e político. Me senti na obrigação de restaurar meu passado e passei a estudar a mim mesmo. Foram surpresas em cima de surpresas até que eu me convencesse de quem eu era realmente. Passei mais de 10 anos apenas recuperando meu passado e vivendo uma vida pacata na mesma ilha em Vênus que fora minha propriedade. Apenas em 2462 que me lancei novamente ao cenário social. Pela segunda vez compus o gabinete dos 9 dirigentes terrestres, numa época de tranquilidade. Tranquilidade essa que so viria a ser rompida com um mais estupenda descoberta científica de todos os tempos. Em 2481, descobriram a "partícula" fundamental de todo o Universo. O Menton. Continua... Segundo Semestre de 2001 |