Do Lado "Escuro" do Sol...
...isto é, o lado da estrela Sol oculto ao planeta Terra, um pequenino asteróide desapareceu dando lugar a uma pequena nave espacial. Dificilmente os sistemas de rastreamento dos terrestres seriam capazes de detectar sua chegada com precisão, embora muito provavelmente alguns laboratórios detectassem alguma concentração anormal de partículas incomuns.
A nave era oblonga, não tendo mais do que uns 15m de comprimento, e pouco mais de 1m de diâmetro em sua parte mais grossa, e agora começava a desacelerar e corrigir seu curso, para o qual utilizou-se da gravidade solar. Quando estava do lado visível do Sol, manteve-se rigorosamente a frente dele em relação ao planeta destino, a fim de dificultar ao máximo qualquer possibilidade de prévia detecção pela tecnologia terrestre, ainda primitiva comparada ao da nave que se aproximava, mas já suficientemente avançada para causar problemas.
Não poderia repetir tal manobra com a Lua, por estar em oposição ao Sol, sendo então fase Cheia na Terra. E após a desaceleração final, a nave lançou mão de seus mais rigorosos recursos de acobertamento, e então se aproximou do planeta pelo Polo Sul, sobre a Antártida, visto que nesta região minimizava ainda mais as chances de detecção e possível hostilidade, pois as nações com maiores recursos aeroespaciais, especialmente recursos bélicos, ficavam no hemisfério norte.
Penetrou na atmosfera como um meteoro, tendo sua proteção frontal sido especialmente projetava para simular com perfeição esse efeito, de modo a ser tomada por um fenômeno natural se avistada. Com isso, ardeu na entrada em queda livre, até que numa certa altitude, dispersou a maior parte de sua estrutura fazendo-a se desintegrar por completo, como é o destino da maioria dos meteoros.
Agora, apenas uma pequenina parte dela ainda voava, já corrigindo seu curso para evitar o imenso continente gelado, e se dirigir ao continente sul americano. Por fim, escolheu o deserto da Patagônia como seu destino final, mensurando cuidadosamente a proximidade com relação a centros mais populosos, de modo a ficar não tão perto que tornasse seu avistamento mais provável, nem tão longe a ponto de tornar a viagem por terra demasiado longa.
Finalmente atingiu o solo numa região desabitada, deixando um rastro não muito chamativo que não tardaria a ser ocultado pelas intempéries naturais. Então se abriu, e lentamente o único passageiro emergiu, cuidadoso e um tanto desnorteado, experimentando seu corpo, indistinguível de um homem humano normal.
Era artificial, produzido com os mais avançados recursos de bio engenharia de sua civilização, de modo a se passar por um terrestre comum. Estatura média para alta, corpo saudável mas moderado, fisicamente muito apto. Nenhum outro terrestre poderia competir com ele em qualquer modalidade esportiva ou num confronto físico. Mas isso era apenas uma precaução para otimizar suas possibilidades de ação e sobrevivência no mundo, visto que teria que levar, ao menos por um tempo, uma existência o mais discreta possível.
Vestiu as roupas sintetizadas com conhecimento sobre a cultura local, e trouxe um punhado significativo de ouro, que sabia ser valioso em qualquer parte do planeta. Com tudo pronto, a nave começou seu processo de auto destruição, se dissolvendo suavemente, deixando seu passageiro completamente sozinho, num planeta novo, o terceiro que ele conhecia, com uma missão absolutamente crucial.
Acompanhou o processo vigiando o perímetro, na precaução de impedir que alguém pudesse testemunhar o que acontecia. Aguardou anoitecer e contemplou a Lua Cheia, impressionando com sua beleza e brancura, contrastando com a lua azulada de seu planeta natal, ou as muitas e pequeninas luas do planeta em outro sistema estelar no qual ele passara a viver posteriormente. E então, após exercitar o corpo, pôs-se a caminhar rumo à cidade mais próxima, onde daria os primeiros passos de seu longo trabalho, para o qual tinha um prazo máximo de pouco mais de uma década.
Nada trouxera além do que tinha consigo. O único recurso de tecnologia mais avançada que possuía ficara para trás, terminando de se desintegrar a nível molecular. Teria que contar apenas com sua avançadíssima inteligência e os recursos nativos que pudesse usar, ou outros que ele próprio pudesse construir, para cumprir seu objetivo.
Aniquilar completamente o planeta Terra.
O Extraterrestre...
...teve alguma dificuldade de pronunciar o idioma espanhol, tendo que fazer alguns ajustes com instrumentos primitivos em sua arcada dentária e seu aparelho fonador, mas afora isso conseguiu se infiltrar com perfeição entre a população de um pequeno vilarejo ao sul da Argentina. Não foi difícil conseguir significativa quantia de dinheiro vendendo pequeninos pedaços de ouro para alguns ouvires locais por preços bem abaixo do que valeriam, e agora seu segundo passo seria conseguir uma identidade, para a qual contatou alguns indivíduos que praticavam atividades socialmente reprovadas, na fase que, esperava, fosse a mais arriscada de sua longa missão.
Conseguiu obter documentos falsos temporários de qualidade mediana mas suficiente para permitir que operacionalizasse os passos seguintes, se deslocando para uma cidade maior, adquirir recursos tecnológicos básicos como telefone celular e computador portátil, uma bicicleta de alto desempenho e roupas adicionais. Conseguiu também itens de papelaria e uma impressora com os quais aperfeiçoou a qualidade de seus documentos falsos, produzindo versões bem superiores às que obtivera com os falsários, e com isso teve oportunidade de ir aos poucos criando não simples documentos, mas toda uma identidade falsa.
Se infiltrou num cartório local e criou toda uma documentação registrando uma existência prévia fictícia, tendo o cuidado de montar uma história convincente, de uma criança criada num orfanato há muito extinto, e cujo a maior parte dos responsáveis já era falecida. Criou certificados de frequência a escolas públicas locais e plantou uma série de evidências, inclusive manipulações fotográficas, que atestassem sua existência para qualquer verificação futura.
Estava longe de ser uma fraude infalível caso as maiores autoridades da Terra decidissem investigar com mais recursos, mas por enquanto era mais do que suficiente para convencer investigações menores de interesse local, e assim ficou mais à vontade para adquirir mais recursos, uma conta bancária, alugar residência e carteira de motorista.
Após algum tempo cuidando desses detalhes, abandonou a cidade rumo à Cidade Autônoma de Buenos Aires, que por enquanto lhe permitiria os primeiros passos significativos na preparação de seu plano. Lá chegando, procurou a melhor universidade disponível e matriculou-se em um bacharelado em Física, que ao longo dos anos seguintes cursou com desempenho nada menos que brilhante, ao mesmo tempo que aperfeiçoava mais e mais o seu disfarce, tornava seu falso passado mais verossímil, e investigava todos os recursos e opções para realizar a importantíssima missão.
A Destruição da Terra...
...no entanto, confirmava-se tão ou mais complicada do que seus piores prognósticos. Após exaustivas investigações, já em contato com acadêmicos mais diversos, confirmou que a tecnologia terrestre estava longe de ter tamanho poder de destruição. Nem todos os armamentos nucleares já desenvolvidos combinados seriam suficientes, e nem mesmo parecia plausível a construção de novos em tempo hábil. Poderiam até exterminar várias espécies, ou mesmo aniquilar a vida se fossem aplicadas também com diversos recursos químicos ou bacteriológicos.
Mas tudo isso era irrelevante. O objetivo não era exterminar a humanidade ou a vida em si, mas sim desintegrar o planeta. Seria preferível se fosse possível transferir aqueles bilhões de terrestres para um outro planeta seguro, mas isso era por completo impossível. Se por um lado fora uma sorte que aquele planeta já contivesse tecnologia suficiente para ser explorada a fim de destruí-lo, por outro lado era trágico que tivesse tão pujante civilização em progresso.
As hipóteses de que os mais avançados aceleradores de partículas do mundo poderia causar uma destruição cataclísmica era de uma ingenuidade constrangedora, após inúmeros cálculos o extraterrestre concluiu que qualquer possibilidade nesse sentido não tinha qualquer chance de se realizar no próximo meio século a julgar pelo ritmo do desenvolvimento tecnológico.
Assim, só restava uma única opção. Ele mesmo teria que desenvolver tal tecnologia, e isso lhe exigiria grande esforço e um planejamento meticuloso. Por mais que seu conhecimento científico estivesse milênios à frente das maiores inteligências da Terra, ainda assim sabia que a missão exigiria muita paciência e cuidado.
Após concluir seu bacharelado em tempo reduzido devido a seu excepcional talento, foi fácil conseguir um mestrado em física de partículas no país vizinho, Brasil, numa universidade que tinha contato com o maior programa nuclear daquele continente, e como seria de se esperar, obteve resultados excepcionais, não demorando a impressionar seus colegas e facilitando muito conseguir um doutorado numa das maiores universidades suíças, que tinha acesso aos programas nucleares e de física de partículas mais avançados do mundo.
Agora, era inevitável que começasse a ser investigado e que seu passado começasse a despertar atenção, o que lhe exigiu ainda alguns ajustes finais no seu falso histórico, especialmente quando foi finalmente aceito como um dos cientistas aprendizes na equipe que trabalhava com o maior Colisor de Partículas do planeta.
Apenas 7 anos após pousar no deserto sul americano, já estava famoso nos círculos científicos. Procurando os contatos certos e se aproximando dos cientistas mais brilhantes, participou da equipe que detectou o Bóson de Higgs, foi um dos principais responsáveis pela detecção do Graviton, e posteriormente agitou todo o mundo da física com a conciliação convincente da Teoria da Relatividade com a Física Quântica, embora ele soubesse perfeitamente que tudo era por completo ultrapassado em comparação ao conhecimento de sua civilização.
Mas aquilo lhe permitiria acobertar perfeitamente seus verdadeiros objetivos, e manipulando muito bem as equivocadas e primitivas teorias científicas vigentes, estava desenvolvendo um meio promissor de levar ao desenvolvimento de um experimento que pareceria inofensivo mas teria resultados catastróficos.
O Prêmio Nobel...
...precoce e muito badalado abriu-lhe as portas definitivas para a elite científica histórica do planeta. Ficou mundialmente famoso e já era comparado aos maiores cientistas de todos os tempos. Mesmo os físicos mais brilhantes que o precederam admitiam seu brilhantismo e agora ele já podia liderar uma das maiores equipes de pesquisa da história da Física Contemporânea.
Mas toda essa notoriedade e sucesso veio acompanhada de novos desafios. Agora sua vida pregressa era investigada rigorosamente, visto que até mesmo convites para laboratórios militares altamente avançados lhe foram feitos, embora recusados. Todo cientista brilhante possui fichas detalhadas nas agências de espionagem mundial, e uma mínima falha em sua estória fabricada poderia colocar sua missão em risco.
Por sorte, ele tivera tempo de, além de suas atividades acadêmicas, desenvolver projetos secretos paralelos, produzindo tecnologias por conta própria e mantendo-as ocultas nos mais diversos locais por onde passara. Escondera computadores, robôs e centrais de comunicação em pontos estratégicos para que fossem usados em caso de necessidade, e estabelecera contato com pessoas dispostas a colaborar com ele em troca apenas de notáveis somas de dinheiro, que ele pudera obter com recursos de hackeamento de instituições financeiras, das quais pudera desviar dinheiro discretamente com abordagens quase impossíveis de detectar.
Mesmo assim se surpreendeu como a falsa estória de sua vida foi flagrantemente confirmada por pessoas que evidentemente jamais poderiam tê-lo conhecido. Uma idosa senhora da cidade onde ele forjara sua infância alegava se lembrar de ser sua professora, e a evidente demência dela só a tornava mais simpática. Outras pessoas, por motivos diversos alegavam tê-lo conhecido, e algumas ele chegou a de fato entrar em contato induzindo a formação de falsas memórias. Interessadas em notoriedade, muitas delas de fato passaram a acreditar que foram colegas de infância daquele estranho e tímido menino de quem não se lembravam o nome.
Um problema maior foram os vários exames de DNA a que foi submetido. Sua civilização dominava uma bioengenharia incomensuravelmente mais avançada que a terrestre, mas sua espécie original não compartilhava a mesma base de aminoácidos. Por sorte, a construção artificial de seu corpo levou em conta as mais completas e avançadas informações possíveis, incluindo observações remotas feitas tanto pela sua civilização quanto por outras que eram mais próximas do Sistema Solar, bem como levou em conta registros antigos de extraterrestres que já haviam visitado o planeta há milênios, e com elas conseguiram criar um simulacro perfeitamente convincente a nível somático e fenotípico, mas não totalmente a nível genético.
Os habitantes senscientes de seu mundo natal sequer poderiam respirar o mesmo tipo de atmosfera que os terrestres, mas já controlavam tecnologias de construção corpórea capazes de transferir o conteúdo cerebral mesmo entre cérebros de composições diferentes, misturando aos poucos as redes neurais de uma base química com outra base, e por meio da reposição celular comum a todas as formas de vida, adaptando gradativamente as sinapses de um cérebro baseado numa arquitetura química inicial para outro baseado em outra arquitetura natural.
Aquele não fora a seu primeiro corpo alternativo. Há muito ele havia deixado seu planeta natal, e seu sistema estelar, para viver num outro, para o desenvolvimento de pesquisas científicas, e para melhor se adaptar às condições daquele outro mundo já havia promovido um processo de readaptação corpórea. Aquele fora, por sinal, um dos motivos cruciais pelo qual ele fora escolhido para a missão, visto que a configuração química de seu último corpo, de acordo com a biosfera de seu segundo mundo, era mais próxima à da espécie terrestre do que as configurações de outros cientistas de sua espécie, tanto em seu mundo natal quanto em outros planetas próximos a ele.
Mesmo assim, seu DNA ainda levantaria sérias suspeitas para qualquer mapeamento rigoroso, visto que sugeriria uma linhagem evolutiva jamais vista. O argumento de que fora resultado de um estrangeiro que engravidara uma sul americana nativa de antiga e obscura linhagem indígena era só parcialmente convincente, de modo que contando com seus recursos discretos e adicionais, ele teve que se infiltrar e fraudar os resultados de suas análises de DNA, tendo o cuidado de promovê-las de modo que, se detectadas, pareceriam apenas erros resultantes de falhas não muito incomuns.
Outro problema que passou a lhe acometer foi o interesse das mulheres. Mesmo vivendo em um ambiente predominantemente masculino, passou a ser visto com muito entusiasmo por várias colegas de trabalho, e descobriu que a pesquisa prévia de sua civilização a esse respeito fora falha. Por mais que se mostrasse desinteressado e pouco receptivo a investidas, e mesmo que embora não fosse de uma beleza chamativa, percebeu que suas tentativas de se esquivar do interesse feminino só pareciam amplificá-lo. Isso já vinha acontecendo antes de sua maior notoriedade, mas após a fama passou a ser sistematicamente assediado.
Embora seu organismo pudesse realizar com perfeição todas as atividades corpóreas, não estava em seus planos ter relacionamentos com fêmeas nativas, e acabou cedendo à melhor solução que encontrou. Casou-se com uma de suas colegas, uma brilhante neurocientista que realizava um trabalho de vanguarda com emissão de subpartículas cerebrais, e com ela desenvolveu um laço afetivo que se por um lado se revelava um tanto custoso, visto ter que dedicar tempo a ele, por outro lado lhe levou a compreender melhor a espécie cuja sua missão pressupunha destruir, bem como lhe permitiu ter uma companheira mais íntima com a qual poderia contar em possíveis situações de emergência.
E foi durante sua Lua de Mel que finalmente encontraria a solução definitiva para a sua missão.
Seu Casamento...
...foi mundialmente badalado, visto que ela estava entre as cientistas mais brilhantes do mundo e ele já era tido como O mais brilhante. Seu QI beirava os 300 e ele se continha durante os testes para apenas consolidar o recorde mundial sem ir muito além. E se o casamento não eliminou totalmente o assédio de outras mulheres, o minimizou bastante. Ademais, a perspectiva de ter uma família parecia ter um inesperado efeito tranquilizador nas agências de espionagem que o investigavam, e com isso pôde se dedicar a seu temível plano, do qual nem sequer sua esposa nutriria a menor desconfiança.
Já começava a se preocupar porque seu tempo se esgotava. Tinha agora apenas 3 anos pela frente, e já tinha visualizado a solução, uma experiência que teria como função declarada isolar os gravitons numa matriz manipulável, mas que inadvertidamente na realidade causaria algo similar a um Buraco Negro, engolindo todo o planeta antes de se aniquilar. No entanto os recursos necessários para isso seriam colossais, envolvendo a construção de um acelerador de partículas novo e caríssimo, exigindo um orçamento que ele não vislumbrava um modo de convencer governo algum a financiar.
Para piorar, aceleradores de partículas eram construídos em grandes profundidades a fim de evitar a interação com partículas e radiações vindas do espaço, e o plano dele exigia exatamente uma exposição aberta ao máximo possível de determinadas partículas transportadas por raios cósmicos. De qualquer modo, temia que nunca conseguiria gerar um evento com poder de destruição eficiente em tempo hábil, até que uma noite em sua Lua de Mel em uma praia, acompanhado da esposa e contemplando a Lua cheia, ela começara a divagar poeticamente com uma descrição floreada do Princípio Antrópico em relação a Lua, comentando em como tudo seria diferente se a Lua estivesse um pouco mais próxima ou mais distante, ou se movesse mais ou menos rápido.
Então ele relembrou uma ideia similar que lhe ocorrera há anos mas que por uma série de motivos abandonou, e naquele momento, com uma nova perspectiva, percebeu ser a melhor se não a única solução, e ficou tão entusiasmado que chegou a pronunciar o "Eureka!" que um de seus mais bem humorados colegas costumava empregar. Então tudo correu rapidamente por sua mente, e ao mesmo tempo que explicava a sua esposa aquilo que diria à toda comunidade científica, elaborava apenas para si o chave para a destruição completa da Terra.
Simplesmente convenceria a realizar algumas experiências na superfície da Lua!
Com a descoberta, detecção e até isolamento de algumas partículas que por décadas se esquivaram das experiências científicas, agora iniciava-se uma nova fase, compreender como elas interagiam com diversas formas de radiação e partículas distintas, e alguns cientistas já haviam teorizado sobre experimentos expostos a radiação cósmica, a fim de estudar tanto eventos correlatos ao do surgimento do universo, quando interações gravitônicas em campos gravitacionais mais baixos. Mas todos eles esbaravam em problemas de segurança, visto que envolviam manipulações massivas de radiação e altas energias sempre ameaçadoras.
Mas a construção de colisores de partículas na Lua não teria qualquer desses problemas. Nada de temores com relação a vazamentos nucleares, interferências eletromagnéticas que prejudicassem telecomunicações ou geração de energia, questões ambientais ou riscos de atentados terroristas.
Ademais, seria a oportunidade perfeita para reativar as explorações lunares que muitos já tentavam retomar, inclusive cientistas que ele conhecia pessoalmente, mas que se viam frustradas pela prioridade da viagem tripulada à Marte e por dificuldade de financiamento. Embora o transporte de equipamentos para a Lua fosse bastante dispendioso, em compensação poderiam levar quantidades bem menores, visto não haver necessidade de grossas chapas de isolamento ou demais recursos de segurança.
Ele próprio projetara colisores de partículas mais econômicos e reduzidos, além de indiretamente ter influenciado no desenvolvimento de patentes que vinham contribuindo para o desenvolvimento robótico e aeroespacial que agora seria plenamente aproveitado. Também já havia conseguido acumular uma razoável fortuna que mantinha escondida em paraísos fiscais, caso fosse necessário terminar a missão de forma mais independente.
Embora tenha havido dificuldades, convencer uma coalizão de governos a financiar o projeto lunar foi mais fácil do que seria para um projeto de um massivo colisor de partículas na Terra, e em pouco tempo inúmeras empresas e cientistas se animaram e passaram a contribuir entusiasmados com o retorno das viagens à Lua.
A Viagem à Lua...
...inaugural foi não tripulada, e se limitou a levar uma série de equipamentos a serem desembarcados num local específico no extremo Leste da Lua, o lado no sentido da translação em torno da Terra. Após o sucesso da instalação do primeiro parque de operações, que foi entusiasticamente acompanhado por todo o mundo, várias outras missões foram enviadas, algumas das quais tripuladas, montando a estrutura necessária o mais rápido possível. Ele alegou, entre outras coisas, experiências com emissão de raios a fim de fornecer previsões e medições mais precisas da velocidade da Luz, enquanto uma posterior etapa da missão previa instalar parques de operações similares no lado oposto do satélite natural.
Embora o entusiasmo global tenha sido uma grata surpresa, inclusive com a articulação de um programa turístico lunar já prometendo enviar quem estivesse disposto a desembolsar alguns milhões de Euros, ainda assim os procedimentos foram mais lentos do que o extraterrestre gostaria. Estava no último ano, mais de uma década após sua chegada no planeta, e tinha que agilizar ao máximo o projeto, caso contrário poderia ser tarde demais para a sobrevivência da civilização da qual o sacrifício da Terra dependia.
Ele havia elaborado uma série de planos paralelos, pondo em ação pesquisas indiretamente financiadas, produção de equipamentos automatizada e controlada por robôs, em laboratórios secretos que havia espalhado em distintos locais do planeta, bem como empresas fantasmas controlando programas científicos e espaciais independentes no setor privado. Mas esperava não ter que lançar mão de nenhum deles, visto que não poderia contar com a colaboração integrada de todos aqueles que seriam exterminados.
Ela não era desprovido de senso ético. Sua consciência pesava com a perspectiva de exterminar quase 9 bilhões de pessoas, mas era um mal necessário, um sacrifício em prol de um número muito maior de uma civilização muito mais avançada. Piorava o fato de que o plano que ele executava agora tinha a desvantagem de não ser instantâneo, como seria a aniquilação por meio de um evento localizado num choque de partículas, que implodiria em minutos. Aquele plano terrível daria fim à Terra, mas demoraria semanas agonizantes.
Com se tudo já não bastasse, duas más notícias vieram. Uma operação policial internacional havia descoberto uma vasta rede de desvio de dinheiro de operações financeiras bancárias que há muito vinha intrigando especialistas por serem incrivelmente sutis, fazendo poucos dólares sumirem há anos de milhões de contas milionárias e migrando para poucas contas difíceis mas passíveis de rastreamento, e já haviam chegado a alguns dados que poderiam levar a alguma de suas bases de operações escondidas, ou contatos pessoais que as operacionalizavam. E também uma investigação de alguns particulares a respeito de sua vida pregressa que detectaram inconsistências na sua suposta infância, contando com o depoimento de algumas pessoas que juravam jamais ter visto o suposto estudante e um habilidoso especialista em fraudes fotográficas que por puro hobby começara a desconfiar de algumas das suas fotomontagens, que o incluíam numa das poucas fotos das crianças do orfanato onde teria vivido.
O extraterrestre estivera tão preocupado em evitar que seus colegas, que por mais que não tivessem a inteligência dele, eram brilhantes para o padrão terrestre, desconfiassem que seus experimentos escondiam segundas intenções, e investira tantos esforços nas mais cuidadosas formas de acobertamento, que acabara relaxando na manutenção das fraudes que lhe davam suporte externo.
E faltando poucos dias para o momento final, sua esposa discreta e misteriosamente coletara seu sêmen, de certo para um novo espermograma a fim de verificar o porquê de sua esterilidade. Ele tinha um esperma funcional, com espermatozóides ativos, mas seu padrão genético diferenciado impossibilitava qualquer forma de concepção. Da primeira vez ele teve um cuidadoso trabalho para fraudar o resultado do exame, dando a entender uma forma de esterilidade comum, mas agora não teria tempo para fazer o mesmo, até porque o exame prometia ser bem mais criterioso.
Decidiu não mais se preocupar, pois se e quando descobrissem a anomalia, já seria tarde demais.
O Momento Crucial...
...chegara. O experimento derradeiro iria ser realizado assim que o último carregamento pousasse na Lua. Ele fiscalizara pessoalmente esta última nave espacial, instalara ele próprio alguns equipamentos e fizera questão de preparar uma última simulação pouco antes dela chegar ao destino, para que ter completa certeza de que tudo correria bem com a experiência que deveria ser feita o mais rápido possível dado a alegada desejabilidade da elevada concentração de partículas táquions que vinha ocorrendo nos últimos dias. Uma feliz coincidência irrelevante para seus verdadeiros propósitos, mas útil para justificar um adiantamento do cronograma.
Fora irônica a precaução dos diretores em evacuarem os poucos astronautas próximos do local, os únicos que poderiam ser afetados caso houvesse algum desastre imprevisto com a experiência. O extraterrestre pensou que melhor seria para eles morrerem logo, 4 pessoas a menos para viver os últimos dias da Terra.
Sua consciência agora lhe pesava como nunca. Estava sentado ao lado de sua esposa e de bons amigos que, apesar de ter evitado formar laços, acabara fazendo em seus quase 11 anos de vida naquele mundo. Já havia preparado um discurso e já antevia o pesar com que tudo deveria ser anunciado. Alguns dos mais próximos notaram sua apreensão. Após tanto tempo entre os terrestres se infiltrando e se aculturando, era impossível não reproduzir seus comportamentos e mesmo subjetividades com cada vez maior intensidade.
Na sala de controle da Agência Espacial Internacional eles observavam os últimos minutos de aproximação da nave, que contava com novos impulsores iônicos de alto desempenho, ao satélite natural. E então, seus assistentes deram início à última simulação, que deveria gerar uma colisão moderada de partículas apenas para testar a plena operacionalidade do equipamento.
Cabia a ele entrar com a senha final e dar o comando, o que fez com um gesto cerimonial, um olhar pesaroso, quase choroso, para seus companheiros. E no último instante, disse. - Eu lamento muito. - E ativou o processo.
A nave que já estava próxima da Lua acelerou bruscamente no momento em que o colisor foi ativado e não com força reduzida, e sim com força amplificada além do que todos esperavam. Houve um susto generalizado no momento em que viram todos os indutores de velocidade se ativarem à potência máxima. Um dos técnicos imediatamente começou a vasculhar o sistema tentando compreender o que acontecia, ao mesmo tempo que o controle sobre a nave, que agora disparava rumo ao parque operacional lunar como um míssil, fora perdido.
Solicitaram a ele que abortasse a operação, e ele fez questão de pressionar o botão para mostrar que não funcionaria, dizendo. - É tarde demais. Nada pode ser feito. - E seu tom de voz deixou a todos apavorados.
- A nave vai atingir o colisor! - Gritou um dos engenheiros, e um diretor disse. - Vamos perder bilhões de dólares em equipamento...
- Não se importe com isso. Nada mais importa. - Disse o extraterrestre. E se levantou dando as costas, sem sequer contemplar a cena da imensa explosão nuclear inesperada ocorrida quando a nave atingiu a superfície da Lua no exato momento em que uma massiva colisão de partículas ocorreu, e então toda a energia do local acabou, deixando todos as escuras por quase um minuto, até que os sistemas voltaram a operar.
Sua esposa veio segurar sua mão com um olhar de desespero, surpresa com a reação dele, e quando as imagens foram pouco a pouco revelando o cenário aterrador, quase ninguém conseguia acreditar no que estava acontecendo. Uma gigantesca onda de energia se elevou da superfície lunar, como se um raio tivesse sido disparado no espaço profundo. Em todo o mundo pessoas acompanhavam o lançamento, e muitos puderam ver a olho nu o lado não iluminado da Lua, que estava na fase crescente, emitindo uma língua de fogo num fenômeno belo e aterrador ao mesmo tempo.
A magnitude da explosão estava além da mais paranóica e exagerada expectativa de desastre, e se tivesse ocorrido na Terra em qualquer local, mesmo na mais desabitada zona, de certo ceifaria milhões de vidas.
Atônitos, todos olharam para ele, não precisando sequer verbalizar a pergunta. E ele apenas disse. - Vamos até a tribuna pública, tenho um pronunciamento a fazer.
O Mundo Todo o Observava...
...quando estava no auditório onde a Agência Espacial Internacional dava conferências, terminando de ajustar o microfone, após ter passado direto por seus colegas e superiores, insistindo em fazer a declaração de uma vez só. Já sendo o mais famoso cientista do mundo e considerado por muitos como o homem mais inteligente que já existiu, ele fôra cercado de uma aura quase mística de autoridade, e naquele momento era certo que bilhões de pessoas em todo o mundo aguardavam sua fala.
- Eu sei exatamente o que aconteceu e vou dizer exatamente o que vai acontecer. Manipulei o experimento para dar esse preciso resultado, uma explosão de antimatéria que produziu uma força contrária ao movimento de translação da Lua, que acaba de provocar sua brusca desaceleração. Com isso, ela será atraída para a Terra, e em exatos 13 dias, uma horas e 17 minutos ela irá colidir com o planeta exatamente num ponto também praticamente contrário ao movimento de translação terrestre, o que causará também sua desaceleração. Com isso, em menos de um ano a Terra mergulhará no Sol. Será o fim de tudo. Da espécie humana, da vida, de todo o planeta. E não há nada que vocês possam fazer a respeito. Eu sinto muito.
Ele teve que repetir o conteúdo diversas vezes, ante às inúmeras perguntas, a maioria das quais inúteis, enquanto seus colegas e profissionais de todo o mundo examinavam as evidências e já começavam a compreender o acontecido, se não confirmando, ao menos incapazes de negar o terrível prognóstico.
Como poderia aquela celebridade, o homem mais inteligente do mundo, ter realizado tão monstruoso ato? Após muita confusão que variou da incredulidade, passando pela esperança de que tudo fosse uma grande brincadeira, até tentativas de alcançá-lo detidas pela segurança, ele finalmente pôde falar novamente.
- Eu não sou um de vocês. Sou um Extraterrestre proveniente de um Sistema Estelar há 4.237 Anos Luz do Sol, e cheguei aqui há mais de 10 anos com o objetivo de destruir totalmente este planeta. O motivo, é que isso é infelizmente necessário para a sobrevivência da minha espécie, cujo Sistema Estelar está ameaçado por um evento ainda mais catastrófico do que o que ocorrerá aqui. Como representante da minha civilização, asseguro que houve muita reflexão a respeito dessa medida extrema, e profundo pesar pelo sacrifício dos 9 bilhões de habitantes senscientes que aqui vivem. Mas é um sacrifício imprescindível para a sobrevivência de uma população de 64,4 bilhões de seres senscientes de uma civilização muito mais avançada do que a terrestre, e cujo grau de desenvolvimento ético nos permitiu abandonar qualquer tipo de guerra há milênios. Apenas na minha nação que possui uma população quase equivalente a de todo planeta Terra, não houve um único assassinato desde que eu nasci, há um período equivalente a 327 anos terrestres, e eu ainda sou jovem para a expectativa de vida de minha espécie.
Digerir aquela informação foi ainda mais custoso do que a anterior. Uma saraivada de outras perguntas, pouquíssimas delas boas, foi disparada simultaneamente. O mundo estava em choque, e o local já fervilhava prestes a explodir num frenesi de desespero e violência. Tropas começavam a invadir o local para conter os ânimos, os militares sabiam que não podiam permitir que o famoso cientista que acabava de se declarar como um invasor extraterrestre fosse morto por uma turba enfurecida. Se o que ele dizia era verdade, ele próprio seria provavelmente a única chance de impedir a desgraça.
Ele ainda teve a oportunidade para uma última fala, sentindo que devia uma explicação final para justificar tamanha atrocidade.
- Conhecemos 8 espécies inteligentes na galáxia, incluindo a terrestre. Nenhuma delas é mais avançada que a nossa, ou que a outra espécie que já exterminou duas delas e tentou fazer o mesmo conosco. Eles aniquilariam toda a vida humana neste planeta sem hesitar e sequer responderiam a qualquer tentativa de contato, e avançaram sobre nós com tecnologias de destruição além da imaginação da Física terrestre. Diferente de nós, ou de vocês, eles eram uma espécie completamente desprovida de qualquer senso ético ou empatia, agindo como autômatos com o único propósito de acumular recursos para um objetivo final que até hoje nos escapa a compreensão. Ao nos atacar, nós reagimos e conseguimos exterminá-los, mas a um alto preço. Eles conseguiram desequilibrar gravitacionalmente o nosso Sistema Estelar de um modo irreversível, gerando uma série de catástrofes que em pouco tempo exterminarão qualquer possibilidade de vida no meu planeta natal, ou em qualquer outro dos planetas mais próximos. Nossa única esperança é teletransportar o planeta para um outro sistema estelar com configuração gravitacional parecida.
É assim que conseguimos viajar. Não conhecemos meios para viagens interestelares superluminais. O que fazemos é localizar pontos distintos na galáxia com configurações gravitacionais quase idênticas, e por meio de um colapso localizado de matéria conseguimos conectá-las, trocando objetos de massa equivalente entre elas. Foi por isso que só eu pude vir até o Sistema Solar, pois estava vivendo em um outro sistema que permitia uma conexão com este, no caso, trocando minha nave de lugar com um pequeno asteróide que estava no lado oposto do Sol. É também esta mesma tecnologia que permitirá a minha espécie trocar seu planeta de lugar com um outro num sistema estelar distante, com uma configuração compatível e segura, e que felizmente não possui vida exceto por aminoácidos primitivos.
No entanto, isso só é possível se não houver outros sistemas com configurações gravitacionais similares mais próximos que interfiram na conexão, e ao realizarmos os cálculos do teletransporte descobrimos que o Sistema Solar, especialmente devido a Terra, forçaria a teleporte para cá, resultando tanto na destruição dela quanto do nosso planeta, que é cerca de 12% mais massivo, resultando numa transição catastrófica para ambos os sistemas estelares. Por isso eu precisava aniquilar por completo a Terra, removê-la da órbita, de modo a alterar a configuração gravitacional e permitir um teletransporte seguro do meu planeta natal, eliminando a interferência gravitacional. Foi uma trágica e lastimável coincidência que seja justo este planeta que possua essa pujante civilização. Passamos muito tempo deliberando sobre nosso direito de promover a morte de bilhões de inocentes, e na verdade a maioria de nós antes preferia morrer do que causar essa horrenda injustiça. Mas nosso sistema não se baseia em decisão de maiorias, mas sim na decisão dos mais inteligentes e esclarecidos entre nós. E por isso concluímos que seria ainda mais trágico que permitíssemos nossa própria destruição em benefício de uma espécie que, apesar de promissora, ainda corre o risco de destruir a si própria.
É tudo o que tenho a dizer. Agora estou a disposição de sua justiça ou sua vingança, mas deixando claro que nada do que façam poderá mudar o que acontecerá.
E o pronunciamento se encerrou. Ele foi preso e levado para uma base militar de segurança máxima, enquanto o planeta inteiro, cada vez mais convencido da realidade do fato pela simples detecção da redução de velocidade da Lua, mergulhava num completo caos.
As Melhores Mentes da Terra...
...agora se debruçavam sobre o problema da iminente aniquilação. Os governantes, cientistas e militares sabiam muito bem que aquela situação não poderia ser solucionada por meio de qualquer ação contra o extraterrestre. A única coisa que poderiam fazer seria tentar deter a queda da Lua, com algum procedimento similar ao utilizado para provocar sua desaceleração. Mas nenhum dos cientistas compreendia o que havia ocorrido, e só agora se davam conta, vasculhando obstinadamente os arquivos pessoais do extraterrestre, que até mesmo suas melhores teorias eram incapazes de explicar o que ele havia causado.
Por isso não surpreendia muito que nem tudo o que ele dissera fosse confirmado pelos cálculos. Como por exemplo a velocidade com que a Terra seria tragada pelo Sol, que concluíam ser bem mais lenta do que ele afirmara. Mas isso não fazia qualquer diferença relevante. A simples aproximação da estrela mataria a todos de calor muito antes do prazo que ele fornecera para atingir o Sol. Era evidente que somente ele próprio poderia oferecer alguma solução para o problema, mas também era evidente que seria impossível fazê-lo falar à força. Novos exames e sensoriamentos de seu corpo revelaram que ele era completamente imune a tortura física ou psicológica, e claramente não estava nada preocupado com sua própria vida. Sua missão não pressupunha apenas a morte dos bilhões de terrestres, mas também a sua própria.
A única esperança era tentar convencê-lo, e por isso os mais perspicazes advogados, filósofos, gurus e sábios agora se reuniam com ele, que por sorte se mostrava bastante receptivo ao diálogo, fornecendo abertamente informações cuja riqueza e profundidade só tornavam ainda mais trágica a destruição da humanidade. A civilização dele tinha muito em comum com a terrestre. Tivera uma origem animal e evoluíra por processo basicamente equivalente, mas tinha, desde sempre, a vantagem de possuir uma maior tendência a cooperação devido a hostilidade muito maior do meio ambiente forçá-los a isso.
Passaram por períodos de vastas guerras e por algum tempo também correram o risco da autodestruição quando sua tecnologia estava suficientemente avançada mas seu avanço ético ainda era frágil. Tiveram muitas religiões, ideologias e sistemas políticos, e passaram por ainda muitas ameaças naturais como catástrofes climáticas, doenças inéditas e até mesmo mutações que produziam novos predadores capazes de por em risco a espécie mesmo quando tinham tecnologias mais avançadas.
Mas tudo isso, disse o extraterrestre, ficara pra trás a um período aproximado de 8 mil anos terrestres. Eles já acumulavam 29 mil anos de história bem registrada e haviam atingido uma Fraternidade Universal baseada primeiro numa revolucionária forma de espiritualidade que depois se convertera em uma Filosofia Ética mais secularizada, embora uma espiritualidade sutil e moderada fosse uma marca indelével de sua civilização.
A miséria e a pobreza, a fome, o crime, as doenças, as guerras, eram coisas do passado e já não mais experimentadas em qualquer escala significativa há milênios. Sua espécie aperfeiçoou sua ciência e tecnologia e descobriu a capacidade de conectar sistemas estelares gravitacionalmente similares, se expandindo por vários na forma de uma rede. Tiveram contato direto com duas outras civilizações, ambas mais primitivas que a terrestre, e forneceram uma discreta ajuda. Também conheceram uma outra tão ou mais avançada que eles próprios, mas que se mantinha reclusa em seu sistema estelar numa atitude contemplativa. E também descobriram os vestígios de outras civilizações extintas.
O Sistema Solar era diretamente inacessível para eles devido a ausência de compatibilidade de pequenos astros para a conexão gravitacional, exceto a tardiamente descoberta interferência que atrairia seu planeta natal caso este tentasse fazer o teletransporte. Ele garantira que a possibilidade de que isso fosse feito com segurança para sua espécie era de menos de 1%, e de qualquer modo, fracassando ou não, ainda destruiria a Terra inevitavelmente, devido a um tipo de "eco" gravitacional que desarranjaria o Sistema Solar durante a transição. Com a remoção da Terra da órbita, eles poderiam daqui a pouco mais de um ano realizar a transição com o outro sistema estelar praticamente sem riscos.
Eles tentaram outras soluções, mas o dano ao seu sistema estelar não tinha como ser sanado. Todos os planetas tiveram suas órbitas afetadas e dois dos maiores já estavam em rota de colisão, que por si só já seria capaz de inviabilizar a sustentabilidade, resultando numa reação em cadeia que faria todos os planetas desabarem rumo a estrela, ou alguns se perderem no espaço exterior. Tinham tecnologias para viajar pelo espaço intra estelar e tinham estações espaciais. Mas nada que fosse capaz de comportar os 64,4 bilhões de habitantes, do quais muitos já viviam em outros locais do sistema estelar, que já estavam lotados. Muitos deles eram imortais e sua população crescia muito devagar, já sendo mais 60 bilhões há mais de 5 mil anos, e alguns milhões viviam em outros sistemas estelares, pesquisando e explorando, tal como o próprio extraterrestre. Mas o extermínio atingiria mais de 99,99% da população.
Ele explicou que fôra um choque descobrir que era um dos poucos que poderia cumprir a missão. Estava num sistema que possuía uma forma de se conectar com o Sistema Solar, por meio da troca de um asteróide de pequena massa. O teletransporte da nave dele fora a quarta vez que aquele mesmo asteróide havia sido trocado de sistema estelar com algum de seus artefatos, mas antes foram sondas de reconhecimento que eram enviadas por algum tempo, e depois trocadas de volta devolvendo o asteróide, sempre mantendo o cuidado de fazê-lo quando estava do lado oposto do Sol. Com isso, tinham backups completos de toda Infosfera terrestre, Internet inclusa, de 12, 23, e 39 anos atrás. O extraterrestre também já tinha uma configuração corpórea mais fácil de ser adaptada, e possuía os talentos científicos necessários para usar a própria tecnologia terrestre a seu favor. Foram feitas outras tentativas de outros sistemas para chegar ao Sistema Solar, mas falharam causando a morte de seus conterrâneos.
Também foram feitas inúmeras outras propostas para solucionar o problema, e havia a remotíssima possibilidade de que alguma outra solução milagrosa fosse encontrada, ocasião na qual enviariam uma sonda transmissora para comunicar-lhe que sua missão não era mais necessária. Mas a única sonda que fora enviada a confirmara.
Caso ele falhasse, sua civilização ainda faria a travessia, mas deixando uma arma de destruição maciça esperando a Terra para pulverizá-la assim que chegasse ao seu sistema estelar natal, e impedir que ela puxasse o planeta de volta no segundo salto, que tentaria atingir, por fim, o sistema estelar de destino. E de qualquer modo o grau de risco era muito maior.
Enviar o extraterrestre então era a única saída, e apesar de inicialmente discordar do sacrifício da Terra, acabou sendo convencido por seus líderes.
A Devastação do Mundo...
...prosseguia enquanto ele estava sendo interrogado. A progressiva aproximação da Lua causou efeitos catastróficos na Terra, elevando os níveis das mares em dezenas de metros e inundando as áreas litorâneas. Ventanias fortíssimas e tempestades inusitadas passaram a açoitar várias partes do mundo e flutuações tectônicas castigavam a área do Círculo de Fogo do Pacífico.
Mesmo com toda uma vasta mobilização dos governos, era impossível conter o caos. Os mortos se contavam aos milhões em menos de uma semana, e os desabrigados já totalizavam bilhões. Paranóia apocalíptica e toda sorte de fanatismo religioso eclodiu de forma ensandecida. A Lua era crescente não apenas em sua fase, mas em seu tamanho aparente, num espetáculo que seria belíssimo se não fosse devastador.
Bilhões de pessoas só pensavam em viver seus últimos dias com seus entes queridos, outros bilhões imploravam por intervenções divinas, outros se dedicaram a saques, vandalismos, vinganças e outras sortes de mal feitos, e muitos queriam a cabeça do extraterrestre, pelo que se moviam atentados terroristas e rebeliões exigindo que ele fosse revelado. Mas ele estava muito bem escondido pelas autoridades, que o moviam de local frequentemente, e já haviam neutralizado duas tentativas de alcançá-lo.
Sua esposa também foi detida e interrogada, mas como ele próprio dissera, concluíram que ela nada sabia de sua verdadeira procedência, e o máximo que podia fazer, no que se dispôs a ajudar, foi a descobrir tudo o que pudessem sobre ele, inclusive alguns dos recursos que o extraterrestre havia escondido pelo mundo, na esperança de que pudessem ajudar em algo, embora a busca se mostrasse vã. Mais promissora era a estranha novidade que ela estivera prestes a contar ao marido, mas ainda não tivera chance.
Os cientistas trabalhavam duramente na tentativa de atingir a Lua, cada vez mais próxima, com detonações que pudessem impedir ou ao menos reduzir sua velocidade de aproximação, mas até agora não haviam conseguido qualquer resultado significativo. Já havia um plano terminal para lançar um último e extremamente poderoso artefato de antimatéria que seria disparado quando a Lua estivesse a 185 mil km de distância, aquém do qual não haveria mais qualquer esperança de impedir a colisão. Planos secretos de algumas potências nucleares viriam a se revelar agora não mais possíveis algozes de uma guerra terminal, mas sim traziam uma última esperança.
E apesar de isolado e bem escondido, o extraterrestre era mantido informado de tudo isso por seus captores, e sofria nítido e sincero pesar. Quisera ter podido promover uma destruição súbita e indolor, mas não tivera escolha. E de qualquer modo era melhor do que o que ocorreria caso sua civilização tivesse que fazer o teletransporte com a Terra obstaculando a travessia sem tentar destruí-la. Uma opção que fora cogitada, a fim de dar-lhe chance de sobrevivência maior ainda que reduzindo ainda mais a chance de sobrevivência de sua civilização. Uma vez em seu sistema estelar natal, a Terra ficaria longe de uma estrela menos quente, e ainda em movimento de afastamento, o que só não mataria toda a humanidade congelada porque antes o satélite natural do planeta, que não seria teleportado junto e que era maior e mais massivo, se chocaria com ela com um impacto muito mais devastador do que a Lua. Enquanto seu planeta natal terminaria perto demais de um Sol muito mais quente e cujas radiações eram letais para sua biosfera, além de possuir uma enorme probabilidade de se chocar com Vênus devido ao fato de que também seria atraído pela estrela. Mas nada disso eliminava sua consternação.
E era apostando nisso que seus interlocutores tentavam suas últimas cartadas.
Sua Ética...
...não era muito diferente da nossa. Era essencialmente pragmática e baseada na empatia e interesse mútuo, e além de fortemente quantificadora, também qualificadora. Sacrificar poucos para salvar muitos era perfeitamente justificável, por mais trágico que fosse. Principalmente quando esses muitos estavam em condições de desenvolvimento tão superiores que justificariam serem salvos mesmo se fossem poucos em detrimento de muitos de desenvolvimento menor. Somente os espiritualistas mais radicais discordavam, mas estes, apesar de ajudar a manter a sociedade coesa, ordenada e feliz, raramente estavam entre os administradores e pensadores mais brilhantes que de fato decidiam tudo.
Num determinado momento o diálogo se concentrava na diferença essencial entre as duas espécies.
- Vocês não são maus. Longe disso. São apenas acuados, constantemente perseguidos pela morte, pela dor e pelo sofrimento. Mesmo os mais abastados de vocês. E a isso reagem de formas temerárias. O verdadeiro problema de vocês é medo. Sua herança evolutiva num mundo cuja hostilidade da natureza foi menor do que no nosso, foi ter mais medo de si mesmos do que de coisas externas. Uma trágica história natural fez vocês divididos, propensos a brigar entre si, desconfiados e com muita dificuldade de cooperação. Na verdade achamos muito surpreendente que tenham chegado tão longe em tais condições. Sobreviveram a quase um século de era nuclear, e nós não tivemos nada a ver com isso. Se continuassem assim, sem recaídas, em cerca de um milênio teriam atingido um estágio superior e irreversível, e aí nós não nos atreveríamos a sacrificar vocês sob hipótese alguma, iríamos preferir nos sacrificar. Mas nada garante que vocês conseguiriam, e seria uma perda irreparável se nós nos deixássemos destruir em prol de vocês, para depois vocês mesmos se destruírem. Pensamos em simplesmente nos revelar a vocês para estimular uma cooperação, mas todas as nossas simulações resultaram no contrário. A revelação de inteligências superiores disparava insanidades em massa, em geral de teor religioso e ideológico, que apenas aceleravam sua destruição. Se tivéssemos certeza de que vocês conseguiriam superar esse desafio, e atingir um estágio ético superior, nós jamais teríamos feito isso.
Com isso, os terrestres se dedicaram a exatamente tentar convencê-lo de que conseguiriam, especialmente depois dessa massiva demonstração de poder e do susto que toda a humanidade levara. Mas ele replicava que não seria o caso.
- Infelizmente não. O modo como vocês reagem a situações como essa é muito variado, e os modos piores tendem a prevalecer, isto está embrenhado em sua genética, uma propensão arbitrária a reagir de forma pessimista quando confrontados com fatos brutos tendo suas ilusões removidas, o que para nós é muito estranho. Normalmente temos uma sensação de libertação imediata quando nos desiludimos, e em vocês ocorre o contrário. Quando se desencantam, quando abandonam crenças irracionais, estranhamente a maioria de vocês entra em depressão! Mesmo quando as crenças são em si desagradáveis. Isso decorre, curiosamente, de um apego a necessidade de ter a verdade maior do que um apreço à verdade em si. A maioria de vocês parece preferir ser dono de uma falsa verdade do que apenas compartilhar com todos uma verdade plena. E num mundo assim, onde a grande maioria tem crenças irracionais, a simples revelação de uma realidade maior que as contradiga tenderia com extrema probabilidade gerar uma reação violenta. Se por algum motivo conseguissem deter a queda da Lua e estabilizassem a situação, a probabilidade de que em menos de um século promoveriam uma autodestruição definitiva é praticamente total.
Por quê? Porque alguma coisa em sua genética, fortemente incompatível com a nossa, lhes predispõe a tal reação, gerando uma série de comportamentos que temos dificuldade em compreender. Nossa civilização há milênios desenvolveu um cultura de suicídio racional. Quando atingimos uma certa idade ou algum estado deteriorado que só tende a piorar, para nós é natural preferir morrer, não onerar os vivos com uma luta inútil contra um destino inexorável, nem prolongar um estado de sofrimento sem esperança, e fazemos isso com tranquilidade. Vocês fazem o contrário, quanto pior o estado de sua vida mais parecem se agarrar a ela, prolongando ao máximo possível uma condição miserável e irreversível. Em compensação, o suicídio em estado de juventude e sem doença grave em nossa espécie é inexistente, enquanto a maioria dos seus suicidas são pessoas que estavam em boas condições físicas e poderiam ter bom futuro pela frente. Vocês sabem o que tudo isso significa? Que vocês definem sua existência mais como uma reação ao medo do que como ação amorosa, fogem da vida quando a tem e se apegam a ela quando se acaba, por que no primeiro caso tem medo de viver e no segundo tem medo de morrer. Podem dizer que esses casos são excepcionais, mas eles são perfeitamente consistentes com uma mentalidade que acredita temer o desconhecido quando na verdade teme o conhecido, projetando o pior dele em toda perspectiva nova que se apresente a vocês. Entendem? Não é que temam o que não conhecem, é que substituem o que não conhecem por uma projeção das coisas ruins que conhecem. Um pessimismo que teme quase qualquer tipo de novidade, não todos vocês é claro, mas na verdade a maioria. Não é a toa que praticamente todas as suas religiões definem a vida como um imenso sofrimento, prometendo esperanças transcendentais, porque é a vida que vocês tem, e então jogam tudo o que há de bom nela para longe, num futuro inalcançável ou num passado esquecido, ou num mundo intangível, apenas para que esse bem fique sempre longe de vocês. E mesmo assim... Mesmo dizendo acreditar nisso, na hora da morte ficam apavorados do mesmo jeito, porque no fundo não acreditam nessa ilusão! Tudo o que tiveram era menosprezado como sendo inferior, mas quando percebem que não o tem mais, então reconhecem que era bom. É por isso que seus anos dourados estão sempre no passado, ou no futuro. Poucos são os que vivem com plenitude no presente.
Mas eles não poderiam ser ensinados? Era o que queriam saber. Porque então apenas não serem guiados por uma inteligência superior? Mesmo que talvez com alguma dose de força? Não poderia ele, com todo o seu conhecimento, salvar a humanidade e conduzi-la com segurança a um futuro glorioso?
- Eu gostaria muito de poder, mas há um motivo pelo qual os melhores de vocês, os seus mestres e gurus espirituais, tenham ensinado sempre basicamente a mesma coisa, que vocês sempre reconhecem, e mesmo assim não conseguem seguir. Porque invés de ver a beleza do que eles ensinam e realizá-la em si mesmos, a grande maioria prefere mantê-las longe de si e adorá-las nos mestres. Não é possível obrigá-los a esse aperfeiçoamento que por essência tem que ser espontâneo, e uma condução rígida, alguém que os governasse mesmo com a melhor das intenções, teria que obrigá-los a fazer coisas que não querem, e não há como se sentir bem com isso. Nem nós conseguiríamos. No máximo muitos de vocês passariam a adorar esse líder como a virtude encarnada, mas jamais realizando em si essa mesma virtude. Outros os odiariam, e o mais trágico, só reconheceriam sua grandeza apos destruí-lo.
Entendam... Eu não quero menosprezá-los. Há muita beleza, grandeza e virtude em vocês. Não é esse o problema. Mas sim que também há vícios arraigados difíceis de serem removidos. Vocês tem uma organismo hormonal capaz de produzir empatia e bem estar, mas estes facilmente perdem para descargas hormonais estressantes e temerosas. É um princípio entrópico que seja mais fácil piorar que melhorar, mas por isso mesmo nós evoluímos no sentido de minimizar nossas reações negativas e maximizar as positivas. É verdade que isso tem desvantagens em termos de sobrevivência num mundo natural hostil, mas apenas se não for contrabalançada por uma inteligência compensatória. Por algum motivo vocês evoluíram de modo a ser extremamente frágeis, cada vez mais frágeis emocionalmente, quanto mais são inteligentes. Nós temos registros físicos de seu DNA de cerca de 10 mil anos atrás, obtidos por outra espécie inteligente que visitou seu planeta no passado, e posso garantir que vocês hoje são muito mais temerosos do que naquela época. Quando um de nós está numa situação de risco ou extrema dificuldade, nosso sistema hormonal baixa nossas emoções e amplifica nossa racionalidade, recebemos vastas injeções de hormônios que adormecem o medo e o estresse, acelerando nossa capacidade de pensar e reagir com eficiência. Com vocês é o contrário! É justo nos momentos de maior necessidade que a maioria de vocês perde o controle emocional e a inteligência. Em grande parte é um enigma para nós. Isso nos é tão estranho que provavelmente é o motivo de nossa radical incompatibilidade genética.
Mas um perspicaz filósofo interveio dizendo que havia um motivo principal pelo qual eles não haviam duvidado, em momento algum, de que ele fosse de fato um extraterrestre, e não apenas um gênio que decidiu inventar aquela história. Obtiveram uma amostra de seu esperma e pêlos que lhes permitiu examinar seu DNA, já tendo descoberto que seus exames anteriores haviam sido fraudados. Perceberam que embora o DNA de fato fosse humano, afinal sua civilização tivera uma amostra antiga dele, era radicalmente descontínuo em relação a qualquer pool genético conhecido.
Qualquer pessoa comum, mesmo órfã e sem registros de ascendentes sempre tem um DNA pertencente a grupos étnicos identificáveis. É possível rastrear ascendências genéticas até centenas milhares de anos no passado pelo simples estudo e mapeamento genético de populações, que permitem sempre enquadrar qualquer pessoa num pool conhecido. Mas o DNA dele era por completo estranho a qualquer pool do planeta, teria que pertencer a uma linhagem desaparecida há dezenas de milhares de anos no mínimo, e era tão estranho que não surpreenderia que não combinasse com o DNA de qualquer mulher.
E aí que estava a grande surpresa. Pois o filósofo lhe perguntou que se a genética era assim tão diferente e tão incompatível, como era possível que sua esposa estivesse grávida?
O extraterrestre hesitou, um tanto curioso. - Não pode estar grávida de mim.
Mas os seus dialogantes insistiram que sim, e que o embrião já estava estável e com mais de um mês de vida, e que o seu DNA, combinando o do extraterrestre e de sua esposa, já havia sido examinado.
Incrédulo, ele exigiu saber. - Mostrem-me.
O Reencontro...
...com sua esposa causou-lhe um efeito inesperado. Ela parou à frente dele, fitando-o nos olhos, e expressando um turbilhão de pensamentos e sentimentos. Ele tivera dificuldade de compreender as pessoas no início, mas não demorou a conseguir se passar por alguém simpático e receptivo, e depois foi se aprofundando mais e mais até realmente se tornar um leitor de expressões sutis capaz de identificar e apreender padrões que o colocariam entre os melhores observadores de pessoas do mundo. Assim se aprofundava mais e mais na psique dos nativos, o que exigia uma verdadeira abertura empática, e nesse sentido, ele reconhecia, passou a compartilhar experiências num nível impossível de ser unilateral, sendo também afetado. E evidentemente sua esposa fora a pessoa com quem ele mais se aprofundara pessoalmente.
Ela conseguia dizer tudo com um olhar inicialmente atônito. Durante muitos dias fôra mantida isolada do mundo, submetida a inúmeros interrogatórias, ainda tendo enorme dificuldade de acreditar no que estava acontecendo. Ela o amava, verdadeiramente, e não podia acreditar que não fosse um homem com quem tivera se envolvido, ou que houvesse um ali à sua frente, mesmo depois de lhe contarem, como ele próprio confessou, que sua aparência original era bem diferente, e dificilmente agradaria um terrestre, ainda que fosse basicamente de dimensões equivalentes e tivesse notáveis similaridades como postura ereta e pares de membros inferiores e superiores.
E ela podia transmitir isso só com o olhar, que ele aprendera a decifrar, ao mesmo tempo que conseguia impedir por parte dela qualquer suspeita sobre a verdade. Então ela se aproximou, estendeu as mãos e apalpou seu rosto, como se tentando encontrar algo errado nele, as lágrimas represadas nos seus olhos.
Foram quase 6 anos de casamento, e então ele a tocou, e disse algo íntimo, fazendo-a tremer e depois abraçá-lo, contrariando a própria expectativa que antes tivera de que se sentiria diante de um monstro. E disse a ele que não acreditava no que muitos lhe disseram, que ele era um ser insensível que apenas manipulara a todos. Ela frisou que mesmo que ele próprio confirmasse, ela não acreditaria. E de um modo inicialmente inexplicável ele entendeu que não era um simples caso de auto ilusão. Ela parecera perceber algo nele que ele próprio ainda não havia plenamente compreendido.
Horas depois, como combinado, ele mesmo estava a examinando. Sabiam que seria inútil tentar ludibriá-lo e lhe permitiram que fizesse por conta própria a confirmação. Ele mesmo extraiu as amostras, preparou-as e as estudou, e por mais absurdo que parecesse ser, era verdade. Ela estava grávida. Dele! Seu DNA artificial perfeitamente fundido ao DNA dela num novo ser humano, desafiando tudo o que ele sabia sobre o assunto e esperava dos resultados.
Os terrestres tinham esperança de que aquilo os ajudasse a convencê-lo a mudar de ideia. Ainda havia tempo. Se ele revelasse algum de seus segredos, algo que potencializasse algum dos planos que vários cientistas do mundo estavam operacionalizando, havia chances de recolocar a Lua novamente em órbita, mesmo que fosse mais perto da Terra como ela já estava, crescendo assustadoramente de tamanho ao mesmo tempo que crescia em sua acelerada fase lunar.
Mas se a tensão da expectativa no mundo todo, se o sofrimento e a devastação dos terrestres, se o sentimento de todos era, literalmente, de fim do mundo, o que o extraterrestre agora viria a sentir não era menos desesperador e angustiante.
Ele tinha autonomia para decidir levar adiante o plano. Poderia tê-lo abortado desde o começo. Mesmo que seus superiores não lhe tivessem expressamente lhe dado esse poder de decisão, ele poderia simplesmente tomá-lo por si próprio. Mas ele levou tudo adiante pelo argumento de que não poderia sacrificar os 64,4 bilhões de seres que teriam a morte certa, em prol de 9 bilhões que ainda tinham alta probabilidade de se auto destruir. Mas se tivesse certeza do futuro da humanidade terrestre, se tivesse evidências de que ao menos seu progresso era altamente provável, ele teria feito esse sacrifício de sua civilização natal, afinal, por menos que fossem vítimas de um ataque alienígena não provocado, ao menos ainda tiveram algum poder sobre os eventos que os levaram a tal situação. Coisa que aquele planeta com uma civilização tão jovem jamais teve.
Porém um dos fundamentos primários pelo qual não conseguiam ter uma estimativa segura da capacidade dos terrestres de ter um futuro garantido era sua arquitetura bio genética, moldada por milhões de anos de Seleção Natural que os tornavam extremamente vulneráveis ao medo e dados a arroubos de desespero irracional, situação na qual tomavam as piores decisões. Ele achava que não tinha como mudar isso sem uma vasta engenharia biológica da espécie humana, mas o simples fato de seu DNA artificial que refletia o padrão dominante de sua espécie, muito mais estável emocionalmente e mais lúcido, ter conseguido se fundir com sucesso com um DNA humano, sugeria o contrário.
Não que não existisse esse tipo de perfil entre os terrestres. Havia também, mas numa proporção muito mais rara, e que praticamente sempre levava desvantagem na seleção natural ou cultural, e se diluindo rapidamente com uma ou duas descendências. Mas um dos motivos da espécie dele ser tão mais avançada, era que essa bagagem era muito mais coesa, dificílima de se perder numa recombinação genética devido a seu vasto espelhamento em vários locus gênicos. E era exatamente isso que deveria inviabilizar uma reprodução entre ele e uma mulher terrestre, visto a resistência do seu DNA a se diluir normalmente.
Mas acontecera. Não era fraude, e isso mostrava que a humanidade tinha bem mais chance do que ele acreditava. Se era assim, cometera um erro cataclísmico, mas nem era esse o maior problema. Havia um outro tão ou mais desafiador, mas que se proporia a pensar depois.
Dirigiu-se a sala onde seus interlocutores assistam aos preparativos de lançamento daquela que provavelmente seria a última esperança da Terra. E comunicou-lhes.
- Detenham esse lançamento! Vou precisar dele para impedir a queda da Lua.
Com a Queda da Lua...
...provocada por ele, confiança podia não ser agora a sua melhor reputação, mas não havia muita escolha. Foi por isso que as autoridades permitiram que ele tivesse acesso a alguns de seus objetos pessoais onde, num deles, emitiu uma transmissão de longo alcance e completamente indetectável pelos meios terrestres.
- Estou convocando uma de minhas naves que está trazendo um artefato escondido nestas coordenadas. - Era o local exato onde a Lua deveria atingir a Terra, no meio do Oceano Pacífico, sobre um pequeno e despovoado arquipélago. - Ele estava preparado para aproveitar a energia do impacto lunar e desencadear um explosão de antimatéria que forneceria força adicional para desacelerar o movimento de translação do planeta. Por isso ele seria puxado pelo Sol mais rápido do que vocês esperavam.
Pouco depois estava a caminho da base de lançamento, não muito longe dali chegando ao local ao mesmo tempo que sua nave, trazendo a preciosa carga.
Finalmente agora ficaria visível num único relance o quanto o extraterrestre estava mais adiantado que seus desavisados anfitriões. O avião que o trouxera, bem como sua esposa, seus interlocutores e uma vasta escolta, era dos mais sofisticados e arrojados do mundo. Decolava em vertical, mas atingia quase 4 vezes a velocidade do som em pouco tempo, além de completo sistema de ocultamento contra radares e uma série de recursos defensivos para casos de emergência. A grande maioria das pessoas da Terra, mesmo as entendidas em aviação de vanguarda, jamais tinha ouvido falar daquele modelo.
Mas a nave que o extraterrestre convocara de imediato aniquilou em qualquer um que a visse o último resquício de dúvida de que estavam diante de uma inteligência incomensuravelmente superior. Ninguém a vira chegar, ela simplesmente aparecera no ar, desativando uma proteção que a tornava invisível, não só aos radares, mas aos olhos. Flutuava com uma leveza ímpar, sem causar o vendaval que a aeronave terrestre produzia ao pousar. Pelo tamanho, era impressionante a velocidade que desenvolvera, uma vez que da coordenada original, onde satélites de observação puderam constatar uma movimentação, e aquele local, resultavam numa distância que ela teria vencido no mínimo em 7 vezes a velocidade do som, e o modo como foi descarregando sua carga, por meio de robôs vagamente antropomórficos era algo que ninguém já teria visto exceto talvez em filmes de Ficção Científica.
Ele próprio fez questão de preparar o equipamento, e vencendo a desconfiança e a mágoa dos que lhe observavam, lançando olhares que variavam do ódio homicida ao fascínio temeroso, orientou os robôs a reconfigurarem o foguete de lançamento com alguns dos recursos que sua nave lhe trouxera, aumentando sua capacidade. A bomba de antimatéria que os cientistas terrestres haviam produzido o surpreendeu, bem acima da capacidade que ele esperava que tivesse em tão precária situação. Mas a que ele trazia tinha um poder de destruição dezenas de vezes maior, além de ser bem menor.
Mais trabalhosa foi a instalação de diversos equipamentos auxiliares necessários para produzir emissões de partículas que iriam potencializar o efeito de forma ainda incompreendida pela ciência terrestre. Mesmo assim teria que sacrificar também a sua nave, que subiu ao céu pouco antes do lançamento do foguete. Ela fizera parte de seu plano alternativo caso não fosse possível contar com a cooperação ingênua dos terrestres, embora não fosse tão simples realizar tantas viagens à Lua sem ser percebida, até porque no espaço sua trilha de calor seria mais fácil de ser detectada do que na atmosfera.
Finalmente o foguete foi lançado, e agora ele estava de volta entre conhecidos, trabalhando como se nada tivesse acontecido. O espetáculo que se desenrolava acima deles era impressionante demais para que alguém prestasse atenção a qualquer outra coisa que não o estritamente necessário. A Lua crescendo era fascinante e aterradora. Podia-se notar a diferença a cada noite, mais e mais o astro se aproximando da Terra, e agora a praticamente metade da distância original, completamente cheia, produzindo o mais luminoso luar que ser vivo alguém jamais vira no planeta.
Com o caos que se instalara no mundo, muitos mal puderam acompanhar a missão, ou sequer tomar conhecimento, que prometia dar um fim a aproximação progressiva, e como se já não bastassem todas as tragédias e terrores, muitos ficaram cegos quando um clarão mais forte do que o Sol irrompeu na superfície branca da gigantesca Lua.
A nave do extraterrestre estivera no ponto devidamente calculado, entre o Oeste e o ponto central do disco lunar, realizando o procedimento de emissão massiva de partículas que seria de certa forma análogo a sobrecarregar o ar de oxigênio puro antes de uma explosão de combustível. Assim, quando o bomba do foguete detonou, encontrou um ambiente propício para gerar uma reação que mais uma vez levantou uma imensa coluna de fogo no satélite natural, acrescentando ao mundo mais uma saraivada de catástrofes em forma de meteoros fulminantes que atingiram o planeta, por sorte, a maioria no Oceano Pacífico, o que considerando os tsunamis gerados eram no entanto nada inofensivos.
Demorou para que fosse possível vislumbrar com clareza o resultado. Após a chuva de meteoros e detritos se dissiparem o suficiente, foi possível avistar que a superfície do satélite, velha conhecida dos terrestres que nela veem santos, dragões ou coelhos, agora tinha uma sensível alteração.
O extraterrestre deixara claro que não havia possibilidade de devolver a Lua para sua órbita original com segurança. O impacto levantaria no satélite uma tal quantidade de matéria que bombardearia a Terra de forma fatal. Sua solução estava longe de ser trazer o mundo à normalidade. A Lua ficaria onde estava, duas vezes mais perto do que antes, mas ficaria estável, para isso precisando girar em torno do planeta cerca de 4 vezes mais rápido do que antes.
O "mês" demoraria apenas uma "semana". Em apenas 7 dias a Lua passaria por todas as suas 4 fases, promovendo clarões radiantes na fase cheia, capazes de dispensar qualquer iluminação artificial, e mesmo na fase nova, sempre seria avistável, num horizonte ou outro, ao menos uma ínfima faixa da fase crescente ou minguante. Sem contar que uma série de pedaços menores do satélite, fora os que fossem eventualmente cair na Terra, ficariam indefinidamente circulando em torno do planeta, como uma nuvem de micro luas, de certa forma dando adeus as noites escuras.
Mas o encanto gerado por essas novas maravilhas demoraria milênios para compensar todo o horror que se abateu pelo planeta. O saldo final superou um bilhão de mortos, as variações das marés se tornaram muito maiores, inviabilizando habitações costeiras. Na realidade praticamente todas as cidades litorâneas foram devastadas, e a mera silhueta geográfica dos continentes se tornou em vários pontos irreconhecível.
Para um mundo com tantas nações dependentes de cidades costeiras e poderio marítimo, o impacto iria alterar vastamente o modo de vida e mesmo as relações de poder entre os países, cujos mais interiorizados, com principais cidades e recursos protegidos pela distância do mar, terminariam ficando em vantagem, em especial as zonas planálticas, embora muitas localidades afastadas também tenha sido afetadas por outas catástrofes, como terremotos ou sequências furiosas de tornados, ou até mesmo impactos meteóricos.
A humanidade sobrevivera, mas teria vastos desafios pela frente em seu mundo novo.
Uma Nova Terra sob um Novo Céu...
...era agora a morada da espécie humana terrestre, e de um extraterrestre, bem como de um futuro híbrido.
De volta ao cativeiro sofisticado de uma base militar de segurança máxima, o extraterrestre deveria agora estar esperando o julgamento do terrestres, que concluíram que apesar de ser um alienígena, teria que, de certa forma, responder pelos seus atos.
Mas ele próprio não estava preocupado com isso, e sim com coisas muito mais importantes, e no momento, como solicitara, tinha a companhia de sua esposa.
- Você é a mulher mais inteligente que já conheci, mas mesmo assim ainda me impressiona a sensatez com que esta lidando com essa situação. Está diante do responsável pela maior tragédia da história da humanidade, e mesmo assim tem uma postura bem diferente daquela que a maioria das pessoas teria.
- E você pode ser considerado o homem mais inteligente da Terra, ainda que não exatamente... Da Terra... Mas... A inteligência é um fenômeno muito mais versátil do que a maioria entende... Inclusive do que você e talvez sua espécie entendam. E não digo isso na condição de uma neurocientista, digo do ponto de vista filosófico.
- Qual?
- A inteligência pode concentrar seu foco no macro ou no micro. No micro temos os engenheiros, matemáticos, físicos, que se concentram em instâncias cada vez menores e fundamentais da natureza. No macro as questões mais amplas, econômicas, sociais, englobando o todo da complexidade humana interagindo com o mundo. Geralmente os pensadores do muito amplo, quanto mais conseguem abarcar seu pensamento para abraçar uma maior porção da realidade, menos tendem a se especializar no micro. Assim como o contrário. E aqueles que conseguem algum equilíbrio nas duas direções em geral não se aprofundam demais em nenhuma delas.
- E você acha que por eu ser um especialista no micro, o meu entendimento do macro é desotimizado?
- Certamente. A nível microcósmico, na Matemática, Física, Engenharia, nisso tudo você certamente supera em muito todas as inteligências da Terra, mas no macro, na compreensão antropológica, sociológica, filosófica, você não é realmente superior a nós. Há de reconhecer que seus interlocutores nos últimos dias, lhe deram muito mais trabalho do que jamais poderiam todos os nossos cientistas naturais.
- Reconheço.
- E não é só você. Sua civilização, você disse, superou grandes problemas há milênios, ficando livre de ameaças. Isso deve ter tido um impacto profundo em vocês. Assim como nós nos tornamos mais medrosos quando mais nos desenvolvemos, afinal temos mais a perder, creio que o mesmo aconteceu com vocês. Quando se viram em frente a extinção, o mesmo medo que você aponta em nós, ou um muito parecido, também afetou o julgamento de seus líderes.
- ...Hum... Sim... É possível. Pudemos produzir boas racionalizações. Mas de certo o medo poderia estar envolvido. Algo com o qual estávamos desacostumados.
- Um medo que, como você mesmo deixou claro, se manifestou de um modo mais assertivo, lhes permitindo optar pelo sacrifício de inocentes. Com uma boa justificativa, admito. Mas ainda assim, por mais que sejam mais avançados do que nós, penso que essa não foi sua melhor decisão. Foi resultado de uma pressão inédita em sua história. E acho que você não conseguiu, em parte, se dar conta disso, devido a sua própria auto ilusão de superioridade por ser o mais brilhante matemático, físico e engenheiro da Terra. E você sabe disso. Não foi somente uma decisão probabilística que, apenas por ter aumentando nossa chance de prosperar, que o inspirou a mudar de idéia.
- Não. Há algo mais. Algo que mesmo a mim ainda escapa. E você tem razão. No meu planeta também há uma nítida distinção entre os cientistas da natureza, como eu, e os da sociedade, e devo admitir que essa distinção também tem correlação com uma maior ou menor adesão a essa solução proposta de nos salvar em detrimento de vocês. Mas por eu ter vivido quase 11 anos entre vocês, ninguém teve mais experiência com a humanidade terrestre quanto eu. Eu deveria ter assumido com mais antecedência a decisão, chamar para mim toda a responsabilidade, invés de apenas seguir o plano sem considerar as novas informações que só eu tinha e...
-...e no fundo... Agora, você se sente mais próximo a nós... Não é.
- ... Sim. Talvez porque estive distante de meus conterrâneos também. O planeta onde eu vivia antes de vir para cá possuía apenas uma população flutuante de poucas dezenas de pesquisadores. Muitos dos quais passavam pouco tempo por lá. Passei os meus últimos 74 anos me acostumado com relativa solidão, e no pouco tempo que vivi aqui tive muito mais interação social do que lá. Sim... Isso me mudou. Em parte eu me sinto mais próximo a vocês, o que me faz sentir ainda pior com relação a isso tudo. Tanto por ter causado um horror tão grande a vocês, tanto por talvez não mais considerar devidamente a minha própria espécie como talvez um outro, com contato mais amplo com eles, considerasse.
- Ainda há esperança para eles?
- Existe ainda uma possibilidade. Ao menos a alteração da órbita da Lua já promoveu uma diferenciação maior da similaridade gravitacional entre nossos sistemas estelares. Se esperarem mais tempo, com algum sacrifício de população, a probabilidade de que eles realizam o teleporte com sucesso poderá ser maior. De menos, talvez passe para pouco mais de 1%. Também a Terra ficou protegida de um possível desastre da travessia. Se ela for bem sucedida, a possibilidade de alguma oscilação residual que nos afete praticamente desapareceu. Na pior das hipótese o meu planeta natal não mais será atraído para o foco gravitacional de meu novo planeta adotivo, tenderia mais ao foco de Vênus. Mas... Eles não farão mais a tentativa. Seria destruir duas civilizações sem qualquer propósito.
- Seu planeta adotivo. É interessante ouvir isso. Mas não surpreende. Relembrando o que passamos juntos, alguns momentos indecifráveis e enigmáticos de seus pensamentos, o modo como reagia a algumas coisas que vivemos juntos... Acho que você passou a se sentir assim há mais tempo. Veja eu... Eu não consigo ter raiva de você porque apesar de tudo, você ainda é o homem que amei... Que amo. Sei agora que vi muito mais em você do que eu pensava, e agora fico mais aliviada porque, compreendo melhor o seu drama. Lamento que tenha sido assim... Embora eu ache que talvez isso tenha sido necessário...
- Foi. Pelo menos nisso estou certo. Por mais terrível que tenha sido essa devastação, penso que sem ela o trabalho que tenho pela frente seria inviável. E isso me leva ao motivo pelo qual eu a trouxe aqui.
- Ah... Sim. Por que me chamou?
- Por que quase tão certo quanto o fato de eu ter matado mais de um bilhão de pessoas, é o fato de que condenei 64,4 bilhões de seres a uma morte lenta. Eles enfrentarão isso com maior dignidade, estou certo, e alguns milhões irão sobreviver em pequenas estações espaciais ou outros sistemas estelares, embora isso não seja suficiente para conservar o legado de uma civilização tão vasta. Todo esse horrendo sacrifício tem que valer a pena, e portanto eu não posso permitir, de modo algum, que a humanidade terrestre venha a se auto destruir. Isso tornaria tudo inútil.
- E o que pretende fazer a respeito?
- Tenho que guiar vocês. De algum modo. Não de forma aberta e explícita, claro. Mesmo os poucos que aceitassem essa liderança dificilmente reagiriam de forma adequada. Precisarei fazer basicamente duas coisas: Manipular e Ameaçar.
- Ameaçar como?
- Primeiro, o Manipular, que deverá ser feita basicamente a nível genético. A criança que traz em seu ventre...
- Nossa filha.
- Sim. Nossa filha será a primeira de uma linhagem nova de humanos, que deverão ser multiplicados e gradativamente espalhados entre a população. Isso demorará várias gerações. Mas quando ao menos 1% da humanidade contar com meus descendentes, já teremos promovido um bom reforço a um mundo mais seguro.
- E a ameaça?
- Todos saberão que eu existo. Que eu estou lá fora, e que irei intervir, eu e meus aliados, contra qualquer tentativa de ação que ponha a humanidade em risco. Muitos me considerarão o algoz da espécie humana, o anticristo, mas curiosamente, estou certo de que essa constante ameaça manterá a humanidade mais alerta e consciente do risco. Que a Lua gigantesca também ajudará a lembrar. Todos devem saber que não permitirei que armas de morte e destruição maciça sejam postas a serviços de delírios religiosos e ideológicos. O mundo agora terá um juiz e executor.
- Um Super Vilão?
- De certa forma sim. Algo que explore o deletério medo da humanidade de uma forma mais útil. Até que aos poucos, esse medo vá se esvaindo, à medida que evoluam eticamente, até que o medo não seja mais necessário.
- E como pretende fazer isso?
- Com ajuda de pessoas muito especiais. Como você. E é por isso que lhe pergunto, ou melhor, lhe peço: Você vem comigo?
A Lua Minguante...
...nascia e enfeitava a noite fascinando os soldados de plantão na base militar de segurança máxima quando de repente uma nave surgiu do nada flutuando sobre um prédio baixo. Um pulso eletromagnético penetrou mesmo nas camadas mais profundas das instalações subterrâneas, paralisando todos os sistemas, e logo em seguida uma descarga neural deixou a todos tontos.
A única exceção era o extraterrestre, que no momento certo tomou sua esposa, desmaiada, em seus braços, enquanto até mesmo as luzes de emergência se apagavam. Não demorou muito para que o local onde ele estava, a dezenas de metros de profundidade, fosse invadido por um raio que apesar da luz suave emitia um calor extremo, desenhando um círculo que cortava piso e teto, enquanto pedaços metalizados da estrutura eram atraídos para cima.
Alguns soldados ainda tentaram reagir à intromissão dos robôs, apesar da vertigem causada pela descarga neural, mas pouco puderam fazer além de contemplar o espetacular resgate. Na superfície, veículos de combate ainda conseguiram entrar em operação em tempo de disparar contra nave, com pouquíssima eficiência, ainda que num esforço honroso.
Mas pouco adiantou, logo a nave se moveu e ganhou altura e velocidade, deixando para trás a base militar enquanto a maioria ainda estava se recuperando da surpresa do ataque.
Alguns caças militares de tecnologia de ponta chegaram a perseguir a nave do extraterrestre, mas assim que dispararam seus mísseis, que voaram empolgados contra o alvo, este desapareceu, deixando-os por completo desorientados.
Então um estrondo sônico foi ouvido e somente as nuvens denunciaram a trajetória ascendente da fuselagem invisível, agora fora do alcance de qualquer tecnologia terrestre, enquanto uma faixa de poeira luminosa lunar formava um discreto 'x' com a faixa da Via-Láctea.
Os mísseis, e os caças, sobrevoando o mar, agora pareciam voar rumo ao imenso arco amarelado da Nova Lua, de um Novo Céu sobre uma Nova Terra.
Marcus Valerio XR
23 de Fevereiro de 2015
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