Análise Crítica da Obra:

QUE É HISTÓRIA?

de

E.H.Carr

 Universidade de Brasília, Setembro de 2000, IH - Departamento de História, Disciplina: Introdução ao Estudo da História, Professor: Roberto Baptista Júnior

 

por

Marcus Valerio XR

98/53596

 

 

Introdução

Sobre o Prefácio à Segunda Edição

Sobre as ANOTAÇÕES PARA UMA SEGUNDA EDIÇÃO DE QUE É HISTÓRIA

Sobre o capítulo I. O HISTORIADOR E SEUS FATOS

Sobre o capítulo II. A SOCIEDADE E O INDIVÍDUO

Sobre o capítulo III. HISTÓRIA CIÊNCIA E MORALIDADE

Sobre os capítulos IV. A CAUSA NA HISTÓRIA

e V. HISTÓRIA COMO PROGRESSO

Sobre o capítulo VI. O ALARGAMENTO DO HORIZONTE e Conclusão

 

 

INTRODUÇÃO

Na condição de um Universitário autêntico com amplas ambições acadêmicas e intelectuais, me reservo ao direito de jamais produzir simples resumos ou fichamentos mas sim trabalhos críticos e analíticos. Por isso utilizarei esta tarefa como mais uma oportunidade de desenvolver um exercício de pensamento.

Tive a grata surpresa de reconhecer na obra "Que é História" de E.H.Carr, um dos melhores livros que já li, e é com prazer que pretendo elaborar aqui algumas relações entre o pensamento deste autor e o meu próprio, uma vez que a quase total ausência de discordâncias entre nós tornaria uma aborgadem crítica simples pouco produtiva.

Já na minha adolescência, quando frequentava as aulas de doutrina Espírita Kardecista para jovens, tomei contato com a idéia de uma Evolução Helicoidal. Hoje, sendo um indivíduo desvinculado de qualquer linha de pensamento específica, aperfeiçoei esta idéia e chequei a conclusão que uma "Evolução", Progresso, Crescimento ou seja lá o que for, se dá sempre de forma irregular.

Um retrocesso completo é impossível. Por mais que alguém tenha esquecido todo o conteúdo do que aprendeu em determinada matéria escolar, pelo menos uma impressão sobre o assunto fica, assim sendo, nunca ocorre uma verdadeira "volta a estaca zero". Dessa forma não conseguimos retroceder no sentido absoluto, mas temos sim retrocessos relativos, alguns dos quais monumentais.

Nossa experiências passadas nos permitem certas escolhas, podemos ver um doloroso e traumático evento como uma produtiva lição com a qual aprendemos e crescemos, podemos também nos lamentar e desejar voltar ao passado para desfaze-la, ou reprimi-la no inconsciente arcando com todas as possíveis consequências psicológicas.

Entre valorizar a experiência como uma fonte de desenvolvimento ou sofrer inutilmente por ela, eu escolho a primeira opção. O mesmo é válido para um fato histórico, acho preferível valorizá-lo como acontecimento produtivo no sentido de aprendizado ao invés de simplesmente ver nele um motivo de lamúria ou de saudosismo.

Quero dizer com isso que: Ver um processo positivo ou negativo na história é antes de tudo uma questão de escolha pessoal, e por esse caminho eu reconheço que apesar de períodos tenebrosos de retrocesso relativo, o "saldo histórico final" pode ser visto sem problemas como um processo de crescimento.

Concordo que o historiador não deve colocar no seu trabalho uma epistemologia baseada num desses pressupostos, ou pós-supostos. Que deva evitar fazer uma história de características evolutivas ou involutivas evidentes por si próprias. Concordo também que não se atreva a fazer previsões com a autoridade de um profeta e que por conseguinte não julgue os eventos com base numa perspectiva ética qualquer.

Mas considero impossível a um Ser Humano Pensante, dotado de Livre Arbítrio, Razão e Emoção, que não tenha uma impressão pessoal do processo histórico, e considero desejável que expresse sua opinião.

O senso comum, a população em geral, emite opiniões e julgamentos em quantidades assombrosas, cujo uma parcela equivalente a percentagem de estrelas no céu que não piscam, são baseadas numa investigação racional e coerente. Se o estudioso sério se exime de emitir suas próprias opiniões deixa tal espaço aberto exatamente para os estudiosos não sérios e os que nem sequer podem ser considerados estudiosos.

Já há algum tempo tenho visto uma certa opinião predominante na sociedade que me traz sérias preocupações, um generalizado pessimismo com relação ao processo histórico e o futuro. As repercussões de tal postura negativista vão desde o apego desesperado ao fanatismo religioso até a indiferença com relação as questões sociais, percorrem desde o prejuízo da auto estima como ser humano e seu potencial para a realização até a ameaça direta e física contra toda uma estrutura cultural que demoramos milênios para consolidar. O problema me parece tão sério e assustador, que pretendo elaborar uma investigação do mesmo perante as cadeiras de Filosofia, Psicologia, Antropologia e História, e lançar uma abordagem deste "Complexo de Paraíso Perdido".

Um visão pessimista sobre a história da humanidade me parece ser a regra entre as pessoas que me cercam, e no entanto, até agora não vi nenhuma que consiga justificar sua impressão de forma racional ou pelos menos com um mínimo de coerência. Tenho então desenvolvido minha própria teoria a esse respeito e estudando todas as opiniões, geralmente de pessoas esclarecidas, que pensem de forma diferente.

Esta obra de E.H.Carr é um notável exemplo. Não que ele tenha uma visão deliberadamente otimista como alguns podem pensar, mas que ele questiona os motivos do pessimismo e aponta as evidentes falhas lógicas do argumentos dos que se propõem a defendê-lo.

E é nesse sentido que pretendo levar esta abordagem, fazendo um resumo do conteúdo levantado por Carr e destacando os tópicos que mais se harmonizam com a minha forma pessoal de ver o mundo. Uma forma que apesar dos pesares reconhece que o verdadeiro e Único Sentido da Vida, é para Frente!

 

Sobre o Prefácio à Segunda Edição

Para o objetivo pessoal desta monografia esse pequeno prefácio é provavelmente o segmento mais importante. Não por acaso ainda insisto em sentir nela a melhor parte do livro. Aqui, Carr esboça com precisão dois motivos pelos quais não acredita num irremediável processo de declínio na história contemporânea, e sequer que essa sensação de declínio seja autêntica e legítima de uma maioria significativa.

Tendo esta obra sido escrita num período intermediário entre o fim da Segunda Guerra Mundial e o ápice da Guerra Fria, Carr teve oportunidade de acompanhar uma nova mudança de sentimento aparentemente geral, que foi de uma breve euforia otimista após a promissora recuperação global pós-guerra, até uma perspectiva paranóica e extremamente depressiva que tinha como vedete a ameaça de uma Hecatombe Nuclear. Detectou então um novo renascimento do pessimismo, desta vez com elementos não só inéditos mas terminais.

Entretanto expõe brilhantemente sua primeira objeção a que tal pessimismo seja de fato levado profundamente a sério pela maioria. O motivo é muito simples, se todos de fato acreditassem piamente numa perspectiva apocalíptica infalível, com certeza não teríamos o prosseguimento de pessoas vivendo de forma tão normal e tradicional, fazendo planos para o futuro, o que inclui filhos, e participando ativamente de atividades descontraídas planejadas inclusive a longos prazos. Em reforço a essa idéia, acrescento que o número de pessoas que realmente investiram seus esforços na construção de abrigos antinucleares, assim como em movimentos preventivos contra uma Terceira Guerra ou em cursos de sobrevivência em situações gravíssimas de crise, foi e ainda é desprezível mesmo nos E.U.A. Da mesma fora não se detectou nenhum aumento significativo na ocorrência de suicídios ou quaisquer outras atitudes que evidenciassem um desespero local ou generalizado em relação ao futuro. Ou seja, as pessoas continuam vivendo para tal futuro, crendo que ele existirá e tendo antes de tudo esperança.

O que este motivo anterior expõe de fato claramente, é que por mais que ocorra um aparente descrédito com relação ao futuro, este jamais é suficientemente levado a sério a ponto de alterar qualquer aspecto da sociedade, ou no mínimo de que tal descrédito está restrito apenas a um temporário futuro próximo.

O segundo motivo é o que foi para mim, mais revelador. O de que o foco do desânimo e pessimismo é não por acaso a Europa, que vê seu poder de influência sobre o Novo Mundo cada vez mais fraco em relação ao quase meio milênio em que governou pelo menos o ocidente. Se após uma luta de classes o oprimido se emancipa tirando o privilégio que o opressor tinha sobre ele, é bastante compreensível que o recém-emancipado tenha uma sensação geral de melhora no mundo que o cerca, enquanto o outro sinta o oposto. É basicamente essa a posição de uma certa elite intelectual européia que apesar de tudo, ainda influencia fortemente o mundo, disseminando o pessimismo.

Diante destas colocações acrescento que a opinião geral de uma irremediável piora na condição global do mundo é muito mais aparente na população de influência religiosa monoteísta cristã, que prega toda uma configuração mundial para a vinda do Anticristo e o Juízo Final. Assim como também para aqueles que compartilham de mitos similares ao do Paraíso Perdido, ou outros muito disseminados entre elites intelectuais inclusive maçônicas, de uma degeneração progressiva de estágios superiores da raça humana que se perderam nas areias do tempo, onde estariam ocultos os vestígios de Atlântida e Lemúria, e toda uma Idade de Ouro Platônica.

Como podemos ver, nenhum desse motivos para a crença num mundo em constante degeneração ainda que cíclica, reúne os atributos necessários de confiabilidade que os aproximem de uma visão racional e cientificamente embasada. Como eu disse logo na introdução, são exemplos de como as razões dos pessimistas são insuficientes para provar que estejamos num momento histórico terrível como jamais houve.

Por fim, me identifico com Carr na medida em que ele assume a posição de um intelectual dissidente. Tal como ele eu também me sinto remando contra a maré de uma tendência geral de pensamento não apenas no senso comum mas no próprio circuito acadêmico. Não remo sozinho! Mas ainda me sinto partilhando de uma ilustre minoria que embora já significativa, ainda luta para mudar um repreensível modelo filosófico que pode estar trazendo prejuízos preocupantes ao nosso desenvolvimento global.

 

Sobre ANOTAÇÕES PARA UMA SEGUNDA EDIÇÃO DE QUE É HISTÓRIA

Nessa segunda parte, R. W. Davies faz uma compilação de obras póstumas de E. H. Carr. Organiza e expõe diversas anotações que serviriam de atualizações e correções tanto para uma nova edição de QUÉ É HISTÓRIA quanto para uma possível nova obra.

A Crítica ao Empirismo presente nesse material faz coro com minha afirmação na parte introdutória deste trabalho, de que não é possível um estudo unicamente objetivo da história sem qualquer influência de uma intenção pessoal que imprima neste estudo, uma característica relativamente filosófica.

A própria inviabilidade de objetividade plena, em par com a impossibilidade de empirismo, afasta a História do grupo das Ciências. Em minha opinião, ela se aproximaria muito mais da própria Filosofia.

Carr dispara uma série de ataques a historiadores empiristas, reunindo os mais diversos materiais. Coloca novamente sobre os intelectuais britânicos uma responsabilidade por tal postura, uma vez que a Inglaterra trazia um tradição empirista.

Nesse ponto Carr se sobressai como alguém que põe um objetivo prático muito evidente em seu trabalho, e por que não dizer muito nobre. O de oferecer novas visões e alternativas para um entendimento mais produtivo do desenvolvimento humano, que enriqueça nossa chances de construirmos uma realidade mundial mais consciente e sadia.

Outro ponto interessante de ser analisado é o do papel da casualidade na história, mais especificamente o do "acaso". Diante da impossibilidade de se considerar a totalidade dos eventos, escolhe-se o que mais parecem relevantes ao processo histórico, e tudo aquilo que escapa a tal investigação mas possuí repercussões consideráveis pode ser agrupado no conceito de acaso. Tal procedimento a meu ver, aproxima ainda mais a História do campo da Filosofia, pois o acaso recebe um tratamento quase metafísico, como se fosse um dos princípios geradores do processo que no entanto não pode ser diretamente estudado. Em síntese, uma matriz geradora mas inatingível.

Outro aspecto que reforça minha idéia de História como Filosofia e a defesa que Carr faz do estruturalismo, que tenta ver o processo histórico como um todo e tal como a Filosofia, busca um sentido último da realidade.

Por fim, reiterando o objetivo crítico desta monografia, Carr deixa clara sua intenção de lutar contra o pessimismo e sua crença no progresso e futuro humano. Um de seus motivos é sua análise extremamente positiva da obra de Marx. Tal como eu, considera não apenas que Marx foi um dos maiores filósofos de todos os tempos, mas que também chegou as raias de um profeta.

Acredito plenamente no processo histórico de luta de classes propostos por Marx a ao contrário do que pensa o senso comum e mesmo uma parcela considerável do meio acadêmico, tenho certeza que a humanidade segue em ritmo inexorável rumo a transformação do sistema capitalista para um sistema cada vez mais socialista.

Lamento pelos que discordem, mas o atestado de óbito que muitos apresentaram contra a realização das previsões de Marx devido a simples exemplo da U.R.S.S. é não só infantil mas desprovido de um mínimo de percepção histórica e de racionalismo.

Sobre o capítulo I. O HISTORIADOR E SEUS FATOS

Carr inicia este capítulo evidenciando a impossibilidade de uma história plenamente objetiva. A tentativa de uma história definitiva, que se baseie em fatos tão indiscutíveis quanto qualquer objeto físico palpável é falaciosa. Os fato históricos tendem a ser vistos pelo senso comum de modo bastante peculiar, como eventos imutáveis e consensuais dos quais se pode extrair significados absolutos, mas para qualquer observador atento isso é claramente absurdo. Os fato históricos jamais falam por si, e sim, são sempre interpretados. Nem mesmo existem fatos consensualmente tidos como importantes, um historiador pode selecionar um evento para estudo que passe totalmente desapercebido por outro, ou seja, não apenas a interpretação é pessoal, mas a própria escolha dos fatos. Assim sendo eu poderia reescrever a história da Segunda Guerra Mundial pelo ponto de vista das Testemunhas de Jeová que sofreram nos campos de concentração nazista como mostrado na exposição Triângulos Roxos há cerca de um ano, ao invés do ponto de vista dos Judeus que tiveram a mesma sorte, ou mesmo sobre o ponto de vista dos homossexuais.

Isso afinal, destrói qualquer possibilidade de objetividade na história e pelo menos a meu ver, aniquila sua intenção de se firmar como Ciência plena. E mais uma vez, como voltarei a insistir neste trabalho, a meu ver a aproxima do campo da Filosofia, assim como também ocorre às Ciências Humanas tais como Antropologia, Sociologia ou Psicologia.

Tudo isso remete ao "fato" de que a visão sobre a história depende da interpretação. Ou seja, da escolha própria que alguém pode fazer de ver tais eventos de um modo ou de outro como eu coloquei na introdução deste trabalho. E dessa forma, concluo que as interpretações "evolutivas" e "involutivas" da história não são melhores ou piores por si mesmas e tendo escolha, eu fico não apenas com a opção que mais me agrade e que mais indique um futuro promissor, mas com a que mais me auxilie a buscar tal futuro.

Apesar de idéia de uma história com significância específica nos parecer inaceitável hoje em dia, ela era predominante no século XIX, sob o reforço do empirismo e sob o otimismo iluminista. Isto me parece gerar uma tendência a se associar otimismo com uma visão inocente da história, como se qualquer investigador sério e competente fosse cedo ao tarde chegar a conclusão de que o desenvolvimento da humanidade é essencialmente trágico. Tal argumento é até hoje usado, como já pude presenciar diretamente inúmeras vezes, para repreender qualquer um que não aceita a idéia de um mundo em constante degeneração. Eu próprio custei a perceber onde estava a falácia nesse raciocínio, a de que assim como qualquer ponto de vista, se baseia em selecionar os pontos que lhe interessam para se afirmar, minimizando ou mesmo eliminando qualquer dado que possa mostrar o contrário.

O discurso daqueles que para mim sofrem do que chamo de Complexo de Paraíso Perdido, é recheado de chavões que constantemente apelam para a mídia como "prova" de uma mundo em irremediável declínio, farto de notícias sobre crimes hediondos, corrupção e guerras, que dado a uma completamente ilusória ascensão numérica, mostraria uma inevitável desintegração de tudo o que podemos considerar bom em nossa civilização. Sempre gosto de perguntar a essas pessoas se elas realmente acham que tais coisas não aconteciam em qualquer período do passado textualmente registrado, ou sobre que tipo de notícia elas acham que comporia um hipotético noticiário televisivo no século XIV.

Diante da conclusão de que os fatos históricos são tão multifacetados quanto escorregadios, sujeitos a imprevisíveis interpretações que sempre serão "corretas", Carr lança a questão de qual deve ser a postura do Historiador em relação ao seu objeto de estudo. Qual seu compromisso com os fatos?

A meu ver não há como fugir à questão da escolha, de uma escolha benéfica. Se a visão de um mundo degenerado despertar no indivíduo o espírito de resistência e luta para promover uma melhora, isso é uma ótica benéfica, se a visão de um mundo em progresso for usada por um entusiasta para perceber que há esperança embora ainda haja muito a ser feito, isso também é uma escolha sábia.

Mas se a visão negativa da história servir para semear o desânimo, o desespero e o conformismo, assim como a visão positiva servir para o comodismo e sensação de otimismo exagerado ao estilo do Dr. Pangloss de Voltaire, essas serão escolhas lamentáveis.

Minha postura é sobretudo de um meio termo, equilíbrio sobre o qual se constrói o progresso, e num sentido progressista, há lugar para otimismo esclarecido e esperança.

 

Sobre o capítulo II. A SOCIEDADE E O INDIVÍDUO

Aqui, Carr parece investir de forma reincidente na aniquilação da objetividade histórica, ao mostrar que é impossível para o historiador se afastar de seu objeto de estudo suficientemente para uma relação distinta entre Sujeito e Objeto.

Se comparado à famosa questão "Ovogalinácea", como o foi neste capítulo, o questionamento sobre se o Indivíduo precede a Sociedade ou Vice-Versa fica ridicularizado. Chega a parecer tão óbvio após uma justificação simples auxiliada pela Antropologia, que muitos podem se perguntar como é possível que se possa pensar de outra forma. A Sociedade e o Indivíduo não são apenas inseparáveis como complementares.

Entretanto antes, principalmente no Século XIX, podia-se pensar diferente sim, em parte devido a algumas linhas de pensamento filosóficas como o Individualismo e o Utilitarismo. Que a Sociedade é formada de indivíduos é evidente por si mesmo, mas nem tanto o é também, o fato de que o "Indivíduo" em questão, ou melhor dizendo este "indivíduo social", também é formado pela sociedade.

Para derrubar a resistência que um leigo possa ter sobre esta afirmação bastaria a citação de literaturas como Tarzan e Mogli, embora estes não tenham sido desenvolvidos pelos seus autores de forma tão realista quanto poderiam. Se isolado da sociedade, o "indivíduo selvagem" não chega sequer a aparentar humanidade, fica evidente ser um produto bastante diferente do "indivíduo social" como o conhecemos.

Sendo assim Carr coloca que o Historiador sequer tem da história, uma visão tão mais afastada do que o do observador comum, pelo menos não tanto quanto gostaria. Ele vê a história sob determinados ângulos que a sua condição como produto social lhe permite, e embora acredito que seja possível um distanciamento quase objetivo se investirmos muito nisso, não é o que acontece em geral. Se verificarmos a história da História veremos claramente historiadores justificando seus momentos presentes com o background do passado, como os exemplos um tanto ingênuos de visões românticas sobre as antigas Atenas e Roma.

Carr critica a falta de cuidado de muitos historiadores ao assumir posturas como essa, mas ele mesmo admite as dificuldades de um campo tão subjetivo. Os grandes pecados históricos seriam então, os autores que fazem julgamentos morais, baseados em padrões de sua época, sobre eventos de um contexto totalmente diferente, como é abordado no próximo capítulo.

Diante do perigo de se tratar o indivíduo como uma peça social integrante e padronizada, torna-se compreensível o fenômeno do Individualismo, entretanto ao meu ver esse Individual é mal interpretado. Não creio que haja pessoas suficientemente incautas para abraçarem uma filosofia que declare uma total independência do indivíduo em relação a sociedade. O que ocorre então é apenas um reação contra uma excessiva massificação do ser humano, uma declaração de que entre outras coisas, a Sociedade Humana não é uma Sociedade de Insetos.

Eu poderia levantar muito mais aspectos notáveis deste capítulo, mas creio que todos ficariam ofuscados por aquele que para mim é o mais proveitoso.

Para começar, embora a relação entre Sociedade e Indivíduo seja cíclica, não se pode negar que no nível mais básico o indivíduo sim, precede a sociedade. Afinal podem existir indivíduos sem sociedade, ainda que indivíduos "não-sociais", mas não é possível a existência de qualquer forma de sociedade sem indivíduos. Comparando isto à questão Ovogalinácea, sinto decepcionar muitos daqueles que tendem a interpretá-la de forma literal, mas a resposta é o Ovo! Já existiam ovos antes de existirem galinhas.

O que isso resulta de notável em relação as colocações de Carr é minha visão em comum acordo de que a sociedade nada mais é do que o resultado do coletivo individual. Radicalizando poderia dizer que a humanidade como um todo, é a média aritmética dos conteúdos dos indivíduos. Isso serve principalmente para aqueles que queiram, como eu, visualizar um "nível" evolutivo humano numa determinada e hipotética escala.

Voltando ao tema desta resenha, minha crença no progresso humano é reforçada por cada sinal global que evidenciamos. Mais do que nunca a interligação entre indivíduos de todo o mundo está contribuindo para uma espécie de "consciência coletiva" que por enquanto está muito longe do ideal. Mas vendo pela rude média, muito me alegra ver que hoje em dia, a maioria das pessoas do mundo não mais se deleita com espetáculos pavorosos de tortura e execuções públicas, ou pelo menos que se elas se alegrassem ao ver isso aplicado em algum infeliz, com certeza seria alguém que tenha praticado um crime suficientemente hediondo para merecer o repúdio de qualquer pessoa normal, e não a alguém que simplesmente tenha adorado a um deus pagão ou discordado de um dogma.

 

Sobre o capítulo III. HISTÓRIA, CIÊNCIA E MORALIDADE

Paradoxalmente, após aniquilar completamente a pretensão científica da história, Carr inicia este capítulo dando margem a possibilidade da história ser sim uma ciência dependendo da flexibilidade do termo. Essa aparente contradição para mim nada mais é do que o simples fato de que ora vemos ciência pelo campo exclusivo das "exatas", ora pelo campo relativo das "humanas".

Além disso considero que não existam de fato, ciências absolutamente objetivas. Matemática talvez, devido a sua abstração. Mas qualquer coisa aplicada ao mundo físico não pode possuir uma objetividade tão inabalável quanto gostariam muitos cientistas. Haja visto a Mecânica Quântica e as colocações de Frijot Capra em o Tao da Física.

O paradoxo de Carr ocorre principalmente quando ele após listar e explicar 5 características da História que a afastam da ciência, faz no último parágrafo uma comparação e analogia que a aproxima. Alías por sinal eu discordo da Primeira característica que ele coloca ao afirmar que História lida exclusivamente com o Único enquanto Ciência com o que é Geral. Ela chega a entrar em contradição com a Quinta característica que afirma que a História diferente da Ciência, lida com questões de moralidade e religião. Ela me parece então mais geral do que a Ciência.

A afirmação de Carr de que esta Primeira característica se justifica no fato de que a matéria prima do estudo de História, o fato histórico, é único no sentido de não repetir peculiaridades, me parece muito confuso. Ele parece misturar a objetividade do método com o o dado em si. É claro que o material de trabalho da ciência é mais, poderia se dizer, estável. Mas um bom sofisma demoliria esse argumento.

De qualquer modo o raciocínio geral de Carr me parece correto, e nem é preciso entrar em detalhes do texto para que qualquer pessoa possa desenvolver muitos comentários sobre o assunto. A segunda característica colocada por Carr, a de que a história não dá lições, intimamente ligada a Terceira., de que a história não faz previsões, é o ponto central de todo este capítulo. Uma vez que a Quarta característica, a da Subjetividade, já foi exaustivamente explorada.

A questão em si, é a de que o historiador deve evitar a posição de Juiz ou de Profeta. Como eu já disse na introdução, concordo que isso não deve ocorrer ao estudioso como historiador, mas considero impossível que tal não ocorra com o ser humano. O grande cuidado é sim evitar que ao fazer seu julgamento sobre o passado, ou sua previsão sobre o futuro, um pensador não se deixe armadilhar pela sua formação cultural temporal. É preciso que ele não se esqueça de sua subjetividade.

A maioria dos julgamentos que alguns intelectuais têm feito sobre o passado, têm sido sobre bases morais mutáveis e locais, o que destrói a seriedade deste profissional. Mas os casos mais graves são mesmo, o daqueles que não só o fazem com tais bases específicas, mas ainda afirmam que suas bases são imutáveis, arquetípicas e senão "divinas", e aí os religiosos superam qualquer um em matéria de atrocidade interpretativa. Porém me recuso a, pelo enésima vez só nesta semana, levantar a profunda ignorância daqueles que se acham detentores de "verdades universais" por possuírem um livro que consideram a "palavra de deus".

O mesmo raciocínio se aplica a questão das previsões, a velha noção de que "A história é o estudo do passado para compreender o presente e melhor planejar o futuro", traz ainda que disfarçadamente, a idéia de previsão.

Como já disse concordo que o historiador não deva se meter a profetizar ou especular sobre o futuro. Mas o indivíduo pode sim, principalmente o filósofo, na condição de futurólogo. Ainda que tendo noção do que significa discorrer sobre possibilidades futuras.

Devemos tomar cuidado para não semear profecias auto realizáveis ou previsões que mexam emocionalmente com a sociedade de forma negativa. Mas não é possível não ter uma visão de futuro, e considero muito desejável expressá-la.

 

Sobre os capítulos IV. A CAUSA NA HISTÓRIA

e V. HISTÓRIA COMO PROGRESSO

  A questão do Capítulo IV é a meu ver, a mais complicada de todo o livro pois afinal mexer com as relações de Causa e Efeito resulta sim em questões autenticamente Ovogalináceas. Por isso decidi tratar conjuntamente o capitulo V, pois a meu ver, é possível relacionar a Causa com o Progresso.

Sei que é uma opinião pessoal, mas esse dois capítulos me parecem um só. Como se o IV fosse uma introdução para o V ou este uma observação sobre o primeiro.

Para justificar essa colocação vou apenas responder a uma questão colocada no início do IV.

Por quê? Por quê as coisas acontecem? Por quê a história se processa?

Se perguntarmos a uma criança por que ela come, talvez ela nos responda que é por que quer crescer. Por que ela estuda? Por que quer aprender para ser alguém na vida.

É a mesma coisa?

Para mim não há nenhuma outra resposta satisfatória. O por quê da história, é o Progresso!

As coisas acontecem para que sigamos em frente e por mais que o senhor Carr insista que a história não dá lições, eu insisto em que ela dá sim! O único detalhe é que tais lições não são gerais. O que você aprenderá com algum fato com certeza não será o mesmo que eu aprenderei.

Lendo o Capítulo IV inteirinho, veremos apenas que tanto a pessoa comum quanto os maiores gênios da história não conseguiram responder o "porquê" último da coisas. Lendo todo o capítulo V, veremos que não há consenso sobre se existe ou não um Progresso, e para que sentido. Se existe ou não uma Evolução.

Agora pergunte-me não apenas o objetivo da história, mas o objetivo de todo o UNIVERSO. Isto é, o sentido primário da vida, a razão fundamental da existência. E a minha resposta será:

PROGREDIR!!! Aprender, Evoluir, Descobrir, Saber e etc. etc. etc.

O que mais há para se fazer?

Portanto, embora eu tenha plena consciência de que não devo empurrar essa idéia para ninguém, e que ela é meramente filosófica, tenho a consciência tranquila e alegre de que descobri qual o significado da minha vida.

Durante toda a história humana não só registrada mas também concebível, o ser humano não têm feito outra coisa que não perguntar "Por Quê?". Após milhares de anos de Religião, Filosofia e Ciência, umas das poucas conclusões que chegamos é que: 1- Queremos Saber. 2 - Nunca saberemos o Suficiente, 3 - Continuaremos Perguntando.

Quem quiser que escreva capítulos, livros, compêndios ou campos do conhecimento inteiros apenas para fazer novamente as mesmas perguntas. Eu, após um raciocínio simples, concluí que o Ser Humano é a obra prima do UNIVERSO, excetuando possibilidades metafísicas. Portanto se queremos saber alguma coisa, um bom caminho e perguntar a nós mesmos. Temos uma certeza, a de que sempre perguntamos, por quê perguntamos? Por que queremos saber! E por quê?

Porque queremos Progredir.

Minha conclusão é que o objetivo do UNIVERSO é o Auto Conhecimento, através de nós. Esse é o meu Quinto princípio filosófico. E para mim, é o que basta para os Capítulos IV e V.

 

Sobre o capítulo VI. O ALARGAMENTO DO HORIZONTE e Conclusão

Nesta conclusão Carr faz não só um resumo de sua obra, mas uma justificação. Posso ter sido excessivamente sintético a resumir os dois capítulos anteriores mas não creio que o "Nariz de Cleópatra" ou o "Atropelamento do Senhor Robinson" sejam muito relevantes para objetivo desta resenha. Teleológicamente falando, meu objetivo é estabelecer comparações entre a idéia de Carr a respeito de um sentido positivo de progresso humano e a minha idéia de uma incessante e notável Evolução humana.

Carr fala novamente de Adam Smith, Hegel, Freud e sobretudo Marx, traça algumas observações sobre o desenrolar da história, nosso impasse atual e uma interessante Revolução Progressiva. Ele também se defende de uma série de críticas que sofre por parte de diversos outros autores, muitos deles pessimistas convictos. Nessa parte sinto-me profundamente identificado com o senhor Carr.

Resumindo a questão de toda essa resenha, de minha posição que tanto se assemelha a de Carr e da oposição que ambos enfrentamos, digo que: A História é um processo aberto a múltiplas interpretações, uma interpretação positiva é uma escolha justificável e sadia mas muitas pessoas acreditam que a interpretação é uma só, geralmente negativa, e combatem todos que não hajam de acordo com isso.

Alargar o Horizonte é a meu ver, exatamente a ampliação dessa visão de múltiplas interpretações, ou pelo menos de novas investigações.

Não nego que tenhamos perdido algo no decorrer dos tempos, a degradação ambiental, a superpopulação e o modelo de vida cada vez mais urbano que muitos assumimos com certeza são eventos que temos pouco a celebrar. Mas ainda os considero, males quase necessários.

Como colocava na época em que este livro havia sido escrito, década de 80, as ameaças de uma Terceira Guerra Mundial eram bem latentes. Hoje na virada do milênio, esse fantasma parece mais afastado.

Mantenho minha posição de que a possibilidade de uma guerra global hoje, por motivos econômicos é desprezível.

Marcus Valerio XR

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