Universidade de Brasília - Janeiro/Fevereiro de 2003 Instituto de Psicologia - IP
Departamento de Psicologia Clínica - PCL
Disciplina: 124036 - Psicologia da Personalidade I
Professora: Morgana Queiroz






HERÓIS DA AREIA

Uma leitura Freudiana e Jungiana
de estórias de Heróis
(Em especial da obra DUNA de Frank Herbert)















Marcus Valerio XR
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www.xr.pro.br



“...All the heroes go down
shed their blood on the land
Dreaming somehow
the divine will now stand
Heroes go down
with their hearts on their hands
Building their castles on the sand
..."

Heroes of Sand

de Rafael Bittencourt
conjunto musical ANGRA
álbum REBIRTH




“...Sandrider, stormfighter
unlock the chains e set us free
Sandrider, uniter
Guide us the way and make us see
..."
Sand Rider

de Arjen Anthony Lucassen
álbum STAR ONE - Space Metal




...
“He is the King of all the land
in the Kingdom of the sands,
of a time tomorrow.
...
It is a land that’s rich in spice,
the sandriders and the mice,
that they call the Muad Dib.
...
He has the power to foresee,
or to look into the past
he is the ruler of the stars.
..."

To Tame a Land

de Steve Harris
conjunto musical IRON MAIDEN
albúm PIECE OF MIND


INTRODUÇÃO

Creio que desde que os primeiros hominídeos se reuniam em torno de fogueiras para contar estórias até a atualidade, alguns temas possam ser universais e inalterados em essência, pelo menos até onde nossa imaginação do passado possa nos levar pelas areias do tempo.
Mais do que numa simples construção do mundo primitivo através de nosso limitado conhecimento histórico, faço essa afirmação baseado no pressuposto de que apesar das disparidades tempo-espaciais e culturais, existem certos elementos da psique humana que parecem onipresentes em diversas formas de manifestação.
Se bem que toda a amostra não apenas que utilizarei, mas possível de ser utilizada para defender tal afirmação, seja integrante de uma tradição um tanto quanto linear, mas talvez seja suficiente para defender a tese de que os elementos presentes nas mesmas sejam notadamente inerentes em certas temáticas humanas.
Se um fato histórico é sempre algo que promove um rompimento de rotina, um evento marcante e distinto do correr normal das coisas, o mesmo pode-se dizer de uma estória impactante. Que eu saiba, não em larga escala na literatura marcante de nossa cultura ocorrem obras que versem unicamente sobre um dia a dia perfeitamente normal de um exemplar perfeitamente ordinário de rotina humana.
Os eventos narrados em contos, lendas, mitos, novelas e similares, tem sempre sua dose de especialidade, e para efeito desta monografia, considerarei um estilo que talvez envolva as sagas mais marcantes e revolucionárias dos estados de coisas nos quais se contextualizam. As Sagas Heróicas.

Foi proposta nesta disciplina que se selecionasse uma estória na qual se focasse um personagem, e deste se extraísse uma análise psicológica relativa as teorias de personalidade abordadas. Decidi ir bem além desta proposta, consciente do receio que isto causaria em minha orientadora, e abordar não um, mas vários personagens sob mais de uma teoria, embora haja um eixo e uma estrutura narrativa em comum que desembocarão num aprofundamento de uma obra específica.
Trata-se de comparar, a despeito do contraste de contexto, personagens centrais de sagas que ilustram o desenvolvimento arquetípico e simbólico masculino. Os Heróis. Sempre presente em qualquer amostra cultural humana até onde podemos observar quer seja na forma de contos que visam mero entretenimento, lenda ou mito de significado religioso.
Minha intenção é demonstrar que há um substrato comum que interliga personagens heróicos numa trama comum e quase previsível, independente das diversas ambientações onde suas estórias de desenrolam, se mantendo essencialmente inalterado através da queda das areias da ampulheta da História.
A pré seleção inclui, numa abordagem geral, Hércules e Édipo da Literatura grega, Moisés e Jesus Cristo da mitologia Hebraica e Cristã e o Rei Artur das lendas celtas.
E posteriormente um salto para a atualidade são incluídos o Super Homem, Batman e o Homem-Aranha, das histórias em quadrinhos, Goku, Gohan e Vedita, da sére de desenhos animados Dragon Ball Z, Luke e Anakin Skywalker, de Guerra nas Estrelas e outros.
Porém, tudo isso será apenas citado superficialmente, pois o personagem alvo desta monografia, é um que, para mim, sintetiza com perfeição os elementos mais clássicos e tradicionais de uma saga heróica, reambientada num universo futurista.
Trata-se do herói Paul Muadib, e consequentemente de seu filho Leto II, personagens da série literária conhecida como DUNA, apresentada em livros de Ficção Científica do terço final do século XX pelo escritor americano Frank Herbert, já falecido. A repercussão da obra no campo da literatura fantástica é das maiores de todos os tempos, tendo sido traduzida para vários idiomas, filmada num superprodução cinematográfica hollywoodiana da década de 80 pelo cineasta Dino de Laurentis, assim como numa telessérie, também homônima, do fim da década de 90, e tendo inspirado canções inclusive da famosa banda de Heavy Metal inglesa Iron Maiden, e resultando em diversos vídeo games. Esses personagens apresentam um desafio de leitura psicológica, pois embora sejam clássicos no que se refere a sua construção, com muitos elementos arquetípicos e psicanalíticos inclusos, apresentam inovações inéditas que tornam a leitura muito mais complexa, exigindo reflexão filosófica para serem entendidos. Desta forma, espero com este trabalho conseguir não só um resultado que satisfaça a disciplina, mas também desenvolver um tema que há muito me interessa como pesquisador e que servirá de partida para outras abordagens.

Marcus Valerio XR


METODOLOGIA E TEORIAS SELECIONADAS

Embora minha inclinação pessoal seja para o humanismo, apesar de minha insistente postura de manter um pé nas premissas comportamentais biológicas de nossa espécie, decidi utilizar nesta monografia uma abordagem Freudiana, no que se refere a estrutura psicológica onde os heróis são construídos, e paralelamente uma abordagem Jungiana no que se refere aos aspectos mitológicos e simbólicos das sagas heróicas para o imaginário humano, em especial o masculino.
Sim, pois as estórias dos Heróis falam de um universo masculino, creio que em qualquer perspectiva pela qual se tente entender esse Masculino, sem querer, neste caso, entrar numa discussão de sua natureza ontológica. Por isso tais estórias são geralmente escritas por homens, e normalmente preferidas por homens, embora também o possam ser por mulheres ainda que quase sempre através de uma leitura diferente.
Os símbolos dos mitos heróicos, dos contos de coragem e força, de desafio e luta contra algo, remetem diretamente a estruturas inconscientes do desenvolvimento psicológico masculino predominante. Todavia, e é IMPORTANTÍSSIMO frisar, isso não significa que não falem também às mulheres, de forma alguma, mas ao falarem, elas necessariamente se comunicam com o Animus feminino.
Partindo desta premissa Jungiana, digo que é nesse sentido que coloco esse elemento Masculino. As Sagas dos Heróis, são então de um “Ser" Masculino para outro “Ser" Masculino, ainda que sejam escritas e lidas por mulheres, o que aliás já e menos comum. Tendo eu pessoalmente a convicção que remete à Jung de que todos os seres humanos, de ambos os sexos, transportam em si tanto o Masculino e Feminino, e de que há tantos homens mais femininos do que masculinos quanto mulheres ao reverso, e insistindo como sempre faço de que isso não se refere diretamente à preferência sexual, proponho finalmente que ler uma saga heróica é entrar em contato direto com o Arquétipo da Masculinidade em muitas de suas facetas.

Uma vez que creio já estar a abordagem Jungiana justificada, pretendo utilizar também a Freudiana devido à característica quase onipresente nas sagas heróicas de um certo Complexo de Édipo, principalmente no que se refere à morte simbólica do pai, numa leitura sempre relacionada a sucessão do poder, quer por paternal herança ou usurpação.

Será desenvolvida primeiramente uma explanação sobre algumas sagas clássicas, realçando suas similitudes e diferenças, posteriormente o modo como os elementos clássicos reaparecerem na contemporaneidade quer seja para serem resgatados ou revertidos, e por fim, com essa bagagem, uma análise sobre os personagens principais da obra que remete ao título desta monografia, que além de permitirem toda uma leitura da Psicanálise e da Psicologia Analítica, apresentam elementos para os quais a Psicologia simplesmente não tem, até meu conhecimento, instrumentos para abordar, o que nos leva irremediavelmente à reflexão filosófica.

Creio que a escolha dessas abordagens se justifica nem tanto pela opção, mas pela falta de opção de outras adequadas. Nenhuma teoria humanista seria eficiente para explicar heróis que num sentido fundamental não são humanos, mas sim hipérboles de possibilidades humanas. Assim como psicologias corporais não dariam conta de personagens que por vezes são também, fisicamente sobre humanos. Inadequações similares decorreriam de teorias comportamentais, que são evidentemente empiristas e não se aplicariam a âmbitos onde o sobrenatural é constante, ou mesmo de psicologias de consciência, pois os heróis, mais uma vez, não são exatamente representantes de indivíduos reais, sendo não raro seres onde a questão de auto consciência sequer se aplica da forma como a entendemos.
Por isso a abordagem Jungiana, por já ser adequada para mitos e contos, é a mais evidente e recomendada, assim como mais uma vez a Freudiana devido a, interprete se quiser como uma crítica embutida, apresentar certos elementos que parecem funcionar melhor em indivíduos fictícios do que reais, em parte por sua característica fatalista com relação a eventos primordiais.
Os heróis, são, como se poderá ver, quase sempre prisioneiros de um destino fixo, eles não são livres, razão principal pela qual as abordagens humanistas e existencialistas seriam inadequadas. São personagens cuja vida já está praticamente determinada mesmo antes de seu nascimento, o que pressupõe teorias de certa forma “essencialistas", ou seja, que pressupõem conteúdos apriorísticos, essências ontológicas.

E por fim, como o universo masculino interessa tanto a homens quanto a mulheres, ou melhor, tanto ao masculino, pela inspiração simbólica, quanto ao feminino, pela necessidade de interação, espero que as leitoras não se sintam desencorajadas a adentrar esse universo de heróis, poderes, guerras e espadas.


GREGOS E TROIANOS

Há muitas peculiaridade curiosas na literatura helênica, uma das que mais me chamam a atenção é a aparente desconsideração da intenção no que se refere a prática de um ato reprovável. Tanto em Édipo, por ter matado seu pai e desposado a mãe, quanto na saga de Hércules, que assassinou a própria família, o fato de que ambos os personagens estavam inconscientes do ato não parece ter qualquer relevância. Édipo matou alguém que lhe era um desconhecido hostil, e desposou uma mulher que também lhe era desconhecida, Hércules matou sua mulher e filhos por estar sob o efeito de uma ilusão, só depois, tomaram consciência de quem eram as vítimas.
Não obstante, os dois personagens são reprovados tanto por si próprios quanto pelos outros como se isso não importasse em absoluto, ao mesmo tempo que os evidentes e verdadeiros arquitetos da tragédia embora óbvios, sequer são comentados. De algum modo, creio eu, isso estará presente nas sagas de inúmeros heróis que devem arcar com responsabilidades por coisas pelas quais é impossível que sejam causadores diretos, não raro enquanto os próprios causadores mesmo quanto notados são simplesmente ignorados.
Mas esse sutil aspecto embora seja de forte relevância não é o que mais será abordado nesta monografia, mas sim o fatalismo inerente que parece conduzir os heróis em suas sagas mais do que sua própria vontade. Espero fazer notar que nenhum deles parece ser livre para escolher seu próprio caminho, mas sim que seu destino já está irremediavelmente traçado antes mesmo de seu nascimento ou despertar.
Hércules é filho de um deus, o que determinará seus dons sobre humanos, porém com uma mortal, a revelia da titular companheira divina deste deus, que irá perseguir o filho, um inocente, implacavelmente ao passo que o verdadeiro responsável pelo ato, o pai divino, não sofrerá qualquer retaliação direta. Também a mãe de Hércules será vítima da fúria ciumenta da deusa, ainda que não pudesse se opor à vontade do deus sendo portanto também inocente pelo ato.
Curiosamente, isso não parece incomodar o contexto de onde a estória se passa, a crueldade dos deuses parece ser não apenas um ponto pacífico, uma fatalidade a se conformar, mas por vezes é mesmo vista como justiça, como uma sabedoria a qual os humanos não podem compreender e devem se submeter sem questionamento.
É possível notar a mesma pérfida arquitetura divina no destino de Édipo, que caso não tivesse sido advertido pelo oráculo, jamais teria incorrido em sua tragédia. A revelação divina não foi um aviso, no sentido de alertar para uma possível escapatória, foi na verdade uma deliberada armadilha que o conduziu ao evento, uma profecia auto realizadora.
No entanto mais uma vez nada disto é posto em xeque, apenas os atos de Édipo, que não teve escolha diante dos eventos que lhe foram apresentados, e não obstante é visto como o responsável direto pelos eventos, do mesmo modo que Hércules e sentenciado aos 12 trabalhos após chacinar involuntariamente a família.
Curiosamente será esse destino trágico o caminho pelo qual estes heróis, cada qual a seu modo, realizarão feitos espetaculares, porém ao final o destino dos dois é diferente, Hércules será visto como um herói, e Édipo mais como um desgraçado, mesmo assim seus feitos continuam sendo heróicos, por terem trazido esperança e alívio de sofrimento para muitos, ainda que nem sempre intencionalmente.

Há muitos outros heróis na mitologia grega, que por sinal possui a Era dos Heróis, que parcialmente convive e sucede à Era dos Deuses Olímpicos, que por sua vez sucedeu a Era dos Titãs. A era dos Heróis inclui figuras como Aquiles, o Matador, também filho de um deus com uma mortal e que também goza de poderes sobrenaturais. Ulisses, ou Odysseu, este filho de um rei e uma espécie de “protegido" da deusa Atena, também Heitor, Agamenon, além da presença constantes de outros deuses, como se pode ver nas obras homéricas. Muitos destes heróis tem trajetórias correlatas às de Édipo e Hércules, embora com diferenças significativas.
Todavia o caráter que quero destacar aqui, é que, embora não explícita, está presente a idéia da sucessão de eras através de eventos drásticos. A era dos titãs foi superada pela revolta dos deuses olímpicos, e a era dos heróis também se estabelece nas intermináveis guerras entre Gregos e Troianos.
Se juntássemos a Teogonia de Hesíodo, a Odisséia e a Ilíada de Homero, e outros textos clássicos, não seria difícil obtermos uma espécie de “Bíblia" grega, com direito à gênese, livros “históricos", poéticos e éticos. Lamentavelmente faltaria ainda o Crepúsculo dos Deuses.
Digo isso, por que ter em mente essa informação será relevante para se compreender o paralelo que pretendo traçar entre esses heróis míticos e os seguintes.


HEBREUS E ROMANOS

Realizemos agora uma mudança tempo local e façamos a irresistível comparação dos mitos gregos com os judáico-cristãos. É notório a força com que a concepção grego-romana marcou o imaginário, principalmente do cristianismo. Por mais que se repita que Jeová não tenha uma forma, e seja sim um espírito, a imagem de um Zeus, um homem idoso e barbudo, continua marcada a ferro e fogo na concepção visual popular de divindade.
Não só isso, numa análise mais acurada, notaremos que a amoralidade com que este deus conduz os eventos não difere muito da dos espúrios e praticamente sádicos deuses gregos, que por sinal não possuem de fato uma forma, mas sim assumem formas humanas ocasionalmente, principalmente quando em contato com os mortais pois sua verdadeira aparência lhes seria insuportável, característica que também é atribuída à Jeová, cuja simples aparição poderia desintegrar uma montanha.
O maior herói dos Judeus é o pretenso fundador de sua religião, Moisés, cujo nascimento está marcado pelos eventos trágicos e ameaçadores. Assim como Édipo quase foi morto ao nascer dada a profecia da qual seus pais já haviam tomado conhecimento, e Hércules ainda bebê teve que enfrentar serpentes assassinas enviada pela ciumenta deusa Hera, Moisés precisou ser salvo de uma chacina promovida contra todos os nasciturnos do sexo masculino de seu povo, e atirado a esmo no rio Nilo, o que seria não por acaso o veículo de realização da profecia de que este viria a libertar os judeus no futuro.
Vale lembrar que a leitura de Freud sobre o mito o aproxima ainda mais dos similares helênicos, pois segundo este, Moisés era de fato filho do Faraó, tal como Édipo era filho de um rei e Hércules de um deus. Apenas posteriormente os judeus, por nacionalismo, o teriam transformado literariamente num autêntico hebreu, imortalizado nos livros do Pentateuco.

Notaremos também a mesma estrutura básica em Jesus Cristo, que teve seu nascimento anunciado em profecia, que tentou ser evitada também por meio de um extermínio de bebês, mas sobreviveu para trilhar seu caminho a vir a ser “rei dos reis".
Já temos então para comparação 4 personagens, Édipo, Hércules, Moisés e Jesus. Todos são filhos de pais incomuns, respectivamente um rei, um deus, descendente direto de um deus pela linhagem hebraica ou filho do Faraó segundo Freud, e por fim o filho de outro deus, ou segundo alguns historiadores mais ousados, filho bastardo de Herodes!
Todos sobreviveram a atentados em seus nascimentos, vitimados por eventos que lhe são anteriores e que vêem em seu extermínio a solução, mas sobrevivem para trilhar seu caminho de forma diferente da esperada. Todos são afastados de seus pais originais e por fim, ou ao menos durante um período, se tornam de algum modo reis.
Todos também passam por um processo de transformação ao longo de suas vidas onde vão desenvolvendo suas habilidades até o ponto onde estarão prontos para cumprir sua grande missão, vencendo desafios e trazendo esperança para uns e desespero para outros, ao vir estabelecer uma nova ordem.
No caso, Hércules após inúmeros outros feitos é quem irá libertar Prometeus, encerrando um período da soberania de Zeus e antecipando um destino que lamentavelmente nunca chegou a ser desenvolvido pelos helênicos, que seria a queda dos deuses olímpicos da mesma forma como antes ocorrera a queda dos Titãs, e seria isso que poderia vir a instituir o Crepúsculo dos Deuses. Como disse antes porém, nada disso chegou a ser escrito, mas é claramente insinuado em obras como Prometeu Acorrentado, onde o titã se diz detentor de um segredo que precederia a queda de Zeus.
Já em Édipo temos o salvamento da cidade de Tebas que era atormentada pela terrível Esfinge, que é derrotada pelo herói, e posteriormente Édipo ainda se envolve em outras aventuras, onde embora não aja da mesma forma, mesmo devido a seu estado de cegueira, também colabora em novos eventos marcantes.
Moisés por sua vez liberta os hebreus do Egito e os conduz à terra prometida tendo no caminho presenciado diretamente deus em uma forma temporária, e recebido o decálogo. E por fim Jesus, após a trágica via-cruxis, o que o aproxima em parte de Édipo, ressuscita para redimir os pecados da humanidade.
Como vemos, todos esses heróis travam um tipo de batalha que viria a legar uma nova ordem, e no entanto todos também encontrarão seu fim, embora o de Hércules não seja claramente mencionado, vale lembrar que ele é mortal. Será a morte então, uma espécie de novo desafio para o herói, através do qual ainda conquistará mais um triunfo ainda que simbólico, tal como Moisés, que faleceu assim que chegou, após 40 anos de viagem, ao limiar da terra prometida.
E assim todos os heróis por fim morrem, mas de sua morte um novo legado geralmente surge.

“All the heroes go down, shed their blood on the land..."


A ESPADA E O CÁLICE

Saltemos agora para a Idade Média e vejamos o mais famoso mito e herói deste período. Artur Pendragon, tal como Hércules, foi concebido devido a lascívia de seu pai, no caso o Rei Bretão Uther. Não conhece este, assim como todos os heróis anteriormente citados ao menos até certa idade. No nascimento é separado da mãe e protegido por Merlin, o que segundo algumas versões também o salva da morte devido a sua condição poder vir a tornar instável a política do reino, cujos sucessores já se preparavam para disputar o poder.
Crescendo com pais adotivos, característica comum a todos os heróis anteriores, passa por uma preparação e após sua prova, a retirada da espada Excalibur, se torna o rei que virá a estabelecer a ordem num caos onde as nações vivem em guerras fratricidas e são ameaçadas constantemente por estrangeiros.
Mas Artur não é só o fruto de tal situação, é também o gerador de uma outra, de um filho bastardo que no futuro lutará pelo poder contra o próprio pai, assim como Zeus antes destronara seu pai Chronos, que por sua vez fizera o mesmo com Urano, e onde um desenvolvimento extrapolante poderia levar a um evento onde Hércules destronasse Zeus.
Curiosamente Édipo também destrona seu pai, assim como Moisés simbolicamente o faz com seu pai adotivo, o faraó. Jesus não o faz mas de certa forma sucede o pai simbolicamente, por inaugurar uma nova era de salvação, ao mesmo tempo que os efeitos de sua saga destronariam os inimigos de seu povo.
Artur também tem seu filho com a própria irmã, num relacionamento incestuoso, tal como o que ocorre a Édipo, e também involuntário pelo menos de sua parte. Vale lembrar que os relacionamentos entre os deuses também são sempre incestuosos por essência.
Mas o que importa no caso é o que todos os mitos tem em comum. Todos eles implicam em nasciturnos especiais, nascendo sob condições especiais definidas aprioristicamente, em algum momento são afastados de seus genitores masculinos e de algum modo esse afastamento, esse relacionamento indireto com o pai contém a matriz da força do herói, força que irá impulsioná-lo a realizar um destino que já está traçado, e que invariavelmente leva a reversão ou revolução de uma estrutura social.

A lenda arturiana porém envolve muitas estórias, e uma delas, talvez a de maior destaque em importância, é a saga de Parsifal, ou em alguns casos Galahad, em busca do Santo Graal, incumbência fornecida pelo Rei Artur quando Camelot já estava em decadência. Parsifal trilha um caminho epopéico em busca deste cálice, evidentemente um símbolo do arquétipo da vida e da feminilidade.
Esse lenda é analisada em detalhes no famoso livro do psicólogo americano Robert A. Johnson, da linha Jung, de título HE, onde a saga de Parsifal é vista como a representação simbólica do desenvolvimento da masculinidade, ou ao menos uma caminho a ser trilhado para se atingir a individuação.
Nesse caso é válido notar a diferença. Parsifal não é, pelo menos claramente, filho de um rei, mas sim um rapaz normal, que no entanto trilha um caminho heróico. Entretanto, sua saga é diferente, pois ele não se torna um rei, assim como a ausência de uma origem nobre parece lhe permitir maior liberdade de ação, e dessa forma seu destino parece ser definido por ele mesmo, diferente dos heróis filhos de nobres ou deuses que já nascem com as futuras obrigações pré-determinadas.
Talvez seja relevante que Parsifal busque a Feminilidade, o Graal, para se Individuar, ou seja tornar-se um Ser Humano completo e mais livre, enquanto os heróis prisioneiros de seus destinos invariavelmente buscam um expoente da masculinidade, no caso de Artur representado pela Espada, para assumir a condição de um Rei, soberano mas escravo de suas obrigações.
Da mesma forma, sua busca não visa revolucionar a ordem de coisas, mas sim sanar uma ordem que está debilitada e reerguê-la. Com pode-se notar a Espada, a Força, a Masculinidade é usada para a Transformação, ao passo que o Graal, a Água da Vida, a Feminilidade, é usada para Reestauração e Conservação.
O mais importante nesse conto, especialmente na análise de Robert A. Johnson, é o modo como ele interpreta os elementos da saga de Parsifal, o primeiro encontro com os cavaleiros, a luta contra o Cavaleiro Vermelho, o encontro com a feiticeira e sua falha na primeira tentativa de achar o Graal.
Cabe porém a crítica de que essa versão deste mito, que é bem mais antigo do que aparenta, está reformulada para se enquadrar no Cristianismo, o que causa alguma distorções na aparência dos símbolos. Não obstante os elementos arquetípicos parecem permanecer os mesmos.


OS SUB-HERÓIS

Saltemos agora para o século XX e vejamos o interessante fenômeno que acontece com heróis típicos de uma nova era da humanidade. Embora ao longo da idade moderna tenham surgido personagens notáveis, quero chamar atenção para uma característica numa certa produção “literária" que inverte um aspecto sempre presente no modelo anterior.
Na década de 30 viria a surgir nas histórias em quadrinhos aquele que a meu ver, não é um simples personagem, é um dos mais poderosos arquétipos positivos da masculinidade, uma projeção dos mais intensos sonhos de nobreza da humanidade. O Super-Homem, criado por Jerry Siegel e Joe Shuster
Esse alienígena sobrevive à destruição de seu planeta natal, ficando portanto órfão não só de seus genitores e família mas de toda a sua espécie, por sorte praticamente idêntica à espécie humana terrestre. Enviado à nosso planeta por seu pai, não apenas um extraterrestre, o que caracteriza uma nova versão da origem divina, mas um expoente científico em seu planeta de origem.
Dada a essa herança o Super-Homem possui poderes extraordinários, que em sua versão inicial eram basicamente 3, a Super Velocidade, mais rápido que uma bala, a Super Força, mais poderoso que uma locomotiva e capaz de transpor um edifício num pulo só, e a Invulnerabilidade, o homem de aço. Portanto, desempenhos exponenciados das potencialidades humanas. Só posteriormente ele viria a receber poderes mais exóticos, como o vôo ou a visão a Raio-X, e continua sendo reformulado e readaptado até hoje.
Mas o que mais me chama a atenção no Super-Homem é que ele é um herói puro, cristalino como o mais radiante desejo humano de perfeição. Ele não só sintetiza as máximas qualidades físicas, incluindo beleza, mas as maiores virtudes, senso ético, austeridade, bondade, inteligência. De uma certa forma, interpreto o super homem como uma espécie de Ser Completo, que integra a supremacia da Masculinidade, em sua potência, com a da Feminilidade, em seu comprometimento com a vida e a justiça.
Como vemos o modelo de construção do herói é correlato ao dos exemplos clássicos anteriores. Origem nobre e/ou divina e afastamento do pai, mas...

Antes passemos a outro herói que se seguiria imediatamente após, o lendário Batman, de Bob Kane, a princípio uma espécie de antítese física do Super-Homem, sendo um homem normal, porém capaz de grandes proezas. Batman também tem linhagem nobre, é filho de milionários que são assassinados em frente a seus olhos quando este ainda era criança, o que configura mais uma vez os dois elementos de convergência, ainda que este último tenha sido acrescentado posteriormente.
Hoje em dia Batman tem sido quase um anti-herói, acentuando ainda mais sua divergência do Super-Homem, que mantém seus atributos psicológicos inabalavelmente nobres, ao passo que Batman tem sido retratado de forma cada vez mais neurótica sendo implacável com inimigos, e mesmo cruzando o limite moral muito valorizado de nunca matar, apesar de ainda ser um justiceiro que jamais feriria um inocente.

Outro fenômeno da cultura pop largamente conhecido é o Homem-Aranha, de Stan Lee. Desta vez ele não tem uma origem nobre, não é nem extraterrestre nem milionário, não tem a mesma força psicológica íntegra do Super-Homem, ou determinada do Batman. É um pós adolescente nerd e atrapalhado. Porém um evento extremamente improvável, um outro nome para milagre, lhe ocorre conferindo-lhe super poderes. Que desta vez não serão dados por um deus, mas pela nova e revolucionária mitologia moderna que assumiu a roupagem da Ciência, e dessa forma, a origem do Homem-Aranha é o equivalente a uma origem divina.
Já órfão de pais, o Homem-Aranha só se torna um herói após a morte trágica de seu tio, que fazia o papel da figura paterna, e com isso esses elementos clássicos permanecem.

Eventos similares ocorrem a diversos outros heróis, como o Demolidor, que em breve estará nos cinemas, ou o Flash, ambos de origem não nobre, mas acometidos de “acidentes" miraculosos que sob uma validação pseudo-científica adquirem super poderes, e também sofrem a perda de figuras paternas, no caso do Flash, o irmão mais velho, uma espécie de referência.
A medida que os heróis foram surgindo, as variações, até por uma questão de inovação, começaram a afastá-los cada vez mais desta estrutura clássica, que curiosamente atinge praticamente todos os mais antigos. Porém, todos esses heróis, inclusive o Super-Homem, possuem um elemento que os diferencia radicalmente dos heróis clássicos, e que a meu ver só pode ser explicado pela curiosa situação da estrutura social norte americana no mundo.
Diferente dos heróis clássicos, esses novos heróis não vêm para revolucionar a sociedade, não se propõem a mudar a ordem de coisas, pelo contrário, eles vem para ajudar a mantê-las! Combatendo justamente as perturbações desta ordem que emergem na figura dos sempre reprováveis criminosos.
A compreensão dessa ruptura com o modelo clássico merece muita investigação e com certeza renderia amplas monografias, fugindo ao objetivo deste trabalho, mas não resisto a comentar que nisso está oculta a pressuposição da sociedade norte-americana em se considerar um tipo de expoente em termos de civilização, algo que não deve ser mudado, uma visão que se torna quase insuportável quando constatado que os fundamentos desta sociedade implicam numa desigualdade que majoritariamente produz os próprios efeitos que estes heróis se propõem a combater, e desta forma, eles acabam por se tornar mais um instrumento de repressão do sistema social.
Por esse motivo, decidi entitular este capítulo com o termo Sub-Heróis, pois os Super-Heróis deste contexto, a meu ver, carecem de um elemento clássico que é a característica revolucionária, que estará muito mais presente nos Super Vilões. É claro que há um elemento que não pode ser logo de imediato ignorado, os heróis clássicos são sempre habitantes de um passado de sua época, portanto são interventores que vieram para estabelecer a ordem vigente sobre uma ordem antiga, ao passo que estes Super-Heróis são habitantes do presente, e isso só já bastaria para indicar um caminho que esclarecesse melhor essa discrepância, o que não impediria uma notável leitura psicossocial que uma monografia neste sentido poderia resultar.
Além disso os heróis clássicos nascem em contextos tidos como ruins, e lutam para estabelecer um novo contexto tido como bom, ao passo que os “Sub-Heróis" já estão nesse contexto tido como bom, e lutam então para corrigir os desvios que podem abalar esse contexto, no caso a crença de que o American Way of Life é um estado ótimo que deve ser preservado.
Nesse sentido esses novos personagens se assemelhariam mais a Parsifal, que visa reestabelecer uma ordem, digo assemelhariam porque dificilmente se nota um elemento equivalente à busca do Graal, que é sem dúvida a epicentro da saga de Parsifal.
Como pode-se notar, isso renderia um novo direcionamento de pesquisa, que implicaria numa outra e provavelmente muito extensa monografia que não deve ser realizada aqui.
Anotarei isto em minha lista de projetos.

HERÓIS DO FUTURO

Vamos agora introduzir os elementos necessário para se abordar o verdadeiro objetivo deste trabalho. Os heróis que serão aqui comentados resgatam a característica revolucionária, mas curiosamente todos estão distantes de nosso contexto real, diferente dos Super-Heróis, estando num futuro, em universos paralelos ou mesmo há muito tempo numa galáxia muito, muito distante.
Assim é o famoso Luke Skywalker, de STAR WARS, uma das mais notáveis reformulações da lenda arturiana. Ele é descendente de um poderoso Cavaleiro Jedi, de uma ordem “mística" de guerreiros excepcionais que antes mantinham a ordem na galáxia, porém mais uma vez Luke não sabe disso, pois foi afastado de seu pai ainda na infância, vivendo um período de relativa tranquilidade antes que seu destino o encontrasse, da mesma forma como Artur foi um pacato escudeiro antes de se tornar rei, mas que não deixava de revelar um certo potencial, também como Jesus, Moisés e mesmo hércules tiveram infâncias e adolescências tranquilas mas promissoras até que sua missão se relevou.
Luke também luta para reverter uma condição social, no caso para derrubar o Império Galáctico que antes seu pai, Anakin Skywalker, que possui uma origem ainda mais misteriosa por enquanto não explicada, ajudou a instituir para reverter o caos que se apoderava da Galáxia. Nisso pai e filho se encontrarão numa reversão equivalente a de Artur e Mordred para uma batalha decisiva.
Como a origem de Anakin ainda não nos foi revelada pelo profeta Jorge Lucas, que realmente está inspirando uma religião, só nos resta observar que Luke possui os mesmos elementos clássicos, origem especial, afastamento do pai e destino revolucionário que lhe foi traçado praticamente a sua revelia, com ainda um curioso detalhe, chegar a pronunciar um relacionamento incestuoso com a irmã, Princesa Leia. Além disso sua vida foi de certa forma, não exatamente profetizada, mas vista por seres que prevêem o futuro. No mais esperemos alguns meses para a estréia de Episódio III.

Outro exemplo de herói revolucionário contemporâneo é Neo, o predestinado, the chosen one, do filme THE MATRIX, que também terá sua sequência apresentada ainda este ano, constituindo a segunda parte de uma trilogia. Sua origem também é incerta, seus pais são omitidos, mas ele foi anunciado por um oráculo sendo portanto mais um rebento profético. Com poderes extraordinários, ele vem para promover a mais extensa das revoluções, que alterará os próprios fundamentos da realidade onde vive.

Um exemplo de herói que diferentemente não tem nascimento anunciado, marcado por eventos especiais ou sequer genitores importantes é Johny Goodboy Tyler, o protagonista do maior livro, em tamanho, de Ficção Científica em volume único já escrito, pelo menos de grande repercussão. Como escritor de FC ainda pretendo mudar isso.
O autor Ron L. Hubbard, este sim fundou uma religião chamada Cientologia, produziu um herói de origem verdadeiramente humilde, mas de inteligência e força de vontade incomuns, necessária para a impossível missão de libertar o que resta da humanidade devastada por uma brutal invasão alienígena que quase exterminou a vida no planeta há mais de mil anos, interessada apenas em minério. Trata-se do livro CAMPO DE BATALHA TERRA 3000, que recebeu uma parcial versão cinematográfica que no Brasil recebeu o título de A Reconquista, na verdade um dos subtítulos alternativos do livro. Um filme de responsabilidade do autor John Travolta, não por acaso um ardoroso membro da Cientologia que reza a lenda teria prometido a Hubbard que levaria sua estória ao cinema antes de sua morte.
Este herói apesar de sua característica revolucionária, não apresenta os elementos de origem especial ou profetização, seria mais um Parsifal sem o Graal, embora no decorrer do livro esses temas terminem por se construir no imaginário de um povo que praticamente voltou à barbárie.
Como já foi dito antes, a saga do herói é masculina, e este livro e um dos exemplos mais notáveis de como isso pode se constituir, sendo hipnotizante para o público masculino correlato mas dificilmente consegue agradar uma leitora.

Para finalizar a lista de exemplos de heróis que fogem das estruturas clássicas antes apontadas, vejamos exemplos de heróis não revolucionários, em estilo por vezes similar aos dos Super-Heróis, porém com características bem típicas de origem especial e relacionamento parental diverso.
Hoje em dia pode-se notar a ausência de muitos elementos clássicos nos heróis atuais, mesmo pela necessidade de novas fórmulas, talvez por isso uma saga em especial faça tanto sucesso perante o público masculino principalmente infanto-juvenil. Por ser uma série muito extensa, mais de 300 episódios, possuir uma narrativa inexplicavelmente lenta e uma dose de violência realmente desnecessária, não é de se admirar que Dragon Ball Z cause um certo desconforto a um espectador ocasional. Porém, um olhar mais atento permitirá que se veja por trás de toda a roupagem exótica e por vezes desagradável, uma das mais fascinantes misturas arquetípicas de sagas heróicas já realizadas.
Em Dragon Ball Z, não confundir com o anterior Dragon Ball ou o posterior Dragon Ball GT, pode-se ver ao mesmo tempo 3 fórmulas heróicas no que se refere à figura do pai. Goku, o protagonista original, é um extraterrestre que chega à Terra ainda bebê, numa reedição de Super-Homem, com grandes poderes que serão cada vez mais exponenciados ao longo da vida, sem saber sua origem e enfrentando precocemente uma série de desafios. Gohan, seu filho, vê-se no dilema de se tornar um guerreiro tão grande quanto seu pai, havendo apesar do ótimo relacionamento, o fenômeno da imagem paterna presente e escurecedora, até que o filho supere o pai em Habilidades.
Mas Gohan também perde o pai temporariamente, morto no conflito contra um poderoso monstro, e só então ele revela todo o seu potencial enquanto seu pai lhe comunica do além, e finalmente destruir o inimigo salvando o planeta Terra. Posteriormente porém Goku será ressuscitado, pois nesta série as Dragon Balls são exatamente dispositivos capazes de evocar um dragão divino que pode realizar vários desejos, inclusive ressuscitar pessoas. Na verdade muitos dos personagens morrem e ressuscitam várias vezes.
Um antítese destes dois é o controverso Príncipe Vedita, conterrâneo de Goku e além deste o único sobrevivente de uma raça extinta de um planeta destruído, vê-se amargurado com a lembrança de seu pai a lhe indicar sua responsabilidade como herdeiro, e se vê na obrigação de se tornar o maior guerreiro do universo, disputando arduamente tal título com Goku e Gohan, numa relação de inimizade mas cujas situações inesperadas os obrigarão a trabalharem juntos muitas vezes contra adversários ainda mais poderosos.
É uma pena que Dragon Ball Z seja tão exageradamente violento e tenha uma trama tão lenta e complicada, pois somente com muita paciência pode-se notar os elementos brilhantes da estória, o que por exemplo só me foi possível porque por sorte, fui submetido acidentalmente a uma maratona de episódios introdutórios em companhia de minhas filhas.

Bom citar também dois fenômenos literários e cinematográficos contemporâneos. O primeiro, não tão recente, são as obras de J.R.R. Tolkien, estourando nas bilheterias em sua versão cinematográfica. Os heróis principais aqui são em geral diferentes do arquétipo clássico, sendo criaturas frágeis e não dadas a combates físicos, no caso os pequeninos Hobbits. Porém dividem espaço com outros personagens, alguns dos quais remetendo a símbolos bem diferentes, como o de velho sábio e poderoso, o feiticeiro Gandalf, num papel similar ao de um guru místico e não apenas visualmente parecido com Moisés.
O guerreiro Aragorn, que depois se torna um Rei, encarna o papel mais clássico do herói, já o protagonista principal, o pequeno Frodo, se assemelha a uma inversão pura do papel de Artur ou Parsifal, que devem lutar para obter um poder, respectivamente a espada Excalibur e o Santo Graal. Frodo no entando deve lutar para abdicar de um poder que já possui, o Um Anel, de características malignas.
O outro exemplo é o tão famoso Harry Potter, mais uma vez um órfão cujos pais, bruxos de grande poder, são mortos quando este ainda era bebê, e sobrevive a um ataque de um poderoso feiticeiro, num evento semelhante ao de Hércules, passando a carregar então um estigma que completa seu potencial como um futuro e muito promissor bruxo. Apesar de suas grandes realizações, a missão máxima de Harry Potter provavelmente ainda não foi realizada, mas a de Frodo é paradoxalmente reestabelecer uma ordem de coisas que foi perturbada em determinados locais, ao mesmo tempo que revoluciona outras ordens vigentes em outros locais, numa cadeia de eventos um pouco mais complexa. Vale lembrar que o Senhor dos Anéis é uma obra ambientada num passado mítico e remoto.
E finalmente, após esses exemplos de heróis que resgatam umas e rejeitam outras características dos heróis clássicos, seguiremos para aquele que é sem dúvida um dos mais “tradicionais" heróis contemporâneos, trazendo TODOS os elementos clássicos quase inalterados numa construção de personagem com sutilezas psicológicas desafiadoras.

Harry Potter, Luke Skywalker, Jonhy Goodboy Tyler, (Vedita, Goku e Gohan), Neo, Gandalf


CAVALEIROS DA AREIA

“... I have seen visions in a waking dream.
I have seen places man has never seen.
Am I the one to funfil the prophecy
On the desert planet in the galaxy
..."
Sandrider
Arjen Anthony Lucaassen

A ambientação ocorre cerca de 8 mil anos no futuro, o que possui a vantagem de dificultar críticas com relação as concepções tecnológicas e sociais, num universo completamente dominado pela raça humana e totalmente desprovido de outras espécies inteligentes, porém a humanidade se diversificou tanto que surgiram mutações e raças extremamente exóticas.
Com uma população que parece beirar a casa dos trilhões, o Universo é totalmente explorado graças a tecnologias de hiper deslocamento espacial que no entanto dependem de seres dotados da Pré-Ciência, os navegadores, que usam seus dons premonitórios para dirigir o fluxo de naves pelo espaço.
Tal dom porém depende de uma substância conhecida apenas como A Especiaria, ou Melange, que só é obtida em um único local do Universo, o planeta Arrakis, também conhecido como Duna. Um mundo desértico, árido e extremamente inóspito onde vivem os Vermes da Areia, anelídeos que podem chegar a 500m de comprimento, e uma raça de humanos conhecidos como Fremens, os nômades do deserto, que amargam uma vida dura em parte pela dificuldade de obter água, substância que no local é caríssima e rara.
É impossível não notar a correlação com um fato de nosso mundo real e atual. A região do planeta que detém a maior parte da mais cobiçada substância é também uma região desértica, e também onde a escassez de água acrescenta problemas consideráveis.
E as semelhanças não param por aí, os Fremens são caracterizados de modo muito similar aos Tuaregs e outros guerreiros do deserto do Médio Oriente, inclusive pelo fanatismo religioso. Assim como não é difícil perceber a influência da cultura islâmica na construção ambiental de Duna, inclusive usando termos como Jihad.
Como a civilização depende da Especiaria, não só para a hiper navegação espacial quanto para abastecer os poderes dos videntes, prolongar a vida humana, assim como para manter a dependência química de bilhões de indivíduos, o planeta Duna merece uma série de cuidados. “A Especiaria deve fluir", é o lema de ordem.
O Universo é controlado por 3 forças evidentes, o Império Central, a associação das grandes casas feudais, e a companhia de navegação espacial. Mas há uma quarta força oculta, a irmandade religiosa da Bene Gesserit, que manipulam o poder de forma dissimulada. São elas que profetizam ao povo Fremen a futura chegada de um Messias que virá conduzi-los para a verdadeira liberdade, na verdade em parte um truque para garantir sua influência sobre tal povo. São elas também que agem como as tecelãs do destino, arquitetando um programa genético de reprodução controlada de humanos com o objetivo de obter um homem com poderes equivalentes ao das feiticeiras, sempre mulheres, que além de poderosas videntes e manipuladoras são também guerreiras fisicamente competentes.
Lady Jessica é uma das Bene Gesserit que servia à Reverenda Madre, mas se casa com o Duque Leto Atreides, recebendo ordens de gerar apenas mulheres, instrução que desobedece por amor ao Duque e produz então o nosso Herói, Paul Atreides, aparentemente arruinando séculos de planejamento do programa genético das feiticeiras.
Ao mesmo tempo o Duque Leto, um dos nobres das grandes casas feudais, tem se tornado um homem de grande popularidade e influência, e de virtudes inegáveis, isso leva o Imperador a nomeá-lo como novo dirigente do planeta Duna, substituindo a casa Harkonnen, lendária inimiga dos Atreides, e então o Duque, sua esposa Jessica e o filho Paul se mudam para o planeta deserto.
Mas na verdade trata-se de uma armadilha, o Imperador pretende na verdade eliminar o Duque Leto devido a sua crescente influência, e arma um plano com o inescrupuloso Barão Harkonnen para destruir a casa Atreides, terminando com uma incessante disputa de famílias, e ao mesmo tempo também satisfazendo um ensejo da feiticeiras que previam um perigo no futuro caso Leto continuasse vivo, visão que é também confirmada pelos navegadores da Corporação Espacial.
Com isso, o caminho de Paul é iniciado, seu pai é morto e sua casa destruída, tendo que fugir para o deserto com sua mãe e viver entre os Fremen, mudando seu nome para Paul Muadib, o nome de um rato das areias, e iniciando seu caminho como o messias que irá libertar os nômades do deserto.

GUERREIRO DA TEMPESTADE

“... I have seen the navigators bridging space.
I have seen the baron and his evil ways.
Forging plans against planet’s nomad tribes.
And in this dream I’ve seen my father die.
..."
Sandrider
Arjen Anthony Lucaassen

Embora tivesse vivido uma vida tranquila, Paul já possuía muitas habilidade especiais. Sua mãe lhe ensinara várias técnicas das feiticeiras e ele foi treinado com os melhores guerreiros e instrutores, sempre respondendo excepcionalmente. Há muito já tinha sonhos proféticos que com o tempo aprendeu a interpretar e suas habilidades mentais cresciam de forma assombrosa.
Notamos aqui então, um resgate das características de heróis clássicos. Paul era como um Jesus cristo adormecido, sé esperando o momento de despertar para assumir o seu destino, o que só ocorrerá após a perda do pai, e então veremos aqui a importância da leitura Freudiana.
De algum modo o herói parece nunca despertar enquanto estiver à sombra do pai, é necessário a morte deste para que ele assuma seu lugar. No caso de Paul é ainda mais interessante o fato de que sua mãe sempre estará com ele, e ao fugiram para o deserto ele a assume, de uma forma simbólica, realizando o Édipo interior involuntariamente. Mas logo Paul encontrará sua parceira entre os nômades do deserto, a jovem Chani, e a partir dai ele passa a ter uma curiosa relação com o feminino.
Uma notável psicanalista capixaba de inclinação jungiana certa vez me apresentou a hipótese de que na saga de um herói há 3 grandes modos de relação com a Feminilidade. O da Feiticeira, o da Princesa e o da Rainha.
A primeira pode ser tanto aquela que irá despertá-lo e treiná-lo, ainda que como uma inimiga, e então prepará-lo para seu futuro. A segunda é aquela que irá lhe oferecer um contraponto, uma interação, de modo que tanto lhe seja um ponto de apoio, um oásis de restauração, seu Cálice Sagrado, quanto o incentivo que o impulsiona para realizar seu futuro. E a terceira é aquela que só poderá ser obtida após a conquista do poder maior, é o prêmio máximo pela sua façanha.
Em muitos heróis essas faces arquetípicas do Feminino costumam estar ocultas na trama, não raro até mesmo disfarçadas em personagens masculinos, mas em Duna elas são explícitas.
Lady Jessica, a mãe, é a Feiticeira que treina Paul, além do que este logo no início da estória também passa por um confronto arriscadíssimo com a Reverenda Madre, num teste de resistência, de modo que tanto a versão amiga quanto a inimiga da Feiticeira estão presentes.
Após seu primeiro despertar já no deserto, Paul encontra Chani, que será sua princesa, seu cálice sagrado, e após seu segundo despertar, a batalha final, ele irá conquistar a Rainha, da qual falaremos mais adiante.

Quero agora destacar o elemento profético da trama, o destino traçado. Paul também possui o dom da Pré-Ciência, que se desenvolve cada vez mais, de modo que ele constantemente sabe o que vai lhe ocorrer com muita antecedência sobre muitos aspectos. De alguns destinos ele tenta fugir, tal como Édipo, e outros ele parte para realizar, tal como Jesus.
A presença desse elemento reforça em muitos momento a idéia de que Paul é, tal como os heróis clássicos, vítima de um destino pré-estabelecido, ainda que aos olhos alheios pareça ser o puro arquiteto, ele na verdade se vê mais como o construtor de uma arquitetura previamente planejada.
O destino porém não é fixo e imutável, pelo menos não muito, permitindo alguma autonomia e oferecendo algumas opções pré-selecionadas. Paul não é também o único a prevê-lo, todas as feiticeiras Bene Gesserits o fazem, assim como os Navegadores da Corporação Espacial, todos dependentes, vale lembrar, da Especiaria, que é na verdade uma droga que entre outras coisas desperta os dons premonitórios.
Dessa forma durante todo o tempo ocorre um conflito entre as facções de videntes, cada qual preferindo realizar um futuro que mais lhe convenha, mas que não raro percebem que algumas opções já foram fechadas.
O Destino, como costumo dizer, é paradoxal. Um simples argumento pode por em cheque todas as alegações que os videntes de nosso mundo dizem ser capazes.
Se o Destino existe e for fixo, a Premonição poderia existir, mas seria de certa forma inútil, pois não se poderia usá-la para alterar tal destino, servindo no máximo como uma forma de conformação preventiva,--podendo levar a um sofrimento antecipado e desnecessário, ou a um regozijo antecipado.
Se o Destino não existir, ou não for fixo, então a Premonição é inútil, pois não pode dizer com certeza o que irá acontecer, e o simples anunciar da premonição pode comprometer sua realização, ou no caso de Édipo, realizá-la.
Na obra de Frank Herbert, a Pré-Ciência como um modo de ver o futuro funciona de modo não tão diferente de uma previsão estatística que considera muito habilmente as probabilidades, a não ser no caso da Navegação Espacial, onde trata-se mais de uma visão translocal.
De qualquer modo o funcionamento não difere tanto dos fios do destino traçados pelas divindades gregas, o que implica num caminho de desenvolvimento que segue por uma trilha já definida, típica dos hiperbólicos heróis fantásticos. Arquetipicamente isso faz sentido, parece haver uma “trama" prevista no Inconsciente Coletivo, uma coleção de alegorias simbolizadas na trajetória do herói que se comunicam conosco de uma forma sutil, simbólica, e quase nunca diretamente aplicável na realidade.

Além desta leitura proponho um tipo de Meta Psicoanálise. É claro que não podemos querer ver em certos personagens a mesma estrutura que supomos para a psique humana comum, mas as correlações permitem hipóteses curiosas.
Vemos a presença de curiosas pulsões a todo o instante determinando a existência dos personagens. Hércules e Artur nascem na luxúria de seus pais, Paul também nasce em parte do Amor de sua Mãe pelo duque, suficientemente intenso para desafiar a ordem da Reverenda Madre em por o Universo em perigo.
Devo lembrar que a estória discutida aqui está presente no livro Duna, o primeiro de uma série de 6, assim como no filme e na tele série, mas nos demais livros outros elementos são retomados e muita coisa é reexplicada. Os impulsos sexuais merecem destaque especial principalmente no quinto livro, Os Hereges de Duna, mesmo assim a sexualidade é um tema frequente nos personagens secundários, mas não em Paul.
De algum modo nele a energia das pulsões parece ser redirecionada em sentidos mais abrangentes, razão pela qual ele realiza tantas coisas. Ele em si é um personagem extremamente controlado, capaz de adormecer totalmente suas emoções voluntariamente num nível incomensuravelmente maior que qualquer outro dos personagens.
Fica implícito então que seu potencial parece vir do desvio da energia que emerge do ID para fortalecer o EGO, de modo que seu comportamento é não raro frio. E para explicar melhor isso é necessário outra explanação sobre a ambientação.

O Universo de Duna é muito exótico, até mesmo para a média da Ficção Científica. Apesar de se passar 8 mil anos no futuro e apresentar estupendas tecnologias, não existem computadores, que foram exterminados e proibidos por uma guerra santa que determinou “não farás máquinas à imagem do homem", banindo a Inteligência Artificial. Para compensar foram criados os Mentats, humanos com capacidade cerebral assombrosa e capazes de realizar cálculos extremamente complexos tão ou mais rápido que o melhores computadores.
Paul também é um Mentat, um computador vivo, e quando nesse estado se torna ainda mais inumano. É por essa e outras razões que o personagem embora possa ser parcialmente abordado por Teorias de Personalidade comuns, não o pode totalmente, pois possui características sobre humanas.

Outra característica aparentemente contraditória em relação à tecnologia em Duna é que as lutas são quase todas corporais, dado o advento dos escudos de energia capazes de barrar a penetração de quaisquer objetos perigosamente rápidos. Isso obriga ao desenvolvimento de técnicas de luta que levam a se aproximar do escudo e penetrá-lo lentamente com uma arma da mão, em geral uma adaga.
Esse elemento é indiscutivelmente romântico no sentido em que permite a ocorrência as heróicas lutas corpo a corpo a despeito do desenvolvimento tecnológico. De um certo modo, em sua natureza lúdica, a parte guerreira da humanidade nunca perdeu o gosto pelos confrontos bárbaros da antiguidade, tão próximos de símbolos como a espada, o falo.
Não há como não perceber a natureza fálica de praticamente qualquer arma, seja a espada, adaga, lança, flecha, munição ou míssil. Empunhar uma espada é como exibir a própria masculinidade de um modo mais aceitável do que exibir o próprio pênis. A espada sintetiza a idéia da Força Masculina numa roupagem nobre a ameaçadora. Por essa razão ela, ou armas brancas equivalente, é tão irresistível para tantos contadores de estórias fantásticas inclusive de Ficção Científica.

RENASCIMENTO E VITÓRIA

“... I have seen the creatures in the desert sand.
I have seen them yielding under my command.
One day the Universe will be cleansed.
One day my father’s death will be avenged.
..."
Sandrider
Arjen Anthony Lucaassen

Paul Muadib lidera uma ação com o intuito deliberado de prejudicar a produção de Especiaria, ameaçando a segurança de todo o Universo. Com isso o próprio Imperador e representantes das grandes casas feudais comparecem ao planeta para reestabelecer a ordem, o que custa caro aos Harkonnen, que vinham dirigindo o planeta de modo incapaz de conter as rebeliões.
Chega então o momento onde Paul realiza talvez o mais simbólico ato em toda trama. Ele bebe a Água da Vida, com o intuito de se tornar o Kwizatz Haderach, o que num fictício idioma significa “Aquele que encurta o caminho", ou seja, o super vidente planejado pela feiticeiras Bene Gesserits, só que no entanto, uma geração antes do previsto e dessa forma escapando ao controle destas.
Ao tomar a água, ocorre então um evento comum a alguns mitos relativos a muitas divindades. A Morte temporária ou quase morte. Que ocorre a Jesus, a Orfeu, ao Rei Artur, no caso um momento de extrema debilidade.
Robert A. Jonhson destaca a importância deste momento, dessa passagem pelo mundo subterrâneo, na verdade um mergulho nas profundezas do inconsciente onde o herói irá buscar os elementos finais necessário à sua Individuação. A viagem é sempre perigosa e pode resultar numa autêntica morte, porém Paul, assim como os grandes heróis, consegue realizar seu feito, mas não sem a ajuda de sua companheira Chani, que o desperta praticamente como uma bela adormecida.
Esse beijo da vida representa o tomar do Santo Graal, a mulher no caso é força complementar do herói. Podemos ver esse momento sublime também no filme Matrix, e mesmo na segunda parte da saga do Senhor do Anéis, quando o feiticeiro Gandalf, após descer às profundezas da Terra e derrotar um demônio, tem a vida devolvida pelos Valar, as divindades. Esse é o toque da vida, a Força Feminina, que virá completar a interação do herói num ser completo.
E assim ocorre o despertar, e o herói volta muito mais poderoso, praticamente um Deus. Agora Paul Muabid pode simplesmente controlar os Vermes da Areia, e usá-los na batalha final onde com a ajuda de uma tempestade que anula o poderia aéreo do inimigo, consegue de um só golpe sitiar o imperador e os nobres tomando-os como reféns.
Imediatamente inúmeras outras forças entram em ação, e milhares de naves espaciais e forças militares vem de todos os lugares do Universo no intuito de esmagar essa rebelião. No entanto nada disso é suficiente. Tendo sob seu controle toda a produção de Especiaria do planeta, Paul ameaça destruí-la de forma irreversível através de uma catástrofe ecológica. Ele convoca então os videntes a olhar para o futuro e verem o que acontecerá se não cederem às suas exigências, e os videntes percebem que nada podem fazer.
Mas antes porém, não poderia também faltar a boa e velha vingança pessoal. Paul ainda é obrigado, segundo certos códigos de conduta bárbaros que os escritores de Ficção adoram utilizar para justificar lutas corporais, a enfrentar num duelo de adagas o último representante da Casa Harkonnen, o sobrinho do Barão que matou seu pai, um exímio lutador.
Há nesse acontecimento um elemento primoroso que só é explicitado no livro. Paul poderia a qualquer momento vencer a luta sem esforço, mas ao mesmo tempo reconhece que sua morte poderia ter um resultado ainda melhor para o novo estado de coisas que pretendia instituir. E seriamente leva em consideração a hipótese de se deixar morrer e se tornar um mártir, cuja imagem irá causar um efeito ainda mais devastador no imaginário popular.
Diante da indecisão entre dois futuros perfeitamente possíveis, Paul prefere não ver o futuro e entrar na luta sem saber qual seria seu resultado, dando vazão a seu simples desejo de vingança, sentimento que já estaria superado pelo seu novo estado mental. Evidentemente ele vence a luta a por fim reclama seu prêmio.
Sua exigência não é nada modesta, ele simplesmente reclama o poder do Imperador para si. Prevendo a inevitabilidade da situação a filha do Imperador, a princesa Irulan, se oferece em casamento legitimando então a subida de Paul ao poder. E assim o Herói conquista a Rainha, se torna o Novo Imperador do Universo.
E quanto a Chani, sua amada? Simples, nessa sociedade feudal ela se torna concubina mas sua verdadeira amante, e a princesa Irulan resta apenas como uma fachada, realçando ainda mais a característica da conquista da Rainha como um símbolo de poder.

TODOS OS HERÓIS TOMBARÃO

Todos os eventos anteriormente citados ocorrem no livro DUNA, e em parte no filme e Telesérie, que como não poderia deixar de ser, omitem, acrescentam ou alteram elementos da obra original. Porém a saga de Frank Herbert ainda se estende por 5 outros livros dele, e mais algumas outras obras recentes de seus seguidores.
Quem se interesse em ver os filmes ou ler o livro original, espero que não desanime por eu ter contado boa parte da obra. Mesmo porque só explanei as linhas gerais que creio eu sejam óbvias. É uma saga clássica, desde o começo é óbvio que o herói irá seguir seu destino, superar os obstáculos e vencer no final. Porém o desenrolar da estória contém inúmeras surpresas que sequer foram sugeridas aqui, de modo que recomendo muitíssimo a leitura
O segundo livro, O Messias de Duna, narra eventos de um “cotidiano" do Imperador do Universo, já há doze anos no poder e muito preocupado com o modo como a civilização se acomoda à nova ordem e especialmente ao fanatismo que se forma em torno dele.
O fato que merece mais destaque neste livro, que o interliga com o terceiro, é o auto-exílio do herói visando proteger seu próprio povo de, entre outras coisas, uma deificação precipitada. Dessa forma, Paul Muadib, após um evento que o deixa cego. Segue para o deserto e desaparece.
Sua cegueira merece atenção especial. É bom notar primeiro que ela não o prejudica fisicamente, uma vez que ele parece continuar percebendo tudo o a sua volta, e mais, sua Pré-Ciência parece amplificar-se.
Na antiga Grécia era comum que certas deficiências físicas fossem vistas como dons divinos, a epilepsia por exemplo, e também a cegueira. Um cego, segundo a crença da época, podia desenvolver o dom da premonição. O próprio Édipo, após a conscientização da tragédia que o cercava cega a si próprio e parte para o exílio, com o objetivo de proteger seu reino do “mal que ele havia praticado". Dessa mesma forma Paul Muadib após sua cegueira se exila no deserto.
Os demais livros da série duna são, Os Filhos de Duna, O Imperador-Deus de Duna, Os Hereges de Duna, e As Herdeiras de Duna, sexto o último volume de Frank Herbert, que faleceu em seguida. Os fãs da série incondicionalmente declaram como o melhor o primeiro, e em segundo lugar o terceiro. Pessoalmente, por não ter lido ainda o último volume, não posso fazer a afirmação com precisão, mas concordo até onde sei desta opinião. Mas o que interessa aqui é o motivo, por que o Primeiro e o Terceiro livros da série parecem atrair mais os leitores? Para mim a resposta é simples. Porque somente neles temos uma Saga do Herói completa.
O Terceiro livro da série, Os Filhos de Duna, se ambienta 9 anos após o segundo livro, 21 anos após o Primeiro, e narra as aventuras dos dois descendentes de Paul Muadib, em especial de seu filho Leto II. Neste livro temos mais uma vez uma saga heróica, mas desta vez de teor diferente.
O que se pode esperar do filho de um rei? No mínimo que ela suceda o pai. Mas Paul Muadib não era apenas um rei, era adorado e divinizado e possuía poderes sobrenaturais. Dessa forma, para superá-lo, para simbolicamente sair da sombra do pai, terá que ser mais do que isso, terá que se tornar um Deus.
Leto II também não conhece seu pai, que partiu para o exílio antes que ele nascesse, porém ele também possui a Pré-Ciência, e além disso, começa a despertar fortemente nele uma memória genética tão poderosa que ele podia se comunicar internamente com todos os seus antecessores, inclusive o pai. Mas Leto II irá ainda mais, longe. Ele também vai para o deserto e numa espécie de fusão simbiótica com larvas dos Vermes da Areia se torna um misto de humano e verme, adquirindo poderes sobrenaturais ainda maiores e terminando por se tornar o Imperador-Deus, que viria a viver por mais de 3 mil anos com poderes de Prê-Ciência jamais antes imaginados. Ele termina por perder a humanidade, se tornando fisicamente monstruoso, embora adorado e amado por bilhões de pessoas. O “Verme", como será conhecido, também será muito odiado e dominará o Universo de forma tirânica pondo todos a seus pés.
Leto II escapa ainda mais a possibilidade de uma análise psicológica baseada em teorias convencionais. Os únicos elementos racionalizáveis são clássicos, a separação do pai e a necessidade de superá-lo. Porém a capacidade de prever o futuro com muito mais precisão, o que torna sua vida inclusive aborrecida, a presença constante de todas as personalidades de seus antepassados em sua psique e sua estrutura física inumana o tornam um personagem impossível de ser comparado a qualquer coisa real.
Porém algumas coisas servem para reflexão. Leto II tem uma visão do futuro tão bem desenvolvida que quase não existem surpresas para ele. Seus maiores momentos de alegria ocorrem justamente quando algo que ele não previra acontece, trazendo-lhe excitação. Uma dessas coisas é a paixão “platônica" por uma humana, com a qual ele chega a promover um casamento simbólico.
Mas estes elementos estão presentes no Quarto livro. O mais relevante é a sua saga para a conquista desta condição divina, que esta presente no Terceiro Livro, fato que em minha opinião o torna tão interessante.
O que mais me chama atenção é que há muita dificuldade em, arquetipicamente, se imaginar o que acontece após a conclusão de uma saga. Podemos ver em clássicos que quando ocorre a vitória final a estória termina. Continuá-la a partir daí é um desafio que invariavelmente se converte numa nova saga em um nível mais alto, ou numa espécie de decadência, único estado possível de se atingir após chegar a perfeição.
O Segundo livro, que versa sobre Paul Muadib após toda a sua saga, retrata em parte uma decadência, ou pior, quase uma rotina, algo insuportável para quem trilhou uma grande aventura repleta de eventos marcantes.
O Quarto livro por sua vez versa sobre Leto II também após sua saga, outra rotina, outra decadência. Por essa razão acho perfeitamente compreensível que o Primeiro e o Terceiro livros sejam mais empolgantes que o Segundo e o Quarto, que por sua vez são mais psicológicos e filosóficos. Não por acaso que também o Terceiro Livro esteja recebendo também uma versão televisiva a estrear ainda este ano, ao invés do Segundo, do qual apenas alguns elementos são incorporados. Por sinal o Primeiro e Terceiro livros também são os maiores.

Mas eis que há um elemento a mais nas sagas, um evento final que pode se desenvolver de modos distintos, mas que segue a quase lei da natureza que ordena tudo na ordem Ascenção, Apogeu e Queda. Cedo ou tarde os heróis terminam, encerram sua saga.
Evidentemente não se trata de uma derrota, mas sim do único resultado possível após todas as vitórias, mesmo no caso das divindades. É só após a morte final do herói, não a morte simbólica na qual ele ressuscita mais forte, mas a morte terminal, que a saga está definitivamente terminada, e que por fim o herói entra finalmente para a “história", e se torna definitivamente um mito.
Moisés libertou seu povo do Egito e conduziu-os à terra prometida, mas por fim, não usufruiu da mesma, falecendo assim que a contemplou. Não se trata também de uma morte desonrosa ou triste, mas de uma catarse, um ponto final na história.
Édipo também encontra sua morte, Hércules também encontrará a sua, e Jesus, por ser um mito mais fortemente divino, ascende aos céus. Artur também tomba no final, assim como quase todos os heróis.
Os heróis de Duna não são diferentes, e o fazem de modo ainda mais alegórico. Paul Muadib após ficar cego e vagar pelo deserto como um pregador eremita, finalmente encerra sua saga numa morte simples que prefiro não contar para não estragar ainda mais a leitura de quem ainda se propuser a fazê-lo. O mesmo ocorre com o praticamente divino Imperador-Deus Leto II.
Suas mortes entretanto se dão muito depois que realizam todos os seus feitos, quando sua missão já está mais do que cumprida e quando a vida não mais lhe oferece grandes desafios. No fim todos eles vão para o repouso final e com isso sua deificação é concluída, e se tornam lendas para o bem ou para o mal.
Assim como Moisés e Jesus, Muadib e Leto II, como todos os heróis, deixam seu sangue na areia.

All the heroes go down
shed their blood on the land
Dreaming somehow
the divine will now stand
Heroes go down
with their hearts on their hands
Building their castles on the sand


CONCLUSÃO

Embora esta monografia fuja da proposta originalmente solicitada pela orientadora do curso, creio que ela sirva ao menos para indicar que há muito mais do que uma simples imaginação fértil em muitas obras das estórias que a mente humana produz por mais fantásticas que possam ser. Há símbolos, mitos, arquétipos e mensagens poderosas ocultas em muitas delas, comunicando-se diretamente com nosso inconsciente e nos influenciando subjetivamente.
Muitas das mais bem sucedidas obras da literatura, mitologia, indústria do entretenimento e similares reúnem elementos simbólicos clássicos da cultura humana, eternamente capazes de seduzir o ser humano por estarem diretamente conectados ao inconsciente coletivo, ou ao modo cultural sutil que marca o desenvolvimento de nosso inconsciente pessoal.
Como espero ter demonstrado, mesmo hoje em dia, apesar de toda a nossa nova bagagem cultural, de nossas inovações tecnológicas e nossas cada vez mais arrojadas perspectivas, as estórias continuam repetindo umas poucas fórmulas clássicas, recombinando-as e as readaptando à nossa época. De uma certa forma, dos valores e símbolos mais profundos, nada é novo, mas sim apenas “renovado".
Penso haver uma relação direta entre o sucesso de uma estória e sua capacidade de inovar a roupagem ao mesmo tempo que conserva ou resgata os elementos clássicos. Veremos que as mais bem sucedidas sagas heróicas de todos os tempos não diferem muito umas das outras em sua essência.
O exemplo escolhido, DUNA, o foi por ser uma obra extremamente tradicional em sua estrutura psíquica básica ao mesmo tempo que apresenta uma ambientação ricamente ousada, inovadora e criativa, e que uma vez tendo uma boa divulgação, fatalmente implicaria numa boa aceitação por parte do público, por todos os motivos acima expostos.
Assim como Hércules, Artur, o Super-Homem ou Gohan, Paul Muadib é mais um fortíssimo símbolo do arquétipo Masculino, ou da construção cultural que interpretamos como a “essência" Masculina, com várias facetas e toda uma trajetória que no fundo, todo ser Masculino sonha em realizar. A identificação com o personagem é inevitável, pois ele comunica vários ideais de poder e nobreza que carregamos dentro de nós em maior ou menor grau de ocultamento, ele é aquilo que gostaríamos que fosse o nosso Self, e aquilo que conscientemente ou não, nos esforçamos para nos tornar.



Bibliografia

Herbert, Frank.
-----Duna;
-----O Messias de Duna;
-----Os Filhos de Duna;
-----O Imperador-Deus de Duna;
-----Os Hereges de Duna;
---------tradução Jorge Luiz Calife.
---------Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984-87

Jung, Carl Gustav

O Desenvolvimento da Personalidade; tradução de Frei Valdemar do Amaral, revisão técnica de Dora Ferreira da Silva. - Petrópolis, Vozes, 1983.

Freud, Sigmund

Moisés e o Monoteísmo;

Robert A. Johnson

He - A Chave do Entendimento da Psicologia Masculina;

ENCICLOPÉDIA MIRADOR INTERNACIONAL


Frank Herbert
(1920-1986)



APÊNDICES

SOBRE OS LIVROS E FILMES

O Norte-Americano Frank Herbert (1920-1986), foi fotógrafo, jornalista, professor, instrutor de cursos de sobrevivência na selva, ecologista militante e escritor, tendo produzido ao todo 27 livros. Lançou o livro DUNA em 1965, só parando de escrever por intermédio da morte, que interrompeu o sétimo volume da série. Com esta obra conquistou os maiores prêmios do gênero Ficção Científica, o Nebula e o Hugo. Porém os escritores Brian Herbert, seu filho, e Kevin J. Anderson, além de vários outros entusiastas tem lançado várias outras obras relacionadas, inclusive trabalhando para terminar o livro inacabado.
O livros da série DUNA, já foram traduzidos para cerca de 15 idiomas, e já venderam mais de 13 milhões de exemplares, conquistando fãs do mundo inteiro. Já no Brasil a obra só foi lançada pouco antes do lançamento do filme, em 1984, e vale lembrar que ele não passaria pela censura da última ditadura militar, embora duvido que chegasse a ser analisada.
O diretor David Lynch e o produtor Dino de Laurentis realizaram uma super produção cinematográfica com um elenco de primeira linha, contando com Kyle MacLachlan, Francesca Annis, Patrick Stewart, Max von Sydow, Linda Hunt, Sean Young, Dean Stockwell, e até mesmo o rock star Sting. Embora o filme não tenha sido um sucesso de bilheteria, conquistou milhões de novos fãs impulsionado as vendas do livro, consolidando então a obra Duna como um dos maiores fenômenos da literatura fantástica de todos os tempos.
Mesmo em sua versão extendida de duas horas e meia, o filme, como não poderia deixar de ser, eliminou muitos elementos da versão original e acrescentou coisas inexistentes, mas consegue contar bem a estória mantendo todos os elementos simbólicos mais importantes. Porém os produtores exageram no visual sombrio e escatológico, e fizeram uma péssima e infantil retratação do arqui vilão da estória, o Barão Harkonnen, e que é compensado pela caracterização dos demais atores, por notáveis efeitos especiais, para a época, e por uma trilha sonora magnífica realizada pelo conjunto musical Toto.
No ano 2000 foi lançada uma mini série de TV de 6 horas de duração com produção bem mais modesta, porém beneficiada pelo avanço da tecnologia de efeitos especiais. O elenco apesar de muito eficiente é praticamente desconhecido, com a exceção de Willian Hurt e Ian MacNeice, que desta vez caracteriza o Barão Harkonnen com perfeição.
Bem mais fiel a obra original, a série peca mais pela produção, típica de seriados de TV, mas o visual desta vez muito mais agradável e sofisticado, e a trama bem mais detalhada, resultam numa adaptação em geral mais bem sucedida. Desse modo, quem assistir ao filme de 1984 e à telessérie, consegue ter uma boa idéia do conteúdo do livro, mesmo assim nada substitui a leitura do original.
Já está em fase final de produção a versão televisiva do Terceiro livro, Os Filhos de Duna, com a mesma equipe da tele série anterior.


O Filme Cinematográfico de 1984, Mini Série de TV de 2001, e a nova série a estrear em 2003
Obs: Há versões diferentes destes cartazes. Estes não correspondem aos usados para VHS e DVD no Brasil.

MEUS ENSAIOS ORIGINAIS

Nessa seção decidi apresentar a minha primeira incursão literária sobre o assunto desenvolvido nesta monografia. Escrita em 1999, essas notas fazem parte de uma obra de minha autoria, o livro de Ficção Científica “As Senhoras de TERRANIA Livro II- Tráfego e Tráfico", que narra a segunda parte das aventuras de um jovem de nosso mundo e de nossa era num outro planeta dominado por feiticeiras.
Bentom, o personagem principal, é um típico herói, construído por mim numa projeção parcial de meu Self ideal enquanto eu ainda era inconsciente sobre teorias de personalidade, e dessa forma, repeti, sem perceber, as fórmulas clássicas, as mesmas estruturas tradicionais, sem inicialmente me dar conta disto. Somente na ocasião do segundo livro, já minimamente informado sobre Psicologia Analítica e Psicanálise, percebi que os elementos primários estavam lá, e então, num esforço de análise do personagem promovi minha primeira reflexão sobre o que as análises Freudiana e Jungiana podem nos dizer sobre isso.
Como já vinha fazendo antes, eu me separei e analisei meu personagem tendo consciência de que estava em parte analisando a mim mesmo, digo em parte por que deliberadamente introduzi elementos no intuito de distanciar ainda mais o personagem do autor.
Alguns elementos deste texto foram abordados nesta monografia, embora não suficientemente, outros eu ainda não me atrevi a desenvolver mais. É por este motivo que, confesso, o tema desta monografia já estava definido há muito tempo só esperando a melhor matéria na qual ela poderia se enquadrar. Como sempre me declaro, sou um aluno com pretensões acadêmicas mais ambiciosas que a média e sempre procuro harmonizar a proposta da disciplina com meus interesses pessoais.
No primeiro texto quem fala é o personagem, no segundo, sou eu próprio.

Nota do Protagonista - Um certo complexo de Édipo
Não! Eu não tinha uma atração sexual direta pela minha mãe. Mas eu tinha uma fixação que se refletia no meu comportamento atual e principalmente na minha paixão por SAMARA.
Leila sempre fora autoritária, dominadora e destemida. Praticamente mandava no meu pai. Quando eu tinha qualquer problema na infância que reclamasse uma intervenção dos meus responsáveis eu costumava tentar primeiro com o meu pai que era mais polido, diplomático e paciente. Se não desse certo minha mãe entrava como apelação. Ela era impositiva, argumentava rápido e intimidava qualquer um.
Não era a toa. Ela era uma mulher muito bonita, eu até achava bonita demais para o meu pai, Otávio. Grande, 1,73m, forte e saudável. Sua ascendência italiana lhe garantia uma fala frenética, alta e acompanhada de gestos.
Somente no fim de minha adolescência comecei a me impor mais em casa e aos poucos fui quebrando seu domínio sobre mim a medida que eu conquistava uma certa autonomia financeira. Mas nunca deixei de admirá-la pela sua força.
SAMARA era o reflexo dela. Autoritária e protetora, intransigente e fascinante, forte e bela. Eu buscava nela não só uma relação romântica, mas também uma proteção sentimental e talvez até física, contrariando meu “instinto" masculino. As discussões que eu tinha com SAMARA eram as mesmas que eu tinha com minha mãe, eu queria mais autonomia, independência, consideração por parte de uma pessoa que já me amava, mas as vezes me sufocava ainda que inconscientemente.
Olhando para as fotos de família antigas custava a acreditar que Otávio tivesse conquistado Leila. Ela sempre fora de filosofia de vida saudável, sua comida favorita era japonesa e as vezes até macrobiótica. Nunca usou drogas, álcool ou fumo e tinha um relógio biológico disciplinado e impecável. Sempre se exercitava e desde adolescente já sabia o que queria da vida. Se formou em educação física e sempre trabalhou como instrutora esportiva, personal trainer, treinadora etc.
Otávio era quase a antítese. Vida sedentária, bebia, só parou de fumar graças a ela e adorava feijoada e churrasco, banquetes daqueles que em muitos reinos de TERRANIA seriam crimes puníveis com a morte. Contava entretanto com a dádiva de um metabolismo favorável que nunca o permitiu engordar, e com uma serenidade emocional que garantia boa parte de sua saúde. Nesse ponto ele era bem mais evoluído que a dona Leila. Sua cultura a encantou e ela me garantiu que ele fora o mais perfeito cavalheiro que ela já conhecera.
E mesmo sendo ela mais alta do que ele, muito mais ativa, comunicativa, ele a acalmava, a orientava, a fazia se sentir melhor. Havia uma perfeita “química" entre eles.
Minha maior frustração foi nunca tê-lo dito que assim como devia minha saúde a ela, devia meu pensamento a ele.
Sempre detestei quando um deles viajava.

Lorde Bentom de LAKSI
(o personagem)

Nota do Autor

Bentom demorou para se aperceber de seu complexo de Édipo, ele é obvio desde o começo de sua estória. Qualquer que seja o nível de veracidade de sua narrativa o fato é que a morte do pai é o ponto de partida de tudo. Uma característica muito comum a um grande número de personagens heróicos principalmente primitivos.
Decorre entre outras coisas do fato que a maioria dos heróis principalmente os jovens, necessitam de uma auto afirmação como homens plenos que só se advém após assumirem simbolicamente a condição do pai, após “herdarem a casa" e por vezes inclusive a mãe.
O complexo de Édipo proposto pelo revolucionário Sigmund Freud, trata-se de um processo psicológico inerente a todas as pessoas, no qual o indivíduo têm a respeito de seus pais, fixação na figura do sexo oposto e sentimento de competição com a figura do mesmo sexo. Em uma simplificação, “Um desejo inconsciente de eliminar o pai e possuir a mãe" ou vice-versa. Mas caso a eliminação do concorrente se realize, quer seja por fatalidade, morte natural ou mesmo assassinato nos casos mais doentios, costuma haver um posterior e profundo sentimento de culpa por não ter dado ao falecido o valor que ele realmente merecia. Fato que só é percebido tarde demais.
Esse foi o combustível psíquico para Bentom ter buscado desenvolver técnicas de desdobramento astral para entrar em contato com o pai, assim como é a força que impulsiona muitas pessoas a realizarem seus objetivos e que justifica os atos improváveis da maioria dos heróis originais da ficção.
Observemos os atuais. Batman perdeu seus pais na infância, trauma que o persegue constantemente, assim como seu parceiro Robin. O Homem-Aranha teve assassinado o seu Tio, a figura paterna, o que deflagrou sua decisão de combater o crime mesmo após já possuir seus super poderes assim como o Flash, o homem mais rápido do mundo, teve morto seu irmão mais velho, o policial em quem se inspirava. O Demolidor (Daredevil) segue a mesma fórmula.
A maioria dos super-heróis omite seus pais ou são orfãos, ou pelo menos têm na perda de um ente masculino querido de característica paternal, o motivo pelo qual se torna combatente do crime. O Super-Homem tem seus verdadeiros pais, os Kryptonianos, mortos antes de sua vinda para Terra, e mesmo seus pais adotivos eram falecidos nas primeiras versões do herói. Sua mãe foi preservada na versão cinematográfica mais famosa, com Christopher Reeve, e a perda do pai foi um motivo de reflexão a respeito da real utilidade de seus poderes. Só após a reformulação total do herói que o pai também passou a merecer o direito de continuar vivo e muitas vezes participar ativamente de suas aventuras.
Hoje em dia os novos super-heróis têm fugido a essa regra apenas por que ela se tornou evidente apesar de a maioria de seus autores a ter seguido inconscientemente. Mesmo esta não sendo presente na maioria da totalidade dos personagens fantásticos modernos, ela está com certeza presente na maioria dos heróis originais.
Paradoxalmente, muitos personagens de moral mais discutível, têm na morte da mãe ou esposa, a figura feminina, ou a família, a razão para aderirem a justiça pelas próprias mãos ou vingança. O Mr. Freeze, inimigo do Batman. O Justiceiro da Marvel que apesar de herói age a sombra da justiça e de modo questionável, similar ao herói da telesérie Dark Justice. O cinematográfico Dr. Phibes, e muitos outros cujas origens são mais bem detalhadas.
Além da questão do sentimento de culpa após a perda do pai, a simples rivalidade entre genitor e descendente protagoniza boa parte da mitologia antiga e moderna. Assim Zeus/Júpiter destronou Chronos/Saturno e se casou com a mãe Hera/Juno, na mitologia grego/romana. Mesmo contexto literário da história de Édipo.
Também o rei Artur enfrenta seu filho Mordred, alias fruto de uma relação consanguínea assim como quase todos os deuses antigos, com a irmã, embora Artur ignorasse.
Na “mitologia" contemporânea o cavaleiro Jedi Luke Skywalker enfrenta seu pai Darth Vader na saga Guerra nas Estrelas, onde também ocorre um quase princípio de relação incestuosa entre o jovem Luke e sua irmã, embora não estivessem cientes, princesa Leia Organa.
A questão do conflito familiar, desdobramento da relação edipiana, é famosa não só nas sagas das telenovelas mas provém desde os primórdios da raça humana. Desde a partilha das terras, da herança, da tentativa de conservação do patrimônio através dos casamentos consanguíneos até a erradicação das relações incestuosas pelas civilizações mais desenvolvidas.
Na mitologia egípcia, Seth mata seu irmão Osíris, descendente favorito do deus-sol Rá. Mas Ísis, esposa de Osíris consegue gerar seu filho Hórus, que vinga a morte do pai e depois se casa com a mãe.
Mesmo na mitologia judáico-cristã que predomina no ocidente, toda a história propriamente dita se originou da cisão celestial, quando o anjo Lúcifer, de certa forma filho do Deus Jeová, se revoltou. Segundo alguns teólogos inclusive o escritor John Milton, autor da obra clássica Paraíso Perdido, foi devido a inveja do filho “único" de Deus, na verdade o favorito, o próprio Jesus.
E assim após expulsos do Éden, Adão e Eva, submissa sucessora da inteligente e rebelde Lilith, dão origem a raça humana na forma de cruzamentos interfamiliares, rompidos apenas após Caim matar Abel, fugir e se encontrar com “outras tribos".
Voltando a questão edipiana envolvida no nosso protagonista que viajou para um outro mundo, sua amada SAMARA LAKSI realmente se parece com sua Mãe Leila. O que é muito comum na vida real, pessoas buscarem parceiros baseados em modelos aproximados ou deliberadamente invertidos de seu genitor do sexo oposto, que serve de referência positiva, negativa ou mista.
Uma vez saindo da reduzida esfera familiar, o jovem busca uma paixão que reflita algo de seu pai/mãe, ou referencial sexual inverso mais velho, irmãos, primos ou tios. Por isso são tão comum as paixões pela professora do primário, pelo amigo do irmão mais velho, ou prima mais velha. Algumas pessoas conservam essa preferência na idade adulta, o que gera muitas vezes no casamento irresistíveis comparações do cônjuge com a mãe/pai.
Até o momento em que escrevi esta nota, ainda não conheço o restante da aventura de Bentom, mas tenho quase certeza que essa questão de família se tornará mais evidente.
TERRANIA é um planeta repleto de grandes e poderosas mães, o verdadeiro paraíso para homens como Bentom e ao contrário do que muitos podem achar ter certeza, não é o paraíso definitivo para grande parte dos homens.
A realização sentimental e sexual plena cedo ou tarde se tornaria insuficiente para compensar a opressão social incompreensível para a maioria dos homens da Terra. O sufocamento progressivo da masculinidade, sobrepujada por uma força masculina disfarçada superior e ao mesmo tempo por uma força feminina ainda mais voraz, seria algo insuportável para muitos daqueles que inicialmente acham que um planeta como esse seria apenas um parque de diversões adultas a serviço da libido masculina.
Digo isso “apenas" para a maioria dos homens modernos comuns mesmo os mais esclarecidos. Que dizer dos machistas?
Como disse RAKELA LEKIA, TERRANIA não é um paraíso, e apesar do que muitos leitores possam pensar, não seria fácil aos homens se adaptar a um mundo desses.
Bentom pode dizê-lo.

Marcus Valerio XR

Mais informações sobre a obra
As Senhoras de TERRANIA
em TERRANIA


MÚSICAS CITADAS

Essa canção foi lançada em 1983, composta pelo contrabaixista e compositor da banda de Heavy Metal inglesa IRON MAIDEN, no álbum Piece of Mind. Steve Harris, que costuma produzir muitas canções sobre livros ou fatos históricos, versando sobre os eventos do primeiro livro da série. Curiosamente Harris ao entrar em contato com Frank Herbert e lhe dedicar a música, foi bastante mal recebido. Herbert declarou detestar Rock, em especial bandas de Heavy Metal.

TO TAME A LAND Steve Harris

Introdução

He is the King of all the land,
in the Kingdom of the sands,
--Of a time tomorrow.
He rules the sandworms and the Fremen,
in a land amongst the stars,
--Of an age tomorrow.
He is destined to be a King,
he rules over everything,
--In a land called planet Dune.
Bodywater is your life,
and without it you would die,
--In the desert the planet Dune.

Without a stillsuit you would fry,
on the sands so hot and dry,
--In a world called Arrakis.
It is a land that’s rich in spice,
the sandriders and the mice,
--That they call the Muad Dib.
He is the Kwizatz Haderach,
he is born of Caladan,
--And will take the Gom Jabbar.
He has the power to foresee,
or to look into the past,
--He is the ruler of the stars.


The time will come for him, to lay claim his crown,
And then the foe, yes they’ll be cut down,
You’ll see hell be the best that there's been,
Messiah supreme, true leader of men
And when the time for judgement's at hand
Don't fret he's strong and he'll make a stand
--- Against evil the fire that spreads through the land,
--- He has the power to make it all end.


Esta canção não versa sobre a obra Duna em si, embora eu tenha a sensação de que o compositor a levou em conta. Mas fala basicamente sobre Heróis, em especial sobre o modo como transformam as coisas e depois encerram sua trajetória, deixando para trás um legado que cedo ou tarde também será derrubado. A banda ANGRA é brasileira, apesar de cantar em inglês e fazer mais sucesso no exterior do que no Brasil, e lançou esta música em 2001 no álbum REBIRTH.

HEROES OF SAND
Rafael Bittencourt

Sealing light, nothing to see
Like a miracle life starts with the pain
Forever this will be

Close my eyes, thunders won’t cease
Crawling down to the edge I break down and weep
Tears on the river deep
Oh! Back to the sea

---Shout loud moving ahead
---Ride the horses of justice
---virtues of men, yawns!

-----Down and out losing my head
-----Like a dream you’re returning
-----Back from the dead-awake! Shadows will fade some day

All the heroes go down
shed their blood on the land
Dreaming somehow
the divine will now stand
Heroes go down
with their hearts on their hands
Building their castles on the sand


-----Haunted by the heavy clouds
-----Thunder scaring away
-----Howling like a moutain wolf
-----Warriors are leading the way


Esta canção também lançada em 2001 é de um artista finlandês que a disponibilizou no espetacular álbum de nome STAR ONE - Space Metal, que fala sobre um filme de Ficção Científica em cada canção, de modo não explícito, sendo necessário alguém com considerável bagagem no gênero, como eu, para identificar todas as referências.

SANDRIDER
Arjeen Anthony Lucassen

LEADER:
I have seen visions in a waking dream
I have seen places man has never seen
Am I the one to funfil the prophecy
On the desert planet in the galaxy

--NOMADS:
--- Sandrider, stormfighter
--- unlock the chains e set us free
--- Sandrider, uniter
--- Guide us the way and make us see

LEADER:
I have seen the navigators bridging space.
I have seen the baron and his evil ways.
Forging plans against planet’s nomad tribes
And in this dream I’ve seen my father die

--NOMADS:
--- Sandrider, stormfighter
--- unlock the chains e set us free
--- Sandrider, uniter
--- Guide us the way and make us see

-----NOMAD GIRL:

Drink the water of life
The sleeper comes alive
Drink the water of life
Only you’ll survive

LEADER:
One day...
I have seen the creatures in the desert sand.
I have seen them yielding under my command.
One day the Universe will be cleansed.
One day my father’s death will be avenged

--NOMADS:
--- Sandrider, stormfighter
--- unlock the chains e set us free
--- Sandrider, uniter
--- Guide us the way and make us see

----- NOMAD GIRL:

Drink the water of life
The sleeper comes alive
Drink the water of life
Only you’ll survive


Dedico este trabalho à
Alexsander Hosnani Marques de Brito
por me iniciar verdadeiramente no universo de Duna.


Marcus Valerio XR
03 de Fevereiro de 2003


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