e Igualdade |
Este é o Terceiro de uma série de ensaios que, embora sejam relativamente independentes, serão interligados, constituindo uma dissertação para minha disciplina de mestrado Tópicos Especiais de Ética e Filosofia Política. |
O Quarto Elemento |
Bom avisar que se os conceitos do título anterior Liberdade e Igualdade, bem como os termos Progressismo, Conservadorismo, Liberalismo etc, ficaram de algum modo confusos, é por que, primeiro, são realmente confusos. Segundo porque um dos objetivos desse trabalho é exatamente mostrar que todos os movimentos políticos ideológicos que conhecemos podem ser melhor entendidos com combinações dos conceitos de Igualdade, Liberdade e Fraternidade, e também, com um Quarto Elemento Oculto que falarei no próximo texto. Agora, nos concentremos no lado esquecido do triângulo revolucionário, a Fraternidade, cujo nome parece óbvio demais para exigir definições. O que os revolucionários franceses queriam dizer com isso? Por que, enquanto a Liberdade e Igualdade foram tema frequente nos últimos séculos, o termo Fraternidade passou quase desapercebido? Muitas coisas podem ser entendidas nesse conceito, solidariedade, interligação familiar, afeição, caridade, etc. Mas vejamos o termo em uso no Artigo I da Declaração Universal dos Direitos Humanos.
Antes, a questão: Por que nas declarações anteriores, incluindo a dos Direitos do Homem e do Cidadão, promulgadas na própria Revolução Francesa, a palavra Fraternidade não aparece? Afinal de onde vem esse conceito? Pode-se ter a impressão de que tal conceito não foi tão bem pensado quanto os demais, a ponto de sequer aparecer na literatura legal e filosófica. Mas a palavra não é de todo ignorada, visto ser frequente em certas associações e campanhas de cunho, quase sempre, religioso. Fica aqui a primeira pista, há algo de curiosamente místico no modo como entendemos esse conceito. uma frase popular pode ilustrar bem tal percepção "Quem chama Deus de Pai, tem que chamar ao próximo de irmão." E é exatamente o que os membros da congregações religiosas costumam fazer com seus pares, ou o exemplo dado pelos próprios religiosos "evangélicos". Isso sugere que Fraternidade, ou Irmandade, é um conceito próximo de Igualdade, mas com uma diferença sutil. Na Igualdade somos todos equivalentes, mas, como vimos no texto anterior, graças a nossa Liberdade, tendemos a progressivamente nos diferenciarmos, até que o valor da Igualdade fique enfraquecido. Para compensar essa desigualdade resultante, podemos usar o conceito de Fraternidade, e dizer que apesar de nossa diferença de realização, isso não nos separa essencialmente, pois não só somos originalmente iguais, mas continuamos iguais num certo sentido, e esse é um sentido ainda mais fundamental, que permite ao mesmo tempo a diferença, sem abrir mão da familiaridade, da interconexão entre os membros. Por isso, é possível que a Fraternidade seja o fator de equilíbrio da inevitável tensão entre Liberdade e Igualdade, e se o termo não pareceu receber a devida importância antes, é porque a Liberdade, ao produzir mais efeito, não só conservou como por vezes aumentou a desigualdade, e então a luta pela Igualdade permaneceu. E mais, quando tal luta obteve suas conquistas, muitas vezes o fez em detrimento da Liberdade, talvez, pela falta de algum valor corretivo. Triângulos IrregularesPensando poeticamente que o triângulo revolucionário deveria ser equilátero, podemos ver os movimentos dos últimos séculos como triângulos escalenos, ou no máximo isósceles. Não seria honesto se não citasse de onde inspirei essa idéia. Grifos meus. Daí, segue-se que o Capitalismo, Comunismo e Nazismo, imprecisão dos termos aparte, foram valorações de um dos lados do triângulo revolucionário em detrimento dos outros. A mim, fica então óbvio, que dever-se-ia, para cumprir os ideais revolucionários, construir um sistema em que todos os valores estivessem igualmente contemplados. Antes porém, seguindo o tema do texto anterior, vemos como a superlação dos lados do triângulo os sistemas "comunistas", que obtiveram ganhos para a igualdade em detrimento da liberdade, e os sistemas econômicos liberais, que resultaram no capitalismo, como promotores da liberdade em detrimento da igualdade. Por fim, vemos o etnocentrismo e o fascismo como uma superlação da Fraternidade, em detrimento tanto da igualdade quanto da liberdade. E mais, uma superlação incompleta, pois se restringiram a estender tal fraternidade a uma única nação, em detrimento do restante da humanidade, e, ainda pior, nem sequer a todos os membros da nação, mas somente os de certo alinhamento político ideológico. Além do Nazismo Alemão e do Fascismo Italiano, há o exemplo do Etnocentrismo Japonês, que com base numa versão estatal da Religião Xintoísta, elevou o Imperador a um poder nunca visto antes. Esse tema está melhor analisado em minha monografia O XINTOÍSMO E A IDENTIDADE CULTURAL DO JAPÃO. Nesse texto, mostrei como a reconstrução de uma identidade nacional, com base mitológica, serviu para unificar uma nação dividida por séculos de guerra civil, e centralizar o poder na figura de um representante central que compartilhava com todos os seus subordinados uma familiaridade essencial, tornando-os distintos do restante da humanidade. Neste, pretendo desenvolver um pouco mais a idéia geral. Antes, porém, algo mais deve ser dito a respeito do tema do texto anterior, especialmente no que diz respeito à dificuldades relativas ao tema da Liberdade. A Igualdade, com o perdão da redundância, é menos complexa por ser mais "igual", a Liberdade, segue numa maior complexidade por tender exatamente a gerar experiências cada vez mais distintas. A Igualdade pode mais facilmente ser associada à Fraternidade, a Liberdade, mais dificilmente, é isso, por si só, sugere que a instituição de um sistema político como o do Partido Comunista Chinês pode levar a desenvolvimentos distintos dos ocorridos no ocidente. Mas a Liberdade, nesse momento, merece maior atenção, pela diversidade de situações que gera, a ponto de resultar em linhagens distintas que lutam entre si. Paradoxos das LiberdadesA primeira grande conquista libertária do último milênio foi seguramente a Reforma Protestante. Antes dela, todo o ocidente era dominado por uma única religião, indissociavelmente ligada ao poder político. Originalmente Lutero pretendia uma completa desvinculação da religiosidade com o estado, mas os poderes locais da época viram em seu trabalho uma oportunidade de se desvencilhar da influência direta da Igreja de Roma, e assim, tendo o seu próprio, e muito popular, líder religioso, conseguiram criar uma nova associação. O resultado foi que onde antes havia uma única opção religiosa associada a uma rede de poderes políticos, passou a haver uma segunda, ainda que também associada à política local. Inúmeras guerras foram travadas entre Católicos e Protestantes, que, evidentemente, tinham caráter essencialmente político, mas identidades religiosas. Aqui, já fica evidente como uma identidade de grupo pode ser mais marcante do que um contexto político. Embora teologia cristã alguma jamais tenha mandado seus seguidores matarem-se uns aos outros, ela é capaz de conferir uma unidade cultural, que termina por se sobrepor a outras identidades originais, como a regionalidade e a etnia. Com grupos razoavelmente definidos, alinhados de forma distinta sob suas orientações ideológicas, no caso religiosas, fica mais explícita a divisão de interesses, levando ao choque de necessidades que, pela separação identificatória dos grupos, não pode ser facilmente administrado. Antes, todos eram cristãos, pertencentes a um mesmo grupo fraternal, agora havia dois grupos que romperam sua familiaridade. Portanto, ao promover a primeira conquista libertária parcial, a de religião, foi criada uma identidade nova, resultando num paradoxo. Passou a haver a possibilidade de mudança de religião, pois tanto católicos quanto protestantes aceitavam conversões, e, ao menos na Alemanha da época, a conversão ao Islã não era exatamente uma opção. Portanto, a existência de duas opções religiosas básicas aumenta a liberdade de escolha, mas por outro lado, a consolidação dessas identidades em certos locais termina por frustrar outras possibilidades, pois antes qualquer local era aberto aos católicos, que eram todos, agora, católicos e protestantes tem restrições locais mútuas. Esse paradoxo costuma surgir em diversas outras situações onde a liberdade se faz mais presente. A reforma protestante foi apenas a primeira de uma onda de surgimento de novas igrejas nos séculos subsequentes, aumentando mais e mais as possibilidades de fé, e restringindo mais e mais os grupos. Portanto, em troca pelo benefício da liberdade de escolha aberto pelo leque de opções religiosas surgiu o malefício dos atritos entre os grupos. Jovens de uma mesma classe social possuíam anteriormente um leque de opções de casamento possíveis equivalente a toda a população solteira ao seu alcance espacial, agora, era necessário que a contraparte também fizesse parte do mesmo segmento religioso, ou houvesse muita luta pela aceitação, que termina, via de regra, pela conversão de uma das partes à religião da outra. Como as religiões estavam indissociavelmente ligadas ao poder político, passou a haver também diversas opções políticas, ainda que, cada qual, associada a sua própria linhagem ideológico religiosa. Mas não é tão importante aqui uma reconstrução histórica, mas sim destacar que podemos distinguir tipos de liberalismo. No caso, o primeiro foi de tipo religioso, e logo em seguida político, mas também fica logo evidente o surgimento de um liberalismo social, pois além da mera opção política e religiosa, os costumes tendem a moldar a sociedade, e a ditadura de opiniões, especialmente feroz quando vinculada a política e religião, é, como já vimos no texto anterior, um ação "igualizante" que atua exatamente onde a diferença de realização humana deveria se fazer notar. Portanto, em geral, o principal adversário da liberdade social, é a tendência da cultura em controlar todos os aspectos existenciais dos seres humanos, tendência que, no ocidente, começou a se transferir do geral para o local, após os eventos que culminaram na reforma religiosa e consequentemente política. Além desses tipos de liberdade, religiosa, política e social, adiciona-se uma quarta, a econômica, mas é claro que todas são diferentes manifestações de uma mesma liberdade nuclear, a individual. Poderíamos incluir diversos outros tipos de liberdade, como a intelectual, artística, sexual e muitas outras, mas para efeito dos objetivos destes textos, fiquemos apenas com as 4 formas inicialmente citadas, no intuito de mostrar o problema dos paradoxos que passam a surgir. Tendo visto que as opções religiosas, ao se antagonizarem, terminaram por gerar novas formas de repressão política e social, não se deveria esperar coisa diferente das novas opções sociais e econômicas. Novos segmentos sociais e níveis de classe surgem com a liberdade geral, e o crescimento das opções comerciais, assumindo de forma decisiva a produção de recursos da civilização, resulta em novas formas de pressão econômica, em especial sobre aqueles que não se beneficiaram de tais opções. O resultado mais paradoxal, no entanto, é o modo como certos tipos de liberdades se chocam contra outras. A liberdade econômica permitiu aos que souberam aproveitá-la, o enriquecimento, mas este terminou por levar ao surgimento de novos grupos sociais que tendem a se fechar a outros grupos, e a tentar se impor sobre outros setores da sociedade. Assim, se algumas liberdades trouxeram ganhos também à igualdade, outras trouxeram prejuízo, e isso fica evidente nos nossos contextos ideológicos atuais onde um grupo pode ser liberal num sentido e não em outro. Atualmente, no ocidente, os liberalistas econômicos com grande frequência estão associados aos não-liberalistas em termos sociais e religiosos. Os ditos Conservadores, por exemplo, são defensores do capitalismo, que é o ápice da liberdade econômica, mas são opositores da liberdade social, que inclui o feminismo, a livre opção sexual, ou o livre exercício da sexualidade, bem como a liberdade de religiosidade, ou de não religiosidade. Esses grupos conservadores, então, paradoxalmente, são defensores e opositores da liberdade, pelo motivo óbvio de que a essência do conservadorismo visa preservar o estado de coisas tradicional pelo simples fato de ser tradicional, e se a civilização já é capitalista, então pretende preservar o capitalismo, e se é de tal denominação religiosa, então pretende-se preservar tal denominação, e se não aceita tal comportamento, então pretende continuar não aceitando. Evidentemente, o Conservadorismo antes pretendeu preservar a escravidão, e antes o feudalismo absolutista, e antes o catolicismo. Por outro lado, por definição, o Progressismo pretende mudar a sociedade, e isso, por si só, o torna opositor inevitável do Conservadorismo, INDEPENDENTE dos conteúdos! Vejamos um quadro comparativo de oposições:
Em comum com os conservadores, temos os Liberalistas econômicos, que se comprometem somente com a defesa do capitalismo, mas não tem nenhum vínculo com a preservação de sistemas religiosos ou comportamentais antigos. Esse ponto em comum gera muita confusão, principalmente entre os esquerdistas, que por vezes não distinguem um capitalista liberal de um capitalista conservador. Por outro lado, o acolhimento pela liberdade religiosa e social também pode ser benéfico para o capitalismo, e assim o liberalista econômico não só não terá problema em aceitar as novas formas de vida, como ainda poderá utilizá-las como novos mercados consumidores. Isso também gera alianças entre os Progressistas e os Liberais, que por vezes, no ponto de vista dos conservadores, os coloca no mesmo grupo opositor. No entanto, em casos típicos das revoluções de esquerda, tivemos flagrantes oposições entre o estado socialista ou comunista e a religiosidade, e nesses casos, os conservadores apoiaram as religiões. Em outros contextos, vemos também alianças entre religiosos e progressistas, como na Teologia da Libertação, mal vista pelos católicos conservadores, ou nas frequentes identidades religiosas progressistas, comuns no Brasil. No caso político, em geral, parece óbvio que tanto Conservadores quanto Progressistas tenham natural rejeição pelas identidades políticas que lhes sejam adversárias, de modo que em regimes extremistas anti-democráticos, tanto num caso quanto noutro, ocorre perseguição política. Enfim, o Paradoxo da Liberdade termina por fazer com que grupos ideológicos distintos se confundam, por hora atraindo-se por afinidades, hora repelindo-se por distinções. Em geral Conservadores e Progressistas costumam estar sempre em grupos diferentes, mas os Liberais costumam ser puxados para um lado ou outro, dependendo da situação. No entanto, por estranho que pareça, pode ocorrer interações entre Progressistas e Conservadores, em especial em tipos muito radicais de reformulação social, e é exatamente o que aconteceu na edificação das identidades Fraternais do século XX, onde uma mudança brusca de mentalidade levou de volta a um estado de coisas anterior. Esse estado anterior, ou a essência do mesmo, é o tema do próximo texto, o nosso Quarto Elemento "Oculto". 30 de Junho de 2008
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