MILENARISMO
Obs: Texto escrito ainda no milênio passado, não sendo mais endossado integralmente pelo autor.

Milenarismo é crença de que haverá no futuro, um período dourado de 1000 anos que será regido por um governo divino. Há milenarismo entre os cristãos, principalmente evangélicos, muçulmanos, entre os místicos, entre espíritas e diversos outros.

Só há um problema, em todos os casos, o tal Milênio só ocorrerrá após um evento devastador que se abaterá sobre a Terra, o Apocalipse.

Para isso, antes que o tal "Reinado de Deus" se instaure, é necessário um evento que irá matar pelo menos uns 3/4s da população mundial, e onde haverá um julgamento divino onde os escolhidos permanecerão na Terra, que será um Paraíso, ainda que ressuscitados ou reencarnados, e os excluídos irão ou para o Abismo/Inferno, ou para outros mundos inferiores, ou desaparecerão para sempre.

Dessa forma, é natural que a pessoa que acredite nisso e se considere um escolhido, espere pelo Apocalipse até com um certo entusiasmo, ou mesmo com desejo ávido, não só não temendo qualquer ameaça que ronde o mundo, choques de asteróides, guerra nuclear, poluição e etc, como até mesmo torcendo para que tal ameaça se concretize. Claro que para muitos religiosos os excluídos serão todos os que não fizerem parte da sua religião.

Milenarismos radicais já causaram muitas mortes inclusive no Brasil, A Guerra de Canudos no Nordeste e a Guerra do Contestado no Sul, onde morreram respectivamente 15.000 e 20.000 pessoas, são exemplos. Ambas as comunidades eram constituídas por religiosos que acreditavam estar lutando num tipo de Guerra Santa. O famoso massacre no Texas, entre fanáticos e o FBI, e o caso do suicídio coletivo das seitas de Jim Jones e Heaven's Gate são outros exemplos.

Entretanto a maioria dos milenaristas é pacífica, e se por acaso achar que tal milênio pode ser atingido sem o Apocalipse, então há nada com que se preocupar, mas a maioria dos milenaristas são apocalípticos, e mesmo não sendo fundamentalistas fanáticos ou suicidas em potencial, ainda representam um certo perigo. E eu posso falar por experiência própria. Por que já fui Milenarista!

A NOVA IDADE DE OURO

Na verdade há muitos milenaristas por aí, muitos nem sabem que são, pois na verdade basta que você acredite num futuro melhor regido por algo superior e que por algum motivo será limitado a 1000 anos, mas a maioria também acha que o tal Milênio só pode surgir após algum tipo de Apocalipse, o que era o meu caso, e por mais que você nem desconfie, isso é terrivelmente perigoso!

Segundo o Milenarismo Apocalíptico, só será possível implementar esse reinado celestial na Terra separando o Joio do Trigo. Ou seja, os "maus", "ímpios", "inferiores" ou "menos evoluídos", ficarão de fora, e sofrerão perpétuamente no Inferno, serão desintegrados, ou reencarnarão em planetas mais primitivos. E então os "bons" ,"mansos", "justos", Herdarão a Terra.

Para que essa nova Idade de Ouro ocorra, algo precisa banir os "maus" da Terra, e só quem pode fazer isso é um poder superior, divino, extraterrestre, ou alienígena.

Pode ser Deus, a volta de Jesus Cristo, o Senhor Maitrea, o Anticristo, o Hercobulus, o Leviatã, o Dragão de 7 cabeças, ETs ou seja lá o que for. Mas isso não precisa acontecer figurativamente, nunca acontece não é? Pode ser um cataclisma orbital, um super vírus, uma Terceira Guerra Mundial. Qualquer coisa serve, tudo é válido para que cada milenarista encaixe suas profecias simbólicas quer tenham elas vindo do Alcorão, de Nostradamus ou de algum guru espiritual local obscuro.

Com o fim da Guerra Fria, muitos milenaristas ficaram decepcionados, pois como sua perspectiva de progresso humano sem interferência divina é pessimista, perderam a oportunidade de ver seu Paraíso na Terra. Por um tempos, Saddam Hussein alimentou novamente tal expectativa, mas e agora?

Quem vai destruir o mundo para que possamos começar de novo e trazer a Nova Idade de Ouro?

PESSIMISMO x OTIMISMO

Um bom milenarista não acredita na possibilidade de uma Evolução progressiva na humanidade, capaz de lentamente apesar dos retrocessos temporários vencer a ignorância e progredir, como se pensava desde o Renascimento até a Primeira Guerra Mundial, apesar de termos feito isso promissoramente.

De fato, estamos no limiar de um colapso devido a um único motivo: a Superpopulação.

Temos também a Poluição ambiental, a remanescente ameaça da Guerra Nuclear e dos possíveis erros da Ciência, especialmente na biotecnologia.

Mas temos também uma cada vez maior igualdade entre gêneros, raças e crenças, cada vez maior consciência ambiental e pelo menos uma iniciativa crescente no sentido de união e cooperação mútua, e estamos ainda que lentamente, dimuindo a ignorância no mundo.

Concordo totalmente com Sócrates, Ignorância é a Raiz de Todos os Males, (não confundir Ignorância com Inocência), e quanto menor o nível de Ignorância num local, maior é a chance de uma sociedade mais justa e igualitária.

Foi um golpe duro na ignorância que trouxe o Renascimento e fim da Idade das Sombras, o advento da imprensa permitiu que a população tivesse acesso a informações que antes eram restritas ao Clero e aos Nobres, a Igreja evidentemente condenou a imprensa, mas não adiantou.

Hoje temos uma inovação do mesmo calibre, a Internet, e apesar dos pesares, é muito promissora e democrática.

Temos então fatores Positivos e Negativos concorrendo para nosso futuro. O quê vencerá?

RAZÃO x FÉ

Que a Fé remove montanhas é verdade, pelo menos simbolicamente. O que o ser humano pode fazer baseado naquilo em que acredita é impressionante. Porém, durante a maior parte da história em que a Fé imperou, não podemos dizer que ele removeu montanhas num sentido muito positivo.

A Idade Média foi o apogeu da Ignorância, pois sendo a ignorância não apenas o Não-Saber, esse seria a Inocência, mas sim o Pseudo-Saber, é indiscutível que foi nessa época onde as maiores atrocidades foram cometidas, e o pior, acreditando-se que se cumpria a vontade de Deus.

Vejamos uma citação da genial historiadora feminista Riane Eisler:

"Se examinarmos essa realidade, percebemos um mundo cronicamente violento: um mundo de batalhas incessantes entre os "cavaleiros nobres" e as "cruzadas santas", protegidas pela Igreja, nas quais os homens saqueiam, estupram e pilham não somente cidades infiéis e guetos judeus, mas, até mesmo, assentamentos cristãos - como a infame Cruzada albigense, empreendida pelo Papa Inocente III, em 1209, para eliminar os cátaros, seita cristã em que as mulheres com frequência assumiam a liderança e mulheres e homens se comprometiam com a não-violência, a caridade e a castidade. É um mundo no qual "os homens de Deus" declaram que metade da humanidade, de cujo o corpo deriva a vida, é carnal e pecadora, e as "bruxas" são queimadas vivas pelo crime de curar através da "feitiçaria" (isto é, através da medicina popular, usando ervas, em vez de sangrias e outros remédios "heróicos" prescritos pelos médicos homens licenciados e recém treinados pela Igreja). É um mundo no qual os "hereges" e "traidores", que se atrevem a questionar os dogmas absolutistas ou a autoridade despótica, são estripados e esquartejados, e no qual até mesmo roubar um pedaço de pão pode ser um delito capital; onde a massa vive na pobreza e na imundície, enquanto as classes dirigentes acumulam ouro, prata e outras riquezas; e onde homens "espirituais" pregam que tudo isso deve ser aceito pacientemente, prometendo uma vida melhor após a morte. Além disso, insistem que essa vida após a morte é uma recompensa somente para os cristãos que obedecem sem questionar às ordens de Deus, e não para os infiéis e pecadores - que , infelizmente, inclui quase todo mundo (homem ou mulher) que tenta ter algum prazer, como dançar..."

Riane Eisler, do livro O PRAZER SAGRADO, Editora Rocco pág 202-203

Destruir a crença cega que sustentava tal modelo de sociedade foi vital para a construção de um novo Paradigma histórico, houve radicalismo, e muitos erros, muitos dos quais capazes de fazer pensar se o tal modelo antigo não seria mesmo melhor, mas isso foi apenas por alguns instantes de angústia. Pessoalmente, desconfio da sanidade ou do caráter de qualquer um que defenda esse modelo medieval contra o modelo atual.

Com tudo isso, quero apenas deixar claro que apesar dos pesares, há muitas razões para considerar o mundo atual bem mais evoluído.

Mas a maioria dos Milenaristas não aceitam a possibilidade de evolução, quando não declaram que a raça humana tem degenerado progressiva e vertiginosamente, nesse ponto eu por exemplo tinha pelo menos uma visão mais positiva do processo histórico.

Mas ainda assim a perspectiva de que o contexto atual é por demais complexo acaba por ruir as esperanças de que o mundo conseguirá superar seus maiores problemas antes de um colapso último e devastador, e então, só resta a esperança de que tal colapso apocalíptico de realize, e comecemos tudo de novo não sei com que garantia de sucesso, mas os milenaristas acreditam num plano divino que implantará 1000 anos dourados.

O resultado disso pode ser desde uma postura de desinteresse e conformismo pelos problemas atuais, até a estimulação direta de tais problemas, no sentido de aumentar a Tensão do sistema forçando o colapso o quanto antes.

E se vier o Apocalipse? Como será?

1000 ANOS DE PAZ ou de IGNORÂNCIA?

Durante mais de 99% da história mais de 99% da humanidade foi ágrafa, não dominavam a escrita, o contexto atual onde a pequena maioria da população mundial sabe ler e escrever é absolutamente inédito.

Isso contribui radicalmente para a diminuição da Ignorância, e não é atoa que seja o único momento da história onde há pelo menos uma intenção humanitária expressa na belíssima Declaração Universal dos Direitos Humanos, algo impensável em épocas onde massas inteiras de seres humanos não tinham direito, nem mesmo teórico, sequer ao mínimo, sequer a liberdade e a vida.

Não hesito em demonstrar um relação direta entre a Ignorância e a deploração humana. Sendo assim, seria bom voltarmos à Ignorância?

Hoje em dia as informações cruzam o mundo com muito maior velocidade, mesmo quem não lê, pode tomar conhecimento de coisas que antes não chegariam nem aos mais poderosos reis. Filmes, revistas e programas de TV não hesitam um segundo em denunciar tudo o que puderem, fica cada vez mais difícil praticar atos atrozes tais como genocídios em massa, tortura ou escravidão. Apesar de que ainda ocorrem bastante.

Nossa infra estrutura tecnológica é em boa parte a responsável por um mundo um pouco mais seguro de déspotas psicóticos que não hesitariam em tomar o poder e implantar sistemas tirânicos e desumanos, pelo menos o Ocidente está mais livre disso.

O que aconteceria então, se perdêssemos nossa infra estrutura tecnológica?

A ERA DO CAOS

Hoje em dia os cidadãos comuns podem se defender de muitos abusos usando o sistema judiciário, mas este muitas vezes emperra pela burocracia, pela incompetência ou mesmo por indivíduos mal intencionados. Um meio de defesa bem mais rápido é a mídia, conseguimos deter até ações de governos e corporações se ameaçarmos tornar tudo público. Pouquíssimas pessoas tem coragem de praticar atos repreensíveis diante de testemunhas, principalmente câmeras.

Agora imagine um mundo mergulhado numa guerra que entre outras coisas é nuclear, imagine toda nossa infra estrutura destruída, os pulsos eletromagnéticos anulando as telecomunicações e a eletricidade, um mundo isolado pelo medo e pelas velhas e intransponíveis barreiras de distância e geografia, mas barreiras essa que nunca viram uma população de 6 bilhões de habitantes sem sua tecnologia em pleno funcionamento.

Desnecessário dizer mais sobre o quadro apocalíptico e horrendo que ocorreria, se atingisse mesmo o mundo inteiro, colocando em desespero governos, religiões, grupos extremistas, corporações e tudo mais, num nível de destruição jamais visto.

Certa vez perguntaram a Einstein como seria a Terceira Guerra Mundial, ele disse que não sabia, mas que a Quarta seria com tacapes e machados de pedra. De fato, não deve ser difícil perceber que se a espécie humana sobrevivesse a hecatombe nuclear, poderíamos voltar a Idade da Pedra. Ou seja, voltaríamos a um estado de Ignorância, e talvez com um trauma muito pior.

Se há um Deus, uma Providência Divina ou uma Inteligência Extraterrestre para nos ajudar não temos certeza, mas que temos potencial para deflagrar um Apocalipse, isso temos certeza.

Então, é prudente voltar a um estado de Ignorância sem ter certeza de que teremos uma ajuda divina?

DESPERTANDO DA PARANÓIA APOCALÍPTICA

Fui um crente durante muito tempo de que o mundo só melhoraria após um evento traumático que produziria uma mudança para melhor, mesmo sem exatamente uma ajuda divina. Achava que não havia chance no ritmo que estávamos, precisávamos de uma "sacudida", um super "puxão de orelha" cósmico.

Só mesmo o delírio de um comportamento que hoje defino como Complexo de Paraíso Perdido para permitir que alguém acredite numa milagrosa melhora após uma destruição em massa que nos levaria de volta a barbárie, inclusive sem nos recordarmos do que nos levou a ela, algo que provavelmente só sobreviveria em obscuros e fantasiosos mitos do tipo dos que tivemos em toda a história, e que não raro serviram como base para todo tipo de atrocidades.

Pode até ser que haja de fato uma melhora, mas acho que do jeito que estamos, temos muito mais chance.

Durante toda a história registrada, nunca tivemos um mundo similar ao que temos agora. Temos problemas claro, mas nunca estivemos tão próximos de uma unidade mundial. A Segunda Grande Guerra se iniciou 20 anos após o fim da primeira, e ao seu fim poucos acreditavam que a Terceira passasse da década de 60.

Já se foram 55 anos e até agora nada do que tivemos se comparou nem de longe, a Segunda Guerra, e não há nenhuma razão para acreditarmos num prenúncio de que tal possa ocorrer de novo a curto ou médio prazo. As últimas guerras foram locais, nenhuma matou sequer metade da população que morreu em apenas alguns dos países envolvidos no último conflito mundial.

Apesar de quase 30 anos de Guerra Fria, não acredito que E.U.A e U.R.S.S. alguma vez desejaram se destruir, por um motivo muito simples. Capitalistas querem ganhar dinheiro, Comunistas querem viver numa sociedade comunitária.

No fundo todos querem viver

FÓRMULA DO DESASTRE

Agora vamos fazer um exercício mental, se um mundo dividido entre Comunistas e Capitalistas não tinha intenção de se autodestruir , quem teria?

Milenaristas! Para realizar seu Milênio Dourado.

Quais são as duas maiores religiões do mundo?

E quais são as duas religiões mais violentas da história?

Quais são as duas religiões em que impera o maior índice de Fundamentalismo?

E quais são as duas maiores religiões Milenaristas?

A resposta é a mesma, Cristianismo e Islamismo juntos representam cerca de metade da humanidade.

Onde se localiza o maior índice de Fundamentalismo Cristão?

E onde há o maior arsenal nuclear do mundo?

A resposta é a mesma, E.U.A.

Onde se localiza o maior índice de Fundamentalismo Islâmico?

Onde está a atual maior ameaça à paz Mundial?

No barril de pólvora do Oriente médio.

Assim como pentecostalistas tem aumentado sua bancada no congresso brasileiro, imaginemos que nos E.U.A. os fundamentalistas cristãos predominassem no poder, ou mesmo o assumissem. E supunhamos que alguns países do Oriente Médio, que já são estados Teocráticos regidos pelo Alcorão, desenvolvessem armas nucleares.

Então teríamos um mundo dividido entre Cristãos e Muçulmanos. E qual seria a diferença entre um mundo dividido entre Capitalistas e Comunistas?

Uma diferença é que enquanto Capitalistas e Comunistas sempre quiseram a vida na Terra, Milenaristas e Fundamentalistas Cristãos e Muçulmanos querem uma vida numa futura Terra pós-apocalíptica.

E teriam os meios para fazer isso.

A Fé se manteve no poder durante a maior parte da história da humanidade. Sorte nossa que ela não tinham as armas que existem agora.

Será possível entender por que me preocupo tanto com essa nova onda religiosa mundial?


Marcus Valerio XR
Ano 2000 (bem antes do Governo Bush)


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