Heróis de
ESQUERDA
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Heróis de
DIREITA
Este texto é uma espécie de resposta ao ótimo post de 23/09/10
no blog ATMOSFERA DENSA, GRAVIDADE DOBRADA.

Tal ensaio, intitulado PSICOPOLÍTICA oferece uma fértil associação entre as figuras dos assassinos seriais com posturas políticas conservadoras, à Direita, e dos assassinos em massa com posturas políticas revolucionárias, à Esquerda.

Lembrando que tais comportamentos são desvios psicológicos, e não derivações necessárias das posições políticas, pensei em propor um espelhamento similar, mas não enfocando 'vilões'. Pois todo assassino serial ou em massa é um covarde, atacando sempre vítimas indefesas. Não existem assassinos seriais especializados em matar lutadores de jiu-jistu nem assassinos em massa que entrem atirando em bases militares. Meu enfoque será então nos 'heróis', tanto reais quanto fictícios, onde espero apontar a relevância da questão do anonimato.

Já abordei em Heróis da Areia, na seção intitulada Os Sub-Heróis, a distinção principal entre os heróis míticos e clássicos da literatura universal, e os super heróis da produção cultural contemporânea. Os primeiros são necessariamente revolucionários, os segundos, conservadores.

Krishna, Hércules, Aquiles, Odisseu, Moisés, Cristo, Rama, Orfeu, Buda, Izanagi, Arthur, Sigfried, Beowulf, etc. São todos heróis que vem para modificar um estado de coisas. Resgatar um povo da escravidão, trazer uma mensagem revolucionária, derrubar um império, estabelecer um novo reino, eliminar em definitivo algum tipo de ameaça etc.

Essa mesma característica é encontrada em "heróis" históricos inequivocamente reais. Gengis Khan, Alexandre, Spartacus, Boadicea, Ricardo Coração de Leão, William Wallace, El Cid, Joana D'arc, Che Guevara, etc. São todos personagens que, de um modo ou de outro, lutaram para mudar algo, sendo heróis revolucionários, e também vilões pelos que foram prejudicados pela sua campanha.

Essa característica de mudar as condições sociais, mesmo que tenham sido fracassadas, são automaticamente atraídas ao conceito de Esquerda pela sua característica revolucionária, que promove uma ruptura de uma situação social considerada insatisfatória para um determinado grupo.

Na literatura fantástica e de ficção científica contemporâneas também há muitos desses heróis, como Anakin e Luke Skywalker de Star Wars, os heróis de O Senhor dos Anéis, Neo de Matrix, Harry Potter, Muabid da série Duna, e inúmeros outros, que nem vale a pena enumerar. Todos eles têm a característica revolucionária.

A parte importante é notar que todos, tanto os mitológicos quanto os reais e os fictícios, são figuras de conhecimento público, nunca possuindo identidades secretas, que é o que caracteriza os Super-Heróis mais comuns das estórias em Quadrinhos.

Estes, como Batman, Super Homem, Capitão Marvel, Homem Aranha, Demolidor e outra infinidade que dispensa maior detalhamento, são caracterizados por terem seus Alter-Egos. Eles separam sua vida normal de sua campanha de heroísmo, se disfarçando por meio de máscaras. A que se deve essa distinção dos heróis tradicionais? Ao fato de que não são revolucionários. São conservadores. Isto é, eles lutam para manter a ordem social contra os vilões que a ameaçam. Como está bem detalhado em Heróis da Areia. Nesse sentido, eles são simbolicamente atraídos à Direita.

Podemos conectar essa percepção com o supra citado ensaio pelo fato de que os criminosos que foram considerados como distorções da mentalidade de Direita, também são sempre personagens disfarçados. Não sabemos quem são os criminosos seriais até que sejam capturados, ou, as vezes, depois de mortos. Por outro lado os assassinos em massa sempre são claramente assumidos, expondo-se de imediato à identificação, mesmo por que como frequentemente planejam também sua própria auto destruição, não tem o que temer em termos de retaliações posteriores, embora haja exceções.

A questão que imediatamente surgirá é que, se por um lado temos os criminosos que distorcem a mentalidade de ruptura revolucionária, assim como heróis lendários e reais revolucionários, sendo todos assumidos, onde estarão os heróis reais de Direita? Isto é, os conservadores? Eles não existem?

Aí que está o problema. Sim. Eles existem! Mas evidentemente, pelos mesmos motivos, serão também secretos, ou melhor dizendo anônimos, no mundo real. Sempre teremos pessoas capazes de atos de heroísmo, quer seja em momentos de desastres, ou contra a ação de malfeitores. Com frequência bombeiros, enfermeiros, policiais, médicos ou outras pessoas comuns, protagonizam feitos heróicos e louváveis. Porém, aqueles que o fizerem enquanto agentes do estado, ou de uma instituição, estarão de certa forma já absorvidos em sua função social conservadora e salvadora.

Ou seja, o fato de ser um herói termina suprimido por seu papel social de policial, guarda, segurança etc. E mesmo aquele que não esteja representando oficialmente uma instituição, de certa forma estará a serviço da preservação da vida, ou de outros valores, que compõem a sociedade como ela é. Eles podem até ficar famosos por um tempo, atingindo repercussão pelos seus feitos. Mas eles NUNCA ENTRAM PRA HISTÓRIA!

Além do mais, existem sim vigilantes mascarados e personagens equivalentes aos heróis dos quadrinhos, invariavelmente secretos por motivos óbvios, embora também haja exceções. Também, muitas vezes, se confundem com os justiceiros e mesmo grupos de extermínio, que mesmo que ajam de forma comumente reprovável, tem como função eliminar ameaças ao estado de coisas.

De qualquer modo, a tendência a serem assumidos ou anônimos é fortemente influenciada pela preferência político ideológica. Observando-se fóruns de discussão sobre temas políticos na internet, quando reúnem muitos representantes de ambos os lados, pode-se facilmente notar que o anonimato é muitíssimo mais frequente entre os que se definem como de Direita.

Muitos costumam alegar que isso se dá em virtude de uma precaução, como se temessem o surgimento de um novo estado opressor de esquerda que pudesse persegui-los. Mas essa explicação é na melhor das hipóteses parcial. Primeiro por que isso não se dá pelo lado oposto. Isto é, mesmo a iminência de estados opressores de direita jamais inibiu os de pensamento revolucionário, que só apelam mesmo à clandestinidade em casos mais extremos, e sempre assumindo-a em tempo integral. Ou seja. Não se trata de manter um alter ego, mas de assumir uma outra identidade completamente, vivendo à margem da sociedade.

Por outro lado, os que estiverem a serviço da preservação da ordem social, mesmo em estados de franca ditadura de direita, sempre operam de algum modo anônimos, por serem antes de tudo agentes institucionais do estado, nada menos do que cumprindo ordens ou agindo espontaneamente em nome da segurança social, em geral, por meio de denúncias anônimas. Além do mais, essa tendência ao anonimato se mantém mesmo quando não há possibilidade alguma de uma ruptura na ordem social.

Todos sabem os nomes de diversos revolucionários, incluindo terroristas em geral, mas desconhecemos quase por completo os nomes dos agentes policiais e militares que os combateram.

Assim, a tendência do pensamento de Direita ao anonimato é algo mais profundo, inconsciente, provavelmente sugerida por uma percepção de si mesmo mais como uma salvaguarda da situação atual, um representante tradicional, que por natureza dilui a individualidade numa comunidade definida.

De forma equivalente, a menor tendência ao anonimato do pensamento de Esquerda se dá pela percepção, em geral inconsciente, de si mesmo como um desvio da norma estabelecida, mesmo quando o pensamento revolucionário ou progressista já está tão popularizado que acaba se tornando a norma dominante. Por estar com o pensamento voltado para o futuro, o esquerdista atesta sua pouca afinidade com o modo tradicional onde de algum modo ainda está imerso, afirmando sua individualidade por meio da ênfase em sua diferença com um estado de coisas atual.

Daí se evidencia a dificuldade de despertar, desenvolver e manter uma atitude verdadeiramente individual. Pois a sociedade estabelecida tende a enfraquecer a individualidade por meio de sua dissolução numa ordem conservadora onde deve ser encaixado, e quando uma promessa de ruptura desperta ou atrai os ensejos individuais, acaba também dissolvendo-os numa onda revolucionária que também estabelece parâmetros de encaixe. Ou seja, aquele que não abre mão de sua individualidade é uma perpétua ovelha roxa. Vermelha no conservador rebanho azul e azul no progressista rebanho vermelho.

Geralmente gostamos de pertencer a grandes grupos, mas essa associação cobra o preço de nos conformar a uma coletividade. A pessoa insistir em se individuar num mundo onde todas as forças lutam para absorvê-la numa massa normatizante, não deixa de ser também um ato heróico.

Marcus Valerio XR
Versão inicial em 1 de Outubro de 2010
Versão definitiva em 1 de Março de 2011

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