Estranho que Casseta & Planeta não tenha feito um quadro com esse nome na época da novela O Clone! Ou fez? Mas o objetivo deste texto é fazer uma crítica a duas idéias recorrentes a respeito da prática esportiva. Nenhuma delas é errônea em si, mas têm sido amplamente exageradas a ponto de atingirem contra producência, sendo tão acriticamente repetidas que terminam por provocar o inverso do que pretendiam. Essas duas idéias são:
1 - Que a prática de esportes é não apenas saudável, mas recomendável para todas as pessoas. Sendo na verdade obrigatória para quem queira ter saúde. Em síntese, a famosa frase "Esporte é Saúde".
2 - Que a mesma é uma forma de combater a violência e a criminalidade, canalizando a energia dos jovens para práticas mais produtivas e seguras, desviando-os da desocupação ou ocupação com atividades criminosas, envolvimento com drogas, gangues e etc. A primeira idéia já tem sido criticada há tempos, embora de forma bem discreta, a ponto de muitas pessoas jamais terem tomado contato com tal crítica. A segunda, jamais vi alguém criticar. A frase "Esporte é Saúde", bem como "Esporte é Vida", foram confrontadas pela frase "Esporte Mata!", cujo exagero proposital é equivalente. Foi popularizada pelo médico José Róiz, num livro homônimo que chegou, segundo ele, a ser proibido! Conforme alega o texto Esporte Mata? Alguns argumentos do próprio autor podem ser vistos em Por que esporte mata, bem como no link O esporte mata!. O recente texto A Doença do Esporte (1, 2 ou 3), do médico Alessandro Loiola retoma algumas das mesmas idéias. É bastante simples entender o problema. Quase tudo pode ser resumido na confusão feita entre Atividade Física e Esporte. Está fora de dúvida que a atividade física moderada, de acordo com a capacidade de cada um, é saudável, mesmo porque o corpo humano é adaptado para exercê-la, e o desuso claramente acarreta atrofia. Por outro lado, Esporte, embora seja atividade física, é algo mais, estando associado à competição, e assim, a uma elevação da atividade física muito além de seus níveis normais de uso. Exemplos não faltam, ou melhor, é exatamente o que faltam, no caso de pessoas saudáveis de avançada idade que tenham sido desportistas. As pessoas saudáveis sempre exercem alguma atividade física moderada, como caminhar, ou práticas semi-esportivas leves. Mas esportistas profissionais ou semi-profissionais estão sempre envolvidos com o desgaste, as lesões, e com expectativas de vida curtas. Gente como eu costuma sentir na pele o resultado dessa curiosa confusão. Por várias pessoas, incluindo minha mãe e minha filha (no caso com 9 anos), já fui acusado de ser sedentário por não praticar esportes, NA MESMA ÉPOCA EM QUE PEDALAVA 15 KMS POR DIA de casa para dois locais de trabalho diferentes! Não poderia ser diferente quando se confunde Atividade Física com Esporte, porque quem não pratica atividade física regular, é sedentário. O corpo humano não se dá bem com o excesso, não é a toa que fisioculturistas não vivem muito, bem como qualquer atleta de esportes de alto impacto. Ou ao menos não vivem tão bem quanto outras pessoas que cultivam atividades físicas moderadas. Mas o grau de distorção é tão grande que temos a curiosa situação de inúmeras pessoas que estacionam seus carros em local proibido para não buscarem vagas regulares mais distantes, poupando-se de caminharem mais longamente, para depois gastarem dinheiro em esteiras na academia de ginástica! Ou poderiam ir a pé, ou de bicicleta, para seus afazeres diários, ao invés de poluir o ar com seus carros, congestionando o trânsito e gastando combustível, depositando sua saúde em "esportes" de fim de semana. E quantas lesões, contusões, brigas devido ao acirramento da competição, etc, não acometem principalmente os homens em suas práticas esportivas amadoras? Aproveitemos a pergunta para mudar para o outro assunto, relacionado, sobre a crença que se deposita na prática de esportes para afastar os jovens do crime, da violência e das drogas. Se separarmos os jovens em alguns grupos, as chamadas tribos urbanas, poderemos notar que algumas são mais violentas que outras. As menos propensas à violência, principalmente grupal, sem dúvida alguma são o que chamamos de nerds, os religiosos, os hippies, e por mais que os preconceitos digam o contrário, os headbangers ("metaleiros") e a maior parte dos punks. Sim! Por mais incrível que muitos possam achar, esses últimos raramente são violentos, o que de fato costuma ocorrer é punks serem confundidos com os famosos skinheads, frequentemente envolvidos com neonazismo, bem como headbangers serem considerados perigosos apenas pela aparência, ainda que os shows de Heavy Metal sejam os que apresentem os menores índices de violência. (É possível ir a diversos shows de Metal, inclusive de bandas famosas que lotam estádios, e não ver uma única briga. Mas é quase impossível ir a um único trio elétrico ou show de Axé Music sem ver várias.) Tirando as gangues deliberadamente criminosas, o grupo de jovens mais diretamente envolvidos com violência é EXATAMENTE o de desportistas, principalmente dos esportes coletivos. As torcidas de futebol organizadas são suficientes para dirimir qualquer dúvida. É também fácil entender por que isso ocorre. Os rapazes são biologicamente adaptados a se reunirem em grupos para aumentar sua força, a sensação de poder de pertencer a um bando eleva imensamente sua inclinação para a agressividade. Esportes em grupo, evidentemente, reúnem indivíduos com o objetivo de superar um grupo adversário. Quando essa competição é mantida dentro das regras, a situação fica controlada e então o esporte realmente estará cumprindo seu papel como redutor da violência. O problema é que frequentemente isso escapa ao controle, e são comuns as brigas surgirem durante os próprios jogos. Além disso, o mesmo instinto de reunir um grupo para superar adversários que move um time de esportistas dentro das quadras, facilmente perde essa referência limitadora quando está fora das quadras. Além do mais há o fato óbvio que o potencial para violência aumenta na medida da capacidade física, e sendo o esportista evidentemente alguém de capacidade física elevada, esse potencial pode ser aproveitado de modo destrutivo. É evidente que mesmo uma pessoa sedentária pode ser violenta, mas um soco dado por um mero profissional de contabilidade dificilmente poderá ser tão perigoso quanto o dado por um pugilista. Mas o importante é que, embora possa sim servir como um catalisador da violência, direcionando-a num sentido mais produtivo, os esportes coletivos também podem agrupar pessoas que originalmente não se agrupariam, e acabar incitando a formação de grupos dispostos a se envolver em atos violentos. Em suma, é uma faca de dois gumes. DEIXO CLARO que sou da opinião de que na realidade o estímulo à pratica de esportes É SIM BENÉFICO. Creio que de fato sua aplicação por líderes e instrutores responsáveis, ajuda a diminuir o descaminho dos jovens. Mas o que me preocupa é o modo por vezes totalmente irrefletido de acreditar que a simples prática do esporte em si afasta o jovem da violência, quando ela pode também aproximá-lo. Bom lembrar também que são os esportes coletivos que tem maior potencial de gerar problemas, ao produzir grupos e induzir a formação de grandes torcidas. Esportes individuais raramente tem esse resultado. Mas também há o problema da banalização das artes marciais, que outrora, sendo mais reservadas, eram frequentemente acompanhadas de uma moralidade de auto controle e não violência, canalizando o treinamento para auto defesa, mas que com a popularização acabou perdendo grande parte desse conteúdo e se tornou presença constante no envolvimento de jovens com violência. Mas as drogas também assombram os esportes. Primeiro porque muitas delas "melhoram" o desempenho, e a existência de controles anti-dopping já denuncia por si só sua ameaça constante. Portanto ao invés de afastar os jovens das drogas, elas podem também aproximá-los. O que tende a mudar são que tipo de drogas são usadas. Evidentemente ninguém pretenderá utilizar maconha para ter bom desempenho, visto que ocorreria o contrário, mas até Maradona já jogou sob efeito de cocaína em plena Copa do Mundo. Como drogas e violência são os principais elementos da criminalidade, fica questionado esse alegado benefício social gerado pelos esportes, mostrando que sua utilização como um método de ocupação e afastamento de condutas nocivas não é tão simples e direto quanto costuma-se afirmar. Em suma, ATIVIDADE FÍSICA moderada é sim, e sempre será, benéfica. Isso inclui caminhadas ao ar livre, andar de bicicleta, dançar, fazer sexo, brincar ou praticar jogos descontraídos e tudo aquilo para o qual nosso organismo, em praticamente qualquer idade, está adaptado. Mas práticas esportivas competitivas devem ser feitas com muito cuidado, pois mesmo não considerando o risco de acidentes, o desgaste físico pode muito mais piorar a saúde e abreviar a vida do que o contrário. E isso SEGURAMENTE ocorre no caso de esporte de alto impacto. Viemos ao mundo de passagem, e temos um "estoque" de vitalidade necessária para ser usada ao longo de nossas vidas. Aquele que faz um uso excessivo, concentrando toda a sua energia em explosões de vitalidade, seguramente terá ótimos resultados no curto prazo, mas obviamente fica desgastado a longo prazo. Praticar esportes também pode ser benéfico socialmente, dando aos jovens uma meta, uma ocupação, que quando ausente pode levá-los a se envolver em práticas nocivas. Mas se isso não for feito com um mínimo de responsabilidade e vigilância, o resultado pode ser o exato contrário, agrupando jovens que formam antes gangues do que times, ou que não raro desvirtuam a essência das artes marciais, usando-as para aumentar sua ofensividade pessoal. Em grande parte isso é resultado da competitividade que praticamente define os esportes hoje em dia, o que vai contra até mesmo seu teor de evento de confraternização. Ora, numa competição tem que haver perdedores, o portanto o que é alegria e comemoração para uns, necessariamente é sofrimento e frustração para outros. É estranho, diante dessa realidade inflexível, que se venda os grandes campeonatos esportivos como "festas" que promovem união, tolerância e respeito mútuo, quando sabemos muito bem que muitas vezes ocorre o contrário. É uma pena, pois o significado original da palavra 'esporte', que deriva do francês, tinha um sentido bem diferente, pura e simples 'diversão'. Isso sim, é benéfico em qualquer situação. Mas vender o Esporte, como o entendemos hoje, como se fosse uma grande solução para nossos problemas de saúde sociais e individuais é um exagero espetacular. Ou espetaculoso, como diziam naquela novela. 1-3 de Outubro de 2009
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