O ESCUDO DO CAPITÃO AMÉRICA


Esta música de minha infância, que eu adorava, fazia uma gozação com os super heróis, mas não me demovia do desejo de ter um escudo do Capitão América. Cheguei a ter um improvisado com madeira, que evidentemente mal lembraria uma réplica de boa qualidade se porventura essa me tivesse sido acessível.

Não era, e não por falta de recursos. Por sorte, minha família sempre pôde me fornecer os melhores brinquedos disponíveis. O problema é que não existia nada similar à venda.

Hoje, em pleno ano 2012, a disponibilidade de brinquedos é assombrosa. Baratearam e se diversificaram tanto, que penso que se naquela época eu viajasse ao futuro e vislumbrasse os brinquedos de hoje, ficaria convencido de que a humanidade atingira a utopia.

A não ser por um pequeno problema.

CONTINUA NÃO EXISTINDO UM ESCUDO DO CAPITÃO AMÉRICA À VENDA!!!

A não ser réplicas praticamente artesanais caríssimas feitas em quantidades insignificantes acessíveis somente pela internet, ou versões tão pobres que custa crer que satisfaça uma criança de hoje. Mas nas lojas, ao menos em minhas andanças em shoppings que sempre incluem visitas à lojas de brinquedos, vi nenhum até hoje.

E não para por aí, um outro super herói, também ironizado na mesma música acima com “Lanterna Verde gastou sua pilha, transando a Mulher Maravilha”, tem uma lista infindável de itens à venda, inclusive aqueles pequeninos autoramas Hot Wheels (o que me faz imaginar a trágica hipótese de que a sequência do autorama no filme foi feita apenas para vender o brinquedo). Curiosamente...

...TEM TUDO MENOS O ANEL ! ! !

Ah! E entre os infindáveis itens do Capitão América à venda em nossas lojas, existe um violão! (De brinquedo.)

A indústria de brinquedos parece ter se aperfeiçoado tanto em fazer irrelevâncias oportunistas que nada tem a ver com os ícones que exploram, que parece ter se esquecido de fazer o básico!

Além de um desabafo pessoal do tempo da infância, escrevo para que isto sirva como um pequeníssimo exemplo da incompetência do mercado em atender até mesmo as necessidades mais óbvias dos clientes.

É simplesmente impossível que ninguém tenha pensado nisso, e menos ainda que se pense que um investimento em massa em tais brinquedos não resultaria em retorno infalível. Com plásticos de alta resistência ou outros materiais baratos, seria fácil produzir em larga escala o tal escudo, arremessável, que seria imediatamente consumido por um público evidentemente sedento.

Eu iria ainda mais longe. Produziria também escudos do "Capitão Brasil", trocando o vermelho pelo verde e pintando a faixa branca de amarelo, e também uma variedade de escudos com brasões dos times de futebol, construídos em plástico leve que além de servirem como bandeiras ainda seriam ocasionalmente úteis para se proteger dos copos de cerveja ou similares atirados nos estádios de futebol.

Não estou falando de idéias geniais que ninguém pensou antes e subitamente são "descobertas". Mas de coisas óbvias que todo mundo já sentiu necessidade em algum momento.

Fogões com relógio e timer embutido; geladeiras e fogões com termômetro interno (Não é curioso que alimentos tragam instruções de preparo e conservação em temperaturas bem específicas, mas não tenhamos nenhum meio de medí-las em nossa cozinha?); aparelhos com localizadores sonoros para o controle remoto (que está sempre sumido); função de gravação de ligação para celulares; compressores de áudio embutidos em TVs e aparelhos de som (estabiliza o volume do som dentro de um mínimo e máximo determinado pelo usuário); palitos de fósforo de duas cabeças; geradores elétricos a pedal para que se malhe e se carregue baterias ao mesmo tempo; fontes de seleção de voltagem automática para desktops; cabos de vassoura e rodos realmente compridos; "gelos" artificiais de vidro ou metal que, cheios de líquido e congelados, permitiram gelar a bebida sem aguá-la; e para voltar a falar em brinquedos, Lightsabers de plástico barato com "lâminas" fosforescentes (que brilham no escuro).

Não é preciso ser gênio para idealizar qualquer dessas obviedades, e não posso sequer supor que nenhum fabricante que poderia tê-las feito não tenha pensado nisso alguma vez na vida, e menos ainda que tenha achado que não teria mercado para elas, num mundo onde se vendem dentaduras de brinquedo, chaveiros de pezinho e bonecos de pano do saudoso pica-pau.

LIBERALISMO ECONÔMICO

Que o mercado em si seja cego, é de se esperar, problema é os "mercadores" o serem, ou surdos, fazendo "ouvido de mercador" para necessidades óbvias.

Muito pior é alguém um dia ter acreditado que o liberalismo de mercado, por si só, atenderia a todas as necessidades de uma espécie que frequentemente nem sabe o que quer e para a qual ainda por cima todo o dia se inventa mil e uma inutilidades sem nenhum outro propósito além de obter lucro.

Muitíssimo pior. Por ser movido por um objetivo primário que em nada se relaciona em realmente atender demandas reais ou mesmo lúdicas, produz-se miríades de produtos completamente fúteis investindo-se pesado em tentar convencer o consumidor de que eles devem ser adquiridos, para enfim amargar prejuízos imensos de tolices mirabolantes que jamais dariam certo.

As agências de publicidade parecem ter virado o feitiço contra o feiticeiro, por parecem muito mais capazes de convencer seus contratantes da validade de seus métodos do que os próprios consumidores a comprar o produto. Basta lembrar das melhores e criativas propagandas que lhe vêm a cabeça. Quem consegue se lembrar das marcas dos produtos de campanhas clássicas como a do primeiro sutiã, da bonita camisa do Fernandinho ou mesmo a dos pôneis malditos?

Tenho a séria desconfiança de que os poderes do marketing são muitíssimo mais limitados do que querem nos fazer crer.

Enquanto acreditam piamente em métodos de mídia de massa para divulgar seus produtos, pagando fortunas incríveis, por vezes tentando criar demanda, negligenciam demandas verdadeiras potenciais claras. E mesmo com tamanha cegueira, certamente relacionada a falências desastrosas e fusões desesperadas, há quem acredite que o liberalismo de mercado seja a solução para os problemas sociais!

O mercado só funciona mesmo amparado por miríades de dispositivos de controle como órgãos reguladores, câmaras de comércio, códigos de defesa, controle de qualidade e toda uma sorte de intervenções sem as quais só romancistas distópicos podem imaginar em que tipo de sociedade viveríamos.

Num contexto mais antigo, quando todo comerciante era obrigado a se impor num mercado incipiente, caótico e por conta própria, contando apenas com seu talento pessoal, esse liberalismo era muito mais saudável. Mas numa época em que Mega Corporações mais poderosas que países mandam em governos, controlam órgãos de mídia, investem bilhões nos engodos da publicidade de massa baseadas em pesquisas financiadas por eles próprios para descobrir os melhores meios de ludibriar e convencer, e falhem! Num cenário assim, acreditar em liberalismo mercadológico parece piada.

LIBERDADE X LIBERALISMO

O Liberalismo se dava muito bem com a escravidão e regimes não democráticos, rejeitando duramente interferência do estado na liberdade dos grandes fazendeiros, a começar por abusos estatais do tipo querer abolir a escravidão. Nos EUA, os mesmos estados que hoje mais exigem a não interferência estatal no mercado foram os que fizeram uma guerra para garantir o trabalho escravo.

O Liberalismo permitiu a ascensão do capitalismo, cujo rápido desenvolvimento o transformou de ousadas investidas familiares nas mais diversas áreas do comércio, com capital próprio, para depois passar a depender do financiamento anônimo das bolsas de valores, dos empréstimos bancários, e frequentemente do socorro estatal, com dinheiro do contribuinte, claro.

Por isso, não só temos que ter vários níveis de controle, como de certo ainda precisamos de mais! E qualquer relaxamento só piora as coisas, George W. Bush que o diga, principalmente a médio e a longo prazo.

Mas só de alguém falar em mais regulação, chovem protestos e ofensas, como se todos os âmbitos da sociedade já não tivessem que ser regulados! Esquecendo de que o capitalismo liberal realmente acessível à qualquer iniciativa se deu somente numa era dourada encerrada há um século.

E isso quando não a consideram um tolhimento de sua liberdade pessoal de fazer o que bem quiserem, pois ao mesmo tempo que pedem independência de controles governamentais, impõem controle tirânico sobre seus funcionários, que só não vivem aterrorizados com a ameaça constante do desemprego e assédio moral graças a, mais uma vez, a presença do estado e seu sistema de previdência, bem como a ação constante dos sindicatos que coíbem abusos, ainda que cometendo outros nos sentido contrário.

Isso sem falar de frequentes danos públicos das mais diversas ordens, como produtos que estimulam maus hábitos e causam custos à saúde pública, mas que são amplamente vendidos em nome de um liberalismo social controverso.

Nem mesmo as camadas por onde correm as ondas eletromagnéticas escapam. O "espaço" para transmissão de TV, por exemplo, é limitado, pertencendo ao povo, e gerenciado pelo estado, que o concede por meio de um processo, que, infelizmente, está longe de ser transparente e democrático. Aí um órgão de mídia utiliza tal espaço, público, do jeito que bem entende, inclusive para fazer propaganda, mesmo que velada, contra o governo que o concede e que é apoiado por mais de 80% da população, que é a real proprietária deste espaço, e quando alguém vem falar em regulação os canalhas ainda tem a cara de pau de vir reclamar de censura!

E no meio desse sistema maluco, nada consegue evitar que cedo ou tarde milhões de profissionais dedicados e produtivos fiquem sem emprego justamente quando a sociedade mais precisa de sua contribuição, ao mesmo tempo que empresas que dependem deles para cumprir sua função social ficam impedidas de contratá-los.

Diferente de quando se criam 100 mil cargos públicos que permanecerão indefinidamente, para desespero dos liberais, um governo pode criar 5 milhões de empregos hoje e amanhã uma crise criar 10 milhões de desempregados.

DE VOLTA AO ESCUDO

O Capitão América é um símbolo da liberdade, não exatamente do liberalismo como costuma-se entender, e sim, sobretudo da Democracia. (Um ótimo texto sobre o tema é Capitão América - Herói ou Vilão?) Curiosamente, mesmo num país com tradição anti americanista, ele consegue não despertar rancores, por ser um símbolo honesto dos verdadeiros ideais originais, simbolizados pelas cores da tríade revolucionária francesa, Igualdade, Liberdade e Fraternidade.

O liberalismo econômico, por outro lado, pode ser facilmente distorcido até se tornar o seu absoluto oposto, a exemplo do Neoliberalismo, que nada tem de neo (novo) e menos ainda de liberdade, visto significar apenas a liberdade irrestrita das grandes corporações empresariais de dobrar os estados à seu favor, esmagar as iniciativas privadas de menor porte, e pilhar o patrimônio público da forma mais anti democrática possível.

Não foi só no Brasil do PSDB que as privatizações se deram contra a vontade da maioria esmagadora da população, apesar das máfias da mídia em peso soltarem urros de alegria a cada estatal dada de graça a seus amiguinhos milionários que exponenciaram suas fortunas. A primeira experiência neoliberal privatista do mundo foi feita na ditadura de Pinochet, a da Rússia precisou de um golpe de estado, e a da Inglaterra, da Guerra das Malvinas para desviar a atenção do povo, e esse padrão seguiu inalterado planeta afora. Não porque reduziu o tamanho ou influência do estado, pelo contrário, o aumentou, só que colocando-o ao serviço exclusivo dos 1% mais ricos.

Liberalismo econômico é sempre bom num nível básico, em especial para fomentar o desenvolvimento do comércio, mas quanto mais surgem gigantes conglomerados empresariais, mega instituições bancárias, e sobre tudo um sistema de financiamento volátil e imprevisível como o mercado financeiro, menos e menos essa liberdade original consegue se manifestar, pois passa a ser cada vez mais difícil para empresas iniciantes abrir caminho num mercado saturado e frequentemente corrompido por cartéis, e que manipulam os governos para criar processos de controle de qualidade excessivo impossíveis de serem atendidos pelas empresas menores.

O Liberalismo Econômico é um ótimo exemplo do Paradoxo da Liberdade, isto é, quando de um estado verdadeiramente liberal inicial, adiciona mais e mais liberdade até que ela literalmente começa a se auto destruir, se transformando apenas em liberdade dos mais fortes de oprimir os mais fracos.

Por meio de financiamento de campanhas eleitorais, as grandes fortunas empresariais comprometem o sistema político, obrigando-o a trabalharem para si próprias, a ponto de poder exigir o desmantelamentos das empresas públicas para que seu mau desempenho justifique privatizações, onde elas compram parques industriais imensos a preços ridículos para usufruir daquilo que foi construído com o dinheiro público.

O ranço contra os E.U.A., nos países ocidentais, jamais se deu pelos seus ideais, que foram erigidos na Revolução Francesa, e sim exatamente porque estes foram frequentemente violados por eles próprios, ao semear ditaduras e liberalismos fajutos por toda parte. O Capitão América seria o primeiro a ir contra esses abusos.

E eis que, enfim, acabei achando um interessante escudo à venda no Mercado Livre, pena que não esteja mais disposto a pagar tão caro por um. De qualquer modo, continua não havendo algo que satisfaça as exigências supra citadas, isto é, ser uma material leve, resistente e barato, mas de qualidade, o que não é difícil com os plásticos de hoje.

Ninguém teria coragem de arremessar uma réplica delicada e cara, era isso que eu mais sentia falta. Algo que pudesse lançar como um Frisbee, pois uma das características simbólicas mais interessantes é exatamente esta. O Escudo do Capitão América simboliza a característica defensiva, de quem na verdade apenas reage à agressão. Ainda que o escudo possa ser arremessado com força letal, isso não descaracteriza sua função como, antes de tudo, se proteger de ataques.

Por outro lado, outros brinquedos mais leves que permitem o arremesso, além de não serem disponíveis no Brasil, são mesmo de se "jogar fora"!

Mesmo assim, no caso desse mais caro, considerando que já passei da fase de brincar, se alguém topar, eu troco pelo meu violão.

Marcus Valerio XR

13 de Junho 2012


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