"DESRAZÕES" PARA LIBERAR AS DROGAS

Análise do texto
10 RAZÕES PARA LEGALIZAR AS DROGAS
(que pode ser facilmente encontrado na web)
Texto original de
Comandante John Grieve
Unidade de Inteligência Criminal
Scotland Yard, Channel 4 1997
(traduzido por Luis Verza)

Que no fundo não passa de
10 FALSAS RAZÕES PARA LEGALIZAR AS DROGAS
e assim acaba se tornando
10 RAZÕES PARA NÃO LEGALIZAR AS DROGAS

Meus comentários estão em PRETO e fonte TIMES.

Há muito tempo esse texto circula na web, e me impressiona como tem sido reproduzido e apoiado, em especial por militantes de esquerda, o que, pelo que exponho abaixo, é um inacreditável contra senso. Como podem os anti-capitalistas defenderem uma proposta que, se fosse bem sucedida, só poderia beneficiar mesmo as grandes transnacionais dando-lhes poderes mercadológicos (sobre um mercado de dependentes químicos) jamais visto? E como é sequer concebível que alguém fale em liberação das drogas num sentido genérico, e não apenas de certas drogas específicas? Esse texto é um ótimo exemplo de como propostas como essa só parecem possíveis de serem concebidas e apoiadas por pessoas em condições psicotrópicas! Mas vamos ao texto, e que o leitor tire suas próprias conclusões.

1 – ENCARAR O VERDADEIRO PROBLEMA
Os burocratas que constroem as políticas sobre drogas têm usado a proibição como uma cortina de fumaça para evitar encarar os fatores sociais e econômicos que levam as pessoas a usar drogas. A maior parte do uso ilegal e do uso legal de drogas é recreacional. A pobreza e o desespero estão na raiz da maioria do uso problemático da droga, e somente dirigindo-se a estas causas fundamentais é que poderemos esperar diminuir significativamente o número de usuários problemáticos.

Não há qualquer tensão entre proibir e encarar o real problema. O álcool é legal e continua não sendo devidamente encarado, as drogas ilícitas tem recebido devida atenção, no sentido da prevenção e esclarecimento, muitíssimo maior que o álcool. Verdade que a maior parte do uso de drogas é recreativo (a maioria dos usuários não são pobres coitados que não sabem o que fazem, sendo financiadores conscientes do crime), mas e quando degenera para o pior tipo de dependência? A verdadeira mudança de enfoque deveria ser no impulso psicológico para o entorpecimento, a raiz de todo o mal, que também motiva o alcoolismo. Para isso, a legalização seria contraproducente, pois levaria ao consumo milhões de pessoas que se detêm apenas por conta da proibição, exponenciando os problemas de saúde pública. Ademais, esse comentário esconde um elitismo, ao afirmar que os "uso problemático da droga" deve-se a pobreza e desespero, como se as classes ricas não tivessem problema algum ao consumir drogas, e a culpa é da classe pobre.

2 – ELIMINAR O MERCADO DO TRÁFICO
O mercado de drogas é comandado pela demanda e milhões de pessoas demandam drogas atualmente ilegais. Se a produção, suprimento e uso de algumas drogas são criminalizados, cria-se um vazio que é preenchido pelo crime organizado. Os lucros neste mercado são de bilhões de dólares. A legalização força o crime organizado a sair do comércio de drogas, acaba com sua renda e permite-nos regular e controlar o mercado (isto é prescrever, licenciar, controle de venda a menores, regulação de propaganda, etc..).

Essa premissa é o carro chefe de todos os argumentos pela liberação de drogas, e é fundamentalmente mentirosa. A LEGALIZAÇÃO NÃO ELIMINARIA O TRÁFICO! Apenas mudaria seu tipo criminal. O fato de cigarros e bebidas serem legais não impede que haja mercado ilegal dos mesmos, com a diferença de que tem que concorrer com um mercado legal muito mais forte e bem estabelecido. No caso das drogas seria o contrário, o hipotético mercado legal seria incipiente e teria que concorrer com um mercado ilegal fortissimamente estabelecido. Os lucros continuariam a ser altíssimos, pois embora pudesse haver alguma concorrência com o mercado legal, o risco e a dificuldade do narcotráfico também seria diminuído. As drogas legais fatalmente seriam caras, tendo que arcar com altos impostos e sustentar toda uma cadeia de produção legal, com altos encargos trabalhistas. As drogas ilegais não precisariam de nada disso! Provavelmente seriam mais baratas, podendo inclusive se beneficiar de parte do mercado legal, como o contrabando de bebidas e cigarros já faz, sendo vendido em conjunto com as versões legais.

3 – REDUÇÃO DRÁSTICA DO CRIME
O preço de drogas ilegais é determinado por um mercado de alta demanda e não regulado. Usar drogas ilegais é muito caro. Isto significa que alguns usuários dependentes recorrem ao roubo para conseguir dinheiro (corresponde a 50% do crime contra a propriedade na Inglaterra e é estimado em 5 bilhões de dólares por ano). A maioria da violência associada com o negócio ilegal da droga é causada por sua ilegalidade. A legalização permitiria regular o mercado e determinar um preço muito mais baixo acabando com a necessidade dos usuários de roubar para conseguir dinheiro. Nosso sistema judiciário seria aliviado e o número de pessoas em prisões seria reduzido drasticamente, economizando-se bilhões de dólares. Por causa do preço baixo, os fumantes de cigarro não têm que roubar para manter seu hábito. Não há também violência associada com o mercado de tabaco legal.

Além da impostura em comparar o vício em tabaco com o vício em substâncias muitíssimo mais perigosas, esse argumento delirante começa implicitamente assumindo que a liberação causaria um enorme aumento no consumo de drogas, visto que se tornariam mais baratas! Mas tal barateamento, se de fato ocorresse, não tornaria o narcotráfico mais forte, porque vender-se-ia muito mais drogas legais que ilegais. Ao que parece, o autor não prevê que o estado coloque impostos pesados para as drogas legais, e continua na fantasia incrivelmente irrefletida de que por alguma graça divina, assim que se liberasse as drogas, os narco traficantes iriam alegremente abandonar toda sorte de violência e se tornar empresários honestos. Mas a tendência tem sido o exato contrário, sobretaxar a indústria do tabaco afim de desincentivar seu consumo e recolher recursos para o tratamento dos males do cigarro. O autor espera que ao se liberar as drogas, não se faça algo parecido?

4 – USUÁRIOS DE DROGA ESTÃO AUMENTANDO
As pesquisas na Inglaterra mostram que quase a metade de todos os adolescentes entre 15 e 16 anos já usou uma droga ilegal. Cerca de 1,5 milhão de pessoas usa ecstasy todo fim de semana. Entre os jovens, o uso ilegal da droga é visto como normal. Intensificar a guerra contra as drogas não está reduzindo a demanda. Na Holanda, onde as leis do uso da maconha são muito menos repressivas, o seu uso entre os jovens é o mais baixo da Europa. A legalização aceita que o uso da droga é normal e que é uma questão social e não uma questão de justiça criminal. Cabe a nós decidirmos como vamos lidar com isto. Em 1970, na Inglaterra, havia 9.000 condenações ou advertências por uso de droga e 15% de novas pessoas tinham usado uma droga ilegal. Em 1995 os números eram de 94.000 e 45%. A proibição não funciona.

Mesmo que os dados sejam verdadeiros, a impossibilidade de se erradicar ou mesmo reduzir uma infração jamais pode servir de argumento para a liberação da mesma. Ou TODOS os crimes teriam que ser legalizados. Mas é certo que nossa política de repressão está longe de causar o resultado desejado. Só que não temos como avaliar isso sem remover tal repressão e correr o risco de uma verdadeira hecatombe narcótica social. O exemplo da Holanda, por sinal, tem recentemente se virado contra os defensores da legalização, e mesmo assim, lá, somente a mais leve das drogas foi liberada, e ainda assim com restrições. Mas como já analisei em A Droga da Incoerrência, há um motivo bem mais provável para a ineficiência de nossas legislações sobre o assunto, que é o fato de que a mais devastadora de todas as drogas, o álcool, que sozinho causa muito mais dano que todas as drogas ilícitas combinadas, por ser não só permitido como incentivado, mina na base a própria moralidade da proibição das demais drogas, por gerar uma inconsistência nas atitudes da sociedade perante as drogas lícitas e ilícitas.

5 – POSSIBILITAR O ACESSO A INFORMAÇÃO VERDADEIRA E A RIQUEZA DA EDUCAÇÃO
Um mundo de desinformação sobre drogas e uso de drogas é engendrado pelos ignorantes e preconceituosos burocratas da política e por alguns meios de comunicação que vendem mitos e mentiras para benefício próprio. Isto cria muito dos riscos e dos perigos associados com o uso de drogas. A legalização ajudaria a disseminar informação aberta, honesta e verdadeira aos usuários e aos não-usuários para ajudar-lhes a tomar decisões de usar ou não usar e de como usar. Poderíamos começar a pesquisar novamente as drogas atualmente ilícitas e descobrir todos seus usos e efeitos – positivos e negativos.

Há uma verdade aqui, sobre o acesso a informação. Só que isto jamais dependeu de liberar as drogas. É certo que um viés preconceituoso sobre as drogas prejudica a prevenção de uso, visto que muitos jovens se sentem enganados ao descobrirem por experiência própria coisas que contradizem o que lhes foi informado em campanhas bem intencionadas mas ingênuas. Porém, mais uma vez, o autor parece viver num mundo paralelo, em que o fato de uma droga ser lícita automaticamente gera informações corretas e acessíveis sobre seus efeitos. Por décadas tivemos a indústria do tabaco insistindo em que os cigarros não causavam mal algum, e alguns ainda insistem, e a polêmica sobre os supostos benefícios do álcool chega ao ponto de dividir até mesmo a comunidade científica, sem contar os ataques frontais contra políticas inevitavelmente bem sucedidas, promovidas por órgãos de mídia e financiadas por produtores de drogas lícitas, como nas críticas contra a Lei Seca.

6 – TORNAR O USO MAIS SEGURO PARA O USUÁRIO
A proibição conduziu à estigmatização e marginalização dos usuários de drogas. Os países que adotam políticas ultra-proibicionistas têm taxas muito elevadas de infecção por HIV entre usuários de drogas injetáveis. As taxas de hepatite C entre os usuários no Reino Unido estão aumentando substancialmente. No Reino Unido, nos anos 80, agulhas limpas para usuários e instrução sobre sexo seguro para jovens foram disponibilizados em resposta ao medo do HIV. As políticas de redução de danos estão em oposição direta às leis de proibição.

Por isso mesmo podem ser chamadas "Redução de Danos", e isso se aplica a todo e qualquer tipo de legislação. Ao termos leis contra o assassinato, o estupro, o roubo etc, o que promovemos é exatamente isso, uma contenção das ocorrências, que tenderiam a aumentar muitíssimo mais se as proibições fossem removidas. Remover a proibição das drogas ilícitas parece até mesmo uma proposta criminosa num mundo onde a drogas lícitas já causam uma devastação social.

7 – RESTAURAR NOSSOS DIREITOS E RESPONSABILIDADES
A proibição criminaliza desnecessariamente milhões de pessoas que, não fosse isso, seriam pessoas normalmente obedientes às leis. A proibição tira das mãos dos que constroem as políticas públicas a responsabilidade da distribuição de drogas que circulam no mercado paralelo e transfere este poder na maioria das vezes para traficantes violentos. A legalização restauraria o direito de se usar drogas responsavelmente e permitiria o controle e regulação para proteger os mais vulneráveis.

Mais uma vez. É isso que acontece com o álcool? Mesmo sendo uma droga que sempre foi legal? O que aconteceria então com drogas até então ilegais? E mais uma vez, o autor insiste na tese absurda de que a liberação eliminaria o narcotráfico, que se existe sob sérias restrições, porque não existiria ao se diminuir tais restrições?

8 – RAÇA E DROGAS
As pessoas da raça negra correm dez vezes mais risco de serem presas por uso de drogas que as pessoas brancas. As prisões por uso de droga são notoriamente discriminatórias do ponto de vista social, alvejando facilmente um grupo étnico particular. A proibição promoveu este estereótipo das pessoas negras. A legalização remove um conjunto inteiro de leis que são usadas desproporcionalmente no contato de pessoas negras com o sistema criminal da justiça. Ajudaria a reverter o número desproporcional de pessoas negras condenadas por uso de droga nas prisões.

Esse item é uma completa tolice (parece ter sido adicionado apenas para totalizar 10 itens). As pessoas negras correm mais risco de serem presas por que são mais pobres. A proibição não discrimina ninguém além do que a mera desigualdade econômica já faz. Barrack Obama ou Tiger Woods não correm maior risco de serem presos do que George Bush ou Tom Brady.

9 – IMPLICAÇÕES GLOBAIS
O mercado de drogas ilegais representa cerca de 8% de todo o comércio mundial (em torno de 600 bilhões de dólares ano). Países inteiros são comandados sob a influência, que corrompe, dos cartéis das drogas. A proibição permite também que os países desenvolvidos mantenham um amplo poder político sobre as nações que são produtoras com o patrocínio de programas de controle das drogas. A legalização devolveria o dinheiro perdido para a economia formal, gerando impostos, e diminuiria o alto nível de corrupção. Removeria também uma ferramenta de interferência política das nações estrangeiras sobre as nações produtoras.

É chegando nesse ponto, que chega a ser assustador ver intelectuais de esquerda (não que seja o caso desse autor) defendendo liberação das drogas. Pois mesmo no fantasioso caso de que tal liberação tivesse mesmo os resultados por eles propostos, isto é, que as drogas saíssem da ilegalidade e passassem ao mercado comum, então quem seriam os verdadeiros beneficiados? As grandes corporações internacionais! Como é possível a esquerda defender uma proposta que só iria fortalecer um dos piores tipos de "capitalismo" global, para usar um termo que lhe é comum. De certo haveria produção artesanal ou por pequenas empresas, mas o grosso do mercado seria dominado por transnacionais que pelo poder financeiro são as maiores forças de interferência política, principalmente se pudessem contar com um mercado consumidor quimicamente dependente delas! É praticamente uma obra distópica de Ficção Científica, onde megacorps controlem por completo pessoas viciadas em seus produtos!

10 – A PROIBIÇÃO NÃO FUNCIONA
Não existe nenhuma evidência para mostrar que a proibição esteja resolvendo o problema. A pergunta que devemos nos fazer é: Quais são os benefícios de criminalizar qualquer droga? Se após analisarmos todas as evidências disponíveis concluirmos que os males superam os benefícios, então temos de procurar uma política alternativa. A legalização não é a cura para tudo, mas nos permite encarar os problemas criados com o uso da droga e os problemas criados pela proibição. É chegada a hora de uma política pragmática e eficaz sobre drogas.

Enfim, cabe aqui colocar que praticamente toda a minha crítica acima bem poderia ser considerada inútil, pois qualquer pretensão de sensatez do autor pode ser aniquilada com um único, e simplicíssimo, argumento, focado na frase Quais são os benefícios de criminalizar qualquer droga? Vejamos. O autor falar QUALQUER DROGA, e se talvez seja um exagero, note que não é muito diferente da maioria dos discursos similares que se vê por aí. Ocorre que uma discussão como essas só seria possível a respeito de drogas específicas. Podemos discutir a liberação da Maconha, ou de alguma outra substância menos perigosa que o álcool, por sabermos do que se trata. MAS É UMA LOUCURA TOTAL A SIMPLES IDÉIA DE LIBERAR AS DROGAS A PRIORI!!! Isso significaria liberar para consumo irrestrito todos os medicamentos controlados, e até mesmo drogas novas que poderiam ter efeitos completamente imprevisíveis! Como poderia ser previamente liberada uma nova substância que causasse loucura imediata, mesmo impulsos homicidas, como de fato algumas substâncias podem fazer?! E o mais impressionante é que o autor falou o tempo quase todo em regulação das drogas, mas parece se esquecer que isso só seria possível mediante a liberação de algumas drogas específicas, previamente estudadas e controladas, e jamais DAS DROGAS num sentido geral!

Quantas drogas ilícitas nos temos? Liberaríamos por tabela não só maconha, ecstasy ou morfina, mas também cocaína, heroína, LSD, ácido lisérgico, beladonna, crack, chá de cogumelos alucinógenos etc?!?!

O termo genérico "drogas" inclui substâncias capazes de enlouquecer qualquer um instantaneamente. Não é só drogas recreativas conhecidas que estão em questão. Há os medicamentos controlados, e toda uma sorte de substâncias num vasto continuo que vai das aspirinas até reguladores psiquiátricos. Não se pode falar em "Drogas" num sentido genérico!

Defender a liberação das drogas num sentido aberto revela uma absoluta incompetência intelectual e inconsequência moral, algo difícil de entender em pessoas supostamente instruídas, a não ser, claro, quando em estado de entorpecimento mental.

Marcus Valerio XR
Esboço inicial de Abril de 2010
Finalizado em Maio de 2013
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