Reflexões Mentalistas

sobre a Destruição da

VIRTUALIDADE REAL

Em forma de Literatura Ficcional

A ousadia deste texto deriva de uma radicalização da hipótese de que tudo o que chamamos de realidade não passe de projeção mental compartilhada, e que a única coisa real seja, de fato, as mentes.
Com a palavra, alguma mente qualquer, plenamente consciente da virtualidade do real, instruindo as demais sobre o processo de destruição semi-consciente de mundos.

A estabilidade de uma projeção mental coletiva de larga escala, a que costumamos chamar de Mundo, costuma derivar da inconsciência das mentes que a realizam, sua crença de que vivem em algo que chamam de realidade e que esta independa de suas próprias sensciências. (A outra possibilidade, que não cabe aqui, é quando todas estão plenamente conscientes dessa virtualidade, mas concordam em sustentá-la de modo coerente.)

Vejamos como exemplo a relativamente breve, embora tradicional, história do mundo que durante muito tempo acreditava em si como sendo plano, posteriormente esferóide, chamando-o, como tipicamente ocorre, de algo similar a "terra", se acreditava antes como centro do universo e depois como sendo um terceiro planeta girando em torno de uma estrela amarela, e cada vez mais acreditava num Universo físico tão vasto que não podia mais sequer concebê-lo.

Durante muito tempo acreditavam-se criados por deuses, depois acreditaram numa evolução natural, desenvolveram métodos indiretos de manipular a virtualidade, que entendiam como sendo Ciência e Tecnologia, até que, por fim, com a disseminação da desilusão, a consideração de que podiam viver num mundo onírico se tornou tal que só não rompeu por completo a estabilidade da projeção porque preferiu antes destruí-la dentro das próprias regras de sua virtualidade.

Os conservadores ocidentais dentro desse mundo, saudosos de uma era medieval perfeitamente estável, com frequente razão detectavam que as origens da decadência de sua virtualidade se deviam ao advento da modernidade. Seu apego ao teísmo, que lhes fortalecia a estabilidade da projeção, acertava no ponto de que a queda da mentalidade teocêntrica, das tradições religiosas e das certezas metafísicas destruiriam o mundo.

Mas o faziam de modo inconsciente, pois estavam apenas a defender como real a estabilidade da projeção coletiva.

Ora, na tradição ocidental, nada identificava melhor o início do pensamento moderno do que Descartes e seu questionamento do real. Giordano Bruno havia feito uma transição ao insistir na idéia de infinitude do universo, algo que, como veremos, também tem um impacto como desestabilizador virtual, mas apenas de forma indireta.

Mas não foi a mera questão de objetividade, dualismo, ou um simbólico marco inaugural da ciência que realmente justificam o cartesianismo como o primeiro passo significativo da destruição de uma tradição virtual que projetava em seu passado milhares de anos de história. Na verdade, foi principalmente a idéia de que um Gênio Maligno criava a ilusão do mundo.

É emblemático que Descartes tenha rejeitado essa possibilidade com um apelo à idéia de um Deus onipotente que, por algum motivo, não permitiria um mundo ilusório, pois isso apenas antevia como esse tema viria a ter relevância nos passos posteriores.

Na tradição oriental, a idéia de que o mundo podia ser uma ilusão era tão antiga quando tradicional, e em alguns casos, puro senso comum, o que jamais ocorreu no ocidente embora tenha havido tímidos exemplos de pensamento de mesmo naipe. Mas isso jamais pôs o virtual em risco pelo mesmo motivo que a modernidade demorou séculos para começar a realmente considerar com alguma seriedade a hipótese da irrealidade do mundo.

É que a mera hipótese cartesiana jamais passaria de exercício de pensamento de intelectuais se não tivesse um meio de se popularizar, para o que precisava tanto de traduções simplificadas quanto de roupagens de plausibilidade. Isso só viria acontecer com a popularização do conceito de Realidade Virtual por meios tecnológicos, especialmente estimulada pela mídia de entretenimento de massa em filmes e jogos com a idéia de que sistemas eletrônicos de simulação de realidade se tornariam suficientemente avançados a ponto de eliminar a percepção da distinção entre o que era tido como real e como virtual.

Embora, claro, se tratasse apenas da distinção entre dois níveis de virtualidade.

Com essa popularização, onde um certo filme intitulado The Matrix teve um papel de destaque, a referência intelectual imediata de Descartes, bem como das tradições orientais, era frequentemente evocada, causando uma retroalimentação do fenômeno de massa com o respaldo da intelectualidade e da ciência, que por sinal, tanto tem sua origem associada ao mesmo filósofo.

Mesmo assim, isso ainda era incipiente e jamais poderia colocar em risco a estabilidade da projeção coletiva, pois da mesma forma como ocorria em civilizações orientais, a mera possibilidade jamais se tornaria plausibilidade até que o avanço tecnológico começasse a disponibilizar a experiência da virtualidade eletrônica de modo amplo e intenso.

Como sabemos, quando metade das mentes de uma projeção coletiva considera seriamente a hipótese de estar imersa numa ilusão, a virtualidade sofre um abalo estrutural relevante. Por isso, somente quando a população mental daquele mundo ultrapassou 10 bilhões de habitantes, e o avanço tecnológico permitiu a mais de 50% deles a experimentação direta de virtualidades alternativas, foi então dado o terceiro e derradeiro passo para a destruição do mundo.

Outrora era comum, quando envolvidos em situações extremamente desagradáveis, que as mentes desejassem despertar de um suposto sonho (entendido aqui como uma projeção mental individual). Eram comum expressões como "Me desperte!" ou "Eu quero acordar", na tentativa de se livrar da experiência que viviam.

Quando passou a ser comum que pessoas dissessem "Desliguem esse programa!", ou "Me tirem dessa simulação!", baseado no fato de que já era possível alguém ser imerso inadvertidamente num ambiente virtual sem sequer se dar conta, significava que o processo de desestabilização da virtualidade era irreversível.

Mundos onde o conceito de simulação se desenvolve a ponto de permitir uma dúvida perfeitamente razoável a respeito da experiência sensorial direta em larga escala, dificilmente se sustentam por muito tempo, e as mentes, de modo semi consciente, percebem isso, embora essa parcial compreensão surja das formas mais imprevistas e irônicas possíveis.

Muitos dos conservadores, por exemplo, lamentavam a perda de valores religiosos, tradições, e a subversão de conceitos clássicos como se estivesse em jogo apenas a estabilidade material de um mundo cuja factualidade substancial jamais fora questionada. Mas no fundo, apenas percebiam que certas tendências progressistas facilitavam a disseminação de idéias que, abalando todas as certezas e convicções, minavam a tessitura do compartilhamento projetivo.

Por outro lado, muitos revolucionários inconsciente e paradoxalmente, se davam conta de que o desmantelamento das convicções tradicionais era meio intransponível para flexibilizar a própria visão de uma materialidade que também não era questionada, quando, no fundo, apenas intuíam que era um processo para derrubar a própria virtualidade em si.

A ciência, por sua vez, descortinava visões de universo cada vez mais grandiloquentes e infindáveis. Descendo aos micro mundos e detectando sub estruturas do real com resultados paradoxais, e vislumbrando mais e mais a amplitude de um universo bilhões de vezes maior do que se pensava, até o ponto onde não mais era possível distinguir tal vastidão da mera infinitude, e aumentando gradualmente a perplexidade de seres que se consideravam cada vez menos importantes.

Por fim, quando a maior parte da população podia entrar e sair de mundos simulados, frequentemente desenvolvidos por elas próprias, podia se dar ao luxo de se ligar a sistemas de realidade virtual de forma permanente, e muitas vezes sequer se dava conta de onde estava, a estabilidade da projeção coletiva se foi, e não demorou a perceberem que não era mais sequer preciso utilizar recursos tecnológicos. Se deram conta de que sua capacidade de projetar uma virtualidade pessoal despertara, livre da restrição inconsciente das demais mentes, que deixavam de impor as "leis naturais" que as mentes imersas na ilusão produzem em cooperação.

Mas o ponto mais interessante é o modo como elas por fim deram cabo do mundo que outrora consideraram real.

Considerando os vastos contingentes populacionais que ainda se apegavam a idéias tradicionais na esperança de que apelar para a ilusão cultural dentro da ilusão coletiva reforçasse a convicção de realidade, havia muita resistência ao desmantelamento do tecido virtual. Por isso, desde muito antes, entre o primeiro e segundo passo, começou a ser arquitetado o meio pelo qual as mentes destruiriam seu mundo dentro das próprias regras de sua virtualidade.

Ora, a noção de morte é o instrumento de auto ilusão mais eficiente para evitar o choque de quando a crença convicta da realidade de uma projeção é drasticamente abalada por uma alteração de ambiente coletivo mental. Assim, em mundos deste tipo, as mentes costumam ser removidas da virtualidade, quer por vontade previamente manifestada ou não, por meio de um evento associado a destruição do corpo e libertação de uma substância imaterial outrora tida como espírito ou alma.

Por isso, o suicídio coletivo é uma forma bastante racional de lidar com a corrupção da estrutura da virtualidade, aceitando com mais facilidade a radical mudança. Assim, desde bem antes do colapso, as mentes daquele mundo produziram o que consideravam "Armas de Destruição Maciça", baseadas em conceitos de sua ciência e tecnologia como Energia Nuclear, Bacteriologia, Agentes Químicos, Pulsos Eletromagnéticos e Anti-Matéria.

Com isso, a aniquilação de sua realidade poderia ser dada de um modo perfeitamente coerente com suas próprias crenças, sem ter que ceder ao traumático processo de desmantelamento da virtualidade coletiva de modo gradual.

Então, quando grande parte da humanidade estava alienada em suas virtualidades pessoais, incapazes de distinguir a projeção própria da alheia e do que restava da coletiva, houve então o levante do fundamentalismo religioso, que era a forma mais forte de conservar o que era tipo como real, que lançando mão dos arsenais destrutivos, arrasou a teia do compartilhamento por meio do rompimento da própria suposta base material da realidade.

E afinal, todos puderam passar para virtualidades alternativas mais de acordo com suas expectativas, gerando essa proliferação de novos mundos alternativos, alguns paradisíacos, outros infernais, com os quais agora temos que lidar para ajudar essas pessoas a aceitarem a única realidade.

A de que nada é real.

Marcus Valerio XR

30 de Setembro de 2012

Este texto foi inteiramente idealizado, concebido, escrito e publicado em um único dia, embora contando com um amplo Background prévio.
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