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RECONSTRUINDO O MUNDO
A VIRTUALIDADE REAL
Uma vez
que toda certeza estava destruída, que a realidade estava fracionada
em múltiplas possibilidades, ficou evidente que era muito desagradável
viver sem direcionamento algum. Era preciso procurar pelo menos uma certeza.
Se eu baseasse
todo um edifício de pensamentos, idéias, teorias e etc, sobre
uma base relativa, o dia que essa base fosse abalada, adeus edifício.
Fico imaginando pessoas que passam suas vidas dedicadas e disseminar e viver
ensinamentos baseados em Jesus Cristo, Buda, Hermes Trimegistos, etc, e depois
por algum motivo perdem sua fé. Também cientistas que defenderam
teorias já superadas, políticos que se decepcionaram com suas
próprias propostas.
Algumas
destas pessoas, se basearam em pesquisas cujas evidências foram falseadas
por conjunturas específicas, outros por emoções sentidas
sobre idéias aparentemente nobres, outros por pura e simples crença.
Muitos podem superar essa fase de decepção de forma positiva,
sentir uma mudança tão grande em seu modo de pensar, uma tão
ampla abertura mental, que tudo terá valido a pena, e nada será
motivo de arrependimento. Mas ao mesmo tempo, há os que se matam.
Eu queria
diminuir esse risco o máximo possível, ou melhor, poderia tentar
anulá-lo. Mas como?
Primeiro
era preciso buscar uma certeza inicial, e é agora que muitos reconhecerão
Descartes em mim.
Nada para
mim era certeza, eu podia estar sonhando, podia acordar de repente e descobrir
que na verdade vivia numa estação espacial a anos-luz da Terra.
Podia sequer ter um corpo físico, talvez eu fosse apenas um cérebro
imerso em uma solução protéica conectado a eletrodos e
sensores, que estimulariam áreas de meu córtex criando toda a
ilusão de realidade. Poderia ter tido minha memória reprogramada
por telepatas.
Quando
ponho minha mão na água, talvez eu esteja de fato fazendo isso
fisicamente, talvez seja um sonho onde eu sinto isso, ou poderia ser um impulso
elétrico enviado diretamente ao meu cérebro, por um avançado
sistema de Realidade Virtual. Pior eu poderia sequer ter cérebro, poderia
ser uma ilusão enviada a minha essência espiritual.
Mas, quaisquer
que sejam essas possibilidades acima, acho que cheguei a uma certeza.
De um modo
ou de outro, eu sinto alguma coisa!
Pode ser
que seja apenas uma ilusão de sensação, mas essa sensação
existe, ela me afeta.
Por mais
que eu possa estar sendo enganado, não consigo duvidar de que algo em
mim, repercute alguma coisa.
Portanto
cheguei a minha primeira certeza. Eu tenho um SENTIMENTO!
Não
é só isso. Como pude concluir que tenho tal sentimento, ou sensação,
que nesse nível tem pouca diferença? Precisei racionalizar sobre
isso. Precisei pensar. Duvidei de tudo, mas se é assim, se duvidei de
minha própria existência, o quê estaria duvidando? Alguma
coisa que pensa, que pode detectar e ter certeza de um sentimento.
E essa
foi a segunda certeza. Eu tenho um PENSAMENTO!
Já
há um par de coisas dentro de mim. E como elas interagem? Bem, percebi
que tenho sentimentos melhores do que outros, e prefiro alguns deles. Racionalizei
sobre isso e então cheguei a um substrato entre eles, que quero bons
sentimentos, e uma forma de fazer isso é usando meu pensamento.
Portanto.
Tenho aquilo que irá dar partida a todo o processo. A VONTADE!
Podia não
ter certeza de absolutamente nada sobre o real. Mas tenho certeza de que eu
existo! E que essa minha existência é uma entidade que sente e pensa.
Posso até não ter corpo físico. Mas há algo dentro
de mim. Uma tríade.
VONTADE
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SENTIMENTO
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PENSAMENTO
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É essa vontade que
me move, é de acordo com ela que irei buscar sentido em minha vida, é
tão somente a vontade de me sentir bem, que através de meu pensar,
buscou o questionamento da realidade, vontade de superar um estado duvidoso,
vontade de conhecer, e acima de tudo, vontade de ser feliz.
Um mundo
já estava construído, o Meu mundo. E esse é inabalável.
Ninguém será capaz de enfraquecer-lhe a certeza, finalmente eu
tinha certeza de alguma coisa.
Esse é
meu ponto de partida.
Posso ler
a Bíblia ou o Corão, posso estudar O Capital ou A Riqueza das
Nações, posso concordar com muitas coisas mas jamais, JAMAIS!!!!
Qualquer uma delas terá mais importância do que a minha tríade
interior.
Meu velho
colega Descartes, separado de mim por 300 anos, chegou ao "Penso Logo Existo",
por um raciocínio semelhante. O meu estaria mais para Sinto Logo Existo,
mas em Descartes esse Pensar envolve indiretamente um Sentir, e o meu Sentir
envolve sequencialmente um Pensar. Portanto a síntese é a mesma,
a Vontade está mais ou menos inclusa na atitude de Descartes, implicitamente
é claro. Mas as nossas semelhanças fundamentais terminam por aqui.
Ambos provamos
a existência de algo que pensa, de uma consciência, de uma substância.
Mas a partir disso como ter certeza da realidade a nossa volta? Como saber se
não vivemos uma ilusão?
Descartes
concluiu que precisava provar primeiro a existência de Deus, que Ele garantiria
a realidade. Um vez que tinha um idéia de perfeição inclusa
em sua mente, que o faz acreditar num ser perfeito, essa idéia não
poderia ser criada por ele próprio, pois o imperfeito não cria
o perfeito. Portanto só poderia ser obra desse ser perfeito, que imprimira
essa idéia na substância pensante. E um ser perfeito não
poderia enganar o homem criando um mundo ilusório.
Pessoalmente
acho que Descartes, tendo como uma meta revolucionar o pensamento de sua época,
não poderia querer bater de frente contra a Igreja, e virar churrasco
tal como Giordano Bruno. Acho possível que talvez isso o tenha influenciado
ainda que subjetivamente a não criar um sistema contrário ao pensamento
religioso dominante. Genialmente ele conseguiu agradar a Igreja e ao mesmo tempo
revolucionar o pensamento, libertando a Ciência do domínio da Religião.
Heróico
de fato, mas discordo de um ponto crucial em seu pensamento. O de que possuímos
uma idéia de perfeição, de um ser perfeito. Podemos até
possuir uma Vontade de perfeição, de que exista um Deus, mas não
necessariamente essa idéia em nós remete de fato a perfeição.
Tanto que até hoje nenhuma das grandes religiões e mitologias
conseguiu imaginar um Deus totalmente isento de imperfeições humanas.
Mas chega
de Descartes e voltemos a mim. Como poderia então ter certeza da realidade
a minha volta?
Como posso
garantir se interajo com um mundo físico ou com um mundo onírico,
de sonhos? Como saber se vivo num mundo real ou ilusório? Como saber
se não estou na MATRIX? Se não há um gênio
maligno me iludindo?
Foi então,
que tive uma surpreendente constatação. NÃO IMPORTA!!!
É
isso mesmo! Não importa! Não faz diferença! Dá na
mesma!
Se caí
num buraco e me machuquei, que diferença faz se isso é real ou
ilusório se eu não consigo acordar dessa realidade ou dessa ilusão?
Mesmo que seja ilusão, continuarei sentindo dor, sangrando, e posso até
morrer!
Minhas
experiências sentimentais e de pensamento não são afetadas
pelo fato do mundo ser real ou não! Mesmo que eu esteja sonhando, continuo
vivendo com esses sonhos, aprendo com eles, eles me afetam. Mesmo que um dia
eu acorde, essas experiências sentimentais continuam válidas.
Mesmo que
eu hoje descubra que até ontem vivi num mundo de fantasia, saberei que
minha reações a esse mundo, num sentido de autoconhecimento, são
legítimas! Eu vivi! Eu sofri! Eu aprendi!
Se estou
jogando um jogo de Realidade Virtual e um robô tenta me acertar, faz diferença
que eu saiba que ele não é real? Eu vou querer escapar dele e
destruí-lo do mesmo jeito! A não ser que desista do jogo.
Portanto
que diferença faz eu achar que nesse momento tenho existência física
real ou não? Quero continuar vivendo, jogando o jogo da vida. Poderia
até desistir e me deixar morrer. Mas prefiro continuar vivo. Tenho VONTADE
de continuar aqui! E nesse sentido pouco me importa se vivo num mundo físico
totalmente de acordo com o materialismo ou se vivo numa ilusão mística
promovida por um Universo mental superconsciente que faz de uma ilusão,
o mundo.
Ilusão
ou não as coisas continuam caindo se eu as solto de uma determinada altura.
As leis físicas ainda são as mesmas. Se eu quiser é claro,
se eu tiver essa Vontade, posso simplesmente me deixar morrer e partir para
contemplar o desconhecido, ou partir para uma não existência. Nada
disso vai mudar o fato de que continuo agindo no mundo, que ele continua sendo
a minha realidade.
Real ou
não, esse é o meu mundo!
Mesmo Virtual,
ele existe!
Portanto,
admito então que o mundo é Real para todos os efeitos. De fato
não provei a existência física indiscutível da realidade,
mas simplesmente não faz diferença, a não ser que eu de
repente me tornasse capaz de violar as leis da natureza ao meu bel prazer, coisa
que só os místicos garantem ser possível. Talvez um dia
eu parta por esse caminho, mas até lá, para todos os efeitos...
...O Mundo
é REAL! Ele Existe!
Mas isso
me leva então a uma outra questão. O que faz o mundo? O que constrói
a realidade, ou o que cria a ilusão? Sei que não posso ser eu,
pelo menos jamais consegui fazer alguma coisa sumir ou se materializar só
com minha vontade. Existe algo que cria o mundo ao meu redor, e esse algo não
sou eu. Seria Deus?
Acredito
que a princípio, não necessariamente.
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