ZUMBIS à ESQUERDA |
| VAMPIROS à DIREITA |
Como fã de obras de ficção científica e fantasia, estive intrigado com a recente onda de obras sobre vampiros e zumbis, que sucederam obras que enfocavam bruxos. Sem conseguir achar alguma boa "leitura" para esse fenômeno atual, lancei a pergunta a alguns correspondentes, pretendendo explorar significados simbólicos. E eis que surgiram algumas observações ótimas sobre o assunto.
Marcelo Germano Alencar comentou: "Uma coisa interessante é q geralmente o foco das histórias de (...) vampiros, bruxos e anjos têm algo em comum q faz deles o foco da ação, do romance, etc, eles são minorias, vivendo uma vida secreta, escondida da maioria dos humanos, das pessoas normais. No caso dos zumbis é justamente o oposto. Eles geralmente são a maioria e são os humanos normais, ainda vivos, o foco de qq ação, romance ou dilema q possa atrair um público maior do q os fãs do gênero gore, ..." (Com adaptações.)
No que Luis Gustavo Neves observou:
"vampiros são a mitificação do medo do pobre em relação ao rico. Zumbis são o oposto. A classe média aumentou de tamanho no mundo (e encolheu rapidamente em 2008) o que provavelmente fomenta todo esse sucesso do gênero."
Ou seja, deve ser nesse sentido que alguém, em algum lugar, disse que estórias de zumbis são um tipo de "crítica" social, uma afirmação que vi sendo exaustivamente repetida mas nunca vi uma explicação. Na verdade, seria uma alegoria de uma revolução social.
Os vampiros seriam uma alegoria da nobreza, que "suga" a plebe. Tal como os setores dominantes da sociedade, são milenares, minoritários e em geral discretos, o que também pode remeter a idéia das sociedades secretas que alimentam teorias de conspiração. Caso similar ocorre em Harry Potter, onde mais ao final da saga, fica claro que são somente os setores mais progressistas do mundo bruxo, por meio do Ministério de Magia, que impedem que os "trouxas", os não bruxos, sejam escravizados por aqueles que tem poderes mágicos. (Aliás os poucos que tiveram a sensibilidade de examinar Harry Potter além de sua estrutura mais óbvia poderão notar, entre outras coisas, que as casas de Hogwarts são uma alegoria genial das divisões ideológicas atuais, o que leva algumas consequências na estória que, num paralelo óbvio com a Segunda Guerra mundial, pode gerar algumas leituras políticas bastante incômodas.)
Já os zumbis, evidentemente, seriam uma alegoria da revolução das massas, ou seja, quando o povo, em peso, se revolta e com sua maioria esmagadora parte para cima da elite sócio econômica (nesse sentido representada pelos sobreviventes humanos), sem nenhum tipo de elegância ou discrição. É exatamente por isso que o gênero de zumbis é essencialmente apocalíptico, refletindo o temor de uma ameaça revolucionária que destrua por completo a ordem social e termine não conseguindo estabelecer outra.
É curioso que o gênero humano seja deslocado em cada caso. Estórias de vampiros vistas pelo ângulo dos humanos, nesse caso, refletiriam a percepção sobre as elites dominantes parasitárias, situação onde os humanos são maioria. Estórias de zumbis, refletem a percepção sobre uma revolução popular onde os humanos terminam como minoria. Em ambos os casos, a desumanização do outro é óbvia, e só é atenuada em estórias de vampiros vistas pelo ângulo dos próprios vampiros, onde sempre há então personagens vampiros mais sensíveis, e que terminam assumindo uma postura heróica, muitas vezes contra sua própria classe em defesa dos humanos, ou ao menos selecionam suas vítimas entre o que há de pior na humanidade. Isso quando não abrem mão por completo da matar humanos, vivendo de sangue animal ou artificial.
Ainda mais interessante é o modo como um humano pode se tornar um zumbi ou um vampiro, aliás, a mais reveladora parte da analogia.
Para se tornar um vampiro, no caso, um nobre, o humano deve ser escolhido por outro nobre, vampiro. Sua entrada na elite é então uma concessão de um membro deste grupo minoritário, em geral selecionando algum tipo de virtude. De fato, durante muito tempo, o acesso de um plebeu à nobreza só era possível mediante uma concessão desta mesma nobreza. Mesmo que houvesse grande mérito no plebeu, isso, por si só, não garantiria sua aceitação pelos nobres. A alegoria dos vampiros representa não só isso, mas também o fato de que aquele que ascende a uma elite privilegiada termina por virar as costas ao seu gênero original, passando também a explorá-la.
No entanto, classicamente, os vampiros selecionavam seus parceiros de forma unilateral, mais uma vez representando o modo como as elites podiam dispor de seus servos. Somente nas obras mais recentes passou a surgir a questão da escolha, onde são pré selecionados para confirmar ou não sua entrada no mundo vampírico, ou mesmo podem requisitá-la. Lembrando que, no entanto, isso costuma envolver vampiros que já estão sendo retratados sob um ponto de vista humano, o que lhes confere virtudes.
Pelo lado dos zumbis a alegoria é ainda mais incisiva. Um humano jamais escolheria ser um zumbi, ele é simplesmente "mordido", podendo ser devorado e morrer definitivamente ou se tornar um novo zumbi, se juntando a crescente massa revolucionária. É assim que a revolta popular costuma ser vista pelo ponto de vista mais conservador. Isto é, uma doença que se espalha, um contágio memético onde idéias e discursos são retratados como um câncer, um vírus, em grande parte fortalecido pela própria fraqueza ou covardia das elites dominantes.
No plano ideológico, é a noção de que os ideais revolucionários são mais que perspectivas e visões de mundo que podem ser abraçadas, mas também impostas por uma crescente coletividade que mais e mais vai tornando-se hegemônica, até que a aceitação da ideologia deixa de ser uma livre opção. Assim, haja visto a crescente modernização de idéias e queda dos valores conservadores ocorridas nos últimos anos, bem como sua recente reação, com o surgimento de novos nacionalismos e governos alinhados à direita, passou inconscientemente à produção artística fazendo estourar o gênero zumbi na cultura popular.
Não por acaso o gênero vampiro é bem mais antigo, tendo surgido ainda na época de uma nobreza decadente, embora as grandes revoluções populares já estivessem em andamento mesmo que sem a rápida circulação global de idéias da atualidade. São um gênero clássico que tem na obra de Bram Stoker sua primeira grande literatura, mas que já era popular por meio de mitos e lendas bastante disseminados.
Por outro lado, o gênero zumbi encontrou grande repercussão somente após meados do século XX, por meio de cineastas como George A. Romero e Dan O'bannon.
VAMPIROS PÓS APOCALIPTICOS
Eu Sou A Lenda, de Richard Matheson, no caso a versão livro original que é totalmente diferente do filme com Will Smith, faz exatamente a fusão dos gêneros zumbi e vampiro, pegando as criaturas do último com a perspectiva apocalíptica do primeiro. E por isso mesmo coloca pela primeira vez não apenas a idéia de "fim do mundo", mas também do surgimento de uma nova ordem, totalmente diferente.
Isso ocorre porque os Zumbis, sendo criaturas irracionais, jamais poderiam estabelecer uma nova civilização organizada, como frequentemente supõem críticos das posturas mais revolucionárias, que jamais conseguiriam estabelecer uma nova ordem social satisfatória. Mas numa revolução de massas com vampiros, isto é, espalhando viroticamente uma qualidade diferenciada, poderia sim resultar numa nova ordem. Este tema é melhor analisado no texto
EU SOU A LENDA.
Outra abordagem interessante é a sugerida no filme Daybreakers, onde o vírus vampiro se alastrou por toda a população dando origem a um civilização unicamente de sugadores de sangue. Pela mesma analogia política, o resultado inevitável seria não haver como sustentar tal civilização por muito tempo, visto que a progressiva escassez de alimentação funciona como uma analogia para a impossibilidade de uma classe dominante viver sem a sustentação de uma classe trabalhadora.
Enfim, a idéia de uma revolução apocalíptica de vampiros, ao invés de zumbis, tem se tornando mais popular, embora o inverso, de uma sociedade dominada por zumbis, no sentido de uma dominação racional, é evidentemente infrutífera, pelo simples fato de que uma maioria jamais poderia dominar uma minoria mais esclarecida.
Tudo isso, porém, ainda pode sofrer novas revisões, novas e criativas idéias que os escritores de Ficção Científica e Fantástica, sempre na vanguarda das idéias mais ousadas, podem ser capazes de introduzir, prevendo, de um modo ou de outro, situações e correlações que só são alcançadas pelo pensamento filosófico tradicional muito posteriormente.
Marcus Valerio XR
10 de Março de 2011
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