A PÍLULA DOURADA

Como negar a realidade da discriminação racial no Brasil? Perguntou-me um etnocentrista. Está em toda parte. Nos altos cargos políticos, direções empresariais ou postos militares praticamente não há afro-brasileiros. O mito da democracia racial não sobrevive a um olhar mais atento, capaz de perceber que os afro-descendentes estão sistematicamente excluídos dos postos de poder.

Não que eu apoie o que vou dizer, mas como não consigo negar idéias, respondi ao etnocêntrico.

Eu tenho uma idéia! Um meio de acobertar a injustiça sócio-histórica de nossa sociedade. Simples! Se você tolera afro-brasileiros em alguns pontos de destaque, como arte e esporte, basta uma pequena concessão nos postos de poder para criar a ilusão de que nossa sociedade oferece chances iguais para todos.

Basta criar uma Elite Afro-descendente Representativa!

Primeiro façamos de conta que há uma descontinuidade inter-étnica em nosso país, ou seja, que há poucos mestiços, parecido com aquele país lá do Norte.

Daí, que tal começar por um Sistema de Cotas na Universidade? Ora, Universidades sempre foram elitizadas, é preciso ter meios para estudar, mas por sorte há uma pequena parcela da população afro-descendente nas classes mais favorecidas. Como eles tiveram acesso aos mesmos meios que outras descendências destas mesmas classes, reservar-lhes uma cota irá facilitar muito sua entrada na Universidade, de modo que, teoricamente, aumentaremos a quantidade de afro-brasileiros em posições de destaque na sociedade.

Mesmo com seu preconceito, é um preço baixo a pagar para nos livrar do estigma de nação etnicamente injusta. Esses poucos afro-descendentes já estão num contexto social mais privilegiado, de modo que pouco ou nada mudará para quem não suporta a idéia de ver pessoas historicamente ultrajadas passarem a ser devidamente consideradas como seres humanos.

Com o tempo, em tese, teremos um número bem maior de afro-brasileiros em cargos de poder e destaque, mas etnocentristas não precisam se desesperar, a imensa maioria da população afro-descendente continuará na pobreza! Estaremos privilegiando os poucos que já o são, pois quem é pobre, mesmo sendo branco, continuará sem meios econômicos e sem base educacional para frequentar uma Universidade.

Com isso ficaremos como aquele país do Norte. Lá eles possuem afro-descendentes em várias posições de poder, mas a maioria esmagadora continua na pobreza. Lá há afro-descendentes até na elite governamental e militar, o que é ótimo, pois assim ninguém poderá sequer dizer que dizimar populações miseráveis com armas de última geração é coisa só de brancos!

Lá existe uma notável representatividade negra que muitos acham que deu certo. Criando a ilusão de que os afro-descendentes possuem os mesmos direitos e oportunidades quando discretamente eles continuam sendo discriminados, perseguidos pelas autoridades e sendo enviados para as prisões em números espantosamente maiores do que as etnias brancas.

Portanto, etnocentristas, apoiem o Sistema de Cotas! Com ele nós jogaremos a responsabilidade pela reversão da injustiça sócio-histórica nos próprios afro-brasileiros. Lá naquele país do Norte os afro-descendentes continuam sendo vítimas de preconceitos. Muito mais do que aqui, inúmeras crianças brancas são ensinadas desde pequenas a temerem e odiarem a diferença, lá há cidades onde alguém de uma etnia não pode passar por um bairro que pertença a outra etnia, e verdadeiras guerras inter-étnicas ocorrem deixando mortos e feridos.

Mas há uma elite afro-descendente, com ela, disfarçamos a segregação, douramos a pílula, confiantes de que, mesmo com características sociais radicalmente diferentes, o que é bom para os E.U.A, é bom para o Brasil.

Marcus Valerio XR
15 de Julho de 2003

ENSAIOS

Racismo e
Etnocentrismo