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HERÓIS CAPITAIS
Sem querer entrar no mérito de quem esteja financiado a recente intifada 'anti-comunista / pró-capitalista' da Veja,
dá ate gosto ver o esforço no sentido de torcer a racionalidade a ponto equivalente ao dos escritores de quadrinhos de
super-heróis, que ilustraram a reportagem
"A LIGA DA SALVAÇAO DO CAPITALISMO.
A pergunta título:
QUEM VAI SALVAR O CAPITALISMO!?
Resposta, os 4 novos super-heróis do capital, a famosa equipe BRIC, composta por
Brasil, Rússia, Índia e China. Segundo a reportagem, esses emergentes
são as novas estrelas do capitalismo global, dando um show de desenvolvimento graças a, e aqui está a grande vedete,
Reformas Liberais!
Daí pra frente, o que se segue é o complementar inverso da propaganda anti-esquerda, a propaganda pró-direta liberal que
tem como mais formidável habilidade, cooptar para si todos os méritos de outras instâncias que for capaz de encontrar.
Como exemplo, os entusiastas do capitalismo adoram dizer que este é o responsável pelo avanço científico e tecnológico,
que por sua vez, é um responsável inconteste pela melhoria da qualidade de vida no mundo. O fato do desenvolvimento
científico e tecnológico ter se dado em diversos momentos históricos onde jamais se sonhou com o capitalismo, como na
Grécia Antiga, na Índia e China antigas, no Oriente Médio recém-Islã e etc, bem como ter se dado em países contemporâneos
em pleno regime 'comunista' como a U.R.S.S. ou a China, não parece incomodar esses propagandistas. Nem mesmo o fato da
revolução científica da renascença preceder a dita ascenção da Burguesia e a nova era capitalista, bem como ter sido este
último que deve ao primeiro seu desenvolvimento, em especial à máquina a vapor.
Gostam também, esses marketeiros neo-liberais, de dizer que nossas conquistas éticas, liberdade, redistribuição de renda,
justiça social etc, são resultados diretos do capitalismo. Como se igualdade, liberdade e fraternidade não tivessem
sido o lema da Revolução Francesa, a mãe de todas as revoluções, e do iluminismo, que em grande parte foi uma reação ao
estado de desigualdade social e concentração de riqueza que caracterizava o feudalismo e que tem com o capitalismo seu
ponto mais convergente, a concentração de capital, a alma do sistema.
Mas voltemos à tal reportagem e vejamos a que ponto chega a esquizofrenia de olhar diretamente para uma coisa e afirmar
estar vendo outra. Para salvar o capitalismo de uma iminente crise, elege-se como novos heróis capitalistas justamente
3 países fortemente envolvidos com a esquerda, e um que é nada menos do que o baluarte histórico de toda a civilização
e mãe de quase toda a cultura humana, há pelo menos 7 mil anos. Só falta dizer que tudo isso é obra do capitalismo também.
Rússia é ninguém menos do que a herdeira do legado da U.R.S.S., a maior potêcia socialista que já existiu. China é uma
potência socialista até hoje, que apenas aprendeu a não confundir ideal com burrice e sabe administrar sua economia.
Como a maioria das pessoas sequer diferencia 'Capital' de 'Dinheiro', qualquer crescimento econômico será considerado
capitalista mesmo que se dê sob rígido controle estatal e tenha sido estimulado pelo aumento de um mercado consumidor que
ocorreu graças a redistribuição de renda por meio da justiça social estatalmente implementada.
O Brasil tem tido um governo significativamente 'à esquerda' desde antes do governo Lula, apesar de, de fato, ter feito algumas
façanhas liberais que nem de longe são o problema, pelo contrário. Muitas das reformas liberais são de fato bem vindas.
A reportagem só se esqueceu que o 'sucesso' do plano
Real, coincidentemente ou não, desembocou na maior crise de desemprego das últimas décadas bem como numa recessão
econômica que só foi superada pelo governo Lula, aquele mesmo que a Veja insiste em exovalhar, entre outras coisas após
uma incômoda reforma na previdência e mantendo altas cargas tributárias tão detestadas pelos liberais, e que agora ainda
tentam derrubar a CPMF como se isso não fosse fazer falta ao próximo governo, que pode até ser deles.
Mas não é nada disso que merece atenção especial, mas sim a pergunta chave:
QUEM SALVARÁ O CAPITALISMO?!
Incrível a força de vontade do jornalista Giuliano Guandalini em resistir à inevitável pergunta embutida:
POR QUÊ O CAPITALISMO PRECISA SER SALVO?
Por que justamente a "Princesa do capitalismo global, a economia americana está namorando com o abismo. O mercado
imobiliário entrou em colapso, as instituições financeiras amargam fortes perdas e..." etc.
E por que afinal justamente esta vedete, que tem sido o baluarte do capitalismo há um século, está ameaçando o capitalismo
global e quem tem que vir salvá-lo são justamente países que não foram capitalistas durante muito tempo e em grande parte
continuam não sendo?!
A própria reportagem destaca como um dos poderes da Rússia a baixa desigualdade e alto nível de escolaridade, como se esses
não fossem conquistas diretas do período U.R.S.S. Destaca como poder do Brasil a estabilidade macroeconômica, obtida
pelo governo Lula, e a democracia consolidada, que só foi possível após o fortalecimento das linhas políticas esquerdistas,
porque se dependesse da direita, era ditadura militar até hoje!
No caso de China e Índia a situação é ainda mais hilária. Talvez a maior potência destes dois gigantes seja sua
gigantesca população que agora tem crescente poder de consumo, e que evidentemente, não tem outra opção a não ser
crescer, ou se auto-destruir. A auto destruição demográfica chinesa foi impedida pelo rígido controle estatal do
crescimento populacional, o que permitiu a melhora do nível de vida da população, e se tem algo que a história
recente deixou claro é que só regimes socialistas fortes fazem controle demográfico.
E a Índia, apesar de ser o exemplo
perfeito de que é possível aliar Capitalismo com pobreza extrema, tem sido, como sempre foi, um gigante científico
e tecnológico que em grande parte é responsável pelo desenvolvimento científico dos próprios EUA, visto a enorme quantidade
de gênios indianos que vão para lá. Como a própria revista coloca, a Índia resiste a abertura de capital privado, e
pode ser considerada muita coisa, mas não um exemplo de capitalismo em si.
Num cenário ideal, os apologetas do capitalismo teriam países que são exemplarmente capitalistas como os próprios EUA,
só que isso é nada menos que inexistente. NENHUM seguidor fiel do capitalismo está neste grupo, e nem perto dele,
até pelo contrário.
Mais da metade do sucesso desta liga salvadora pode muito bem ser o resultado direto do socialismo que imperou no passado
e ainda vigora em grande parte.
Mas isso não é problema para o discuro do capital, afinal, se está acostumado a comercializar tudo, não é difícil fazer o mesmo com
as conquistas civilizacionais sejam elas de que origem for. Seguramente, irão dizer que todo esse desenvolvimento que
levou o BRIC a ser o que é e puro e exclusivo mérito do capitalismo. Que as revoluções chinesas ao derrubar o
arcaico modelo imperial nada tem haver com isso, que o controle demográfico e economia estatal com câmbio controlado
nada tem haver com isso. Irão dizer que a diminuição da miséria e desenvolvimento educacional pela URSS
nada tem a ver com o sucesso da Rússia, mas sim o 'capitalismo mafioso' que a própria
revista aponta, esquecendo-se inclusive que os liberais estão em baixa no parlamento russo. Irão dizer que o estupendo
avanço tecnológico soviético responsável pelo primeiro homem no espaço em plena guerra fria nada tem haver com o poderoso
parque industrial que a Rússia ainda tem, ainda que um tanto ultrapassado.
Enfim, irão dizer que apesar de ter feito o melhor governo dos últimos 43 anos, o governo Lula nada
tem haver com o sucesso do Brasil, mas tão somente FHC e o tucanato, fazendo questão de esquecer o Serra. E por fim, irão
dizer que o sucesso tecnológico perene da Índia nada tem haver com a invenção do zero, mas sim com um insosso capitalismo
ou, quem sabe, com a colonização britânica.
Curiosamente, a própria reportagem termina citando um dos muitos acertos de Karl Marx, quando previu o desenvolvimento maior
do capital como uma força a empurrar a civilização até um estágio mais avançado, e que uma vez globalizado, abriria as
portas para o socialismo. Pena que o mesmo repórter não ficaria a vontade com um outro acerto dos marxistas muitíssimo
mais claro e incontestável, que é a resposta para a pergunta embutida:
POR QUÊ O CAPITALISMO PRECISA SER SALVO?
O capitalismo precisa de salvação porque é um sistema instável e auto-destrutivo, produz um círculo vicioso que num
momento gera crescimento, noutro recessão, de forma inevitável. Não há leitura histórico-econômica mais exaustivamente
confirmada em todos os tempos! O processo de acúmulo de capital mediante as movimentações financeiras, como eu
já disse de forma poética em DINHEIRO É TEMPO, é um movimento pendular que tende
a um ponto ao qual é impossível transcender sem uma ruptura do sistema, e então volta na forma de crise econômica.
Os EUA são o exemplo máximo disto, com suas recessões cíclicas decenais. Mas eles ainda podem se dar ao luxo de
sempre arranjar uma guerrinha para compensar o prejuízo. George War Bush que o diga.
Talvez isso só não seja mais óbvio pelo fato de que a maioria das pessoas continua ignorando a distinção entre
Dinheiro e Capital. Trabalhar, ganhar dinheiro, ser comerciante, ficar rico, NADA DISSO é capitalismo! Ou o mundo sempre
teria sido capitalista, pois isso tudo sempre existiu.
Dinheiro é o resultado da equação entre o trabalho humano através do tempo. Capital é principalmente uma produção virtual de dinheiro
através do tempo SEM trabalho! Baseado principalmente nos sistemas de juros e movimentações financeiras puramente abstratas
e que não produzem nenhum tipo de bem material ou serviço direto.
Por ser virtual, o capital pode se replicar espontaneamente, numa velocidade que o dinheiro puro e simples jamais
poderia, mas por isso mesmo ele acaba gerando uma tensão com seus correlatos materiais, resultando nas inevitáveis
crises, pois, entre outras coisas, seu nível de independência do mundo físico e social é tal que é possível haver
um acúmulo fabuloso de capital num país onde a maioria esmagadora da população vive na miséria, de uma forma muito mais
drástica do que jamais poderia o simples espólio das nobrezas antigas baseadas no acúmulo de metais que sempre podem
ser materialmente confiscados.
Nada disso torna o capitalismo um monstro. Não! Como já o disse Marx, o Capitalismo é um estágio inevitável e necessário
da evolução histórica. É estupidez imputar-lhe todos os males, e o fato de países atrasados adotarem reformas liberais
pode até ser comemorado desde que não descambem para o mero acúmulo de capital por si.
O atual dilema ideológico real, devidamente esclarecido, não é um conflito tolo entre dois blocos ideológicos monolíticos,
auto suficientes e terminais, mas tão somente entre aqueles que veem o capitalismo como um estágio histórico necessário
a ser transcendido, e aqueles que ainda vivem a ilusão de que é a conquista definitiva da civilização, num insano
Fim da História hegeliano.
Marcus Valerio XR
4 Dezembro de 2007
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