OS GUERREIROS DIGITAIS
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OS TIRANOS DE HIPO-CRITIAM

Recentemente me tornei um fã do seriado LOST, tendo alugado a Primeira Temporada numa locadora de vídeo, o que é legal, e depois em conjunto com minha família, tendo adquirido-a juntamente com a Segunda Temporada, em site legal de vendas pela internet. Esta última, no entanto, demorou algum tempo até estar disponível, de modo que tivemos que recorrer a um produto pirata, ilegal, enquanto aguardávamos a disponibilização do produto oficial.

Ansiosos pela Terceira Temporada, aguardaríamos pela exibição da mesma em TVs por assinatura, não fosse o fato de que embora já tenha estreado nos E.U.A., só será exibida no Brasil com nada menos do que 5 meses de atraso. A solução é obvia, recorrer aos downloads na internet.

Cadastrei-me também no excelente fórum LOST BRASIL, para participar de discussões sobre a série, e em especial fazer downloads de legendas com caprichadas traduções em português que os colaboradores do site produziam livremente e distribuíam gratuitamente.

Esse benefício, no entanto, durou pouco, pois o fórum foi notificado pela "Associação de Defesa da Propriedade Intelectual" (agora APCM) que a produção das legendas era crime previsto em lei, pondendo resultar em sanções como retirada do site do ar, e detenção de até um ano.

Inicialmente, o administrador do site reagiu com cordialidade, coerência e firmeza, consultando advogados, se informando de seus direitos e contestando a advertência com bons argumentos. No entanto, menos de 24 horas depois, se viu obrigado a assumir uma posição completamente diferente, expressa de uma forma que urge ser reproduzida.

Peço encarecidamente ao leitor que leia com atenção, especialmente as partes que grifei em vermelho. Isso é Muito Importante!

Um portal LostBrasil diferente e renovado

A partir de hoje, 01/11/2006, o LostBrasil volta a ser somente um fórum para comentários sobre a série Lost e outros assuntos, tais como Cinema, Esportes, Literatura, Outras séries, Música, etc...
A Equipe LostBrasil de legendas não irá mais traduzir as séries que vinha fazendo ou qualquer outra, pois estaria indo de encontro à Lei Brasileira de Direitos Autorais. Sempre estivemos do lado da Lei e agora não será diferente.
Tudo foi esclarecido junto à ADEPI (Associação de Defesa da Propriedade Intelectual) e a decisão final foi: o LostBrasil continuará online aberto para discussões sobre as séries e todos os outros assuntos relacionados a informações e cultura. Não teremos mais, todavia, a página para downloads de legendas e não iremos permitir links de divulgação destas.
Por favor, não abram tópicos e não comentem sobre essa decisão nos fóruns do LostBrasil. A decisão já está tomada e não voltaremos atrás. Nosso objetivo principal sempre foi o de divulgar o seriado, informando e ajudando os fãs de Lost. Nunca objetimos o prejuízo de qualquer pessoa ou a empresa detentoras de Direitos Autorais.

Peço a colaboração e a compreensão de todos.

Obrigado,

Daniel Melo (dellmelo)
Administrador LostBrasil.com

ADEPI escreveu:
COMUNICADO OFICIAL DA ADEPI

CONSIDERAÇÕES SOBRE LEGENDAS / TRADUÇÕES

A) A lei de Direitos Autorais (Lei 9.610/98) é clara ao dispor sobre tradução de obras.
“Art 7º São obras intelectuais protegidas as criações do espírito, expressas por qualquer meio ou fixadas em qualquer suporte, tangível ou intangível, conhecido ou que se invente no futuro, tais como:
...
VI - as obras audiovisuais, sonorizadas ou não, inclusive as cinematográficas;
XI - as adaptações, traduções e outras transformações de obras originais, apresentadas como criação intelectual nova;”
“Art 8º Não são objeto de proteção como direitos autorais de que trata esta Lei:
...
V - as informações de uso comum tais como calendários, agendas, cadastros ou legendas;”
“Art. 29. Depende de autorização prévia e expressa do autor a utilização da obra, por quaisquer modalidades, tais como:
....
IV - a tradução para qualquer idioma”

Conforme podemos observar, as obras audiovisuais e as traduções derivadas de obra original são protegidas cobertas pela lei. A legenda a que se refere a lei é espécie do gênero de informações de uso comum. Por exemplo, legendas que são colocadas em quadros que fazem referência referência ao pintor da tela.
A tradução necessita de prévia e expressa autorização do detentor dos direitos da obra, sem a qual fica caracterizada a violação de direitos autorais, que é crime, conforme capitulado no caput do artigo 184 do Código Penal Brasileiro.
“Art. 184. Violar direitos de autor e que lhe são conexos:
Pena – detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, ou multa.”

O que os sites que disponibilizam legendas fazem é a tradução da obra, inserindo essa tradução nos filmes e séries na forma de legendas, tradução que vimos acima é protegida pela lei de direitos autorais, sendo necessária autorização para traduzir séries e filmes. A tradução é uma obra derivada, explorando a obra original, para tanto deve existir licença do detentor dos direitos, não importando se existe finalidade de lucro ou não. A não existência dessa licença viola direitos de autor, que é crime.

B) Analisando por um outro prisma, a obra audiovisual deve ser encarada como uma moto ou um carro, uma vez que possui valor econômico e pertence a alguém. A única diferença é que o filme é um bem imaterial e um carro ou moto são bens materiais.
Aqueles que acreditam ter o direito de se apropriar sem autorização da obra audiovisual que tem valor econômico e pertence a alguém está admitindo que outra pessoa pode se apropriar de seu carro ou moto, que também têm valor econômico e também pertencem a alguém.

C) Finalmente esclarecemos que a ADEPI apóia sob todos aspectos os sites que os fãs criam sobre séries e filmes, o que não podemos tolerar é a existência de conteúdo que viola os direitos de nossas associadas nesses sites.

CONSIDERAÇÕES SOBRE LEGENDAS / TRADUÇÕES

Não irei contestar o conteúdo jurídico envolvido, o que pretendo aqui, e exercer meu DIREITO INALIENÁVEL e IRREPREENSÍVEL de LIVRE MANIFESTAÇÃO DE PENSAMENTO garantido pelo Artigo 5 Parágrafos IV e IX da Constituição Federal de 1988. Com o qual pretendo denunciar o vazio conceitual que sustenta alguns aspectos das leis de Propriedade Intelectual, e em especial expor objetivamente a dimensão da falta de conteúdo dos argumentos tipicamente usados contra a dita "Pirataria Digital".

Antes disso, me sinto no direito de supor que o único motivo que levou o administrador do portal em questão a se posicionar desta forma não foi o valor argumentativo do comunicado da ADEPI, muito menos os valores éticos envolvidos. Parece evidente que o cidadão foi diretamente ameaçado não só em sua consciência, mas em sua liberdade, tendo se resignado até mesmo do direito de protestar, e estendendo a todo o fórum a proibição de qualquer manifestação a respeito do mesmo.

Vale lembrar que no mesmo dia, ainda pela manhã, estava sendo coordenado no mesmo portal um movimento de protesto contra esta intimidação, na forma de uma ironia a respeito do ato de legendar os episódios, que chegou a receber um avatar e um slogan.

O título deste ensaio pode parecer excêntrico, mas expressa a minha impressão subjetiva de que não estamos vivendo uma situação de cunho meramente legal. Não se trata apenas de uma questão criminal ou jurídica. O problema parece muito mais grave, e talvez todos o compreendam melhor se passarem a pensar não em termos de uma contravenção social. Por que isso é muito mais.

É UMA GUERRA! Ou melhor, um processo de revolução tecnológica, social, jurídica e econômica completamente inevitável, onde linhas de pensamento revolucionárias e reacionárias se defrontam de modo análogo a todas as reviravoltas de mentalidade que compuseram a história da humanidade.

Àqueles que já conhecem meu texto PIRATAS DIGITAIS, já devem ter detectado o porquê de eu ter grifado outro trecho do texto da ADEPI. Trata-se de mais uma previsível repetição de uma das falácias clássicas deste tipo de movimento, que se baseia em anular arbitrariamente a colossal diferença substancial e conceitual entre um ente Material e um Imaterial, e depois fazer uma associação baseada numa insustentável diferenciação. Vejamos novamente:

B) Analisando por um outro prisma, a obra audiovisual deve ser encarada como uma moto ou um carro, uma vez que possui valor econômico e pertence a alguém. A única diferença é que o filme é um bem imaterial e um carro ou moto são bens materiais.
Aqueles que acreditam ter o direito de se apropriar sem autorização da obra audiovisual que tem valor econômico e pertence a alguém está admitindo que outra pessoa pode se apropriar de seu carro ou moto, que também têm valor econômico e também pertencem a alguém.

Ocorre porém, que essa ÚNICA diferença, é suficiente para tornar a afirmação subsequente do autor completamente absurda. Quando alguém se apropria de um carro ou moto alheio, ocorre que o dono original fica sem o seu bem, ou seja, se seu carro é roubado, não existe apenas o fato de que alguém se apropriou dele, mas principalmente o fato de que você o perdeu!

O mesmo evidentemente não pode acontecer com um bem imaterial. Você pode ter seu filme, música ou programa copiado e nem sequer se aperceber disso. Se isso é crime ou não é uma discussão, mas definitivamente NÃO É A MESMA COISA que ter um bem material roubado!

Certamente qualquer pessoa preferiria que seu carro fosse apenas "copiado" do que tê-lo roubado. No entanto, algumas pessoas, com intenções no mínimo duvidosas, vão ainda mais longe e fazem afirmações completamente descabidas. Como o seguinte senhor ao reiterar uma frase comum nas companhas contra pirataria.

"Essas pessoas não são nossos clientes, eles estão roubando música. O que eles fazem não é diferente de entrar numa loja e roubar um CD", disse em coletiva de imprensa o presidente-executivo da Federação Internacional da Indústria Fonográfica (IFPI, na sigla em inglês), John Kennedy, no hotel Copacabana Palace. Gravadoras processam 20 internautas por pirataria online no país.

Essa afirmação já não é simplesmente errônea, é completamente estúpida! Basta verificarmos o que está escrito mais adiante no mesmíssimo texto:

Em 2005, foram vendidos 55 milhões de CDs legítimos no país contra quase 75 milhões de CDs baixados ilegalmente... Gravadoras processam 20 internautas por pirataria online no país.

O que será que o senhor "John Kennedy" diria se, de repente, ao invés de terem sido baixados na internet, 75 MILHÕES DE CDs tivessem sido diretamente roubados das lojas?! Além dos que já são roubados, é claro. É mais que evidente que isso causaria um prejuízo muitíssimo maior, muito provavelmente levando diversas lojas à falência!

Se ele pelo menos tivesse dito que 75 milhões de CDs deixariam de ser comprados nas lojas, seria menos problemático, embora certamente duvidoso, mas a campanha contra a pirataria digital não está nem um pouco preocupada com a realidade dos fatos, e não tem outra opção a não ser criar uma fantasia para defender seus interesses.

Antes de seguir adiante, devo advertir que não estou aqui a fazer nenhuma apologia da pirataria em geral. Portanto, para esclarecer minha posição, já abordada no texto PIRATAS DIGITAIS, segue-se:

PRIMEIRO: estou me referindo EXCLUSIVAMENTE à PIRATARIA DIGITAL!

SEGUNDO: afirmo que Pirataria Digital é fundamentalmente doméstica, para uso pessoal e sem finalidade comercial ou lucrativa.

TERCEIRO: estou defendendo a tese de que Pirataria Digital, nesses termos, não deveria ser considerado crime. Pelo contrário, é o resultado inevitável de uma dádiva tecnológica com potencial para democratizar a informação, fornecer acesso às obras audiovisuais, ajudar a reduzir as desigualdades e alavancar o progresso cultural.

Pela primeira vez na história da humanidade, podemos reproduzir informação a um custo desprezível, e ao invés de tal potencial ser aproveitado em benefício de todos, grupos econômicos específicos totalmente obsoletos insistem em querer neutralizar toda a grande vantagem da nova tecnologia em prol de manter seus modelos de produção completamente desnecessários e nocivos à produção cultural.

O desespero de tais grupos econômicos chega a ponto de inverter não apenas o bom-senso, mas a própria essência da cultura, traçando um retrato completamente alienígena da existência humana.

A Pirataria é uma prática nociva que dará fim a cultura artística musical, literária, informática e científica se continuar grassando no ritmo acelerado de Hoje www.socinpro.org.br/servicos/servicos_pirataria.htm

Essa afirmação, se fosse honesta, só poderia ter saído da cabeça de alguém que ache que a produção cultural humana começou mais ou menos com a invenção de Gráfica de Gutemberg, e só deslanchou após o surgimento dos meios de gravação audiovisual.

Ocorre porém que a produção cultural é tão antiga quanto a própria humanidade. Os mitos, lendas e estórias remontam centenas de milhares de anos no passado, a escrita existe há mais de 6 mil anos. Surgiram livros, teatros, pinturas, cinema, TV, videogames, computadores e etc, e jamais nenhum tipo de produção anterior desapareceu. Apesar de toda a tecnologia digital, não apenas as TVs, filmes e livros continuam a existir, como continuam crescendo a cada dia.

A mente que produziu esta frase acima, deve pensar que se não existissem gravadoras e produtoras cinematográficas, a capacidade criativa humana seria extinta! Talvez jamais tenha acessado um Youtube ou qualquer outro site de compartilhamento livre de vídeos e músicas, e visto a quantidade incrível de obras que são feitas por produtores independentes e fornecidas completamente de graça para usufruto de todo o planeta!

Cada vez mais os recursos de produção se tornam sofisticados, e mais e mais pessoas podem em suas casas, em geral com softwares piratas, produzir obras que há bem pouco tempo só eram possíveis a grandes indústrias do entretenimento. Dessa forma, mesmo que essas grandes indústrias desaparecessem por completo da noite para o dia, rapidamente a produção independente, e em geral SEM FINS LUCRATIVOS, assumiria o papel de entreter a humanidade.

Por outro lado, sabemos que isso não irá acontecer tão cedo. Apesar de estarem sempre destacando os prejuízos sofridos, enquanto a pirataria digital cresce cada vez mais, as grandes indústrias de entretenimento jamais deram menor sinal de enfraquecimento. Cada vez mais e mais filmes, livros, videogames e tudo o mais são produzidos, com orçamentos e tiragens cada vez maiores, e com vendas, bilheterias e repercussão que batem recordes atrás de recordes.

A afirmação acima, portanto, é delirante não somente do ponto de vista histórico e cultural, mas também não tem a menor base em evidência ou estatística.

Essa total falta de evidência, porém, não impede que a campanha anti-pirataria continue fazendo afirmações completamente bizarras, como a seguinte, do site da APCM (extinta ADEPI):

A pirataria de obras audiovisuais no Brasil provoca prejuízo de US$ 130 milhões por ano. O País é considerado o quarto maior consumidor de produtos piratas do mundo, e a Associação de Defesa da Propriedade Intelectual (Adepi) vem denunciando os golpes dos piratas e cobrando providências das autoridades. Infelizmente (ou felizmente?), as associações anti-pirataria parecem não saber sequer dar a devida importância a estabilidade dos links. A ADEPI literalmente casou, mudou e não deixou o endereço, pois se juntou com a APDIF, num novo endereço de domínio, e não se deu ao trabalho de deixar redirecionador ou aviso em seu endereço antigo. Pior, ainda tirou conteúdos do ar, como esse acima, em definitivo. Há, porém, um texto similar em APCM divulga estatísticas de pirataria dos setores fonográfico e audiovisual

Infelizmente são poucas as pessoas que se perguntam como essa estimativa é feita, pois não demorariam a perceber que não existe nenhum meio objetivo de se chegar a esse número. A não ser que exista um meio de se visualizar realidades alternativas em universos paralelos, a única forma de obter esses números e estimar o quanto de pirataria ocorre, ou o quanto de cópias ilegais são apreendidas, e supor que, caso a pirataria não existisse, todo, ou ao menos parte deste volume seria convertido em vendas pela indústrias de audiovisuais.

Em outras palavras, o indivíduo acha que um assalariado que gasta R$5,00 num CD pirata, gastaria R$35,00 num original se não tivesse acesso ao pirata. Ou que as pessoas que baixam gratuitamente o equivalente a 75 milhões de CDs na internet, teriam comprado 75 milhões de CDs caso não tivessem acesso a internet.

É certo que muitas pessoas deixam de comprar filmes e músicas quando passam a poder obtê-las de graça. Mas mesmo que continuassem comprando, jamais seriam capazes de fazê-lo na mesma quantidade com que conseguem baixá-las na internet, ou que conseguem copiá-las em casa ou para os seus HDs pegando emprestado de um amigo.

Além disso, a internet facilitou muito a oportunidade de conhecer produtos novos, e muitas pessoas após descobrirem coisas que jamais tinham tido conhecimento, acabam adquirindo-as legalmente. Muitas pessoas, após muitos downloads gratuitos de músicas e filmes, decidem então comprar os originais, bem como só passam a ir a shows de certos artistas porque os conheceram gratuitamente.

É certo porém, que deve haver uma correlação entre o montante da pirataria envolvida e a quantidade de vendas legais que deixam de ocorrer. No entanto, como é possível quantificar essa relação? Exatamente quanto de cópias e downloads ilegais seria de fato convertido em vendas legais caso a pirataria não existisse? É evidente que qualquer estimativa nesse sentido será altamente incerta, e no entanto, estamos sempre a ver a campanha anti-pirataria fornecer números bastante precisos, embora sempre diferentes. Considerando que jamais é explicado como esses valores são obtidos, fica difícil não pensar que se trata de mais uma estimativa sem qualquer objetividade.

Os mesmos critérios obscuros são usados para afirmar perdas de arrecadação de impostos e geração de desemprego. Esta última provavelmente baseada na suposição de que algumas empresas relacionadas a mídia digital tem experimentado prejuízos advindos da pirataria e em consequência sendo obrigadas a demitir funcionários ou fechar suas portas.

Evidentemente, tal correlação é apenas conveniente para a campanha contra pirataria, nunca clara. Temos enfrentado diversas ondas de desemprego em todo o mundo, muitas advindas do avanço tecnológico, e é muito difícil saber de onde exatamente vem o problema. O fato da pirataria existir, e haver casos de empresas de mídia digital em crise, é no máximo uma feliz coincidência para os apologetas das indústrias fonográficas e audiovisuais. Mas sem dados precisos, é impossível estabelecer o quanto a pirataria realmente causa de desemprego.

Bem mais fácil é saber o quanto a pirataria causou de qualificação para obtenção de empregos, na área de software. Considerando que a MAIORIA ESMAGADORA dos softwares utilitários como Word, Excel, Corel Draw, Photoshop, 3D Studio, Poser, After Effects e etc, chegou às mãos dos usuários particulares por meio de pirataria, e considerando que estes usuários aprenderam a trabalhar nestes programas, é inevitável concluir que sem pirataria, jamais teríamos o mesmo montante de pessoas qualificadas a trabalhar profissionalmente com esses programas.

Da mesma forma, sem pirataria, a indústria da informática jamais teria chegado ao nível de disseminação que se tem hoje. Deve ser muito difícil encontrar alguém que jamais tenha usado um programa pirata, e é certo que provavelmente a maioria dos usuários nem sequer iria adquirir um computador se não pudesse obter softwares ilegais, a começar pelo próprio sistema operacional. Na realidade algumas pesquisas apontam que somente a pirataria impede que o Windows seja superado pelo Linux em quantidade de usuários. Estudo polêmico diz que pirataria de software favorece Windows

O mesmo acontece com os videogames. Se não houvesse a enorme disponibilidade de jogos piratas, não há dúvida que as vendas dos consoles de videogame despencariam, pois assim como no caso dos computadores, uma coisa e ser capaz de desembolsar R$ 1.000 e levar algumas dezenas de jogos quase de graça, outra seria, além dos mil, ter que desembolsar tanto ou mais para levar uns poucos jogos.

Tudo isso torna ainda mais impossível saber o quanto a pirataria realmente prejudica as indústrias de mídias digitais. É bem possível que o que ela tira por um lado, devolve por outro, e não é a toa que tais indústrias só vem crescendo!

Sendo impossível qualquer demonstração objetiva de quanto a pirataria digital causa de prejuízo, a campanha anti-pirataria tem uma missão muito difícil pela frente, tendo que construir Falácias do Espantalho altamente anti intuitivas e que violam qualquer tipo de bom senso. Vejamos por exemplo, o sequinte texto sobre as "Propostas da ADEPI para o Governo" (mais um link perdido):, que além de tipificar a pirataria como crime organizado, acrescenta:

Desenvolver campanhas educativas e emprestar apoio institucional a campanhas realizadas pela iniciativa privada, que visem os seguintes objetivos:
1. O cidadão deve deixar de ver o pirata como "amigo".
2. Deve deixar de entender a pirataria como uma "conveniência".
3. Deve entender a pirataria como uma organização criminal, ligada a outras formas de crime organizado.
4. E que o dinheiro que ele coloca na pirataria voltar-se-á contra ele, na forma de roubo de carga, tráfico de entorpecentes etc.

Uma falácia de espantalho, ou de homem de palha, consiste em denegrir a imagem de uma determinada pessoa ou grupo, distorcendo a realidade dos fatos, para torná-la pior do que realmente é. Assim, a campanha anti-pirataria tenta associar os piratas à formas muito mais graves de crime, como tráfico de drogas, terrorismo, roubos e etc.

Em suma, eles têm a árdua missão de convencer a opinião pública de que qualquer pessoa que baixe músicas na internet, copie softwares, ou venda CDs piratas é tão perigoso quanto Marcola ou Osama Bin-Laden. Em alguns casos, tem-se noticiado na mídia que até ocorre de determinados grupos teriam migrado de práticas criminosas mais perigosas, como tráfico de drogas, para a pirataria digital, que ainda que seja uma contravenção, envolve riscos e penas bem menores. Talvez seja apenas uma completa paranóia que impeça que se veja que alguém deixar de vender drogas ou assaltar bancos para vender CDs piratas, deveria ser um motivo de comemoração.

O próximo passo, não me surpreenderia, seria afirmar que pirataria digital é porta de entrada para o tráfico de entorpecentes ou o terrorismo.

No entanto, é mais que evidente que pirataria digital em nada se relaciona com qualquer outra forma de crime organizado. Nada há em comum fazer downloads ou copiar CDs e traficar drogas. É necessário muita lavagem cerebral para alguém deixar de concordar com isso!

O tráfico de entorpecentes exige uma rede ampla de produção primária, como a plantação que em si já é ilegal na maioria dos países, obrigando a alguns casos haver uma fonte de matéria prima em outro país, como as plantações de papoula no Afeganistão, ou de folha de coca na Colômbia. Exige redes de transporte aéreo clandestinos que desafiam as selvas e a aviação militar de diversos países. Precisa de laboratórios de refinanento, espalhados em vários pontos e uma ampla rede de transportes que implica em corromper diversas autoridades jurídicas e policiais. Sem falar de armamentos pesados e um forte exército necessário para enfrentar gangues rivais e criar pequenos feudos, como em bairros pobres de São Paulo ou Rio.

Roubos de carga também não ficam muito atrás. É preciso criminosos armados se arriscando e pondo a vida dos outros em risco em ousadas ações que podem resultar em tiroteios. Alguns precisam de recursos de arrombamento e de violação de sistemas de segurança e senhas.

Sinceramente, como alguém pode ser capaz de afirmar que pirataria de audiovisuais tenha alguma coisa haver com isso!? O pirata digital não precisa plantar sua matéria prima, ela está disponível em todas as lojas na forma das mídias originais a serem copiadas, e das mídias graváveis que são todas legais. Aprender a violar os sistemas de proteção contra cópia não exigem de ninguém mais do que uma hora de acesso à internet. Copiar tudo em casa é fácil e rápido, bem como imprimir imitações de capas, ou mesmo fotocopiá-las. Qualquer pessoa que nunca tenha se aventurado na área, pode se tornar um pirata da noite para o dia, gastando poucas horas para produzir algumas dezenas de cópias com equipamentos caseiros comuns e totalmente legais.

Não há a menor necessidade de uma ampla rede criminal organizada. É sim um crime que ocorre em células isoladas, que no máximo se beneficia de algumas novidades surgidas por outras células, como novos métodos de cópia, e que podem ser livremente compartilhadas na internet sem que os membros destas células jamais nem se conheçam. E o mais importante, não há necessidade alguma de arriscar a vida de ninguém. Armas de fogo e grupos de assalto são coisas completamente estranhas aos piratas digitais. Não há violência física envolvida em nível algum.

Querer tipificar a pirataria como algo relacionável ao crime organizado é de uma hipocrisia inacreditável! Mesmo assim, alguns órgãos até mesmo se arriscam a filosofar em favor de tão irracional idéia.

* Eu tenho valores morais elevados?
* Eu evito praticar coisas ilegais?
* Eu respeito os direitos das outras pessoas?
Se você respondeu SIM a todas as perguntas acima, parabéns! Você é um cidadão honesto e não deve estar cometendo pirataria. Pirataria - Uma questão de consciência

O autor do texto parece não saber que "valores morais", ou éticos, não implicam diretamente em coisas legais. O que é ético ou moral é objeto de discussão, mas é sabido que sua relação com o que é legal está longe de ser direta na grande maioria dos casos.

Durante muito tempo e em muitos lugares a escravidão, o esquartejamento em praça pública e o direito do marido sobre a vida da mulher foi perfeitamente legal. Era moral? Durante muito tempo em muitos lugares o voto feminino, a alfabetização de afro-descendentes ou o livre exercício de crença religiosa eram ilegais. Eram imorais?

Alguns preceitos morais certamente coincidem com preceitos legais na maior parte dos casos, como a restrição ao assassinato ou ao roubo, mas já vimos que considerar pirataria, que é reprodução não autorizada, como simples roubo é nada menos do que hipócrita. Em muitos locais do mundo, até hoje, pirataria é legal, e no Brasil até pouco tempo atrás ainda era.

Mas o item mais interessante é o terceiro, sobre os direitos de outras pessoas. E é aqui que entra a mais terrível de todas as MENTIRAS das campanha contra a pirataria digital, que afirma que os autores das obras estão sendo prejudicados pela pirataria. Acontece que:

A Pirataria Digital NÃO afeta a MAIORIA esmagadora dos autores das obras pirateadas!!!

Os direitos de "outras pessoas" em questão, NADA tem haver com o direito dos autores das obras, e sim o direito das grandes empresas em explorar o trabalho alheio em benefício próprio!

Essencialmente, ninguém pode discordar que é o autor de uma obra que deve receber o crédito pela mesma. Em consequência, merece todo mérito pelo benefício que esta obra pode causar, e na realidade é tão somente o fã de uma obra que é capaz de reverter esse mérito. Acontece, porém, que a estrutura industrial de produção de obras audiovisuais, NA MAIORIA DOS CASOS, JÁ USURPOU há muito tempo esse mérito para si próprias! Porque elas se apropriam dos Direitos Autorais!

Não são os artistas que movem ações contra a pirataria digital, mas sim as indústrias do entretenimento, em especial as gravadoras, que tendo USURPADO dos artistas seus direitos autorais, agora vem lutar contra aquele que são nada menos que a razão de ser da arte e da cultura. O público alvo!

Faça uma busca na internet sobre Contratos de Concessão de Direitos Autorais, e tenha uma incrível surpresa. São contratos onde o autor transfere para outrem, todo o direito de exploração de sua obra, com exclusividade, a ponto de ficar, em geral, completamente privado de explorar comercialmente a mesma, pois embora haja cláusulas de proteção ao autor, existem mil e um meios das gravadoras contorná-las assumindo totalmente para si o direito de exploração da obra.

Um particularmente interessante é Direitos autorais na Internet, que versa sobre a Lei 9610 de 19 de fevereiro de 1998, que pode ser vista Aqui.

Qualquer artista que se lance numa gravadora, não tem outra opção a não ser assinar tal acordo, e com isso as indústrias fonográficas se apropriam de seus direitos sem nenhuma obrigação de retorno financeiro direto, a não ser a divulgação da obra. Há não muito tempo, nosso ministro da cultura, o grande Gilberto Gil, afinado com os novos tempos, liberou toda a sua obra na internet. Mas não foi fácil. Ele teve que entrar na justiça para conseguir resgatar de volta seus direitos sobre suas próprias músicas, pois elas pertenciam às gravadoras, e evidentemente elas jamais as liberariam. Veja mais detalhes em Gilberto Gil, o defensor das novas tecnologias.

E aqui, mais alguns links interessantes sobre o assunto:
Indústria pensa em punir quem baixa MP3 no Brasil, expõe as miséria moral das indústrias fonográficas.
Creative Commons é a reação adequada ao inevitável do avanço tecnológico.
Direitos Autorais, sob nova gestão. Nem eu sabia que Hollywood já processou a Sony por ter inventado o videocassete!
Pirataria. Um artigo de alto nível, fazendo abordagem histórica e jurídica da pirataria na mídia, e esclarecendo o tema de um ponto de vista amplo e lúcido.
Os direitos de propriedade intelectual Examina a questão num plano mais amplo, expondo o quanto a superlação da propriedade intelectual se opõe ao progresso, a redução da desigualdade, e conduz a situações inaceitáveis.
Pirataria: o que precisa ser dito Mais uma que eu não sabia! O autor, apesar de criticar a pirataria, também aponta os crimes da indústria fonográfica, o modo como roubam os artistas e em nada contribuem para a realização de shows. (Acrescentado em 28/07/08)

A campanha contra a pirataria digital não é simplesmente equivocada, ela é hipócrita, desonesta e estúpida, ela se volta contra ninguém menos que seus próprios consumidores, e parece achar que fazendo-o de modo cada vez mais violento, conseguirá algum sucesso.

No que se refere as obras cinematográficas e televisas, bem como os videogames e softwares, o nível de perversão não chega a ser tão grave quanto o relativo ao da indústria fonográfica, principalmente porque, de fato a produção de filmes, seriados e jogos ainda é suficientemente complexa para exigir um indústria de entretenimento mais forte. Diferente das gravadoras de música que, hoje em dia, são totalmente obsoletas.

Mas ainda assim, os preceitos desta cruzada anti tecnológica não são muito diferentes. Todos têm como base uma resistência inconsequente e injustificada contra a tecnologia. Ao invés de investir mais na produção de hardware, em eventos ou exploração secundária de produtos, decidem se apegar ao bem imaterial criando leis para obrigar pessoas tratar o virtual como se fosse o real. Ou seja, esforço incrível para destruir a grande e maior vantagem da tecnologia.

Tudo se baseia também num modelo de produção antigo que tem cada vez menos lugar na sociedade. Os meios digitais e a tecnologia em geral avançam a ponto de tornar a produção cultural cada vez mais acessível, e em breve as grandes produtoras de mídia e Hollywood terão, ou teriam, que concorrer diretamente com milhares de novas produtoras independentes que surgirão em toda parte, com recursos não muito menos sofisticados. Digo teriam, porque ao invés de aceitar essa livre concorrência, as grandes produtoras estão mais preocupadas em distorcer as leis para sufocar essa revolução cultural, monopolizando a mídia e aplicando as mais diversas formas de truste, dumping e toda a demais miríade de jogos econômicos sujos.

Comecei este texto me referindo a LOST e a questão da proibição da legendagem, e talvez em nenhuma outra situação eu tenha visto tamanha miséria mental por parte dos seres humanos que estão envolvidos nesta campanha insensata e inútil.

Que a lei tenha se curvado a essa hipocrisia, é algo que não irei comentar aqui, afinal vem fazendo assim ao menos desde a Revolução Francesa, até chegar ao ponto de transformar o livre poder criativo humano numa fonte de renda exclusiva de certos grupos econômicos. Mas podemos ver que o fundamento por trás disso facilmente descamba para o absurdo, e suas consequências são, em última instância, insanas e suicidas.

Uma "redução ao absurdo", é um recurso comum em lógica ou em retórica para mostrar que sustentar uma determinada tese tem resultados inaceitáveis. As vezes isso pode ser feito de modo falacioso, num exagero que costuma ser chamado de "Declive Escorregadio", como no caso da pobre criatura que afirmou que a pirataria levaria ao fim da produção cultural humana, onde é fácil mostrar que o absurdo está bem longe de onde pretendia o autor.

A força e legitimidade de uma idéia estará em sua capacidade de resistir a consequências absurdas. Por exemplo, a proibição do roubo é legítima porque, sem ela, descambaríamos para a uma barbárie, com uma civilização onde os mais fortes fisicamente estariam sempre em vantagem, gerando, como disse Hobbes, um infeliz estado de todos contra todos.

Mas vejamos a consequência desta infame proibição de legendar uma obra. Ora, uma legenda é no caso uma tradução, é uma tradução é sempre, em algum nível inevitável para o entendimento de uma obra. Se eu, falante natural de língua portuguesa assisto a um filme em inglês, estou de algum modo "traduzindo-o" mentalmente. E é evidente que isto não pode ser considerado crime.

Minhas filhas não dominam a língua inglesa, mas eu posso então, traduzir as falas para elas, se não em tempo real, ao menos em blocos sequenciais, isso pode ser considerado crime? Nem mesmo se eu decidisse escrever a tradução, pois não posso ser preso por colocar no papel a tradução de uma frase dita num filme, posso? Da mesa forma, eu não poderia ser preso na rua por ter pronunciado a frase "olá todo mundo" por estar realizando uma tradução não autorizada de um trecho da série LOST. Como a Lei 9.610 não especifica se a tradução em questão é total ou parcial, deveria ser possível processar alguém por ter traduzido para qualquer outra pessoa um simples trecho de obra em língua estrangeira. No entanto, é evidente que isso é absurdo do ponto de vista jurídico, o que é exatamente o resultado final desta lei.

Absurdos como esse não são novidade, ninguém jamais entendeu claramente o que significa aquela "reprodução pública" proibida que é onipresente em qualquer gravação desde os velhos discos de vinil. Na realidade, literalmente, todas as boates são criminosas, pois reproduzem publicamente músicas sem autorização. Da mesma forma, ninguém deveria poder executar uma música em volume alto num carro, ou mesmo em casa. E prestando atenção na advertência antes do início de um filme em qualquer DVD, ficamos sempre com a sensação de que não entendemos direito.

Mas o da tradução é mais interessante, pois a própria ADEPI informou:

C) Finalmente esclarecemos que a ADEPI apóia sob todos aspectos os sites que os fãs criam sobre séries e filmes, o que não podemos tolerar é a existência de conteúdo que viola os direitos de nossas associadas nesses sites.

Ora senhoras e senhores! Será que o autor desta frase realmente acha que é possível, em pleno século XXI, que um site sobre filmes ou séries estrangeiras seja possível sem que haja tradução?!?! Ele espera que as pessoas discutam sobre a série, sem sequer ter o direito de entender do que se trata?! Ou espera que em plena era da globalização com pessoas se comunicando em todo o mundo em tempo real, o fã brasileiro irá se resignar a esperar 5 meses antes de poder tocar em tópicos que os fãs norte americanos já estão enjoados de discutir?

A partir de que ponto é possível estabelecer quando que uma tradução é crime? E até que ponto não é? Se cada pessoa traduzisse uma frase, e publicasse no fórum de discussão, deveria ser processada também? O resultado final seria a tradução de toda a obra! E por fim, que espécie de mecanismo legal poderia me impedir de traduzir um episódio para minhas filhas, até criando uma legenda? Não tenho o direito de fazê-lo em minha própria casa? E se tenho, não posso repassá-la para amigos? E em última instância, se não tenho fins comerciais, porque afinal não posso distribuí-la livremente?!

É conceitualmente impossível proibir qualquer nível de ato destes sem afetar diretamente os outros. É por causa disto que muitas leis são sistematicamente ignoradas. Literalmente, gravar discos em fita K7 sempre foi proibido, gravar filmes na TV também! Alguém já foi preso por isso?! NÃO! Porque a lei é ABSURDA! É impossível de ser aplicada.

O absurdo só pode ser evitado num limiar muito claro, como no caso da exploração comercial. Se a pessoa vendesse a legenda, ou a fita gravada, seria mais fácil enquadrá-la na categoria criminal, e mais intuitivo. No entanto, mesmo isso tem problemas conceituais, pois a princípio todo e qualquer trabalho humano pode ser remunerado. Se alguém se dá ao trabalho de copiar um CD, não protegido por exemplo, pode muito bem cobrar pelo serviço, é isso definitivamente não é ilegal. Assim, como saber quando alguém está apenas cobrando pelo serviço de cópia, ou de fato está explorando comercialmente uma obra? O fato dos piratas que vendem mídias nas ruas cobrarem o mesmo preço independente do conteúdo da obra sugere que o que está sendo cobrado é o trabalho de copiagem. Portanto, não seria exatamente por estar vendendo, mas por estar copiando, especificamente. E assim, a diferença entre a pirataria doméstica e a comercial fica nublada.

Na realidade, é proibida também qualquer reprodução pública de uma obra audiovisual. Os núcleos de cinema e vídeo por aí, não importando se para fins educativos, são TODOS CRIMINOSOS! Mas se eu posso assistir a um filme que comprei legalmente, porque não posso convidar os amigos para fazê-lo? E porque não posso fazê-lo num local público? E a partir de que ponto ela passará a chamar a atenção das autoridades? Com 20, 50, 100, mil pessoas?!

E as lojas que deixam seus vídeos ligados nas vitrines? Não raro passam filmes inteiros em local público! Mas isso é proibido! Cantar uma música, protegida, ao vivo num local público é Proibido! Centenas de atos comuns, que fazemos todos os dias, são proibidos por lei! Os professores que traduzem músicas para ensinar idiomas para seus alunos são criminosos! Basta ler as advertências!

Uma simples leitura na LEI Nº 9.610/98 vai mostrar uma série de coisas que são sistematicamente feitas todos os dias, por todo o mundo, e nunca ninguém foi sequer chamado a atenção por isso, e no entanto estão lá, PROIBIDAS por lei! Por que isso acontece? Porque boa parte daquelas cláusulas NÃO FAZ SENTIDO ALGUM!

Proibir um site de distribuir traduções mostra como o legal e o moral podem ser dissociados, tal como proibir o aborto de um anencéfalo. Este último caso ainda conta com a desculpa de ser uma lei ultrapassada que não se atualizou, mas e a Lei 9.610 de 1998!?!! E é se voltar não apenas contra a tecnologia, mas contra o espírito humano, a liberdade de comunicação entre as culturas, a capacidade de falar outro idioma e compartilhar nosso conhecimento com outras pessoas.

Além de ser conceitualmente absurda, e de impossível aplicação final, pois duvido que alguém possa ser um dia condenado em última instância por isso, o resultado final destas leis será o exato contrário do que pretende. Se isso pretende mesmo proteger as indústrias do entretenimento, a única coisa que farão é prejudicá-la cada vez mais.

Ora, até hoje a pirataria não foi capaz de afetar significativamente as grandes mídias. Que uma ou outra locadora de vídeo, ou produtora, ou um ou outro selo fonográfico tenha falido, isso não seria novidade mesmo porque pode acontecer por diversos outros motivos. Mas A Indústria de Entretenimento em si, vai muito bem! Obrigado.

Mas se, agora, alguém deixa de comprar um CD ou DVD original apenas pela comodidade de baixar um na internet, ou pelo menor preço da versão pirata, o faz visando apenas um pequena vantagem pessoal. A princípio, ele não tem nada contra as indústrias do entretenimento. Mas... E se ele for processado por essas mesmas indústrias?! Será que ele irá, a partir de então, comprar CDs e DVDs bonitinho?!

Se antes ele era apenas um não-cliente, ou um cliente irregular, agora ela passará a ser um inimigo! Alguém que não só nunca mais irá gastar um centavo com produtos originais, como fará com que diversas outras pessoas, seus amigos e familiares, também nunca mais gastem!

Quanto mais pessoas forem processadas pelas indústrias, mais e mais elas perderão clientes, e mais e mais ganharão inimigos. E se antes os piratas eram chamados de criminosos e recebiam pouco incentivo, passarão mais e mais a ser vistos como heróis e receber mais e mais apoio não só moral, mas material, por diversos meios que jamais poderão ser detectados.

Muitas pessoas poderão passar a comprar mídias piratas na rua só de raiva! E quando a opinião pública começar a perceber em larga escala que tem nas grandes indústrias de mídia uma inimiga, o resultado final será um estado de hostilidade franca que certamente prejudicará essas indústrias de um modo muito mais sério do que a pirataria em si jamais seria capaz.

Se ao menos vivêssemos num país de alto poder aquisitivo geral, como os países escandinavos ou o Japão, seria até possível erradicar a pirataria pelo simples fato de que poucos precisariam dela. Mas num país com uma das maiores desigualdades sociais do mundo, isso é não apenas inútil, é contraproducente e nocivo.

As vendas das indústrias não vão aumentar. A pessoa de baixo poder aquisitivo não vai passar a comprar caríssimas mídias originais se os camelôs forem banidos das ruas, e muitíssimo menos se for processada, ou tiver amigos processados ou simplesmente ameaçados. As pessoas de classe média, que têm acesso à internet, se foram ameaçadas ou pressionadas, se sentirão ainda mais estimuladas a se vingar da campanha anti-pirataria, por meio de práticas impossíveis de serem rastreadas. É completamente impossível impedir um usuário razoavelmente esperto de copiar um CD de áudio em seu computador, eles só não copiam mais porque não sentem necessidade, mas imagine quantas pessoas não irão produzir mais e mais cópias para distribuir aos amigos em seus pen-drives, ou passando-os por e-mail.

Já as pessoas de alto poder aquisitivo, que nunca precisaram de pirataria mesmo, evidentemente não serão condenadas por poderem pagar advogados que, com um mínimo de competência, demolirão os argumentos da acusação e liberarão seu cliente. E aí então a anti pirataria, ganhará um inimigo rico.

Por fim, ainda mais lamentável é a oportunidade perdida. O site Lost Brasil, como muitos outros, é um grande incentivo ao consumo da série. Há links para venda das mídias originais como também há no meu site, pois afinal, muitos consumidores, mesmo podendo comprar uma cópia pirata mais barata, ainda preferem comprar a original, de livre e espontânea vontade. Como eu disse em PIRATAS DIGITAIS, existe um público fiel que deveria ser visto como extremamente precioso para a indústria do entretenimento, mas que, curiosamente, tem sido mais e mais desrespeitado.

Não se trata apenas de, tendo comprado uma caixa de DVDs originais no valor de R$150,00, ainda ter que aguentar trailers daqueles que você não pode pular! Mas sim do fato de que muitos destes consumidores estão lá, nos sites de fãs, e só mesmo uma mente muito estúpida é capaz de conceber uma separação maniqueísta entre os compradores originais e os compradores de produtos piratas. A grande maioria faz os dois ao mesmo tempo. A proibição de baixar legendas afetou diretamente esses consumidores de produtos originais, e muitos podem, a partir de agora, se sentir menos dispostos a gastar seu salário ao invés de simplesmente puxar todos os episódios da web. Outros até mesmo manifestaram sua indignação por meio de pré-disposição de cancelar suas TVs por assinatura, afinal, o fã de LOST teria que esperar quase 6 meses para ver os mesmíssimos episódios que estão disponíveis agora na internet, com legenda em português inclusive.

As distribuidoras oficiais poderiam até ganhar dinheiro com isso, por meio de anúncios, ou mesmo cobrando a legendagem a preços módicos, ainda que a legendagem dos fãs seja bem melhor que a das distribuidoras. Muitos pagariam de bom grado. Enfim, há muitos meios de lidar com essa situação de forma produtiva e amigável, mas não! Preferem hostilizar os consumidores por meio de ações espúrias como essa. Isto é, supondo que tais atitudes tenham mesmo apoio das grandes distribuidoras, o que o seguinte texto, não sei se muito confiável, afirma que não. Distribuidores declaram que não é crime baixar seriados da internet. Neste último caso, a atitude da ADEPI se torna ainda mais incompreensível, por mais que esteja correta do ponto de vista legal, não haveria como ativar um processo viável contra quem distribua as legendas.

Por fim, ainda mais impressionante que a tolice ou absurdidade dessa medida, talvez seja sua absoluta ineficiência. Qualquer um que se dirija ao GOOGLE e digite "legendas", vai ter uma grata surpresa. Dezenas de sites nacionais disponibilizando as MESMÍSSIMAS legendas livremente! E mesmo que não houvesse, como as legendas interessam, no caso, às pessoas que fazem downloads de filmes, ocorre que por esses mesmos programas de download é muito mais fácil e rápido achar as legendas do que os próprios filmes!

A tola medida adotada pela ADEPI, só conseguiu fazer com que diversas pessoas decidissem de livre e espontânea vontade colaborar com a produção de legendas, que agora se tornaram ainda mais fáceis de serem achadas nos programas de compartilhamento. Em legendas posteriores à ação da ADEPI, pode-se ver frases que a citam irônica e explicitamente, numa clara reação de retaliação celebrada por todos. O que é óbvio. Não se está lutando contra criminosos, estão lutando contra o próprio povo! Estão lutando contra o futuro!

E na total incapacidade do pensamento conservador das indústrias de mídia em mostrar bons motivos para sua atitude reacionária, considerando sua total falta de argumentos honestos e sua cegueira para o óbvio, e à medida que mais e mais pessoas foram se conscientizando do que realmente está por trás de toda essa contenda, bem...

Enfim, só lhes resta usar a força bruta, para a qual não há argumentos. E nesse caso se faz pelo lobby que conseguiu criminalizar ações que são intrínsecas a toda a sociedade e que não só jamais deixarão de ocorrer como sequer são maléficas. Conseguiram distorcer o texto da lei para invalidar o espírito da lei, que é proteger a sociedade, o cidadão e apoiar o progresso em todas as suas formas.

O resultado final, infelizmente, é um estado de guerra cultural. Guerreiros digitais enfrentando uma estrutura tirânica e hipócrita. Pessoas normais, usando os recursos inerentes à informática para divulgar a cultura, expandir o conhecimento e democratizar o acesso à informação.

Esses guerreiros, no entanto, contarão sempre com a ajuda daqueles que, inclusive no governo e nos meios jurídicos, entendam que se voltar contra o futuro nunca foi e jamais será algo sensato, e continuarão resistindo a essa onda de retrocesso intelectual.

Não se trata de fazer uma apologia ao crime, como não era o caso dos discursos abolicionistas e nem das vozes que clamavam pela liberdade de pensamento há poucas décadas atrás. Se trata de lutar pela liberdade e pela verdade.

Marcus Valerio XR
FREE MIND!!!
12 de Novembro de 2006

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