A Dignidade Humana
Entre a ESQUERDA e a DIREITA

Discussões sobre Aborto e Pena de Morte poderiam ser mais produtivas se as partes ideologicamente associadas tivessem uma noção melhor dos fundamentos filosóficos por trás das visões de mundo em questão.

De um ponto de vista Conservador, o ser humano possui uma dignidade intrínseca, essencial, e que só posteriormente pode ser corrompida. Tal como a obra divinamente criada e posteriormente degradada pelo pecado que a expulsou do Éden.

De um ponto de vista Progressista, o ser humano adquire dignidade existencialmente, ao longo da vida, em especial à medida que vai sendo socialmente edificado. Dada a uma visão de humanidade culturalista, até mesmo sua condição humana inicial é questionável.

Por isso não é internamente contraditório que um Conservador defenda obstinadamente a vida intra uterina, que já possui dignidade essencial, mas seja a favor da Pena de Morte para quem praticou alguma atrocidade que depõe contra sua própria condição humana. Tão pouco é contraditório internamente que um Progressista valore pouco a vida intra uterina mas muito um adulto totalmente desenvolvido mesmo que ele tenha praticado um ato atroz, visto que tal ato a princípio não lhe retiraria a condição humana adquirida.

Ambas as posturas, no entanto, tem problemas, e deveria ser evidente que a plena sensatez está mais em algum ponto entre elas do que apenas numa delas. Não se pode negar que existe uma essencialidade humana que precede sua existência. Somente um ser da espécie 'Homo sapiens' pode manifestar humanidade. Não adianta pegar mesmo o animal mais parecido conosco e criá-lo como se fosse humano. Enquanto mesmo um humano apartado de adultos de sua espécie desenvolve características além da capacidade dos animais. Incluso o fato de que essa humanidade Física é fundamental para a constituição das demais humanidades, a Cognitiva, a Social e a Ética.

Por outro lado, não se pode negar a poderosa influência do meio sobre o desenvolvimento existencial. Afora extremos da virtude e do vício, a grande maioria dos humanos costuma ser bastante consistente entre o que recebe e o que devolve do ambiente em que foram criados. Exigir uma conduta exemplar de quem foi submetido a uma criação horrível é no mínimo ignorar um dado evidente sobre a natureza humana, que é o fato de que tal conduta é muitíssimo menos provável no caso de uma criação excelente. Da mesma forma, faz muito mais sentido ser mais exigente sobre esta última situação que sobre a primeira, o que justifica que se aplique punições mais severas para crimes cometidos por quem gozou de ótimas condições de desenvolvimento que de quem gozou de péssimas condições. Embora exista uma subjetividade difícil de quantificar.

Mudando novamente o lado, não se pode ignorar que um ato horrendo praticado por alguém, mesmo que tenha sido vítima de horríveis condições existenciais, depõe sim contra sua humanidade, em especial no sentido ético. Há uma curiosa confusão entre a explicação sociológica de uma má conduta e sua desculpabilidade. É possível entender o que levou alguém a praticar um crime brutal, mas isso não muda o fato de que tal praticante está corrompido, talvez irreversivelmente. E ser possível prevenir que isso venha a ocorrer noutro caso não soluciona o problema neste caso já consumado.

Apelemos agora à nossa intuição numa experiência mental. Como alguém pode discordar que é muito mais horrível dar um tiro num bebê do que num adulto? Esse simples exemplo já mostra que há algo errado em supor que a dignidade humana é mera questão de desenvolvimento existencial. Tendemos a ser mais protetores com a vida mais jovem que com a mais velha, em razão de valoramos não somente o acúmulo de experiências passadas, mas o potencial em aberto das experiências futuras.

No outro lado, como negar que há terrível subjetividade travestida de objetividade no modo como a maioria julga os feitos alheios a ponto de decretar seus autores indignos da vida? Muito se aponta o que os contrários a Pena de Morte sentiriam pelo criminoso caso a vítima fosse de sua família, mas e o reverso? Como os defensores se sentiriam se o criminoso é que o fosse? Não é evidente que somos muitos mais lenientes com nossos filhos mesmo quando cometem atos mais graves, do que com os filhos alheios mesmo quando cometem atos menos graves? Por que tantos se arvoram em uma ilusória posição privilegiada, quiçá divina, na hora de julgar os outros, enquanto seria muito mais adequado se colocar numa posição mais humana?

E retornando, como não notar a inconsistência numa situação onde a vida intra uterina é valorada como bem jurídico supremo tendo todo o aparato social pronto para defendê-la, e de repente, por um simples capricho subjetivo da mãe, passa a ser tão indigna de viver a ponto que todo o aparato social de repente se vê obrigado a exterminá-la?

A consistência nos obriga a aplicar a dignidade humana de uma forma mais internamente harmônica. Embora seja compreensível dentro de cada visão ideológica de mundo, ainda assim há contradição evidente, quando se abre para um plano maior, entre defender a vida intensamente numa situação e não na outra. Sempre haverá exceções, claro, praticamente todos concordarão com algum caso específico de Pena de Morte, ou de Aborto, se é que há diferença entre ambos exceto o fato do segundo ser inteiramente inocente, e por vezes ter seu direito a vida negado tanto pela possibilidade do que poderia vir a fazer, ou sofrer, quando pelo delito de responsabilidade alheio.

E que nunca se perca de vista que a justiça humana é falha, o que aliás se depreende pelo próprio princípio de corruptibilidade intrínseca humana. Princípio frequentemente esquecido na hora de julgar o direito a vida alheio.

Marcus Valerio XR

19 de Junho de 2015


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