Há muito digo que o tipo de falácia mais usada é a do Espantalho, que para desqualificar algo, destaca apenas seus defeitos e amplifica-os, distorcendo a imagem geral, quando não lhe atribui falsidades completas. Quer apenas enfoque o lado menos apresentável, ou minta deliberadamente, o resultado é o mesmo, facilitar o ataque, justificar a oposição, difamar.

Já disse eu também que possivelmente a falácia de espantalho mais bem sucedida dos últimos séculos seja a acusação de que a Teoria da Evolução Biológica afirme que "O Homem veio do Macaco", mas não é difícil imaginar outras candidatas. Na discussão política não seria diferente, e nem espanta que falácias e sofismas sejam mais comuns que argumentos razoáveis.

Trivial que militantes de certas posições ainda defensáveis acusem as posições adversárias de se relacionarem a posições já indefensáveis, por isso, esquerdistas e direitistas tem trocado acusações que visam confundir a posição ideológica adversária com posições quase consensualmente rejeitadas, no caso, o Nazismo e o Fascismo, que tem sido frequentemente associados tanto ao Capitalismo quanto ao Socialismo e Comunismo, bem como a governos que muitas vezes são praticamente sua antítese.

Assim, tanto Obama quanto Osama, tanto Bush quanto Fidel, tanto Lula quanto Serra, etc, tem sido acusados de nazistas ou fascistas, e com isso, só quem ganha é a estupidez e a perversão, pois nenhum desses merece, literalmente, tal rótulo, visto que independente de quais sejam suas posições, e oposições, são todas distintas.

Nessa troca de acusações, há que se conceder uma "vantagem" para os conservadores à direita, que é fazer suas acusações de modo mais "sério", tentando dar-lhes verniz histórico e sociológico com pretensão maior que a mera ironia ou desabafo, e ao mesmo tempo a desvantagem de serem então um tanto mais maldosos e maquinadores. Por outro lado, também podem ser meras vítimas de tendências mais profundas e inconscientes.

Batizei tais disposições de SÍNDROME DO MESMA COISA, a estranha negação de diferenças específicas entre entidades igualando-as devido sua generalidade comum. O que às vezes se opõe ao COMPLEXO DE NADA A VER, que neste caso, afirma a dissociação total entre os movimentos citados no título acima.

Mas voltando ao mínimo de bom senso, evidente que Nazismo e Fascismo, e Comunismo e Socialismo, têm coisas em comum, mas diferenças suficientes para desmantelar qualquer tentativa de igualá-los. Pode-se até conceder, a bem do respeito à liberdade de sensibilidade, opinião e expressão, que se diga que são todos ruins. Mas que são distintos, são! E qualquer insistência em contrário é impostura intelectual.

Penso que se apelarmos para suas definições tradicionais, quer sejam tiradas de dicionários léxicos, políticos ou filosóficos, quer sejam pelas definições de seus mais conhecidos ideólogos ou opositores, praticamente não há discussão, visto que SOCIALISMO é classicamente definido como um sistema onde os meios de produção são desapropriados e gradualmente revertidos ao controle estatal, e consequentemente público, num processo de transição que levaria ao COMUNISMO, onde ocorreria a abolição do estado, num sistema social onde todas as decisões seriam tomadas coletivamente pela população, sem intermediários. Situação essa que, no entanto, jamais ocorreu.

Por outro lado, tanto NAZISMO quanto FASCISMO são ideologias que visam o exato oposto, isso é, o engrandecimento do Estado, transformando praticamente em objeto de culto e subordinando toda a sociedade à uma auto idolatria por meio do símbolo maior da auto imagem nacional.

Portanto, em termos ideais, esses pares, além de distinguirem-se entre si, diferem-se radicalmente um do outro, sendo nada menos que auto excludentes, de modo que o assunto sequer merece mais comentários. É equivalente a dizer que Capitalismo e Comunismo são a mesma coisa.

No entanto, historicamente, sabemos que as coisas não ocorreram assim. Nenhum dos sistemas se desenvolveu como esperado, embora Nazismo e Fascismo tenham sofrido alterações pequenas em relação à Socialismo e Comunismo. O principal motivo foi que nesses últimos o estado não só não desapareceu como se tornou ainda maior, o que de fato os aproximou dos primeiros. Portanto, pode-se reconhecer como justa a acusação de que, na prática, as diferenças ideais foram grandemente postas de lado. Mesmo assim, restam motivos mais do que suficientes para distinguí-los.

Em primeiro lugar, podemos conceder que praticamente não houve diferença histórica entre o que se entendeu como Socialismo e o que se chamou de Comunismo, pois o meio como tais regimes se implementaram foi uma violação direta dos princípios teóricos de seu principal ideólogo. Karl Marx não acreditava em revoluções armadas, ele teorizou que as sociedades Capitalistas, quando estivessem nos limites de seu desenvolvimento global, seriam gradualmente convertidas em sociedades Socialistas, devido as forças históricas impessoais da luta de classes, de modo que podia-se esperar no máximo escaramuças locais.

A revolução não seria uma guerra, mas movimentos proletários como greves, paralisações e apropriações promovidas pelos trabalhadores. Na verdade Marx coloca essa revolução como inevitável! Nem sequer se tratava de considerá-la boa ou não, era apenas o desenrolar do progresso histórico, de modo que o que deveria ser ativamente feito seria tomar providências para minimizar os impactos dessa transição. Por fim, o Socialismo se transformaria gradativamente em Comunismo, levando a extinção do estado, num sistema fundamentalmente Anárquico e absolutamente igualitário.

Costuma-se dizer que essas previsões de Marx falharam, o que é certo num sentido histórico imediato, pois realmente não foi o que aconteceu. Lênin, Mao-Tsé-Tung, Che Guevara e etc, aplicaram princípios completamente diferentes, logrando a revolução pela força das armas em sociedades onde o capitalismo praticamente não havia se desenvolvido. Nesse sentido, eles não podem ser considerados, DE MODO ALGUM, marxistas, e se tivesse vivido para ver isso, Marx certamente não acreditaria no sucesso de tais empreitadas, exceto como sintomas da urgência de uma revolução proletária global.

Com isso, os nomes Socialismo e Comunismo terminaram por perder o significado original, não apenas deixando de conceituar o que se previa teoricamente, bem como deixando de se distinguir. Atualmente, a melhor distinção é afirmar que Comunismo é o que foi obtido por meio de revoluções armadas, resultando em estados totalitários, enquanto Socialismo seria o que se obteve por meios menos drásticos, caracterizando principalmente o que chamamos de Social-Democracia.

Deixemos agora o termo 'Socialismo' de lado e usemos somente 'Comunismo', não esquecendo que pouco tem a ver com o que passou a ser chamado 'Comunismo Utópico', a entidade teórica que apropriadamente não existe em lugar algum.

Mas o COMUNISMO histórico que conhecemos (U.R.S.S., Cuba, China, Coréia do Norte e outros exemplos asiáticos) é resultado de uma revolução armada de massas, que subverteu por completo toda a estrutura social vigente, destruindo os poderes instituídos e instaurando uma nova ordem numa ruptura brusca de situação.

Já no FASCISMO, destacando em especial Itália e Japão embora tenhamos tido exemplos na Hungria, Romênia, Espanha, e até mesmo Brasil, não houve revolução de massas, apenas trocas de forças dominantes ou no máximo Golpes de Estado, de modo que a estrutura social foi essencialmente mantida.

Similar ocorreu no NAZISMO, que é evidentemente uma forma de Fascismo, e que chegou ao poder pela via democrática e se consolidou, mais uma vez, por meios muito diferentes de uma revolução de massas. Não é a toa que o termo Nacional-Socialismo, de onde deriva "nazismo", inspira tanta confusão, visto que é praticamente uma contradição. No sistema Nazista se instituiu uma ideologia étnica, nacional, o que é praticamente o oposto das propostas socialistas que simplesmente ignoram as etnias, tendendo a criar laços transnacionais entre as classes.

Qualquer forma de Fascismo tem características nacionalistas, em oposição, o Comunismo soviético manteve em grande parte sua característica internacional, tendo inclusive agregado numa mesma "União" vários países diferentes.

NAZISMO e FASCISMO pressupõem uma identidade nacional histórica, uma tradição cultural que invariavelmente repousa em valores que remetem a mitos e lendas. O Nazismo se concentrou nas heranças saxãs e célticas, usando símbolos típicos que se confundiam com uma noção de linearidade étnica que remontava a origens míticas. Embora tenha tido inspirações similares, o FASCISMO italiano terminou por se mesclar à tradição cristã já enraizada apesar de pregar a distinção entre Igreja e Estado, de modo que havia mútuo suporte com a Igreja Católica. Tal suporte também existia na Alemanha Nazista, mas de um modo muito mais político e pragmático. Essencialmente, a ideologia Nazista deveria suprimir o Cristianismo em troca de uma religião étnica nacional, mas as condições históricas não tornavam isso possível.

No Japão, porém, a situação foi bem diferente. A ascensão do nacionalismo japonês é essencialmente ancorada na tradição Xintoísta, que reforçou o sentimento de união nacional identificando todo o povo nipônico como descendente direto de uma divindade e dotado de prerrogativas étnicas superiores. Ver minha monografia O XINTOÍSMO E A IDENTIDADE CULTURAL DO JAPÃO.

Por outro lado, COMUNISMO não se ancorou em noções tradicionais míticas, tendo sempre como alvo um ideal de construção de uma nova tradição futura. Tanto que poderes clericais, tanto cristãos ortodoxos na Rússia quanto Budistas ou Taoístas na China, foram desmantelados, resultando em estados essencialmente laicos, embora tenha havido notável deificação dos grandes líderes. Mais uma vez, tratou-se de uma drástica ruptura com as tradições. Ver Revolução na Ditadura, Golpe na Democracia.

Por fim, com pretensões de conquista internacional inerentes à sua auto imagem de superioridade, países Fascistas se lançaram diretamente em invasões contra seus vizinhos, tanto os fortes quanto os fracos. A Alemanha nazista atacou a França, a Inglaterra, a União Soviética. Os japoneses atacaram a China e os EUA, e terminaram sendo derrotados, motivo pelo qual, politicamente foram efêmeros, não tendo tido, por outro lado, grandes conflitos intra étnicos.

Pelo lado oposto, embora também tenham protagonizado invasões territoriais, os países Comunistas não tinham a idéia de uma conquista militar geral, e sim ideológica, se limitando a invadir países pequenos e financiar outras revoluções, evitando grandes conflitos diretos, sendo um dos motivos de terem durado muito mais tempo, ou durarem até hoje. Os chineses invadiram o isoladíssimo Tibet (cuja população total é menor que o exército da China), os soviéticos invadiram o conturbado Afeganistão. Mas, por outro lado, tiveram grandes conflitos internos, visto que além de não haver identidade étnica, a não identidade ideológica era suficiente para causar hostilidade inconciliável.

Ou seja, países Fascistas guerrearam sempre contra outros países ou etnias distintas das que se colocaram no poder. Países comunistas guerrearam dentro de si próprios, como é típico das revoluções. Os fascistas tendiam a dividir o mundo entre seu próprio povo e os povos adversários, os comunistas entre os que compartilhavam ou não de suas ideologias. Para um nazista, o pior criminoso de etnia ariana ainda é melhor que o mais virtuoso judeu, para um comunista, se você compartilha da ideologia, a etnia pouco importa, se é ideologicamente adversário, mesmo sendo o próprio irmão, será considerado um inimigo.

Claro que há flexibilizações. Houve componentes étnicos entre comunistas e componentes ideológicos entre fascistas. Mas destaco aqui uma questão de tendências dominantes. Nesse sentido, o comunismo histórico teve tendência a se comunicar e contribuir internacionalmente com qualquer povo em qualquer lugar do mundo que tivesse aspirações similares. Já fascistas no máximo se apoiaram em países vizinhos, dando pouca em nenhuma importância para movimentos similares em países distantes, a exemplo das iniciativas similares no Brasil, que nunca tiveram apoio dos estados fascistas estrangeiros.

Os nazistas, até hoje, desprezam por completo iniciativas equivalentes em outros países. Neonazistas brasileiros não tem esperança alguma de obter qualquer tipo de apoio de neonazistas europeus, dado a característica intra étnica do movimento. Mas os movimentos de militância esquerdista tiveram, ao menos em alguns momentos, apoio entre os comunistas estrangeiros, embora no nosso caso a distância geográfica e cultural inviabilizasse intervenções maiores, como as ocorridas na Coréia do Norte ou Vietnã.

Apesar de tudo isso. É fato que todos desenvolveram estados totalitários, nesse ponto se aproximando. Mas somente o pensamento unidimensional de quem separa as ideologias do mundo apenas em Esquerda e Direita permite que se empobreça a questão a ponto de jogar Fascismo e Comunismo, bem como Capitalismo e Nazismo no mesmo grupo. Veja a distinção tridimensional que já propus a partir na Quarta Parte da Monografia RAZÃO UNIVERSAL.

Por fim, para liquidar qualquer dúvida, basta lembrar que a União Soviética foi atacada pela Alemanha Nazista, que por sua vez era aliada da Itália e do Japão, que por sua vez atacou a China. E evidentemente, apesar de ter havido divergências ideológicas, não houve nem ameaça de hostilidade entre União Soviética e China. Sem falar do extermínio sistemático de comunistas nos campos de concentração nazistas!

E para aqueles que apontem o fato de que todos envolvem regimes não democráticos, ao menos parte disso é questionável, visto que em países comunistas a possibilidade de entrar para o partido e fazer parte da elite dominante está, ao menos teoricamente, aberta a todos, ao passo que em países fascistas, por serem elitistas, tal possibilidade está fechada à maior parte da população.

Ignorar todos esses fatos e insistir na afirmação de que Nazismo / Fascismo e Comunismo são a mesma coisa, tem muito a ver com desonestidade, ignorância, ou na melhor das hipóteses, sátira de gosto duvidoso.

Marcus Valerio XR
16 Setembro de 2010
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