ADEMONISMO
A Descrença no Diabo
Um fato curioso sobre a maior parte de nossos sistemas religiosos, é que para eles não basta crer em Deus.
Tem que crer no Diabo! A maioria das pessoas, principalmente no Brasil, acredita em algo que merece ser chamado de Deus, mas penso que dentre estes, a maioria não crê em algo que mereça ser chamado de Diabo.
Ainda mais interessante é que a maioria que não crê em Deus algum, ou não segue qualquer religião, o faz não por ter algo contra a idéia de Deus, mas por não ver sentido na idéia de um ser que possa ser responsabilizado pelo Mal no mundo, ou, muito menos, num ser que devemos temer para correr para os braços reconfortantes de uma crença específica.
Um dos resultados disso é, no mínimo, curioso. Grande parte dos Ateus não está, no fundo, recusando a idéia de Deus, que é muitíssimo mais flexível do que fazem crer os sistemas religiosos tradicionais. Eles estão na verdade recusando esses sistemas, com modelos específicos de divindades e que SEMPRE pressupõem a existência do Diabo. Na realidade, para muitos deles, o correto seria usar um termo que ainda não existe. Eles seriam não os que "Negam Deus", mas os que "Negam o Diabo".
Não seria Ateus, mas Ademônicos.
Alguns poderiam protestar com a idéia de que o Deus das religiões tradicionais é essencialmente perverso, promovendo seus massacres e destruições em massa e enviando pessoas ao inferno, e por isso não crêem nele. Segundo o próprio Velho Testamento, o Diabo é responsável por apenas 10 mortes, que foram expressamente autorizadas por Deus numa aposta. Mas o próprio Deus é responsável por no mínimo 30 milhões.
Mas isso é irrelevante se considerarmos, partindo da própria resposta dos cristãos, que nada teria acontecido sem a ação do Diabo, e que sendo assim, o problema é a existência do Diabo, sem o qual a humanidade viveria no Paraíso.
Resta então somente o problema da explicação do Mal no mundo. Como conciliar isso com a existência de Deus?
Todavia, MAIS UMA VEZ, isso só é um problema devido à nossa religião tradicional, que prega um Deus infinitamente poderoso, que tudo sabe, inclusive o futuro, e que é a própria matriz da sabedoria e amor, o que acaba gerando a contradição com a existência do Mal. A criação do Diabo como explicação, longe de resolver, só piorou o problema, visto que o atributo de onipotência divina inviabilizaria que o anjo caído fizesse o que quer que fosse sem a autorização divina, e aí temos todos os problemas da Teodicéia, que examino em minha monografia Deus Me Livre.
Acontece que uma concepção mais espontânea de Deus não precisa desses itens. Pode considerar que o mundo tem o propósito deliberado de ser assim (e não que o é por acidente) e que todas as mazelas que sofremos serão recompensadas numa pós vida, ou numa próxima vida. Ou pode supor uma divindade mais restrita, ou mesmo um panteão de deuses disputando entre si, como a humanidade fez durante a maior parte de sua história. Pode-se pensar que tudo o que ocorre é planejado para o próprio engrandecimento ou que é pura ilusão.
Há mil e uma formas pelas quais uma mente criativa pode espontaneamente justificar a existência simultânea do Mal e de deuses, sem se encrencar nas insolúveis acrobacias intelectuais da teologia tradicional.
A maioria das pessoas que, crendo em Deus, não crê no Diabo, o faz por que isso significa aceitar o absurdo de um Deus onipotente e bom que cria o Diabo para nos atormentar, ou dividir maniqueisticamente o universo entre um Deus do Mal e um do Bem, como tem sido feito há milênios. Pode-se até aceitar a existência de algumas entidades malignas, mas não de um ser supremo maligno.
Como se já não bastasse a própria idéia de diabo em si, algumas religiões pentecostais e a maioria das neopentecostais são muito mais centradas na figura de Satanás do que na própria figura de Cristo. Assistindo-se algumas sessões de descarrego e similares, é inacreditável a quantidade de vezes que se pronuncia o nome do maligno. Tudo é construído em nome do Medo. Atemorizam os crentes com a ameaça invisível e depois vendem a solução, também invisível.
Tudo isso só deixa a pessoa sensata mais reativa ainda a essa figura fictícia chamada Satanás, fortalecendo ainda mais o seu Ademonismo.
Mas o pior de tudo, o que termina por justificar o ateísmo, é quando certas concepções de divindade não apenas exigem a crença no Diabo, mas empurram UM DEUS PIOR QUE O DIABO!
Não bastasse ser incômodo um sistema religioso que insiste em ver beleza, bondade e misericórdia em genocídios indiscriminados como os promovidos pelo Deus do Antigo Testamento (nem tanto pelo que está escrito, mas pelo modo com que é interpretado), ainda pior é um que empurra a crença insana de um Deus infinitamente poderoso e bom que lança seres humanos num inferno para sofrer perpetuamente.
O problema nem é tanto o Novo Testamento, mas a interpretação maluca que ignora expressões claras como "Segunda Morte" ou, diante de afirmações contraditórias comuns na Bíblia, privilegia UMA (Mateus 25:46) em detrimento de dezenas de outras que dizem o absoluto contrário.
Ou seja, sem sequer uma base clara no próprio livro que dizem professar, certos crentes, baseados em teologias perversas, acreditam numa idéia tão horrenda, tão avessa a qualquer forma de bom senso, ética e justiça, que tornam seu Deus infinitamente mais cruel do que o Diabo jamais poderia ter sido.
Quem rejeita um Deus deste, que é o inverso do que seria o Bem Supremo, no fundo, mais uma vez, está rejeitando o Diabo!
Marcus Valerio XR
30 Novembro de 2009
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