29 de Agosto de 2224
Ela acabara de recitar os versos de morte de sua religião, em últimas e marcantes palavras pelo sua último companheiro, cujo corpo já estava em processo de cremação. Agora, 124 anos depois da chegada dos PROGENITORES, não restava mais qualquer esperança.
A procura por inteligência extraterrestre fracassara, o programa de clonagem também, por motivos que jamais foram compreendidos, e as diversas tentativas de enviar naves para o espaço resultaram em tragédias.
Ela era agora o que restava de toda humanidade, a única sobrevivente da toda a espécie humana.
Sua longevidade estendida pela ciência lhe garantia que mesmo na idade de 126 anos, ela ainda estivesse saudável e em forma. Mas isso não importava.
Ela se recolheu para seu leito de morte, ouviu sua última canção, acariciou seu gato que se espreguiçava ao seu lado. Ali ela se deitou, podia ver o céu azul escuro do crepúsculo deixando surgir as primeiras estrelas.
Olhou para o gato que saiu pela porta e pensou: "Agora o mundo é de vocês... Novamente."
O PROGRAMA TERMINAL já estava preparado há várias décadas. A possibilidade de fracasso total nos empreendimentos do PROJETO ESPERANÇA nunca fora descartada. Jamais se pensou seriamente na possibilidade de que as terríveis FEMTOMÁQUINAS não fossem afinal imbatíveis.
Robôs cuidariam de manter os últimos redutos de presença humana em conservação, para que se um dia uma outra inteligência extraterrestre chegasse à Terra, pudesse saber o máximo possível sobre a espécie que dominou esse planeta por tantas eras.
A maior parte do mundo foi despojada de qualquer resquício da presença humana. A natureza voltara a dominar novamente. Cidades inteiras foram eliminadas deixando a superfície livre para a fauna e a flora.
Ela deveria fazer um último discurso? Pelo menos proferir suas últimas palavras?
Não. Ela não tinha mais o que dizer. Tudo já fora pensado, tudo já fora falado, tudo já fora feito.
O conhecimento acumulado pela raça humana em dezenas de séculos estava o máximo possível preservado em vastos bancos de dados das mais variadas formas, mas mais diversas linguagens concebíveis.
Ela deixou cair uma lágrima.
Não era uma lágrima de tristeza, mas muito mais de libertação.
Fazia muito tempo que ela já sabia qual seria o seu destino e o de toda a humanidade. Acreditava que renasceria em um outro mundo, numa outra época, e reencontraria o seus, numa nova raça, numa nova chance.
Ela não deixava esse mundo com todo o pesar que na sua juventude sentia só ao pensar na derrota da humanidade.
Ela estava quase feliz.
Valera a pena? Sim. Ela caminhara pela grama, respirara o ar do último dia, se ajoelhara a rezara ao Universo agradecendo a oportunidade de experimentar um momento tão monumental.
A Morte de uma Raça, pela Morte de uma Mulher.
Uma mulher que nasceu, cresceu e agora morreria. Mas nunca pôde se reproduzir.
Uma mulher que amou como tantas outras, sentiu os prazeres e as dores das relações humanas físicas e espirituais. Mas que nunca pode saber o que era trazer em seu próprio ventre um novo Ser Humano.
Tal como uma criança, a raça humana não soube exatamente quando nascera, mas tal como muitos idosos, sabia exatamente quando estava morrendo.
Ela explorou pela última vez as possibilidades de sua mente, contemplou o espaço marcado pelo movimento de satélites de vigilância, que alertariam de toda maneira qualquer futuro visitante sobre os perigos de um mundo contaminado pela terrível maldição da Esterilidade.
OS PROGENITORES estariam certos afinal? Éramos mesmo um fracasso?
No fundo ela achava que não, mas isso não mais importava. Disse a si mesma usando o maior refúgio já criado pelo ser humano, a crença, que se submetia de bom grado à vontade da Toda-Poderosa Consciência do Universo.
E estava feliz. Aliviada por saber que a luta terminara, e mesmo na derrota, estava em paz.
Bastou um pílula.
E adormeceu.
Para sempre.
Seu corpo foi embalsamado pelos robôs, como um monumento.
O Túmulo da Humanidade, onde se escrevera:
"Aqui Jaz a Espécie Homo Sapiens Sapiens.
250 mil aC - 2224 dC
Que todo o Universo saiba que no fundo...
...Nós tentamos. E nunca desistimos.
Nunca.
Amém"
O corpo brilhava sob a luz das estrelas. Tudo era silêncio, inclusive as 3 pessoas que observavam o Mausoléu da humanidade. Três seres humanos. O mais alto disse:
- Acabou então?
- Sim acabou. - Respondeu a mulher.
Eles não conseguiram conter as lágrimas. Se entreolharam. Um deles ativou um minúsculo aparelho telefônico e disse:
- Tire-nos daqui.
- Espere!!! - Interrompeu o outro. - Um último vôo.
E numa impulsão vertical saltou mais de 50 metros de altura.
Lágrimas reais nos olhos de cada um deles quando foram desconectados. Se levantaram calmamente ainda abalados pela experiência. A sua volta centenas de pessoas aguardavam, tendo acompanhado tudo pelos monitores. Mesmo aqueles que nasceram ao modo natural, tiveram por um momento desejo de experimentar pelo menos uma única vez o que era estar naquele mundo alternativo.
Uma emocionada voz proferiu um discurso:
"Milhões de pessoas hoje... Assistiram em seus lares aquilo que talvez seja o momento mais emocionante desde o fim da guerra. Nem mesmo o recente limpar do céu, e a volta do brilho de nosso astro rei consegue diminuir a melancolia sentida nos corações de cada um daqueles que durante tantos anos, acompanharam os eventos que marcaram a vida das pessoas no mundo virtual. E podem se perguntar: Agimos certo?
Foi justo submetê-los a tão angustiosa espera? A tão prolongado sofrimento? Por que não enviamos apenas uma catástrofe e eliminanos todos de uma só vez, poupando o sofrimento?
A resposta é simples. Por que não podemos interferir na escolha deles! Na escolha dos que decidiram ficar! Muitas foram as formas que usamos de trazê-los para o mundo real, mas tão poucos vieram!
Não podíamos tirá-los a força! Não podíamos matá-los. Mas não podíamos permitir que novos seres humanos fossem inseridos lá.
Eles tiveram escolha!
Nós não.
Só agora, após todo esse tempo, este capítulo terrível e fascinante da história humana está acabado. Muitos foram os que se oporam, muitos queriam conservar esse estranho mundo atrasado mais de 200 anos em relação ao nosso.
Mas não tivemos outra escolha.
...
Convido agora o presidente Morpheus Jr. para proceder a cerimônia de desligamento."
O rapaz negro caminhou lentamente até o dispositivo montado no palanque. De onde estava podia ver toda a assustadora visão da última e mais bem conservada usina de força que extraía dos seres humanos a energia que durante séculos alimentou as máquinas.
Pensou nos heróis do passado, o no que eles diriam se estivessem aqui.
Pensou naquele que fora um Deus naquele mundo que estava prestes a desaparecer para sempre. Neo
E pensou: "Essa é por você pai."
E executou o comando de ShutDown.
>>>Aguarde enquanto o sistema está sendo desligado.<<<
...
>>>Matrix já pode ser desligada com segurança.<<<
POWER OFF!!!