Finalmente, a conclusão. Peço desculpas ao que porventura quiseram ver essa estória terminada, e
No princípio foi o susto, o pânico, e o desespero. Caindo cada vez mais rápido, sentindo o ar cada vez mais denso, a total desorientação. A impossibilidade de se segurar, se realinhar, tocar alguma coisa. Caindo e caindo, e vendo o mundo girar. As negras paredes rochosas se distanciaram, pois logo abaixo da beirada, o abismo se alargava, o que por um lado evitava um possível choque contra as rochas verticais, mas por outro lado aumentava ainda mais o desespero de não ter em que se apoiar. O paredão rochoso conhecido de um lado, o céu acima com o sol a brilhar, o paredão desconhecido do outro, o fundo visualmente incomensurável, tanto quanto o corredor de rochas para frente e para trás. Tudo isso passava vertiginosamente pelos olhos de RELPEK. Até que, de tanto cair, parou de acelerar. A resistência do ar impunha a velocidade terminal, e em seguida, de algum modo, ele foi conseguindo posicionar o corpo de modo a parar de rodopiar, e cair de face para baixo, tentando proteger e cerrar os olhos para conseguir ver o desconhecido cada vez mais próximo. Não teria a mínima idéia de há quanto tempo caia, poderia ser menos de um minuto, poderia ser 10 vezes isso, não fazia diferença. Tentava olhar para cima, mas ameaçava começar a girar de novo, e o máximo que via era o paredão rochoso. Até que, abaixo, vislumbrou EIRAM, que diferente dele, caía com uma graça quase ensaiada, como se já tivesse feito aquilo antes. As roupas dela, e o modo como se posicionava, ofereciam maior resistência ao atrito com o ar, de modo que RELPEK a estava alcançando. Gritou o nome dela mas se arrependeu, engolindo ar de um modo doloroso. Protegeu a boca e gritou novamente, e ela, ao ouví-lo, se virou com delicadeza em sua direção, olhando para cima, e seu rosto não aparentava mais surpresa do que a já presente em qualquer um que esteja em queda livre rumo ao fundo desconhecido de um abismo. Ela se inclinou habilmente e conseguiu se deslocar lateralmente, rumo a RELPEK, que, no entanto, passou direto. Desesperado ele se virou para cima e começou a girar novamente, ela então juntou os braços e acelerou sua queda, vindo na direção dele, mas sua habilidade não ia muito além disso, logo também perdeu o controle e passou a rodopiar. Os dois agora lutavam contra a desorientação, tentando se alinhar e se aproximar um do outro. Num momento RELPEK se aproximou perigosamente da parede, mas logo em seguida o abismo se alargou ainda mais. Foi então a vez de EIRAM passar por ele, e tentar freneticamente alcançá-lo, cada vez dominando melhor a aerodinâmica necessária para conseguir alguma liberdade na prisão que era a queda espetacular. Num momento ambos conseguiram assumir o controle de suas posições e foram se aproximando. Ao estenderem os braços uma para o outro, se desorientaram novamente. Noutro momento se chocaram, mas não conseguiram se agarrar, até que, num golpe de sorte, RELPEK conseguiu segurar um dos pulsos dela, e então, apesar da confusão, finalmente abraçaram um ao outro, com uma alegria e uma sensação de alívio que parecia solucionar todos os problemas. Entrelaçados em queda livre, puderam ficar face a face, girando lentamente, enquanto o mundo vertiginoso à sua volta se tornou, por algum tempo, mero pano de fundo. Não conseguiram dizer nada, só seus olhos se comunicaram, até que começaram a observar mais o cenário. O céu cada vez mais distante, visível como uma estreita faixa cortando os escuros paredões. O sol, logo acima, ocupava majestosa posição central, e ainda lhes banhava com algum calor. Mas logo começaram a perceber melhor os efeitos da queda. O vento implacável, cortante, acoitava a pele. As vestes de EIRAM, ao mesmo tempo que ajudavam a frear a queda, também chicoteavam desordenadamente. As roupas de RELPEK eram mais resistentes, mas não impediam o tremular irritante. EIRAM conseguiu enlaçá-los definitivamente, amarrando-os com algumas de suas faixas, de modo que agora podiam soltar os braços e continuar caindo juntos, rumo as profundezas. Começavam a entrar na névoa, e as sombras foram envolvendo-os. Os raios do sol foram ficando cada vez mais fracos, e o estreito facho de céu, agora a uma distância desesperadora, foi desaparecendo antes de ficar pequeno demais. O frio então se fez sentir, e quando estavam na escuridão total, perceberam que possivelmente morreriam congelados antes mesmo que o impacto com o imprevisível os matasse. Começaram as turbulências. Ventos horizontais terríveis os arremessavam lateralmente, ameaçando lançá-los contra as invisíveis rochas. Redemoinhos os fizeram girar várias vezes, e num certo momento pareciam estar dentro de uma tempestade, que parecia até mesmo reduzir a velocidade da queda. Mas, gradativamente, a turbulência foi se acalmando, restando apenas amplas correntes de ar laterais que por vezes os empurravam para um lado ou outro, mas de forma suave. Após tanto tempo de queda, e imersos em total escuridão, bem como impossibilitados de ouvir outra coisa que não o som do atrito como ar, RELPEK finalmente começou a pensar com mais calma. Já deviam estar a cerca de 30 km de profundidade, o que significava estar caindo por uns 10 minutos. Entendeu que a presença de ventos laterais tão fortes sugeria que devia haver amplos espaços vazios, e que talvez não estivessem sequer perto de paredes. Mas seus pensamentos foram interrompidos quando de repente, após o breve momento de anestesia, sentiu o frio novamente. Já não conseguia mexer os braços, tudo doía, e EIRAM parecia estar cada vez mais rígida. Mal podiam se mexer, e começaram a perder a consciência. Por um momento, RELPEK deixou de sentir tudo, e começou ter visões. Passou a ver estranhas luminâncias ao seu redor, provavelmente fruto da vertigem. Ou não? Estaria alucinando? Começou a achar que o frio diminuía, e sentiu EIRAM se mexer, e murmurar alguma coisa. Teve dúvidas durante muito tempo, até finalmente se convencer que estava mesmo ficando mais quente. Foi quando notaram luzes cada vez mais fortes abaixo. Alaranjadas, como fogo. A queda, à qual já estavam acostumados, não os impediu de ver com clareza uma cachoeira incandescente emergindo da parede rochosa despejando lava no abismo. Puderam então ter a visão de volta, notando que os paredões intermináveis continuavam ali, fiéis. Passaram da cachoeira e puderam vê-la se distanciando para cima. Acompanharam o rio de fogo que caía ir ficando cada vez mais fino e menos quente, se dispersando em forma de pequeninas pedras incandescentes que finalmente iam se apagando até se tornarem poeira escura. Mas mesmo quando não havia nada além de pó, ainda estava claro. Pequeninos veios de magma podiam ser notados em alguns trechos. Ocasionais chispas incandescentes percorriam o túnel vertical como vaga-lumes e tiras de fumaça ajudavam a compor ainda mais o cenário da queda vertiginosa. Era o calor que agora se tornava incômodo. O ar cada vez mais quente ameaçava ser sufocante. Apesar disso, apertaram ainda mais os nós dos laços que os prendiam. Mas assim como antes, no limiar da insuportabilidade o frio arrefecera, o mesmo se deu com o calor. Tendo deixado a zona incandescente para trás, ou melhor, para cima, a temperatura voltou a cair, mas não até o ponto de se tornar friamente incômoda outra vez. A escuridão novamente os envolveu, e mais uma vez foram privados de assistir sua queda sem fim. Ficaram firmemente abraçados, sussurrando um para o outro coisas dóceis e desesperadas que somente situações como essa podem extrair das pessoas. Para a surpresa dele, ela lhe confessou também estar apaixonada. Trocaram juras de amor, e em meio a lágrimas que não podiam ser vistas, celebraram um breve ritual. Por um tempo indefinido devem ter desmaiado, e RELPEK acreditou estar sonhando quando mais uma vez notou luzes ao seu redor, mas desta vez não eram alaranjadas como fogo. Eram azuis! Acordou EIRAM, e ela ficou maravilhada com o que via. De repente estavam descendo por um túnel recheado de linhas luminosas de um azul esverdeado emocionante. RELPEK deduziu que eram um tipo de forma de vida primitiva luminosa, obrigada a retirar do calor a energia necessária para produzir sua própria luz. Notaram também pequeninos animais, alguns voadores, alguns luminosos. Mas as paredes, como se ficassem reduzidas a linhas surreais, roubavam a cena. Nem deram importância ao fato de que suas roupas estavam cada vez mais esfarrapadas, a pele cada vez mais ressecada e castigada pelo açoite do vento, e que provavelmente já poderiam estar caindo por horas. Aquele espetáculo suavemente luminoso capturava a atenção, e RELPEK pensou que, apesar de tudo, havia maravilhas naquela viagem suicida para o centro do mundo. Quem dera fosse possível descer e voltar, mas certamente não haveria tecnologia capaz de vencer a subida de volta, que agora, certamente, deveria ser medida em centenas de kms. Aos poucos o espetáculo luminoso foi diminuindo, e então a agonia se impôs novamente. Ficou subitamente difícil respirar. Sentiam todo o corpo doer, e nada parecia agora disfarçar a sensação de ter o corpo cada vez mais massacrado. A escuridão mais uma vez se impôs, mas desta vez não conseguiram dormir. Permaneceram conscientes por horas, conversando com dificuldade, tentando esquecer o sofrimento. Náusea, dor de cabeça e toda sorte de incômodos eram agora a tônica dominante, mas ao menos a temperatura era cômoda. Nem quente nem fria. Após terem suas forças quase exauridas, não puderam deixar de perceber que a umidade aumentava, e ficava mais quente novamente. Uma estranha mudança no som ambiente insinuava que haviam entrado num imenso vazio, mas não demorou para que o som típico do túnel se fizesse notar. Já deviam estar caindo há tempo suficiente para o sol ter se posto, talvez mais. Talvez um dia inteiro! Até agora, porém, nada de um solo mortífero, de rios subterrâneos ou mesmo de uma piscina de lava. SELETOTSIRA estaria errado? Pensou isso cedo demais. De repente, de uma só vez, ouviram o som mudar novamente, e puderam distinguir com clareza o som de águas. Haviam, de algum modo, chegado a um local onde correntezas grandes e frenéticas deviam fluir com força avassaladora. Mas continuavam caindo. Então notaram luz novamente, suave e esbranquiçada, e não puderam saber de que tipo. Mas perceberam que ao longe havia uma extensa planície por onde corriam massas de água impressionantes, seguindo cursos definidos por uma estranha geologia. Abaixo deles, porém, nada parecia haver. Estavam na verdade numa seção onde a abertura do túnel era excepcional, como se o antes estreito corredor da morte cruzasse um oásis. Se ao menos pudessem se deslocar rumo àquelas águas... Sobreviveriam ao impacto? Poderiam viver ali, à margem daqueles rios que possivelmente teriam recursos úteis à subsistência. Mas, de repente, entraram num túnel estreito novamente, e desta vez, parecia também menos extenso horizontalmente. Com dificuldade EIRAM comentou que então as sacerdotisas estavam certas ao recomendar o salto ao abismo naquela localidade, pois se o mesmo ocorresse nas extremidades, que eram desaconselhados apesar de serem os locais onde muitos, talvez a maioria, dos suicidas não religiosos haviam se lançado recentemente, ocorreria então um inevitável encontro com as paredes, que iam se estreitando, podendo resultar numa morte horrível. A escuridão voltou. Voltou? Pensaram que voltara, ou deveria ter voltado. Mas não, a tênue luminosidade que puderam notar antes no teto da galeria fluvial parecia ter se intensificado. Aos poucos foram notando que não só eles tinham os contornos distinguíveis, embora sombrios, mas que pequenas e ocasionais reluzências podiam ser notadas nas rochas. Então, finalmente, começaram a confirmar algo que RELPEK já pensara ter notado. Que estavam caindo mais devagar. Era estranho, mas o modo mais suave como as vestes de EIRAM tremulavam parecia confirmar isso. E à medida que a luminosidade foi se tornando mais intensa, podiam jurar que caíam cada vez mais lentamente. Entraram numa camada de névoa mais uma vez, e a umidade era cada vez maior. Pela confluência de fatores, notavam que a queda era agora muito menos dolorosa, não deveria ser sequer incômoda se já não estivessem nela por provavelmente um dia inteiro. Um denso vapor d'água era cada vez mais perceptível, morno, tornando o atrito com o ar mais e mais suportável, e a velocidade continuava a diminuir. Por um lado, isso se tornou também incômodo, pois agora caiam a bem menos da metade da velocidade predominante, mas em compensação a sensação de eternidade era ainda mais angustiante, no entanto, o conforto cada vez mais sensível acabou os convencendo que estavam em situação bem melhor, e, quando subitamente saíram do nevoeiro, tiveram a derradeira surpresa. Era difícil de acreditar. A luz estava mais forte do que nunca, era possível ver nitidamente as paredes, e ao longe, muito ao longe, no fundo, era como se houvesse uma camada de nuvens luminosas. A velocidade foi diminuindo tanto que chegaram a ficar impacientes, e sentir falta de uma queda mais rápida, mas logo sua atenção foi desviada por algo ainda mais estranho. Podiam notar aparentes faixas soltas no ar, similares a cordas flutuantes. Quando finalmente chegaram até elas, sua velocidade era tão baixa que o impacto não poderia mais ser perigoso. Continuaram descendo, cada vez mais lentamente, até que, finalmente, a resistência do ar, enfrentando uma gravidade cada vez menos rival, se impôs definitivamente. Eles pararam de cair. Agora flutuavam, sem peso, por aquele estranho universo de cordas e cabos soltos. Se agarraram a um deles e não demoraram a concluir que só havia uma coisa a fazer, usá-los para subir. Ou melhor, descer. Tentar voltar por onde vieram era absurdo, mas talvez houvesse algo rumo ao centro do planeta. Era difícil dizer agora o que era em cima ou em baixo, visto que a gravidade parecia nula, eliminando o referencial. Mas devido a claridade, não foi difícil saber para onde ir. Se agarrando aos cabos foram se conduzindo com facilidade rumo às profundezas. Um simples puxão permitia um deslocamento significativo, não só rumo ao vazio, mas também à parede rochosa. Finalmente, tocaram nas pedras, e sentiram que elas eram ligeiramente quentes. Não precisavam mais dos cabos. Podiam agora ir escalando o paredão se agarrando nas saliências e se lançando para "cima", isto é, para o centro do mundo. Às vezes se impulsionavam de modo descuidado e se afastavam das rochas, mas aí era só procurar um cabo novamente, pois notaram que alguns deles cruzavam de um lado ao outro do vazio, fixos nas duas paredes. Notaram também próximo a eles, um corpo flutuando. Voaram rumo a ele, era uma mulher, mas não era sacerdotisa, ou não parecia, era difícil distinguir, pois estava praticamente nua. Ela estava morta, jazia ali, sem vida, provavelmente por ter se chocado contra rochas das paredes, pelo que sugeriam os diversos ferimentos. Não podiam fazer nada além de um breve ritual realizado por EIRAM, e então se voltaram rumo às nuvens, um tanto deprimidos. Em compensação, mais adiante, acharam um rapaz jovem à deriva, e este estava vivo. Acordaram-no, ele se desesperou por uns instantes, mas depois se acalmou. Seu nome era OILIGRIV, e se lançara no abismo em busca de sua amada, tal como fizera RELPEK. Eles não tiveram coragem de levá-lo para tentar identificar o corpo da moça. Seguiram juntos, rumo às paredes, rumo à luz, e no momento, nem cabos nem rochas eram necessários. Bastava agitar os braços e as pernas, nadando no ar. E assim foram, rumo às distantes nuvens. Até que, de tanto prosseguirem, começaram a notar que de fato estavam subindo, pois agora a gravidade começava a puxá-los em direção contrária, mas com tanta suavidade que era fácil de ser vencida. No entanto, após um certo ponto, a subida começou a se tornar cansativa. Agora precisavam se agarrar nos cabos com frequência, pois um passo em falso e voltavam a cair, ameaçando voltar ao ponto de gravidade zero. Então passaram a subir exclusivamente pelos cabos, até que foi ficando realmente difícil. O rapaz, aparentemente mais descansado e mais viril, os ajudou muito, superando obstáculos com agilidade, mesmo assim, a subida foi ficando mais e mais cansativa. Porém, antes que a situação se tornasse preocupante, notaram que chegavam a um limite, e então puderam ver o fim do cabo. Subiram mais e mais, até notarem o cabo virar logo acima. Finalmente, puseram a mão num solo horizontal, haviam terminado de escalar um penhasco, e então subiram numa planície, se deparando com um novo mundo.
Acima deles havia uma camada cerrada de nuvens. Aparentemente menos luminosas do que antes. À frente havia um vale rochoso. Caídos no chão, olhavam para o horizonte ainda surpresos. RELPEK incrédulo, EIRAM apenas agraciada, e OILIGRIV ainda esperançoso. Após tanto tempo de queda, não conseguiam se levantar. Deitaram-se exaustos e adormeceram. Mas não foi por muito tempo, diversas necessidades se impunham agora, e então passaram a explorar o local. Havia vegetações rasteiras e pequenas formas de vida, e então o jovem chamou-lhes a atenção para um pequeno rio. Se a água era realmente deliciosa ou era a sede que a fazia parecê-lo, não era questão que importasse no momento, mas de fato, após se fartarem e descansarem mais um pouco, passaram a achar o local cada vez mais bonito. Isso os fez ficar menos receosos quando notaram pequenos arbustos vistosos com frutas estranhas mas bem convidativas. A fome não deveria eliminar a cautela, pois as frutas podiam ser indigestas ou mesmo tóxicas. RELPEK, como cientista, e EIRAM, como sacerdotisa, deviam então demonstrar algum auto controle, porém, após perceberem OILIGRIV devorar a terceira fruta, foram vencidos pelos sentidos, e comeram de todos os tipos que encontraram. Os sabores variavam. Alguns deliciosos, outros estranhos, mas nada que os tenha deixado mais preocupados, pois ao menos o paladar não sugeria qualquer ameaça. Perceberam que à frente havia uma subida montanhosa, mas convidativa, e após mais um tempo de repouso o rapaz os convenceu que nada mais havia a fazer do que seguir em frente. A subida não era difícil, mesmo porque a própria gravidade era mais fraca do que a da superfície. E isso agora intrigava RELPEK. Pelo que pudera entender, o mundo devia ser mesmo oco, pois aquilo não podia ser uma simples caverna, o que causava um rebuliço em seu conhecimento científico. Comentou que deviam ter caído até que, tendo passado da maior parte da camada rochosa, passavam a ser atraídos não somente para baixo, mas também para cima, devido a massa que agora estava sob seus pés. O jovem ficou interessado, e isso animou RELPEK a falar. Acreditava terem viajado uns 10 mil kms em queda livre, o que significava nada menos que um giro completo do sol em torno do planeta. Não conseguia concluir se, com base em seus conhecimentos, no local onde estavam a gravidade deveria mesmo ser menor, maior, ou sequer se deveria haver gravidade. Desconfiava que até mesmo o que os puxasse para o solo nem fosse gravidade, mas a força centrífuga de rotação do planeta. Seguiram mais e mais, subindo por um terreno acidentado mas não muito difícil de transpor, até que se assustaram ao ouvir vozes. Adiante, chegavam algumas pessoas que os avistaram. Os estranhos, duas mulheres e um homem, uma delas sacerdotisa, os cumprimentaram. - Recém chegados?! - Comentou um homem sorridente. - Vocês estão bem? Não esperávamos que chegasse mais alguém! - Disse a outra. - Seja bem vinda irmã. - Disse a sacerdotisa para EIRAM. Houve um suspense, mas RELPEK quebrou o gelo, mesmo sem saber o que dizer. - Olá... É... Onde estamos?! - No coração do mundo. - Disse a sacerdotisa. - Mas deixem as perguntas para depois, venham conosco, vocês precisam de cuidados. OILIGRIV descreveu sua namorada, que havia se lançado no abismo dias antes. Responderam que era bem possível que ela estivesse lá, sim, mas pediram paciência. A mulher perguntou ao casal. - Vocês são marido e mulher? Hesitaram um pouco, mas EIRAM respondeu. - Sim. Nos casamos durante a queda. O homem então tomou a palavra. - Vocês devem ter sido pegos por ventos muito fortes, pois estão bem longe do local onde normalmente os recém chegados aparecem. Vocês vieram pelo paredão azul ou pelo verde? - Alguns kms adiante... - Interrompeu a mulher. - ...É o local onde a maioria chega. Fica bem embaixo de local dos saltos rituais. Há várias pessoas para ajudar a recolher os novatos. Mas ninguém mais chegou já faz um dois dias. Ouvi dizer que o atual governador conseguiu finalmente impedir os saltos. - Pobre homem. - Disse a sacerdotisa. - Crê fazer o melhor, mas, se ele soubesse... Chegaram a uma escadaria, onde foram subindo lenta e constantemente. Apesar de tudo o que haviam passado, se sentiam mais dispostos, como se o ar local fosse altamente revigorante, ou as frutas tivessem um efeito mágico. Finalmente, chegaram numa vasta planície, suavemente iluminada pela luz discreta e alva das nuvens. Havia uma ampla vegetação rasteira, macia, quase sedosa. Algumas árvores belas e repletas de frutos. Seus anfitriões já os haviam tranquilizado à respeito das frutas que comeram. Na verdade, haviam sido espalhadas na beira do precipício com o propósito de atender os recém chegados. Devem ter tido o azar de não achar alguma das placas de "Bem Vindo" e "Não tenha medo" que deveriam ser abundantes por ali. Ao longe avistaram várias pessoas, convergindo com eles rumo ao que parecia ser uma cidade, na verdade, um rústico vilarejo, bem cuidado, aconchegante. Chegando lá, a sacerdotisa que os trouxe anunciou. - Os mais novos recém-chegados! - E diversas pessoas vieram cumprimentá-los com nítido entusiasmo. Começava a ficar mais claro o porquê de tanta hospitalidade. Todos pareciam felizes. O local era realmente acolhedor. A sua luz onipresente era como a de um dia nublado, mas no momento era o que de fato eles precisavam, visto que estavam com muito sono. Enfim, foram levados a uma mesa onde fizeram uma saborosa refeição, embora notando que ninguém mais comia. Depois, receberam cuidados médicos e roupas novas, e puderam então repousar no convidativo gramado, de baixo de uma árvore, justo quando a luminosidade parecia ter ficado ainda mais tênue. Foram acordados pelo grito. - OLIGRIV!!! - E uma moça veio correndo abraçar o jovem. RELPEK e EIRAM não saberiam dizer quanto tempo haviam dormido, mas se sentiam revigorados, embora as nuvens parecessem ainda mais escuras. Uma outra sacerdotisa veio chamá-los. - Venham. E você deve querer respostas. - Disse, apontando especificamente para RELPEK. EIRAM pediu licença a ele e foi com a sacerdotisa, enquanto um rapaz veio ter com RELPEK. - Olá! Já ouvi falar de você. É um matemático e astrofísico do Quinto Território, não é? Meu professor de física, NILTSEAM, elogiava você. RELPEK confirmou, surpreso, mas antes que pudesse dizer mais alguma coisa, o rapaz acrescentou. - Vai ser uma honra poder ensinar alguma coisa ao grande RELPEK! Pergunte o que quiser, o conhecimento daqui é bem mais avançado que o da superfície. - Vocês sabem sobre o movimento do planeta? - Sim. - Disse o jovem. - Há o de rotação e o de translação. Ele gira em torno do núcleo do universo! Mas a órbita é tão grande que parece ser um movimento em linha reta. - Então... Não estamos indo rumo a algum lugar? - Perguntou RELPEK. - Talvez. Ou quem sabe apenas estejamos girando infinitamente, assim como o sol gira em torno de nosso mundo. - E a gravidade? Como ela funciona aqui? - Achamos que somos atraídos por todos os pontos do planeta, porém, como estamos mais próximos do solo, a força de atração aqui consegue nos manter no chão. O mundo tem uma casca de cerca de 10 mil km de espessura, portanto, daqui até o outro lado, lá em cima, são 20 mil km. Caminharam por um bom tempo, conversando animadamente. RELPEK estava calmo, estranhando o fato de não fazer uma bateria incessante e exaustiva de perguntas. Ainda com tranquilidade perguntou: - E essa luz que vem das nuvens? - Você já vai ver. Daqui a pouco vai amanhecer. - Amanhecer? - RELPEK! - Gritou de longe EIRAM. - Venha! O dia já vai começar! - Veio correndo e puxou RELPEK pelo braço rumo a uma encosta íngreme. Subiram, e lá do alto tinham uma visão bem ampla da planície, podendo distinguir outros vilarejos, ou cabanas, mais distantes. Mas a escuridão estava cada vez maior. Então, de repente, ouviram um suave som de vento acima das nuvens, e pouco a pouco elas foram se abrindo, lentamente, até que, ao alto, no meio do céu, uma estrela começou a brilhar.
Era difícil acreditar no que via. Começou muito suave, uma luminosidade crescente, numa área grande, uma esfera bem maior do que o sol que, porém, foi encolhendo e ficando mais intensa, brilhando cada vez mais. A luz intensificada tornava a planície muito mais notável. Puderam avistar bem mais longe, e viram montanhas, rios, florestas, mares, até onde a vista alcançava. Aquele mundo interno só poderia ser fechado sobre si mesmo, mas era tão grande que não era possível distinguir a curvatura. Parecia uma planície infinita. Olharam de novo para a estrela, que agora brilhava tanto que já era ofuscante. Pequenina, mas branca e radiante, parecia fazer EIRAM entrar em transe, e ela se curvou, em breve reverência. - Aqui estamos, meu amor. Diante da Luz Central. RELPEK preferiu nada dizer. Tinha que admitir um empate entre a ciência e a religião. A Luz Central existia, estava ali acima de todos. Mais tarde viria a saber que era como um coração. Brilhava radiante por dezenas de horas, produzindo o dia, até que então começava a enfraquecer e se expandir, à medida que os gases iam se afastando rumo às nuvens levando calor e energia para a superfície. Até que, a partir de um certo momento, a dispersão dos gases fazia a estrela ir se apagando, até que a força de atração do núcleo invisível passasse a puxá-los de volta, reiniciando a reação luminosa. O Divino Centro, como dizia EIRAM, pulsava, se acendendo e se apagando, produzindo suaves dias e noites. O mundo era de fato oco, o que significava que havia muitos problemas científicos para serem solucionados pela sapiência da superfície. No entanto, esse mundo central era físico, e não um domínio sobrenatural, e o mais irônico de tudo: Não era preciso morrer para vir para cá. - Acredita agora? - Perguntou-lhe sua esposa. - Que posso dizer? Devo suspender meu julgamento para aprender mais. - Teremos muito tempo. Aqui há uma força divina que nos faz viver muito mais, talvez até para sempre. Me contaram de pessoas que tem idades muito além das possíveis na superfície. Então o jovem cientista apareceu por trás deles. - É verdade. Acreditamos que seja alguma propriedade da atmosfera. Há algo aqui que nos faz mais saudáveis. Na verdade, quase nem precisamos comer! As pessoas também se tornam mais alegres, perdem os impulsos violentos. - E os que nascem aqui? - Perguntou RELPEK. O jovem rapaz sorriu. - Quase ninguém nasce aqui. A maior parte das pessoas vem da superfície. Eu mesmo cheguei faz pouco tempo, e estou trabalhando num projeto para que possamos voltar à superfície e avisá-los sobre como é aqui em baixo. Mas sinceramente, não sei se um dia conseguiremos fazer isso. - As pessoas lá em cima... Elas precisam saber! - Você poderá ajudar, querido. - Disse EIRAM. - Mas por enquanto, vamos apenas apreciar.
- Bem, vejo que vocês querem ficar a sós. Depois conversamos RELPEK. - O rapaz se despediu.
Marcus Valerio XR |