- Bem. É o que as coordenadas indicam. Só que não podemos ver. - Nenhum de nossos sensores mostra nada! - É totalmente indetectável. Não se conhece tecnologia capaz de percebê-la. Mas está lá. A uns 1300m de profundidade. - E as pessoas que moram na superfície? Nem desconfiam? - Com certeza não. Ou nem teriam coragem de ficar lá. Se é que saberiam o que isso significa. - Muito bem. Já providenciou a peça que faltava? - Sim. Daqui a umas 53 horas ele já estará pronto. - Melhor assim. Não quero fazer o Chefe esperar mais. Ele aguarda esse momento há anos. Finalmente conseguiu todos os códigos necessários e... - COMO ESTÁ O CRONOGRAMA!?!? - !!! Che-Chefe! Eu não percebi que... O senhor estava... - FIZ UMA PERGUNTA!!! - Já... Já estamos com tudo preparado e... - O... Curan... Curandeiro está pronto senhor. Terminou o treinamento... Hoje mesmo. Logo estaremos enviando uma nave para buscá-lo. É... O senhor... Garante mesmo que as defesas anti-aéreas não irão... - ACHA QUE EU PERDERIA MEU PRECIOSO TEMPO SE NÃO SOUBESSE O QUE ESTOU FAZENDO?!?! - N-Não Senhor! - Só queremos ter certeza senhor! - MUITO BEM. VOCÊ NÃO PRECISAM FICAR TÃO PREOCUPADOS! TRABALHARAM DIREITO E FIZERAM SUA PARTE. ASSIM QUE O METANATURAL CHEGAR ESTARÃO DISPENSADOS E O ACORDO SERÁ CUMPRIDO. - ...O-Obrigado senhor! - Somos muito, agradecidos. Quando o Chefe se retirava era impossível não notar que ficava mais fácil respirar. Ele não devia ser um mal sujeito apesar da aparência assustadora. Se é que podia-se dizer que tinha uma aparência. Era sempre justo e honesto. Mas não dava para ficar a vontade com ele. Ainda mais ali. A 40 mil kms de altitude, a bordo de uma nave não muito grande, contemplando pelo visualizador holográfico a abissal imagem do planeta Terra. |
||
Deserto de KOLNEIA, dia 164 do ano 687 da idade pós dourada, ou ano 3947 pelo sistema antigo. Septuagésimo oitavo registro da minha fase nômade. Meu nome é Alice Bahaba, e se você que está ouvindo esse meu diário esporádico não me conhece, melhor ainda. Detesto quando minha má fama me precede. Primeiro deixe-me esclarecer uma coisa, este é o primeiro diário deste mês e como sempre nessa ocasião eu faço uma breve apresentação de mim mesma e minhas pupilas, para o caso de você estar tomando contato com minhas memórias pela primeira vez. Eu tenho 48 anos, mas meu metabolismo é supra homo sapiens, não sei se chego a ser homo superior pois sou DARIANA, como explicarei mais a frente para o caso destes registros serem pesquisados por alguém de uma cultura menos contemporânea. Tenho 1,87m de altura, peso 85 kgs, meus olhos e cabelos são castanhos ligeiramente avermelhados e eu sempre os mantenho ao natural ao contrário de algumas de minhas meninas que mudam cor de olhos, cabelos e pele em toda oportunidade que encontram como se fossem criaturas miméticas. Minha mãe era cientista numa cidade utópica, BEL-LAR para ser mais exata, meu pai era administrador numa das cidades médias que eu não me lembro o nome e nem me interessa. Graças e eles terem assumido minha criação, tive a oportunidade de conhecer não só as cidades utópicas como as terras médias e as terras livres, onde preferi viver. Nenhuma de nós após uma vida tão desregrada, poderia entrar numa Cidade Utópica, e as cidades médias são confusas, chatas ou caóticas demais. Por isso vivemos aqui, nesses territórios sem lei, onde cada povoado tem suas próprias regras e onde nós podemos ser o que nos queremos ser, e não apenas o que a sociedade quer que sejamos. Fui rebelde por natureza, indomável, chego a ter pena da minha mãe, e embora lamente ter feito muitas besteiras na vida, hoje tenho orgulho do que sou. Me vejo no retrovisor, estou com minha viseira de cristal metálico, presente de um incauto apaixonado que me cortejou há alguns meses atrás e que na primeira investida ficou com alguns dentes e neurônios a menos devido a sua indiscrição. Mas acabei dando o braço a torcer e quase lhe pedi desculpas, era um bom homem, mas nem chegou perto de sequer ameaçar me domar. Acho que a cicatriz que agora já sumiu do meu rosto, que havia ganhado alguns dias depois foi castigo do Universo por ter sido injusta com ele, é a única explicação. Eu tinha desligado o escudo de energia como sempre faço quando quero sentir o vento em meu rosto e cabelos, e quando ajustava os escudos e sensores laterais, o que causa uma breve queda no sensor de aproximação frontal, um maldito besouro se chocou no lado esquerdo bem em cima de minha bochecha. Arrancou uma tira de sangue e doeu um bocado, passei o dia inteiro mal humorada. E se tivesse sido no olho? Demoraria um mês para me curar totalmente. Portanto passei a tomar mais cuidado com o escudo, nunca alterar os sensores com ele desligado. Fiz isso de regra para todas as meninas. Nesse momento estou sobre minha moto voando a 29 m/s a frente de minha gangue. Estamos devagar, uma de nossas motos está com o disco antigravitacional dianteiro destruído e tem que se mover sobre rodas até encontrarmos peças de reposição em algum lugar nesses vastos e desolados desertos, o que não será nada fácil. Se eu deixasse, não duvido nada que as malucas donas da moto, estivessem correndo sobre rodas a uns 100 m/s, o que é um suicídio. Sou uma líder experiente e bastante respeitada, mesmo assim não é fácil manter essas meninas na linha. Tenho que saber precisamente quando ser carinhosa e quando devo acertar o nariz de uma delas para por um mínimo de juízo naquelas cabecinhas inconsequentes. Com algumas exceções é claro. Assim elas me respeitam não só como uma chefe, mas como uma mãe. Das 40 moças que me acompanham só confio mesmo em duas para qualquer responsabilidade maior, Djane Mei e Velita Karmeni. Não fosse por elas eu já teria perdido a paciência. Há também a Xivia Pesel, nossa campeã, que devido a extraordinária capacidade de combate conquistou o respeito das outras e acabou por se esforçar em se adaptar à imagem que fizeram dela. Na verdade posso contar nos dedos as pessoas desse mundo capazes de derrotá-la numa luta franca, nem eu mesma consigo, mas no fundo em seus meros 24 anos ela ainda não passa de uma criança como as outras. Com a exceção de 16 garotas, todas as outras inclusive eu somos DARIANAS, prováveis descendentes de uma hipotética humanidade matriarcal de dois certos planetas chamados SAMTARA e SEILA, cujo primeiro dizem existir do outro lado da galáxia. Pessoalmente não acredito nesses mitos antigos mas eles são ótimos para o ego das meninas. Acreditar que em algum ponto da Via-Láctea um império de mulheres como nós está devorando civilizações inteiras da mesma forma que nós devoramos "gatinhos" e IONES é no mínimo super excitante. Por falar nisso acabamos de deixar para trás uma pequena cidade chamada Nova Kalma, aliás todas as cidades que encontramos nos últimos meses se chamavam "nova alguma coisa". Como sempre eu preferia uma estadia mais discreta mas os imbecis dirigentes da cidade tiveram a infeliz idéia de nos hostilizar e aí não deu pra segurar as meninas, elas arrasaram a cidade, pegaram todos os rapazes IONES jovens e fizeram uma orgia que eu juro que nunca ter visto nesses meus 15 anos de estrada e aventuras. Depois eles contrataram um bando de justiceiros ou protetores locais que juntos com o que restou da polícia dessa região, nos seguiram dezenas de kms e num momento meu de descuido e imprudência de algumas das meninas, acabaram por capturar duas delas. Jamais deixo sequer uma de minhas garotas para trás, nos reorganizamos, revidamos e demos a aquele bando de machistas babacas uma lição que poderia muito bem faze-los desistir de serem homens. Mas depois eles ainda deram um jeito de juntar mais reforços e se eu não me engano até uns metanaturais locais. Nos seguiram mais um bom bocado mas ao que parece, desistiram há dois dias atrás. Acredito que isso se deve ao fato de eu ter obrigado algumas de minhas pupilas a deixarem para trás os 4 Iones que elas insistiam em trazer. Resultado, isso nos custou uma moto, que foi totalmente destruída, a outra que não pode mais flutuar e muita munição. Além de algumas delas terem se machucado, nada grave mas há quem vai ficar um tempo com uma cicatriz no braço esquerdo. Uma vez prometi a elas que em breve todas teriam sua própria e exclusiva moto, no momento só temos 30 contando a avariada, isso obriga algumas a andarem em dupla. Estou demorando a cumprir essa promessa apesar de estarmos progredindo, na ocasião em que prometi éramos 28 moças e 15 motos. Mas agora o que me preocupa é que com o estardalhaço que fizemos todas as patrulhas dos próximos povoados já estejam de sobre aviso a nosso respeito. Por isso decidi sairmos de nossa rota original e vagarmos pelas terras baixas por uns tempos, para limpar a barra. Com certeza será mais tranquilo mas em compensação a possibilidade de acharmos peças para consertar a moto avariada diminui muito. Tenho que impor muita moral nessas moças pois minha intenção na próxima cidade e ter uma estadia amigável e quem sabe até conquistar a confiança dos nativos. Não vai ser fácil, muitas de minhas pupilas estão ovulando e se você não sabe o que isso significa para uma DARIANA, eu recomendo que sendo homem, nem chegue perto de uma delas quando estão nesse estado a não ser que esteja com muita disposição sexual. Se a lua estiver cheia então fuja! Elas ficam totalmente malucas. Eu por ser mais velha já não tenho uma vontade tão impotente contra minha própria libido, mas eu também adoro sexo, e muito! Sempre lembro de pensar que a melhor coisa do mundo sempre existiu independente da tecnologia. Prova de que a Deusa é bondosa. Adoro minha moto, adoro roupas de tecidos sintéticos e adoro visores ultra ópticos. Mas nada disso se compara a sexo. Dizem que há alguns milênios atrás houve sociedades que consideravam o sexo como uma coisa maligna, que destruía o espírito humano. Só mesmo uma hipocrisia absurda e uma maldade monstruosa poderia construir um pensamento desse tipo. Não consigo acreditar que isso seja concebível. É certo que muitas coisas melhoraram nos últimos séculos afinal os Iones surgiram há pouco mais de 400 anos, e mesmo nós DARIANAS fomos uma evolução posterior ao surgimento dos homo superiors. Sei que há algum tempo atrás ainda haviam mulheres que na minha idade já estariam com rugas. Pior ainda! Ouvi falar numa tal de pausa na ovulação que lhes eliminava o desejo sexual! Eu me mataria. Mas não consigo entender uma sociedade que tornava a fonte da vida, do amor, do prazer, justamente na fonte da morte. Estou me empolgando, o dispositivo de gravação piscou em alerta as oscilações de meus pensamentos. Se quero continuar gravando tenho de me manter concentrada. Isso eu sei fazer, as vezes consigo gravar até músicas. Agora, passada a última curva, avistamos sinais de povoado. Já não era sem tempo. Vimos um veículo aéreo cruzar ao longe violando a Lei de Cobertura. Incrível! Violando uma das poucas leis desse território. Se estiver ao nosso alcance vamos derrubá-lo. As meninas estão empolgadas, é hora de parar e conversar com elas, algumas merecem uma bronca séria desde que saímos de Nova Kalma, mas preciso ser mais suave nesse momento. Não quero excitá-las ainda mais. Está na hora de ser mãe. O sol acaba de se esconder, o vento está fresco e agradável. Não há sinal de vida além da fumaça da cidade logo a frente. A placa diz Nova Altéia, população 1500 habitantes. Acho que vai ser bom. |
||
O Sol se levanta no horizonte e a estrada se revela em extensão aparentemente infinita. Numa reta quase perfeita, um veículo rasga o ar como um meteoro, mas tocando o solo, criando vento no deserto. A ausência aparente de formas de vida é quase absoluta, apenas pequenos animais presenciam o evento, alguns dos quais são expulsos pelo deslocamento de ar antes de serem esmagados pelas rodas. |
||
Em escuridão total, num espaço pequeno e abafado, dois garotos dialogam. - Ei! Paramos!- Acho que chegamos a algum lugar. - Ah! Para com isso! Fica calmo. Elas não vão nos machucar. - Shhh. Agora você que está gritando. - Ué! Nós não somos invulneráveis. Regeneramos mais rápido mas... - Ah! Ai mas que droga! Por que é que elas tinham que me trancar com você. - ... Cara. Você realmente acredita nisso? - Shhh. Fala baixo. A dona saiu da moto. Deu pra sentir? - Tá. Calma. Não é que eu não acredite. Eu acredito. Mas acho que os Patriarcas exageram um pouco. Não é possível... Quer dizer, não faz sentido que nós sejamos punidos se elas nos obrigarem a... - ?!? Não sei. Mas não tô ouvindo mais elas. Acho que se afastaram. De repente acho que se a gente conseguisse sair daqui podíamos fugir. - É tem razão. Não podemos deixá-los. Mas se a gente conseguir abrir isso aqui por dentro deve ser mais fácil abrir por fora. - Fácil. Se todas as motos estiverem vazias e flutuando, e só olhar a que estiver com os discos girando mais rápido. Sinal de que está com mais peso. Vamos. Me ajuda aqui. Em outra escuridão total, num outro espaço pequeno e abafado, dois outros garotos dialogam. Mas aqui há uma luz. Um deles tem um pequeno anel luminoso. - Sabe o que eu acho? Que essas donas que pegaram a gente tão... Tão...- Tão desobedecendo a líder. A tal da Alice. - Viu que ela mandou deixar a gente na estrada? - ...Eu acho que a líder não mudou de idéia. Aquelas duas vieram sem ela saber. Por isso nos colocaram nesses depósitos de carga. Pra nos esconder. - Sim. Mas o que isso tem haver? - Shh. Fale baixo. - Com o quê? - ?!? É sério!? - Por quê? - Meu pai não gosta dos patriarcas. - Pô cara... Elas são bonitas. - O que foi? - De o quê? O quê?! Fale?! - Essas moças? Tão bonitas? Agentes de XAIT? - Ei! Você pode gritar e eu não?! - O quê?! - Estamos nos movendo de novo. Em outra direção. |
||
O Sol se põe no horizonte... Na verdade o Sol não sai do Horizonte por 6 meses seguidos nessa região do planeta. No meio do deserto arenoso, entrecortado por infindáveis retas de revestimento sintético liso, uma pequenina cidade de destaca. As casas parecem tendas, embora possuam armações fortes. Umas 60 ao todo, interligadas por alguns túneis. Em volta há pequenos mas produtivos jardins e bem ao centro, uma construção que por mais estranha que pareça sempre lembrará um templo. - S-Sim... Senhor... O... O agente das trevas já partiu ao encalço das criminosas. No máximo em dois dias nossos rapazes estarão de volta. - Sim... Eu sei senhor mas... Nada podemos fazer. Nossa situação é desesperadora! Eu jamais pensei que um dia fosse contratar um tipo como esse tal... - Sim senhor. Tenho certeza disso senhor. Mas rezemos aos Sentinelas para que... |
||
|
|||||