Primeira
Parte
Por uma
ESTÉTICA DOURADA

Marcus Valerio XR

Terceira
Parte

 

 

  SEGUNDA PARTE

 

 

  ANÁLISE DO CONCEITO DE SIMPATIA NAS OBRAS

O TRATADO DA NATUREZA HUMANA
DAVID HUME

E

TEORIA DOS SENTIMENTOS MORAIS
ADAM SMITH

 

 

 

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A ÉTICA SIMPÁTICA DE HUME

A escolha de Hume como autor fundamental desta monografia se justifica, além da convergência terminológica dos conceitos empatia e simpatia, pelo fato de que este, sendo maior representante do empirismo, está em lugar de destaque como exemplo de uma relação desejável para a temática, a que comunica o senso comum e a academia. Hume é um autor que pretende ser acessível a um público mais amplo, e apesar de ainda apresentar uma erudição que exige algum esforço por parte do leitor, certamente é muito mais acessível que Aristóteles ou Kant.

Sendo um pretendente da clareza, aliás, característica típica da produção intelectual britânica e adjacente, e apelando aos sentimentos como geradores da moralidade, Hume está em harmonia com as pretensões desta monografia, que também pretende aliar as virtudes da simplicidade e profundidade.

É bom adiantar que Hume, ao usar o termo ‘moral’ [morality], em geral está se referindo àquilo que prefiro chamar de ‘ética’, e que este termo, no caso de sua primeira obra sobre tema, é usado sempre na expressão ‘sistemas éticos’’ [system of ethics]. No momento, porém, tal distinção não é relevante. Será suficiente seguir sua linha de raciocínio, que usando ‘simpatia’ para o que prefiro chamar de ‘empatia’, permite verificar sua concepção de uma natureza humana intrínseca que fundamenta o sentimento moral, ético, que não é racional, antecipando em séculos descobertas recentes da neurologia e endocrinologia.

Portanto, neste momento trabalharei com equivalência dos termos ‘ética’ e ‘moral’.

Não é a primeira vez que Hume antecipa conceitos científicos. Sua obra Diálogos sobre a Religião Natural também antevê quase um século a idéia de um princípio auto ordenador na natureza, que viria a ser conhecida como Seleção Natural, e prontifica com meio século de antecedência o maior adversário da mais formidável versão do argumento do desígnio, de William Paley. Tema que tratei em minha monografia Kosmos e Telos 12.

Entre as muitas obras de Hume, há também motivos para a escolha do Tratado da Natureza Humana, visto ser esta sua primeira e maior obra, onde transparecem nitidamente suas pretensões nada modestas, e portanto francamente confessas, bem como se trata do primeiro texto relevante a utilizar o conceito de ‘simpatia’ de forma clara, aplicada à teoria moral, em especial, no caso, o Volume III, publicado em 1740. Quase 20 anos depois seu amigo Adam Smith publicaria a Teoria dos Sentimentos Morais, 1759, onde expandiu muito o conceito que Hume, após o fracasso de público de sua primeira obra, terminou por enfatizar menos.

Embora suas idéias tenham sido aproveitadas em obras posteriores, em especial Investigações sobre os Princípios da Moral, inclusive o conceito de simpatia, fica claro que este ficou relegado a uma importância menor que no Tratado, e, ainda mais importante, porque Hume promove uma discreta mudança de ênfase do âmbito prático para o especulativo, o que caracteriza claramente um enfraquecimento de sua pretensão filosófica, como se vê:


12. www.xr.pro.br/monografias/KOSMOSeTELOS.html

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But I forget, that is not my present business to recommend generosity and benevolence, or to paint, in their true colours, all the genuine charms of the social virtues. (…) But our object here being more the especulative, than the practical part of morals, it will suffice to remark, (what will readily, I believe, be allowed) that no qualities are more intitled to the general good-will and approbation of mankind than beneficence and humanity, friendship and gratitude, natural affection and public spirit, or whatever proceeds from a tender sympathy, white others, and a generous concern for our kind and species. (An Enquiry Concerning The Principles of Moral, Section II, 140)

Mais interessa, portanto, a postura de Hume no Tratado, onde apesar de assumir a dimensão especulativa, declara abertamente que:

A filosofia comumente se divide entre especulativa e prática. Como a moral se inclui sempre nesta última divisão, supõe-se que influencie nossas paixões e ações, e que vá além dos juízos calmos e impassíveis do entendimento. (Tratado da Natureza Humana, Livro III, Parte I, Seção I, parágrafo 5, página 497)

Hume então, considerava que a moral [morality] era um objeto de estudo da filosofia prática, embora evidentemente sujeita também a especulação, o que reverbera na proposição número 1 desta monografia, que privilegia a ética principalmente devido a sua continuidade do âmbito abstrato ao concreto, nunca permitindo o abandono de algum deles. Ele declara abertamente:

A moral é um tema que nos interessa mais do que qualquer outro. Imaginamos que a paz da sociedade está em jogo a cada decisão que tomamos a seu respeito; e é evidente que essa preocupação deve fazer nossas especulações parecerem mais reais e mais sólidas que quando o assunto nos é, em boa parte, indiferente. (Ibid parágrafo 1, páginas 495 a 496)

Sua teoria ética está, evidentemente, de acordo com sua epistemologia e todo o seu sistema empírico e cético. O Tratado da Natureza Humana, cujo subtítulo é Uma tentativa de introduzir o método experimental de raciocínio nos assuntos morais, envolve ao todo três volumes, onde ao primeiro, Livro I - Do entendimento, publicado em 1739, é dada a incumbência de apresentar sua teoria do conhecimento, que viria a ser imortalizada na obra Investigação sobre o Entendimento Humano, de 1748. O Livro II - Das paixões, publicado juntamente com o primeiro, desloca a análise da razão para a emoção, e um ano depois, o Livro III - Da moral, finalmente vem fechar sua obra, aplicando os conceitos anteriormente desenvolvidos numa teoria ética de fato. Podemos notar então, que todo o projeto filosófico de Hume, tem como ponto de partida uma obra de pretensão predominantemente ética.

Este terceiro volume, como o próprio autor declara, é bastante independente, mas não tanto a ponto de dispensar algum conhecimento prévio sobre os temas desenvolvidos anteriormente. É quase certo que a tentativa de torná-lo mais autônomo deve-se mais ao insucesso de público dos volumes anteriores, do que a uma real auto suficiência, insucesso que viria a ser compartilhado, e que só seria revertido em suas publicações posteriores.

Ainda assim, o enfoque aqui será neste Livro III, onde a terminologia previamente desenvolvida não tarda a aparecer.

Já observamos que nada jamais está presente à mente senão suas percepções; e que todas as ações como ver, ouvir, julgar, amar, odiar e pensar incluem-se sob essa denominação. (Ibid § 2, pág 496)

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Os sentimentos, incluindo os morais, são evidentemente percepções, que por sua vez se reduzem a dois tipos, Impressões e Idéias. A questão inicial, então, se torna:

Será por meio de nossas idéias ou impressões que distinguimos entre o vício e a virtude, e declaramos que uma ação é condenável ou louvável?A resposta a essa questão dará fim a todos os discursos vagos e grandiloquentes, atendo-nos a uma abordagem exata e precisa sobre o assunto presente. (Ibid § 3, pág. 496)

Sem falsa modéstia, Hume tem a pretensão de revolucionar o tema, e para isso, precisa demonstrar uma falha fundamental em comum na maioria dos sistemas éticos predecessores. Tal falha estaria na popular visão de que a psicologia humana pode ser entendida por uma constante rivalidade entre os domínios da Razão e da Emoção. Com esta última, de impulsos primitivos, pressionando de todas as formas para realização de suas pulsões naturais, e a primeira, que tem algo de divino, tendo a incumbência de dominá-la, justificando a denominação de ser racional.

Até a atualidade, resta em nosso linguajar uma terminologia que privilegia a racionalidade praticamente como sinônimo de conduta adequada, ponderada, justa. Comumente declaramos que a pessoa entregue a suas paixões age de forma instável e não raro problemática, e embora tal visão, na contemporaneidade, já tenha sido submetida a revisões, críticas e também repúdios completos, ainda é muito forte no senso comum a noção de que uma ação ‘boa’ é uma ação racional.

Considerando que, segundo sua teoria, as impressões são muito mais vívidas que as idéias, visto que as últimas seriam meras cópias das primeiras, invertendo completamente o platonismo, Hume estabelece que sendo o senso moral de forte capacidade de nos influenciar, só poderia derivar do primeiro grupo, e para ficar mais claro, necessitamos recuar ao Livro II.

Para mostrar a falácia de toda essa filosofia, procurarei provar, primeiramente, que a razão, sozinha, não pode nunca ser motivo para uma ação da vontade; e, em segundo lugar, que nunca poderia se opor à paixão na direção da vontade. (Livro II, Parte III, Seção III, § 1, pág. 449.)

Ou seja, não apenas nega que a razão possa originar a ação ética, mas que ela também possa se opor aos impulsos que nos levariam à ação anti-ética. O pensamento racional, restrito ao mundo da idéias, não poderia produzir outra coisa senão mais idéias, e não seria capaz de mover a força necessária para impulsionar uma ação, que é resultado de operação da vontade.

Para não nos alongarmos em demasia, vejamos um trecho onde, ao final, se localiza uma das frases mais famosas de Hume sobre esse assunto.

Vemos, portanto, que o princípio que se opõe a nossa paixão não pode ser o mesmo que a razão, sendo assim denominado apenas em um sentido impróprio. Quando nos referimos ao combate entre paixão e razão, não estamos falando de uma maneira filosófica e rigorosa. A razão é, e deve ser, apenas a escrava das paixões, e não pode aspirar a outra função além de servir e obedecer a elas. (Livro II, Parte III, Seção III, § 4, pág. 451.)

Se a razão não é capaz de produzir uma ação, nem se opor às ações promovidas pela emoção, que certamente o fazem, então as ações que se opõem aos impulsos imorais também tem origem na emoção, e o modelo da psique humana sendo um campo de batalha entre razão e emoção é substituído por um onde emoções distintas se antagonizam, usando a razão como arma.

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Isso se justifica, dentro do sistema humeano, porque a razão está no domínio das Idéias, que são cópias das Impressões, que incluem as Emoções, e são, por sua vez, percepções originais, e muito mais fortes. Portanto, as únicas tensões possíveis entre razão e emoção são meramente contingentes, e ditas num sentido mais largo. Quando uma crença está equivocada no que diz respeito a satisfazer uma paixão, a exemplo de termos sede e nos enganarmos sobre onde podemos saciá-la, ou no caso de emoção baseadas em ficções, como temer uma ameaça imaginária. No entanto, a simples detecção do engano eliminará a emoção, no último caso, e redirecionará o alvo da ação, no primeiro.

A razão, portanto, só pode nos incitar à ação por meio de uma interação com as emoções, visto que ela poderá despertar uma paixão por meio de alguma operação mental que aponte para uma possível forma de satisfazê-la. Além de nossa simples experiência pessoal já constituir evidência suficiente da impotência de nossa racionalidade contra muitos de nossos impulsos passionais, lembremos que é trivial à nossa geração que computadores não são capazes de tomar decisões sem justificativas racionais claras. E considerando que a maior parte de nossas escolhas não envolvem situações que possam ser reduzidas à pura racionalidade, seria impossível a um ente puramente racional decidir questões complexas sem apelar a alguma instância mais arbitrária. (Ver Behemot X Leviatã na Primeira Parte.)

Além de não poder nos mover à ação, a razão também não poderia nos permitir distinções morais, Hume chega a dizer:

Não é contrário à razão eu preferir a destruição do mundo inteiro a um arranhão no meu dedo. Não é contrário à razão que eu escolha minha total destruição só para evitar o menor desconforto de um índio ou uma pessoa que me é inteiramente desconhecida. (Ibid, § 6, pág. 452)

Portanto, ele propõe uma total amoralidade da razão, que seria apenas um meio de nossas emoções obterem sua satisfação. Podemos fazer objeções a esse sistema por meio da afirmação de que talvez a razão esteja sendo considerada num âmbito estrito, e que um âmbito mais amplo poderia mostrar que escolhas como as citadas poderiam resultar no seu contrário, e frequentemente o fariam, visto que a destruição do mundo inteiro poderia resultar em coisas equivalentes ou piores que arranhões no meu dedo, ou caso eu ficasse à margem dessa destruição, perceberia que tal arranhão é um mal menor do que ser privado do mundo.

Tudo isso, porém, continua envolvendo emoções, visto que a razão está apenas apontando novos elementos que podem despertar paixões. O argumento de que a razão pode estar sendo excessivamente restringida deve levar em consideração o contra argumento de que a emoção também o pode estar. Embora isso não invalide críticas a esse argumento.

Por hora, devemos lembrar que, para Hume, idéias também podem se converter em impressões, de tipo reflexivas, isto é, não sensoriais, caso possuam um certo grau de vivacidade original, proveniente de uma impressão sensorial forte. Isto é, a lembrança de uma sensação intensa é uma impressão que produz uma idéia de sentir frio, mas essa mesma idéia pode evocar novamente a impressão, com o detalhe que originalmente a impressão é sensorial, e agora será reflexiva.

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De qualquer modo, a percepção original deve ser uma impressão, e a impressão que Hume aponta como principal gerador do juízo moral, a ‘simpatia’, é inicial e mais amplamente detalhada também no Livro II, Parte I, Seção XI, no título Do amor à boa reputação, que é quase todo dedicado a definir aquilo que hoje costumamos nos referir melhor como empatia. Hume começa dizendo.

Não há na natureza humana qualidade mais notável, tanto em si mesma como por suas consequências, que nossa propensão a simpatizar com os outros e a receber por comunicação suas inclinações e sentimentos, por mais diferentes e até contrários aos nossos. (Livro II, Parte I, Seção XI § 2, pág. 351)

Mais adiante, descreve a relevância da empatia na produção de emoções, no caso impressões reflexivas.

Quando um afeto se transmite por simpatia, nós a princípio o conhecemos apenas por seus efeitos e pelos signos externos, presentes na expressão do rosto ou nas palavras, e que dele nos fornecem uma idéia. Essa idéia imediatamente se converte em uma impressão, adquirindo um tal grau de força e vividez que acaba por se transformar na própria paixão, produzindo uma emoção equivalente a qualquer afeto original. (Livro II, Parte I, Seção XI § 3, pág. 351 e 352)

Para que a simpatia tenha eficiência, deve haver similaridade entre as partes, normalmente por semelhança ou contiguidade, isto é, as pessoas devem possuir algo em comum que pode derivar da simples convivência, e ou de uma afinidade natural, razão pela qual somos mais afetados por simpatia pelas pessoas que nos são conhecidas, ou por desconhecidos que compartilham conosco algumas características.

Sintetizando melhor a idéia, para não nos alongarmos nos detalhes do sistema de Hume, a simpatia promove um tipo de comunicação sentimental entre as pessoas, de modo que uma consegue compartilhar emoções da outra. Assim, podemos entender um juízo ético, que não devemos causar sofrimento, por exemplo, por nada mais nada menos do que o fato de que o sofrimento causado pode ser refletido em nós mesmos, por pura comunicação simpática, o que promove um forte sentimento de reciprocidade.

Nada pode explicar melhor porque somos mais tolerantes com nossos próximos que com os demais, visto que somos mais ‘simpáticos’ a estes, isto é, as emoções deles nos afetam em grau mais elevado. Da mesma forma, somos mais simpáticos àqueles que, mesmo sendo totais e distantes desconhecidos, compartilham características conosco. As mães compartilham a dor de outras mães que perderam seus filhos com mais intensidade do que aquelas mulheres que nunca tiveram filhos.

Voltando agora o Livro III, prosseguiremos no delineamento da teoria ética de Hume, e algumas de suas peculiaridades. Ele parte de um princípio bastante popular, que coloca como fundamento primário da sensibilidade a aversão à dor e atração ao prazer.

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O principal motor ou princípio de ação da mente humana é o prazer e a dor; e quando essas sensações são retiradas de nosso pensamento e sentimento [feeling], ficamos, em grande medida, incapazes de paixão ou ação, de desejo ou volição. (Livro III, Parte III, Seção I, § 2, pág. 613)

Esta, todavia, é apenas o impulso inicial, presente não apenas nos humanos, mas em todos os seres sensíveis. (É importante notar que aqui começa a surgir a noção de utilidade, pois o que trás o benefício do prazer é útil, que viria posteriormente a ajudar na edificação do Utilitarismo.) É preciso então adicionar o conceito de simpatia para elaborar a explicação que vai do subjetivo ao inter subjetivo.

Podemos começar considerando novamente a natureza e a força da simpatia. As mentes de todos os homens são semelhantes em seus sentimentos [feelings] e operações; ninguém pode ser movido por um afeto que não possa ocorrer também nas outras pessoas, seja em que grau for. Como cordas afinadas no mesmo tom, em que o movimento de uma se comunica às outras, todos os afetos passam prontamente de uma pessoa a outra, produzindo movimentos correspondentes em todas as criaturas humanas. Quando vejo as efeitos da paixão na voz e nos gestos de alguém, minha mente passa imediatamente desses efeitos a suas causas, e forma uma idéia tão vívida da paixão que logo se converte na própria paixão. (...) Nenhuma paixão alheia se revela imediatamente à nossa mente. Somos alheios apenas às suas causas e efeitos. É desses que inferimos a paixão; consequentemente, são eles que geram nossa simpatia. (Ibid, § 7, pág. 615)

Em seguida é afirmado que o senso estético também depende desse princípio, de modo predominante, e assim, por uma via completamente diferente, Hume resgata a associação Bem e Belo, tão evidente no Idealismo Platônico, ainda que conceda o senso moral com produto direto da simpatia, e o gosto do belo apenas como enormemente influenciado. Enfim, apelando ao Princípio de Parcimônia, embora sem usar o termo Navalha de Ockham, Hume conclui pela não necessidade de qualquer explicação adicional para a origem do senso moral.

É importante frisar, entretanto, que Hume está atento a distinção do que chama de moralidade e as instituições de justiça, para ele criações artificiais que tentam aplicar sobre a sociedade princípios originalmente derivados da moralidade, porém, sempre sujeitos à falhas. Assim, fica claro que pode haver nítidas tensões entre a moral e a justiça, como ele próprio coloca.

Quando reconforto pessoas que passam por algum sofrimento, o motivo que me leva a fazê-lo é meu respeito humano natural; e até onde vai meu auxílio, estarei promovendo a felicidade de meus semelhantes. Se examinarmos, no entanto, todos os casos que se apresentam diante dos tribunais de justiça, veremos que, considerando-se cada um separadamente, tomar uma decisão contrária às leis da justiça seria com igual frequência um exemplo de humanitarismo quanto tomar uma decisão conforme a elas. Os juízes tiram do pobre para dar ao rico; conferem ao vagabundo os frutos do esforço do trabalhador; e põem nas mãos do depravado os meios de causar danos a si mesmo e aos demais. (Ibid, § 12, pág. 619)

Hume, contudo, está apenas apontando a distinção das virtudes naturais, que se aplicam a casos isolados, da instituição artificial da justiça, que deve observar o bem público como um todo. A mesma decisão que, afetando grandes contingentes da população, pode produzir um inegável benefício social, pode ser, em casos particulares, injusta. Com isso, chama a atenção para a relação preferencial do senso moral simpático com os casos particulares, que se dá necessária e diretamente. Já sua relação com os casos gerais é secundária e contingente.

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Mais adiante, no na Seção I, surge uma idéia que pode ajudar a dirimir potenciais dificuldades, e que parece de alta relevância para mostrar o quão complexas podem ser as derivações de uma ética baseada num conceito simples. Pois a simpatia...

...frequentemente se dá sob a aparência de seu contrário. Pois podemos notar que, quando uma pessoa se contrapõe a mim em uma opinião a que estou fortemente apegado e desperta minha paixão em virtude dessa contradição, sempre sinto por ela um certo grau de simpatia, e é a isso que se deve minha comoção. (Livro III, Parte III, Seção II, § 3, pág. 632)

De fato, uma opinião contrária a nossa provindo de uma pessoa querida costuma ser muito mais incômoda do que provindo de um desconhecido, e caso provenha de um indivíduo que detestemos, ou de um reconhecido facínora, normalmente em nada incomoda, por vezes até o contrário, serve como mais uma forma de nos distinguirmos dele. Ninguém sente-se lisonjeado por partilhar da opinião de um famoso criminoso repudiado por todos, mas sim por partilhar da opinião de um reconhecido e admirado benfeitor, com quem simpatizamos.

Logo em seguida, Hume contrapõe as distintas reações da simples ligação simpática com a comparação, e faz uma citação do livro anterior.

Em qualquer tipo de comparação, o primeiro objeto sempre faz que obtenhamos do segundo, com que é comparado, uma sensação contrária à que surge quando ele próprio é considerado direta e imediatamente. A consideração direta do prazer de outrem naturalmente nos dá prazer, e, portanto, produz dor quanto esse prazer é comparado com o nosso. A dor alheia, considerada em si mesma, é dolorosa para nós, mas aumenta a idéia de nossa própria felicidade, dando-nos prazer. (Ibid, § 4, pág. 633. Citando trechos do Livro II, Parte II, Seção VIII, § 9 pág. 410)

Partindo dessa idéia, Hume comenta sobre a capacidade que temos de despertar, a qualquer momento, a felicidade sobre nossa situação, bastando recorrer à imaginação. O exemplo que ele usa é a respeito da dor dos navegantes submetidos a uma terrível tempestade, mas podemos adaptá-lo à contemporaneidade. Se estamos seguros em nossa própria casa, em terra firme, não é difícil imaginar como nos sentiríamos dentro de um avião açoitado por uma tormenta e em franca pane, conduzindo passageiros aterrorizados para a violenta e certa morte. Basta lembramos que naquela situação, imaginarmo-nos em segurança em nossa própria casa produziria um enorme alívio, e então, pela reversão da imaginação, podemos nos lembrar o quão somos felizes apenas por estar vivos e seguros.

Mais importante, porém, é o modo como essas noções de comparação podem ser usadas para explicar outras virtudes e vícios, visto que a frequente comparação entre os seres humanos podem gerar as mais diversas reações, pois...

Rebaixamo-nos muito, a nossos próprios olhos, quando estamos em presença de uma pessoa importante ou de um grande gênio; (...) Às vezes, a comparação chega a gerar inveja e ódio, (...) Como a simpatia tem uma influência tão poderosa sobre a mente humana, ela faz com que o orgulho tenha, em certa medida, o mesmo efeito que o mérito; e, ao fazer-nos penetrar nos elevados sentimentos que o orgulhoso tem de si mesmo, propõe essa comparação que é tão humilhante e desagradável. (Livro III, Parte III, Seção II, § 6, pág. 634)

O orgulho, ou seja, uma opinião presunçosa de nós mesmos, deve ser um vício, já que causa desprazer em todas as pessoas, (...) é nosso próprio orgulho que nos torna tão descontentes com o orgulho dos outros; (...) As pessoas alegres naturalmente se associam com as alegres, e as amorosas com as amorosas; mas os orgulhosos não suportam os orgulhosos, preferindo a companhia de quem tem a disposição oposta. (Livro III, Parte III, Seção II, § 7, pág. 635/636)

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Se compararmos essa explicação sobre o orgulho com a tradição, notaremos uma distinção abissal. Orgulho, era visto como um pecado capital, e era, na realidade, o motivo principal da rebelião de Lúcifer. No sentido geral, o problema do orgulho remetia mais a uma ofensa ao divino, visto que deveria ser natural do ser humano se humilhar perante Deus, e assim seria também a fonte geradora dos outros vícios. Hume, por outro lado, está unicamente preocupado com o efeito emocional que o orgulho tem sobre as outras pessoas, sua não-utilidade, sendo gerador de insatisfação. Mas não se deve confundir o conceito com outros similares, como as conotações positivas do orgulho, que desta vez, são úteis.

Embora um conceito exagerado de nosso próprio mérito seja vicioso e desagradável, nada pode ser mais louvável que dar valor a nós mesmos, quando realmente possuímos qualidades de valor. (...) Quaisquer que sejam as aptidões de uma pessoa, elas lhe serão inteiramente inúteis se ela não as conhecer, e se não fizer projetos condizentes com ela. (...) e se fosse permitido errar para mais ou para menos, seria mais vantajoso supervalorizar nosso mérito (...) O destino comumente favorece os audaciosos e empreendedores; (Ibid § 8, pág. 636)

Embora isso soe quase contraditório, há uma notável decorrência que deve ser considerada, visto que desta disposição terminam por decorrer ações que podem ser vistas como supra sumos da virtude.

Este raciocínio ganhará ainda mais força se passarmos da conversação e da vida cotidiana para a história, e observarmos que todos aqueles feitos e sentimentos que se tornaram a admiração dos homens estão fundados unicamente no orgulho e na auto-estima. (...) ide e dizeis a vossos compatriotas que deixastes Alexandre completando a conquista do mundo. O príncipe de Condé sempre teve uma admiração particular por essa passagem (...) “Alexandre”, dizia o príncipe, “abandonado por seus soldados, entre bárbaros ainda não completamente subjugados, sentia dentro de si uma tal dignidade e um tal direito de comando, que não podia acreditar que alguém pudesse se recusar a obedecer-lhe. Estivesse ele na Europa ou na Ásia, entre gregos ou persas, pouco lhe importava: onde quer que achasse homens, imaginava ter encontrado súditos. (Ibid § 12, pág. 639)

Hume mostra que um sentimento que pode nos fazer ser desagradáveis, o mesmo, ou ao menos um relacionado, pode nos levar a admiração e estima. Tal como esse exemplo, o autor aborda diversos outros, com demonstrações de como as mais diversas virtudes e vícios podem ser explicados mediante a noção de simpatia, bem como as noções de similaridade e contiguidade. É, porém, interessante lembrar também uma passagem do livro anterior que tem uma contribuição que ajuda a fechar melhor o entendimento do sistema.

Nada é, porém, mais propício a aumentar e a diminuir nossas paixões, a converter prazer em dor e dor em prazer que o costume e a repetição. O costume tem dois efeitos originais sobre a mente: confere a ela uma facilidade para realizar uma ação ou para conceber um objeto; e, posteriormente, uma tendência ou inclinação para fazê-lo. Com base nesses dois efeitos, podemos explicar todos os outros, por mais extraordinários que sejam. (Livro II, Parte III, Seção V § 1, pág. 458)

Em síntese, podemos inferir daqui a dimensão normativa de Hume num lume mais prático, visto que estaria a cargo do costume, no caso, bons costumes, aperfeiçoar nossa sensibilidade e lapidar nossas virtudes.

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Passemos então, a parte conclusiva da obra, retomando o Livro III, Parte III, agora na Seção VI, e última, onde Hume apresenta suas conclusões, na forma de certezas de que a simpatia:

...é um princípio muito poderoso na natureza humana;

...exerce grande influência sobre nosso senso do belo;

...tem força suficiente para nos proporcionar os mais fortes sentimentos de aprovação (...) sem a concorrência de outros princípios;

...é a principal fonte das distinções morais; (Livro III, Parte III, Seção VI §1, pág. 657)

E mais, acrescentando ainda que...

...o bem público ser-nos-ia indiferente se a simpatia não criasse em nós um interesse por ele. Podemos presumir que algo semelhante se passa com todas as outras virtudes que tenham a mesma tendência para o bem público. Essas virtudes devem derivar todo o seu mérito de nossa simpatia com aqueles que dela se beneficiam, assim como as virtudes que têm uma tendência para o bem de quem as possui derivam seu mérito de nossa simpatia com essa pessoa. (Ibid pág. 658)

E a síntese final.

A virtude é considerada como um meio para a obtenção de um fim. Um meio só tem valor se o fim tem valor. Mas a felicidade de estranhos só nos afeta por simpatia. É a esse princípio, portanto, que devemos atribuir o sentimento de aprovação decorrente da consideração daquelas virtudes que são úteis à sociedade ou à pessoa virtuosa. Essas virtudes formam a principal fonte da moral. (Ibid §2, pág. 658)

Por fim, só resta mesmo resgatar a pretensão original de Hume, deliberadamente prescritiva, embora atenuada por uma abordagem especulativa. A pretensão não pode ser outra que não o benefício prático das sociedade. A última frase do Tratado da Natureza Humana, excetuando os apêndices, é:

Assim, especulações mais abstratas acerca da natureza humana, por mais frias e sem graça que sejam, fazem-se um instrumento da moral prática; e podem tornar esta última ciência mais correta em seus preceitos e mais persuasiva em suas exortações. (Ibid §6, pág. 660)

 

 

 

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A SIMPATIA DE ADAM SMITH

Duas décadas mais tarde, Adam Smith, que foi amigo e correspondente de Hume, escreveria sua Teoria dos Sentimentos Morais, onde retoma o tema da simpatia como constituinte fundamental da moralidade. Embora tenham se encontrado poucas vezes, Hume e Smith sempre mantiveram contato e uma recíproca admiração. Smith deixa isso claro em seu próprio livro, em mais de uma ocasião, referindo-se a Hume como...

...um filósofo engenhoso e agradável, que reúne grande profundidade de pensamento à maior elegância de expressão, e que possui o singular e feliz talento de tratar os temas mais abstrusos não apenas com a mais perfeita perspicácia, mas com a mais viva eloquência. (Teoria dos Sentimentos Morais, Quarta Parte, Capítulo 1, pág. 219/220, adaptado.)

Smith, inclusive, teria sido repreendido duramente 13 , quando estudava em Oxford, por estar em posse de um exemplar do Tratado da Natureza Humana, que como muitas das obras de Hume, fora severamente rejeitada durante sua vida. Mas nada isso impediu que Adam Smith tomasse conhecimento de uma produção que fora, certa feita, completamente incluída no Index Librum Proibitorum.

Para termos uma breve noção geral da obra de Adam Smith, podemos contar com alguns dos títulos e extensos subtítulos da obra que fornecem praticamente um resumo da mesma. Dividida em sete partes, subdivida em seções que por sua vez se subdividem em capítulos, podemos extrair algumas notáveis sinopses. Da Primeira parte, Seção I, Capítulo III, temos o título “Da maneira pela qual julgamos a conveniência ou inconveniência dos afetos alheios, por sua consonância ou dissonância em relação aos nossos”. E aqui temos um termo chave que indicará uma inicial e significativa diferença com a abordagem de Hume. A maneira à qual o título se refere surge da simpatia, do modo que julgamos tais conveniências simulando em nós mesmos os sentimentos aparentes de outras pessoas, sempre com o cuidado de termos o máximo de informação para tornar a emulação mais precisa, e então sentimos se faríamos a mesma coisa no lugar dela, resultando então na aprovação ou reprovação.

No entanto, há uma notável sutileza. Normalmente estamos primeiramente acostumados a sermos juízes das ações dos outros, e passarmos a ser juízes de nossas próprias ações é o salto inicial para que possamos, finalmente, ser capazes de julgar em nós mesmos as simulações dos sentimentos alheios. Ou seja, a uma via de mão dupla, que pressupõe comparações em ambos os sentidos, tentando sincronizar nosso universo interior com o universo alheio.

Smith dá muita importância a esse ajuste psicológico, de modo que ao realizar tal emulação, é possível que não aprovemos o sentimento, pois podemos julgar que ele é descabido, como por exemplo, rompantes intensos de fúria contra meras brincadeiras inofensivas, ou uma admiração desmedida pelo que não nos pareça digno de tal. É dessas aprovações, que só são possíveis mediante a simpatia, que derivam nossas noções de certo e errado, ou seja, todos os nossos valores e julgamentos têm como origem nos imaginar numa determinada posição especial e apreciá-los. E inclusive julgamos a nós mesmos, emulando dentro de nós um espectador imparcial que pode nos corrigir, tentando anular o efeito de demais paixões interferentes.


13. Rae, John (1895). Life of Adam Smith. New York City: Macmillan Publishers. ISBN 0722226586.

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Há também uma notável preocupação com a questão da simpatia mútua, quando ambos os lados usufruem desse sentimento bilateral, há uma cumplicidade no sentido de se ajustarem aos estados internos um do outro, de modo que quem simpatiza com o que sofre, tenta ao máximo participar de sua situação afim de melhor se ajustar a ele, porém, o que sofre, também tende a diminuir seu nível de sofrimento em respeito ao outro. Esses ajustes seriam muitas vezes espontâneos, diríamos inconscientes, e retornaremos a eles mais adiante. Por ora, só é útil acrescentar que desses ajustes nasceriam as virtudes, como a compaixão, ao elevarmos nossa sensibilidade para acompanhar a tristeza do outro, e a resignação, quando o que sofre se esforça em diminuir tal sentimento em respeito aos demais. E no extremo oposto, a admiração viria de elevarmos nossa simpatia para compartilhar um grande feito alheio, bem como viria a modéstia, quando o autor do feito comede seu orgulho para não humilhar os demais.

A Seção III de mesma Primeira Parte, trás como título “Dos efeitos da prosperidade e da adversidade sobre o julgamento dos homens quanto à conveniência da ação; e por que é mais fácil obter sua aprovação numa situação mais que em outra.” E a explicação é resumida no imediato subtítulo, do Capítulo I, que diz “Que embora nossa simpatia pelo sofrimento seja geralmente uma sensação mais viva que nossa simpatia pela alegria, é em geral muito menos intensa que a naturalmente sentida pela pessoa diretamente atingida”. Querendo dizer que nossa identificação com o sofrimento alheio é maior em qualidade, isto é, somos mais capazes de entender a dor alheia do que o prazer, e ao mesmo tempo costuma ser menor em quantidade, visto que costumamos viver mais plenamente a alegria alheia que a tristeza, mesmo por frequentemente fugirmos desta última. Já o título do Capítilo III é auto explicativo “Da corrupção de nossos sentimentos morais, provocados por essa disposição de admirar os ricos e grandes, e desprezar ou negligenciar os de condição pobre ou mesquinha”.

Caso similar ocorre na Segunda Parte, Seção I, Capítulo III “Quando não há aprovação da conduta da pessoa que confere o benefício, há pouca simpatia pela gratidão daquele que o recebe; e, inversamente, quando há aprovação dos motivos da pessoa que comete o dano, não há nenhuma espécie de simpatia pelo ressentimento de quem o sofre.” 14

Retomando a questão dos costumes, que Hume abordara no Livro II, passemos para a Quinta Parte do livro, intitulado “Da Influência dos Usos e Costumes sobre os Sentimentos de Aprovação e Desaprovação Moral”, no seguinte trecho:

Quando dois objetos são vistos juntos, a imaginação adquire um hábito de passar facilmente de um a outro. Quando o primeiro aparece, acreditamos que o segundo vai seguir. Por si mesmos, um nos faz lembrar o outro, e a atenção desliza facilmente por entre eles.* Ainda que, independentemente do costume, não haja verdadeira beleza na sua união, uma vez que o costume os associou dessa maneira, experimentamos uma inconveniência em sua separação.


* Confira-se David Hume, Treatise of Human Nature, “Enquires Concerning Human Understanding”... (Teoria dos Sentimentos Morais, Quinta Parte, Capítulo 1, pág. 239.)

Smith detêm-se exaustivamente entre exemplos estéticos para mostrar como nossos gostos variam no tempo e no espaço, fazendo com que o mais aceito e reverenciado estilo de hoje seja inaceitável ou ridículo amanhã. Explana inicialmente sobre o vestuário e a mobília, e a velocidade com que as modas se alteram, mas também aponta que o mesmo se dá, em escala menor, com os estilos artísticos, tanto na música, quanto poesia e literatura. Seu objetivo, porém, é usá-los como analogia para os costumes morais. O trecho principal seguramente é:


14. Em minha edição da Teoria dos Sentimentos Morais, Editora Martins Fontes, São Paulo, 2002, Segunda Tiragem, Tradução de Lya Luft, há um erro neste título, assim grifado “...e, inversamente, quando há desaprovação...”, tanto no índice quanto no corpo do texto, o que, evidentemente, torna a afirmação sem sentido.

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Quando os usos e costumes coincidem com os princípios naturais do certo e do errado, aumentam a delicadeza de nossos sentimentos, e intensificam nosso horror a tudo que se aproxime do mal. Os que realmente foram educados junto à boa companhia, (...) que foram acostumados a enxergar nas pessoas a quem estimam e com quem convivem nada além de justiça, modéstia, humanidade, e boa disposição, ficam mais agastados com tudo que pareça inconsistente com as regras prescritas por essas virtudes. Ao contrário, os que tiveram o infortúnio de ser criados no meio da violência, licenciosidade, falsidade e injustiça, perdem não apenas todo o senso da inconveniência de tal conduta, mas ainda todo o senso de sua terrível enormidade, ou da vingança e castigo que lhe são devidos. Familiarizaram-se com esses vícios desde a infância, o costume tornou-os habitual, e estão muito predispostos a considerá-los como o que se chama o jeito do mundo, algo que pode ou deve ser praticado para impedir que sejamos logrados por nossa própria integridade.

Também o uso por vezes dará reputação a certo grau de desordem, e, ao contrário, desencorajará qualidades que merecem estima. (Ibid, pág.247.)

Destaco a importância deste trecho, por serem comuns dúvidas a respeito da eficiência do conceito de simpatia em explicar certos grupos de atitudes. Podemos ver que embora seja inerente à natureza humana, os modos como ela pode ser exercitada ou atrofiada são vários, de modo que é possível encontrar humanos em situações de extrema carência de tal sentimento, bem como outros com excesso. E isso pode ocorrer não apenas pelo descuido, mas pela própria condição existencial.

Smith diz que nas nações civilizadas, as virtudes fundadas sobre a humanidade são mais cultivadas do que as fundadas sobre a abnegação e auto domínio, voltadas, claro, a sobrevivência em situações difíceis. E evidentemente, o oposto se dá nas nações rudes e bárbaras.

Todo selvagem experimenta uma espécie de disciplina espartana e, pela necessidade de sua situação, acostuma-se a toda sorte de durezas. Está em contínuo perigo, frequentemente exposto a extremos de fome, não raro morre de pura carência. Suas circunstâncias não apenas o habituam a toda sorte de aflição, como o ensinam a não dar vazão a nenhuma das paixões que essa aflição tende a suscitar. Não pode esperar a simpatia nem a indulgência de seus compatriotas por tal fraqueza. Pois, antes de lamentarmos tanto por outros, devemos em certa medida, estar despreocupados. Se nossa própria miséria nos aguilhoa tão severamente, não temos vagar para cuidar da miséria alheia; e todos os selvagens estão ocupados demais com suas próprias carências e necessidades, para dar muita atenção às de outras pessoas. (Ibid, Cap.2, pág.253.)

Embora delongue-se numa dissertação equivocada sobre as condições dos índios norte americanos, seguramente devido a imprecisão e tendenciosidade dos relatos que teve acesso, em essência seu argumento é a simples constatação de que os humanos, quando estão mais próximos do estado natural, são evidentemente menos propensos a desenvolver as qualidades mais refinadas, nos quais está inclusa a simpatia. Há que se lembrar que a mesma não é necessariamente prejudicada por uma mera questão de desenvolvimento tecnológico, visto que é possível sim estar mais próximo da natureza e ao mesmo tempo estar em melhores condições de vida, como o contrário, como a história viria a nos mostrar com muita clareza, especialmente em séculos ulteriores.

Em contrapartida, Smith discorre que em estados mais sofisticados de sociedade, a sensibilidade e delicadeza assumem importância maior.

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Se estes se queixam quando tem dor, lamentam-se quando estão aflitos, permitem-se ser sobrepujados pelo amor ou descompostos pela ira, são facilmente perdoados. Entende-se que tais fraquezas não afetam os elementos essenciais de seu caráter. (...) Um povo humano e polido, que tenha mais sensibilidade, que tenha mais sensibilidade sobre as paixões alheias, mais prontamente consegue compartilhar um comportamento vivaz e passional. (Ibid, pág.255.)

Nos cabe questionar a superficialidade com que as sociedades européias estão sendo consideradas em contraste com outras civilizações tidas como mais bárbaras, mas isso é irrelevante diante do fato essencial a destacar, que é o modo como os costumes podem determinar largamente a manifestação da sensibilidade. Smith, entretanto, está claramente ciente de que mesmo em contextos tidos como mais civilizados, ainda é possível encontrar distorções morais legitimadas pelo costume que chocam até os mais insensíveis membros de uma cultura mais refinada.

...não é no estilo geral de conduta ou comportamento que o costume autoriza a mais ampla separação do que é a conveniência natural da ação. No que diz respeito aos usos particulares, sua influência com frequência é mais destrutiva para a boa moral, pois é capaz de estabelecer como legítimas e irrepreensíveis ações particulares que colidem com os mais simples princípios do certo e do errado.

Pode haver maior barbárie (...) que ferir um bebê? Seu desamparo, sua inocência, sua amabilidade, provocam compaixão até mesmo no inimigo, e não poupar essa tendência é considerado o mais enfurecido ato de um conquistador irado e cruel. O que imaginar de um pai que pudesse ferir essa fragilidade, a qual até um inimigo enfurecido receia violar? Contudo, o abandono, isto é, o assassinato de bebês recém-nascidos, era prática permitida em quase todos os estados da Grécia, mesmo entre os polidos e civilizados atenienses; e todas as vezes em que as circunstância do pai tornassem inconveniente criar o filho, julgava-se que abandoná-lo à fome ou aos animais selvagens não era censurável, nem digno de condenação. (Ibid, pág.258/259.)

Ciente da ocorrência da prática sistemática em sua época em locais mais bárbaros, Smith concede que é perdoável, ao menos compreensível, que tal ocorra em contextos selvagens onde a árdua luta pela sobrevivência se impõe sobre qualquer outra consideração, mas nega que isso fosse justificável na antiga Grécia, e a parte mais chocante vem quando afirma:

...até mesmo a doutrina dos filósofos, que deveriam ser mais justos e cuidadosos, deixou-se levar pelo costume estabelecido; e nesse caso, como em muitos outros, em vez de censurarem, apoiavam o horrível abuso com implausíveis considerações de utilidade pública. Aristóteles fala disso como algo que em muitas ocasiões o magistrado deveria encorajar*. O humanitário Platão é da mesma opinião, e apesar de todo amor à humanidade que parece animar todos os seus escritos, em lugar algum caracteriza essa prática com desaprovação.** Se o costume é capaz de sancionar uma violação da humanidade tão terrível, é bem possível imaginarmos que quase não há prática repulsiva que não autorize.


* Política, 1335b20-1 , **República, 460c, 461c. (Ibid pág.259/260.)

Apesar de ser fácil simpatizar com Smith, devemos também fazer concessões aos antigos gregos, pois como dito, a capacidade da cultura em determinar as mais anti intuitivas e chocantes práticas parece ilimitada, bem como de estabelecer parâmetros que se tornam para nós, aparentemente intuitivos e chocantes quando violados. Nesse caso, é óbvia a ausência de empatia entre o pai e o filho. Mas o maior desafio de um pensador é estar à frente de seu tempo, e vislumbrar novas mentalidades que somente as gerações futuras irão abraçar plenamente. O próprio Smith parece não ter se incomodado que em momento algum tenha considerado a relação das mães com os bebês, ou das mulheres em geral, aceitando a questão em termos do puro patriarcalismo que parece ignorar por completo o papel feminino mesmo sendo este absolutamente vital para a criação dos bebês.

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Mas de qualquer modo, a posição de Adam Smith fica mais justificável no momento em que entendemos que, sendo sua visão ética baseada num sentimento natural a todos os humanos, ela teria um alcance universal uma vez que ao menos algumas prerrogativas civilizacionais básicas fossem atendidas, o que parecia ser o caso dos atenienses. É inegavelmente perturbador que o infanticídio fosse praticado em tais termos, (e ainda o é em pleno século XXI) e isso serve para nos sugerir que uma vez despertados certos parâmetros sentimentais, não parece haver argumentos capazes de derrubá-los exceto os que apelam ao desespero, como nas situações carentes onde os esquimós, por exemplo, promovem infanticídios, em geral seletivos, por pura e simples questão de garantir a sobrevivência de uns pelo sacrifício de outros.

Esse apelo ao sentimentalismo ecoa em toda a sua obra de um modo um tanto mais explícito do que na de Hume, embora, por outro lado, esteja sempre associado a aplicações da racionalidade no sentido de usar a simpatia para aprovar ou desaprovar condutas, tema que será comentado mais adiante.

Vamos finalizar esse breve análise da Teoria dos Sentimentos Morais com outros trechos, do Sétima, e última, Parte, intitulada DOS SISTEMAS DE FILOSOFIA MORAL, Seção II – Das diferentes descrições quanto à natureza da virtude. Começa analisando sistemas em que a virtude consiste na Conveniência, isto é, no devido equilíbrio entre aspectos naturais, que incluem os sistemas platônico e aristotélico, que visam um ideal de plenitude humana. Depois os sistemas que consideram a virtude como Prudência, isto é, com um apelo racional ainda maior para atingir a maximização do prazer, também físico, mas principalmente espiritual, destacando a filosofia de Epicuro. Em terceiro, aborda a descrição como relativa a Benevolência, que centra a virtude como sendo o Amor, uma tradição vasta que envolveu inúmeros filósofos e religiosos, mas que enfrenta dificuldades de clareza, a começar por uma certa circularidade, “a virtude é o que bom”.

Enfim, a parte mais relevante é a análise de um sistema chamado por Smith de Licencioso, que diferente dos anteriores, dos quais pode-se sempre tirar elementos louváveis, é completamente nocivo. É na crítica a essa abordagem que ele pôde apontar a resposta para, talvez, a aparente maior vulnerabilidade de um sistema baseado em sentimentos morais.

Há, contudo, um outro sistema que parece remover toda a distinção entre vício e virtude, e cuja tendência é, por isso, totalmente perniciosa. Falo do sistema do Dr. Mandeville. Embora as noções deste autor sejam errôneas em quase todos os aspectos, há na natureza humana, todavia, algumas manifestações que, quando vistas de certa maneira, parecem a primeira vista favorecê-las. Estas, descritas e exageradas pela eloquência viva e bem humorada, posto que vulgar e rústica do Dr Mandeville, lançaram sobre suas doutrinas um ar de verdade e probabilidade, muito capaz de lograr os poucos versados. (Teoria dos Sentimentos Morais, Sétima Parte, Seção I, Cap.IV, pág.382.)

Em suma, Bernard de Mandeville (1670-1733) é o autor de uma abordagem radicalmente pessimista da natureza humana, afirmando que toda e qualquer virtude não passa de ilusão, sendo no fundo, apenas malevolência egoísta devidamente ornamentada.

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O Dr. Mandeville não se contenta em representar os motivos frívolos da vaidade como a fonte de todas as ações comumente estimadas virtuosas. Procura assinalar a imperfeição da virtude humana em muitos outros aspectos. Assevera que falta, em cada caso, a completa abnegação a que aspira toda a virtude, ao invés de conquista, comumente nada mais há se não indulgência dissimulada de nossas paixões. (Ibid, pág.386.)

Smith aponta que ao considerar que qualquer virtude nada mais é que o seu próprio vício correspondente disfarçado, ou meramente sequer exista, Mandeville promove engenhosos sofismas com contam sobretudo com a ambiguidade da linguagem, para afinal apresentar sua tese predileta: Que os benefícios públicos podem ser reduzidos a vícios privados, expressa na famosa Fábula das Abelhas. 15

Porém, por mais destrutivo que esse sistema possa parecer, jamais poderia ter ludibriado tão grande número de pessoas (...) se não tivesse em alguns aspectos bordejado a verdade. (Ibid pág.388.)

Assim como a pior mentira é a meia verdade, no sentido de ser a que tem mais chance de se passar como verídica, Adam Smith argumenta que o sistema de Mandeville só subsiste porque aponta para uma inegável semelhança entre a virtude e o vício, como, por exemplo, parecem similares o desejo à merecida glória obtida por meio da realização de feitos reais e notáveis, e a cobiça em se fazer parecer merecedor de tal glória quando na realidade nada se fez. Ambas compartilham um desejo por um objeto similar, e com a anulação da distinção essencial, poderíamos reduzir ambas à mesma espécie de sentimento, uma reprovável cobiça, vaidade e desejo de auto promoção.

No entanto, argumenta Smith, há uma nítida diferença em pretender conseguir algo por meio do justo esforço pessoal, dedicação e zelo, que nos torna justos merecedores do mesmo, merecimento este que é sempre aprovado pela maioria das pessoas, e a simples disposição em apenas fingir que se obteve tal coisa, quando na verdade cometeu-se uma fraude. Com vários argumentos, é mostrado que além da aparência superficial, se esconde uma diferença essencial.

Curiosamente, um outro pessimista de idéias similares, La Rouchefoucauld (1613-1680), formularia uma frase que contradiz toda essa abordagem, inclusive a dele própria, ao dizer: “A Hipocrisia é o Tributo que o Vício paga à Virtude”.

Como dizia Feuerbach, sentido não faria supor que fôssemos capazes de sequer constatar nossa malevolência se não contivéssemos algo de benevolente. Ao totalmente vicioso, a simples noção de virtude seria impossível, e mesmo considerando que um outro ser fosse de fato o detentor de toda bondade, ainda teríamos que possuir algo desta para reconhecer esse ser como tal. Portanto, essa abordagem pessimista comete o erro de pressupor ser possível existir um sistema de valores oposto que se assenta sobre uma base que apresenta apenas um único deles, que se fosse possível, curiosamente, teria que ser necessariamente o Bem, visto que o Mal poderia ser apenas sua carência. A não ser, claro, que se pretendesse positivar o Mal. (A absurdidade dessa proposta é abordada no Anexo I.)


15. A estória de uma Colméia, evidente analogia da sociedade humana, cuja perfeita organização e eficiência é resultado da mera soma dos vícios de indivíduos demasiado corruptos que neutralizam-se. Lamentando a falta de virtude, conclamam a deuses serem purificados, o que Júpiter enfim faz, tornando-os totalmente virtuosos e resultando na desastrosa dissolução da colméia, que não pode mais se sustentar. Não se deve confundir tal idéia com a defendida em A Riqueza das Nações, visto que esta se refere apenas ao egoísmo individual no sentido econômico, e não faz depreciações maiores da condição humana.

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Assim, o simples fato de reconhecer a existência da Virtude já conferiria algum valor àquele que reconhece, e muito mais se este sempre estivesse se inclinando em sua direção. O corrupto só simula honestidade porque sabe que esta é desejável para todos, e tal desejabilidade só é possível pelo reconhecimento de sua superioridade em tornar a existência melhor, e tal reconhecimento seria impossível sem alguma experiência que assim demonstrasse, e se tal experiência existe, em algum grau, a virtude existe.

Smith, no entanto, aborda isso de um modo distinto, numa passagem na realidade anterior à última citação, que a meu ver, encerra o assunto.

Algumas doutrinas populares ascéticas, que foram correntes antes de sua época e as quais faziam a virtude residir na total extirpação e aniquilação de nossas paixões, constituíram o verdadeiro fundamento deste sistema licensioso. Foi fácil para o Dr. Mandeville provar, primeiro, que essa conquista completa nunca existiu realmente entre os homens; segundo, que se existisse universalmente, seria perniciosa para a sociedade, pois poria termo a toda a indústria e comércio e, de algum modo, a todas as atividades da vida humana. (Ibid.)

Enfim, podemos concluir que Smith vê o sistema de Mandeville como gigantesca Falácia do Espantalho, resultante de um sistema de crenças absurdo que preconizava a virtude na completa aniquilação da própria humanidade. Como vimos na Primeira Parte desta Monografia, em Egoísmo X Altruísmo, partir da pressuposição de que faça sentido agir sem qualquer interesse só tem como resultado um sistema de moral incompreensível, que inevitavelmente proclamará a impossibilidade do Bem. E com razão, visto que de premissas absurdas, só se pode derivar mais absurdos. De uma contradição, seque-se qualquer coisa.

Finalizaremos essa breve exposição sobre a Teoria dos Sentimentos Morais apresentando as conclusões finais de Smith, após análises Dos diferentes sistemas que se formaram quanto ao princípio de aprovação (Seção III) e Da maneira como diferentes autores trataram as regras práticas da moralidade (Seção IV), onde termina explanando sobre as vantagens dos sistemas que baseiam a aprovação nos sentimentos morais, ao invés de postular um obscuro ‘Senso Moral’, e que tal sentimento seria a simpatia, uma característica clara, que já conhecemos.

Então, divide o modo como as regras da moralidade foram tratadas. Um primeiro grupo, que envolve a Ética de Virtude, caracterizado como um manual das boas condutas num sentido de aperfeiçoamento pessoal, o segundo que envolve a tradição Medieval, mais voltado a jurisprudência concretas.

Embora a obra se Smith, devido a uma série de contingências que vitimaram muitos de seus escritos, não seja tão conclusiva quanto de Hume, inclusive terminando abruptamente com a perspectiva de escrever mais sobre a jurisprudência, o que terminou por se perder, podemos inferir que a simpatia está relacionada às duas formas de regras práticas. Em um derivando a noção de virtudes no sentimento de aprovação baseado na simulação interna, em outra, estendendo tais noções como regras em benefício de toda a sociedade.

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A Simpatia entre HUME e SMITH

A diferença entre esses dois autores é sutil, mas pode ser apontada principalmente a ênfase dada em alguns aspectos. Hume enfatiza mais a passividade, sua ‘simpatia’ é um sentimento, tanto quanto um sentido, que reage a situações. Já em Smith, embora essas mesmas características também estejam presentes, há uma ênfase maior numa capacidade ativa da simpatia, em tentar ‘entender’ os sentimentos alheios e se ajustar a eles, derivando disto uma aprovação ou reprovação.

Em suma, Smith presta mais atenção também no que poderíamos chamar de Antipatia, a reação inversa, e no modo como usamos nossas capacidades cognitivas para nos ajustar sentimentalmente em relação aos sentimentos do outro. Hume também apresenta elementos similares, porém seu enfoque maior é no modo como a simpatia determina nossos juízos morais, ao passo que Smith se preocupa mais em como usamos a simpatia para aprovar ou reprovar os sentimentos alheios, e com isso conferir-lhe ou não validade moral.

Talvez isso fique mais evidente numa correspondência enviada por Hume a Smith, de 28/07/1759, após ter lido a primeira edição de sua Teoria dos Sentimentos Morais, onde pergunta ao colega como sua abordagem lidaria com um problema que pode ser nomeado como Paradoxo da Simpatia.

I wish you had more particularly and fully prov’d, that all kinds of Sympathy are necessarily Agreeable. This is the Hinge of your System, and yet you only mention the Matter cursorily in p. 20. Now it woud [sic] appear that there is a disagreeable Sympathy, as well as an agreeable: And indeed, as the Sympathetic Passion is a reflex Image of the principal, it must partake of its Qualities, and be painful where that is so. Indeed, when we converse with a man with whom we can entirely sympathize, that is, where there is a warm and intimate Friendship, the cordial openness of such a Commerce overpowers the Pain of a disagreeable Sympathy, and renders the whole Movement agreeable. But in ordinary Cases, this cannot have place. An ill–humord Fellow; a man tir’d and disgusted with every thing, always ennuié; sickly, complaining, embarass’d; such a one throws an evident Damp on Company, which I suppose wou’d be accounted for by Sympathy; and yet is disagreeable [Hume in Smith, 1977, p. 43].

Praticamente intraduzível, é melhor explicando de outra forma. Se Adam está sofrendo, digamos, uma quantidade 5 de mau estar, e David se aproxima dele para lhe reconfortar, sua simpatia lhe levará a reproduzir parte deste sofrimento, o que o fará sofrer, digamos, 3, visto que sua simulação termina por ser menos intensa. No entanto se a simpatia é bilateral, Adam também deveria compartilhar algo do sofrimento de David, digamos, emulando 1, por ser uma emulação da emulação. Enfim, Adam deveria estar agora acumulado um mal estar de quantidade 6, o que faria por sua vez David aumentar também sua simulação para 4, e assim por diante.

No entanto, como atestado, isso não ocorre, e a simpatia, embora por um lado permita ao sofrimento original se espalhar para várias outras pessoas sensíveis, ao mesmo tempo que, dessa forma, a amplia, também não o faz, visto que a solidariedade termina por ser um tipo de alívio.

O sistema de Smith, no entanto, explica isso muito bem, principalmente nas edições posteriores, que dariam mais ênfase a questão. Como vimos, isso se dá pelo ajuste espontâneo entre os indivíduos. No caso, o fato de David compartilhar o sofrimento de Adam não irá, na realidade, aumentar o montante, mas diminuí-lo, como se, apesar de virtual, o sentimento fosse um bem escasso que pudesse ser dividido. Adam, na realidade, irá reduzir sua quantidade de sofrimento para se aproximar do estado de David.

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Pode-se pensar nisso também no sentido de que ser alvo de simpatia já é, em si, uma sensação agradável, o que compensa o sofrimento original. É notório que todos nos sentimos melhor quando outras pessoas compreendem nossos sentimentos, e concordam com nossas posturas mesmo que nada possam fazer para objetivamente reduzir nossos problemas. Aprendemos até mesmo a mentir (Mentira Inofensiva) para diminuir o sofrimento alheio, fingindo concordar com alguém mesmo quando, no fundo, se discorda.

Como vimos, Hume aborda a simpatia como um sentimento primevo, que reage a situações externas por meio de simulações que, ao nos fazer sentir de determinada forma, apreciamos ou repudiamos certas situações ocorridas, derivando então, da associação direta do prazer com o bem e da dor com o mal, nossas noções morais que são, em última instância, frutos de nossa sensibilidade. Hume, também, enfatiza mais a dimensão estética.

Smith vai além disso, enfatizando a capacidade ativa deste sentimento em gerar uma emulação de situações que terminam por ser aprovadas ou não, se tornando então Convenientes, ou não, gerando diretamente a noção de certo e errado. Além de emprestar um papel mais ativo e focado na cognição, que busca entender melhor o sentimento alheio para melhor reproduzi-lo, também desenvolve uma noção não somente de adicionar sentimentos em si, mas também de diminuí-los, para uma melhor sintonia com aqueles que, ao simpatizarem conosco estejam, no entanto, numa situação diferente.

Enfim, podemos resumir da seguinte forma:

HUME: Simpatia Passiva, ênfase Emocional, Aditiva, ênfase Estética;

SMITH: Simpatia Ativa, ênfase Racional, Aditiva e Subtrativa, Ajuste Bilateral.

O conceito de EMPATIA a ser explorado na Terceira Parte desta monografia, pretende reunir todos os aspectos envolvidos, mas com especial ênfase na ESTÉTICA, de onde derivou o uso primordial do termo.

Além do mais, embora como toda ética, as abordagens do David Hume e Adam Smith sejam também prescritivas, há uma maior ênfase da descrição, e uma notável modéstia em assumir uma normatização mais clara, que também é objetivo de minha abordagem.

 

FIM DA SEGUNDA PARTE

 

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PRIMEIRA
PARTE
Por uma
ESTÉTICA DOURADA

TERCEIRA
PARTE