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Marcus Valerio XR

Segunda Mensagem de

Julio
inquisitive@uol.com.br

Meu caro Marcus,

Esse tema (a existência e a natureza de Deus) é realmente vasto e árduo. Trata-se de um empreendimento filosófico que, necessariamente, abarca a totalidade do Ser e até mesmo, dependendo do encaminhamento que o discurso tomar, toca uma realidade(?) que "transcende" o Ser.

É um empreendimento que faz-nos imaginar, por analogia, um grupo de formiguinhas que pretendessem dar conta de um bolo gigantesco. Impossível é devorá-lo totalmente; no entanto é possível dar mordidinhas aqui e ali por toda a extensão do bolo e formar uma idéia do que se trata. Devemos lembrar que como boas formiguinhas elas não conseguem resistir a esse impulso ...

Inicialmente, nada melhor do que arejar alguns pontos importantes sobre esse tema. Assim evita-se o risco quase fatal de unicamente remoer as mesmas questões e teses tantas vezes já remoídas no passado.

Essas questões e teses clássicas são importantes mas, devemos conceder-nos um instante de serenidade e reconhecer que elas se tornaram centrais em função de peculiaridades específicas da psicologia humana e de peripécias e eventos contingentes da história humana sobre o planeta Terra.

Devemos aspirar, na medida do possível, a nos elevarmos acima das idiossincrasias psicológicas humanas mais primárias e nos libertarmos das consequencias de fatos e desenvolvimentos históricos fortuitos.

Pode-se, por exemplo, gastar rios de tinta discutindo sobre o Espiritismo ou o Budismo ou o Catolicismo ou qualquer outra doutrina, mas será que podemos garantir em sã consciencia que se os seus fundadores tivessem morrido na infância ou tivessem tido outras experiencias de vida, essas doutrinas existiriam como nos as conhecemos hoje ? Então devemos ter a coragem de admitir que essas doutrinas talvez nada mais sejam que agregados mais ou menos fortuitos de teses que se aglutinaram da forma como o fizeram por força de eventos históricos não necessariamente inevitaveis.

E as centenas de religiões que cairam em desuso, a maior parte delas esquecidas ? Porque não entram no ranking de nossa consideração intelectual e figuram apenas como mortas mitologias ? Talvez simplesmente por um fator psicológico de que, tendo sido abandonadas sentimo-nos bem tranquilos e à vontade para considerá-las relíquias obsoletas da civilização humana sem conteúdo factual digno de ser levado em conta. Por outro lado, as religiões "ativas" tendem a inspirar uma maior respeitabilidade pois suas divindades parecem estar mais "vivas" e talvez mereçam algum mínimo respeito ou pelo menos uma inspeção de cautela ...

A consequencia prática do que foi dito é que não se trata de colocar as várias concepções religiosas (incluindo entre elas as várias formas de ateísmo e agnosticismo) em uma estante e atribuir a cada uma delas uma etiqueta de VERDADEIRO ou de FALSO. Mais aceitável seria (no meu entender) emitir para cada uma delas um relatório mostrando seus pontos fortes e fracos, analisando sua consistencia lógica, sua aderência aos fatos científicos e históricos conhecidos, seu papel histórico e seu relacionamento com outras concepções. Pode-se, ainda mais, colocar questões novas e interessantes que podem ajudar a jogar luz sobre esse tema.

Devo reconhecer aqui que, PESSOALMENTE, eu não consigo identificar nenhuma concepção filosófica existente que me satisfaça plenamente sob os vários pontos de vista: lógico, científico, filosófico, psicológico, etc...

Devo também advertir que não nutro a pretensão de, por mais tempo e esforço que empregasse nisso, chegar a uma síntese que me satisfaça e que desse um tranquilo repouso ao meu espírito inquiridor. E isso não é uma manifestação de contida modéstia, é simples bom senso: Se as melhores mentes humanas da história e até mesmo os supostos iluminados, avatares, profetas, místicos, etc... não conseguiram chegar a um consenso a respeito, não serei eu a conseguir esse feito monumental.

De qualquer forma, essa consciência de limitação humana e individual não me inibe o justo e inalienável direito de refletir sobre esse tema. E essa reflexão traz muitos frutos úteis, dentre os quais um importantíssimo que é me imunizar contra as sedutoras e manipuladoras tentativas de aliciamento para esta ou aquela salvadora agremiação religiosa.

Tendo em vista todo o exposto acima, não me proponho a uma discussão sistemática do tema Deus, pois faltam-me competência, conhecimentos e tempo para tanto. No entanto, se você Marcus, considerar válido, gostaria de enviar mensagens focadas sobre pontos específicos que voce poderia comentar. Eu certamente gostaria disso e talvez seus leitores pudessem achar interessante. O que acha ?

Um abraço,
Julio.

Wednesday, January 7th 2004

Olá Julio.

Muito obrigado por sua mensagem, e antes de tudo, é claro que considero válido o envio de tais mensagens, assim como quero que se sinta a vontade se quiser discorrer mais.

Creio que você já começa com uma vantagem, poucas ilusões a respeito de possíveis conclusões sobre o tema, embora muitas vezes a disposição ingênua de alguns em pretenderem proezas inéditas pode também ser benéfica quando não arrogante.

As vezes penso que todas as teologias poderiam ser resumidas apenas numa decisão a respeito de como encaramos a realidade, a questão única de se o Universo é Acidental ou Intencional, e, sendo Intencional, se a Intenção está Nele, ou Fora Dela. Estas 3 possibilidades são consideradas em termos simples como Ateísmo, Panteísmo e o pacote que abrange o Monoteísmo, Politeísmo e o Deísmo.

Como seres racionais, queremos ver a razão em toda parte, inclusive onde ele pode não existir. Dessa forma, não creio que tais questões um dia serão abandonadas e tão pouco solucionadas, pelo simples motivo, que tentar sondá-las e se deparar com o profundo enigma da existência, e a meu ver, se tal enigma não existisse, a existência nem faria sentido.

A analogia das formigas é interessante, e acrescento que talvez vivamos num bolo confeitado repleto de goluseimas diversas, frutas, marshmallow, caldas diversas, e nós ainda mal conhecemos o recheio.

Amigavelmente

Marcus Valerio XR
mv@xr.pro.br
FREE MIND!!!
12 de Janeiro de 2004

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