Já era noite quando a luta terminou, mas entre seus efeitos estava a luminosidade branca da névoa que dominava o cenário, tornando impossível para alguém que não soubesse a hora ter certeza que não era dia.
Após emergir das águas Seki flutuava lentamente, tentando focar a percepção e achar seus companheiros, ao longe sentiu a presença de Doni antes de sentir a de Luri, que estava bem mais perto.
Por fim os 4 se reuniram quase acidentalmente sobre uma fina falésia alta com quase um km de altura, que milagrosamente sobreviveu à onda destruidora que reformara o relevo do lugar. Demoraram a ter certeza da situação, mas Seki e Doni começaram a rir discretamente quando o sorriso de Luri parecia confirmar a ausência de qualquer sinal do Robô.
- Vencemos? - Perguntou Seki. Luri fez que sim com a cabeça.
Ao mesmo tempo os 4 desabaram de exaustão caindo sobre a pequenina porção de terra que parecia ter sido feita sob medida para eles.
Se deitaram, olhando para o céu, com as cabeças juntas, formando uma cruz. Todos pareciam felizes com a exceção de Hane.
- Ha ha ha ha... Foi demais! DEMAIS!!!! - Gritou Seki.
- Pode ter certeza. – Respondeu mais calmo embora sorridente Doni.
Seki deu alguns gritos de alegria erguendo os braços para o céu, e perguntou ainda meio ofegante. - Uau Luri! Como você teve essa idéia?! Como sabia a frequência exata do canal sutil do Robô para gerar um raio com tanta precisão?!
Luri guardou um breve silêncio, e respondeu. - Eu conhecia a frequência dos sinais sutis das sondas. Foi fácil perceber a do Robô.
Doni levantou o tronco e olhou para ele. - Você sabia das sondas?!
Mais um breve silêncio de Luri. - Sim. Há algum tempo. Desde que vocês começaram a pesquisar. - E Doni se sentiu até meio tolo em perguntar. Já devia saber que o universo eletromagnético não escondia nada de Luri.
- Qual o problema Hane? - Perguntou Seki.
Hane, ainda um pouco amargurado por ter destruído um ser senciente, replicou o breve diálogo que teve com o Robô.
- Então era isso! - Comentou Doni. - Por isso ele se regenerava tão rápido! Ele era como nós! Devia controlar forças a nível mentônico!
- Acreditou nesta estória Hane?! - Indagou Seki.
- Não sei. Mas faz um certo sentido. Há muitos segredos que nunca nos contaram.
- Mas quem podia ter vindo aqui antes dos primeiros colonos há quase 500 anos? - Perguntou Doni.
- Sei lá? - Respondeu Seki.
- Zenitrons. - Sussurou Luri.
- Ah...
Do outro lado do planeta o Sol vermelho nascia e nesta época do ano Orizon 2 estava quase eclipsada, porém forte o suficiente para amarelar um pouco a vermelhidão do nascente, e o cenário, uma bela casa sobre uma falésia em frente ao mar, lembraria um nascer do sol na velha Terra.
- Lence! Está tudo acabado! Graças a eles! - Disse Ange pelo seu comunicador pessoal a seu noivo que estava a caminho.
- Já estou indo querida! Acabo de conseguir um veículo! Estarei aí dentro de uns 10 minutos! Eu te amo.
E Ange caiu no sofá respirando aliviada, não só por estar viva quanto por estar finalmente em sua nova e tão bela casa.
Ainda olhando para o céu Seki parecia disposto a conversar, ao passo que Doni e Hane pareciam querer dormir.
- Sabe pessoal... Acho que depois dessa podemos nos aposentar. Duvido que ainda haja Ians neste sistema estelar. Eles gastaram tudo que tinham desta vez.
- Pode ser... - Murmurou Doni.
- Acho que agora podemos nos casar. Quero ter muito mais esposas que o Hane.
- Você?! Casado?! - Respondeu Doni. - Ha ha ha ha ha ha...
- Ah... Não amole... Aquelas tietes já estão me enchendo o saco!
Hane interrompeu. - Também não acredito que os Ians ainda nos incomodem. Mas isso não quer dizer que daqui pra frente tudo vai ser só maravilhas. Essa galáxia está repleta de seres perigosos. Seres como nós. Que invadem sistemas estelares e destroem seus habitantes!
- Que nós o quê?! - Interrompeu Seki. - Ah Hane não estraga!
- Vencemos! - Gritou Doni. - Meio que para levantar novamente o astral. - Garantimos a vida de 53 milhões de pessoas! Isso é o que importa agora!
- É isso aí!
Continuaram ali, os 3, deitados, de olhos fechados, Hane com sua percepção abaixada, então Seki emendou.
- Mas o herói mesmo foi o Luri! O cara não só se superou! Mostrou pra todo o mundo que não é qualquer armação que pode derrotá-lo! Não é Luri!? Luri? Ei!? Cadê o Luri!?
Só então perceberam que o companheiro os abandonara há algum tempo, escorregara discretamente e se deixou cair, só passando a voar suavemente quando estava perto da água, e então sentiram a arrancada, e viram um raio azul se distanciar a 45 graus de inclinação.
Hane se levantou assustado, sem o visor, não olhava diretamente, mas percebeu o ambiente, e sussurou. - Oh não... Luri... Por favor... Não!
- O que foi?! - Perguntou Doni.
- Quem de vocês tem voado mais rápido!? - Perguntou Hane.
- O quê?
- Quem de você é mais rápido?!?!
Doni ficou meio espantado e respondeu. - Eu... Mas não muito.
- Vá atrás dele!
- Não vou alcançá-lo!
- Vá! Agora!
E Doni, captando a seriedade da situação partiu na trilha de Luri, deixando Seki para trás, que perguntou. - O que foi?! Qual o problema desta vez?! - E Hane ficou se concentrando, procurando algo em seu cérebro.
- Aqui! Ouça isto! - E reproduziu dos arquivos do sistema de gerenciamento de telecomunicações o telefonema de Ange para Lence, enviando-a também para Doni.
- “Ah não... Tá de brincadeira!?” - Perguntou Doni, já há vários kms de distância.
Hane se lançou no ar, no momento em que câmeras de TV se aproximavam. - Seki! Venha comigo!
- Essa mensagem terminou há exatos 97 segundos. Foi quando ouvi um barulho estranho que não dei importância, mas era Luri saindo escondido!
- Ele vai atrás da Ange!?
- Pode apostar! Ele não está bem Seki. Está ainda muito perturbado. Temo que ele faça alguma besteira!
- E o que vamos fazer?!
- Ele está indo a toda velocidade! Não temos chance de alcançá-lo. Doni é mais rápido que nós mas mesmo assim não creio que chegue a tempo.
- E nós?!
Hane conduziu Seki por alguns caminhos confusos e então se orientou. - Achei! É aqui! - E acompanhado por seu companheiro mergulharam na água do mar.
- “A Quinta Cidade é exatamente do lado oposto do planeta. E para ir mais rápido Luri terá que subir e sair um pouco da estratosfera! Isso dará cerca de 18 a 20 mil kms para ele percorrer! Você pode chegar antes dele se tomar um caminho mais curto!”
- “O quê?! Vamos cortar caminho pelo eixo?!”
- “Exatamente! São só 10 mil Kms passando pelo núcleo!”
Então chegaram numa da montanhas de um vale submarino, Hane abriu um buraco na rocha e eles entraram numa caverna subaquática. Percorreram alguns caminhos sinuosos e chegaram numa imensa galeria onde havia uma grande estrutura cilíndrica que emergia da rocha.
Hane guiou Seki até uma pequenina e imperceptível porta, que se abriu a força de um empurrão, entraram junto com a água e a porta se fechou, percorreram uma túnel semi inundado e então Hane abriu outra porta e por fim chegaram a um imenso abismo cilíndrico que descia para as profundezas aparentemente escuras do planeta.
- Vá! O mais rápido que puder! - Disse Hane. - Eu estarei logo atrás!
E Seki acelerou para baixo.
- “Pode arrebentar a saída do outro lado! Deixe que eu conserto! Não perca tempo!” - Transmitiu Hane ao companheiro, e também acelerou o máximo que podia dentro do abismo.
- “Luri!? Luri responda! Aonde você está indo?! - Perguntava Doni mesmo sabendo que não teria resposta. Já estava quase na estratosfera seguindo exatamente a trilha de Luri que de fato equilibrava o melhor resultado entre longitude e altitude para diminuir a resistência do ar.
- “Luri! Pelo Universo! Eu não acredito que você vai atrás daquela mulher! Por favor! Você acaba de salvar o planeta! Não estrague tudo!”
Doni dava o máximo de si, o que não era nada fácil dado ao esforço que acabaram de fazer destruindo o Robô. Estava a quase 11 km/s, um feito naquelas condições. Mesmo assim insuficiente. Doni sentia Luri continuar a se afastar.
Equanto isso, Seki caía numa velocidade que nunca experimentara. O mergulho inédito para as profundezas do planeta, num ar estranhamente rarefeito, ajudado pela gravidade, lhe garantira passar de 13 km/s. Mais do que ele conseguiria na atmosfera.
Hane por sua vez também poderia quebrar um recorde naquelas condições, se aproximando de 10 km/s. Mas ainda era pouco. Todos sabiam que Luri poderia atingir 20 km/s quando entrasse na descendente.
Hane não teve tempo de explicar à Defesa Planetária o que estava acontecendo, e de dentro do eixo isso era impossível, por isso eles perguntavam agora a Doni, e juntavam um pouco de dedução.
- Veja senhora. - Comunicou um dos dirigentes à governadora triunvirata. - Ele partiu, ao que tudo indica rumo à Quinta Cidade, logo após esta comunicação. - E reproduziu a conversa de Ange e Lence.
- O que você acha? - Perguntou a governadora.
- O RY-2, que o está seguindo agora, acha que ele está fora de si. Se manteve no controle durante a batalha, mas depois que tudo terminou, se deixou dominar novamente pela mágoa...
- E pelo ciúme. - Completou um auxiliar.
- Um semi deus enciumado... - Comentou a governadora. - O que vamos fazer? Podemos confiar nos inibidores de comportamento?
- Depois do que ele fez na Segunda Cidade? Quase matando civis num disparo de pura raiva? - Disse o dirigente. - Eu não estaria tão confiante. Temos que admitir que o RY-3, Luri, ficou perturbado a ponto de faltar com o dever! Ou pelo menos se atrasar!
- Eu devia saber que era má idéia essa terapia com uma psicóloga tão bonita! - Comentou Ekzar por telepresença.
- Mas que coisa... - Disse a governadora. - Tudo parecia ter acabado tão bem. Ah menino... Não estrague tudo.
Após um abraço interminável, Ange tivera que conter a empolgação do companheiro, pois antes de tudo ela precisava desabafar. Sentaram-se no sofá e ela dera início a um monólogo tão envolvente que quase fez Lence chorar.
Contara tudo, sobre Nani, Luri, e tudo o que acontecera. Sobre seu sentimento de conflito, e sobre o reforço da certeza de que ele, Lence, era mesmo seu grande amor. Com uma habilidade linguística impressionante ela expusera em menos de 10 minutos uma história que a maioria das pessoas não conseguiria contar em uma hora.
Lence, que era homem muitíssimo sensato e sensível, perdoara e compreendera a companheira, mesmo tendo admitido a mágoa, e por fim, trocaram novamente as ingênuas mas irresistíveis juras de amor eterno.
- Ah meu amor... - Disse ele. - Você sabe que eu nunca condenaria você por isso, mesmo porque não posso ser falso a ponto de dizer que também não tive algumas aventuras. Doeu... Um pouco, mas sei que isso não vai prejudicar nossa relação. Pode ficar tranquila quanto a nós. -
Diante de tanta compreensão, Ange desatou a chorar. - Eu te amo! Eu sabia que podia contar com você meu amor... Obrigada.
Em outras circunstâncias Lence teria mais coisas a dizer, talvez uma cena a fazer, um choro piedoso, mas sua intuição lhe dizia que não era hora para isso. Sabia que a situação requeria concentração especial.
- Claro... Mas agora o que está me preocupando é o Luri.
- O Luri?
- Sim! Pois por tudo que você me falou... No que se refere a relacionamentos afetivos esse Luri, parece ter a mente de um guri de 12 anos! Não deve estar sendo nada fácil pra ele.
- Eu sei... Mas eu fiquei confusa...
- Meu amor... Me perdoe mas esse tal de Dr. Nani te deu um péssimo conselho! Se estivéssemos lidando com um garoto qualquer tudo bem, mas estamos falando de um cara que pode varrer uma cidade do mapa só com um olhar! Não é a desilusão amorosa de um adolescente qualquer! Estamos falando de um Semi Deus! Não se brinca com os sentimentos de um cara assim. E por falar nisso, pelo que entendi, foi ele que salvou o dia.
- Eu entendo meu amor... Juro. Mas e agora? O que vamos fazer? -
Lence tentou ser o mais espontâneo possível, mas não evitou uma expressão de optar por um mal necessário. - A primeira coisa que temos que fazer é... Você vai ter que falar com ele de novo. Tente tranquilizá-lo. Depois eu quero conhecê-lo. Talvez ele esteja precisando de uma conversa de homem pra homem, ou melhor, de homem para super homem.
- E quando devíamos fazer isso?
- Com certeza não agora. Temos que esperar a poeira baixar e... -
De repente foram interrompidos por uma comunicação que dada a procedência anulou o protocolo de não interferência que Ange havia determinado para conversar tranqüilamente com seu amado.
- Senhora Ange, Senhor Lence. Aqui é a Governadora Triunvirata! -
Foi um susto para os dois, receber, de repente, um comunicado da governadora do planeta, mas conseguiram responder.
- Não temos tempo a perder, ouçam. - E então surgiu a imagem de uma das emissoras de TV mostrando um raio azul voando na estratosfera do planeta, um trecho de transmissão da reportagem que acabara de ir ao ar.
- “O fato é que até agora ninguém disse o que Luri pretende fazer na Quinta Cidade, que é para onde ele parece estar indo após abandonar inexplicavelmente o local onde venceram a luta contra o Robô Fotônico Ian. Mas algumas fontes indicam que ele poderia estar indo atrás de sua...”
- Senhora Ange e Senhor Lence. Temos motivos para crer que Luri está indo diretamente para onde vocês estão. Ele partiu nessa direção imediatamente depois de captar um telefonema pessoal entre vocês. Doni o está seguindo e pedindo para ele parar, mas ele não responde. Hane e Seki aparentemente desapareceram!
Ange pôs as mãos na cabeça. - Ai... Pela Deusa! Como pude ser tão ingênua! É claro! Eu nunca mais vou poder usar um telefone em paz!
- O que sugere que façamos? - Perguntou Lence.
- Aconselho-os a saírem daí... Por via das dúvidas. Estamos transmitindo um protocolo de segurança a seu veículo que o permitirá voar sem ser rastreado pelo sistema, isso dificultará que Luri o siga. Mas mantenham a calma. Eu não acredito que ele lhes fará mal. - Disse a governadora meio que sem convicção. - Eu só quero... Evitar causar mais sofrimento a nosso rapaz. Ele acaba de nos salvar!
- Certo governadora. Eu entendo. - Acatou Lence.
- Vão imediatamente. Boa sorte. - Disse a governadora e desligou.
Menos de um minuto depois Lence e Ange entraram no veículo que decolou seguindo uma rota pouco comum para carros aéreos. Ange estava apreensiva. - Não sei se é certo fugir. Talvez eu devesse enfrentá-lo agora!
- Calma querida. Fique tranquila.
O caminho era clareado apenas pela luminância esverdeada que emanava de seu próprio corpo, até que Seki avistou finalmente algo que achava que deveria ter avistado muito antes. Uma discreta luminosidade, denunciando o centro incandescente do planeta. Ao se aproximar mais notou então uma névoa negra, incrivelmente densa, na qual adentrou como se mergulhasse em líquido.
Percorreu menos de um km e finalmente teve toda a luz que desejava. Penetrou nas chamas do coração de Orizon 5, tendo que intensificar o halo de energia em torno de seu corpo para não ficar sem roupas. Mais e mais sentia o calor crescer, mas a resistência sólida da rocha derretida aliviava progressivamente, pois era cada vez mais liquefeita pelo calor. Até que entrou num verdadeiro sol. Para todos os lados sentia explosões nucleares ocorrendo. A visão normal era inútil no local, e seus sentidos eram perturbados pelas miríades de interferências causadas pela atividade nuclear.
Sentira também a força da gravidade diminuindo cada vez mais, mas agora era mais evidente, e logo deixou de se beneficiar da ajuda da queda, notando que estava no centro de atração do planeta, e que logo depois passaria a subir.
Então temeu algo sobre o qual não tivera tempo de conversar com Hane. Se fosse desviado da rota pela força das explosões, como acharia o local correto para subir?
Era impossível se orientar, estava num caos de luz e calor que não permitiam o uso efetivo de quase nenhum sentido. Sentiu que passara pelo núcleo e que já subia, mas tinha um forte receio de que tivesse perdido a direção certa, e ele poderia até ficar preso no interior do planeta, com grandes chances de jamais conseguir sair e acabar morrendo.
Foi uma das poucas situações em sua vida que sentiu um quase terror, mas confiou em si mesmo, e na sorte, e à medida que sentia o sutil mais crescente referencial da gravidade lhe dizendo que subia mais e mais, passava a sofrer menos interferência em sua percepção. Finalmente entrou na névoa negra, na verdade um tipo de selador de matéria escura e densa, e logo depois subia pelo túnel oposto, não tendo mais a gravidade como aliada.
Sua velocidade agora mal passava de 11km/s, e minutos depois Hane passaria pelo núcleo do planeta, e sentiria o alívio de ver que o companheiro não havia se desorientado como temia.
Enquanto isso Doni agora descia, entrando na parte mais densa da atmosfera do planeta. Em torno de seu corpo uma forma ovóide de energia lhe dava o aspecto de um meteoro, rompendo o amanhecer daquela região.
Mal podia crer que estava a quase 15 km/s, um recorde naquela altitude na atmosfera de Orizon 5, e ainda mais impressionante pelo fato de que há pouco quase se esgotara na luta.
Fizera várias tentativas de comunicação com Luri, todas inúteis, mas já percebia que ele reduzia de velocidade, e enquanto isso tentava imaginar onde estariam Seki e Hane, que simplesmente desapareceram do planeta.
- “Será que esses caras entraram no eixo?”