PLANETA FANTASMA - Capítulo 02 - Marcus Valerio XR
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A SEREIA

Ela tornara a água gelada de propósito, pois queria relembrar seus poucos e felizes dias nos mares polares de DOLPHUS, o mais rico planeta, em termos biológicos, do Sistema Estelar de Zentaris. Imersa por completo há mais de uma hora, experimentava a incipiente sensação que a falta de ar começava a fazer. Sensação esta que era muito diferente entre a espécie dela e a espécie antropônica, onda a asfixia causa dor e pânico. Nela, a sensação progressiva de dormência, ainda que cortada por ocasionais picos de incômodo, era quase embriagante.

Ela era uma DOBUK. Um nome errôneo, de significado desconhecido, mas suficientemente disseminado a ponto de se tornar padrão. Sua espécie poderia ser entendida como um tipo de cetáceo humanóide, mas havia nela uma notável diferença. Ao contrário da maior parte dos representantes de sua raça, ela era esbelta, magra, e muito leve.

Foi com certo contragosto que ela emergiu da água após receber o comunicado. Mais uma vez fora interrompida enquanto testava os limites de sua resistência. Um teste que era, sempre, mais seguro de ser feito em água gelada. Da imensa piscina saiu para o ar livre, ou o máximo que o ambiente interior rotativo da IANTIS permitia ser considerado livre. Por mais amplo que fosse, o "chão oposto acima" dela estava a mais de 600m, ainda assim era um tanto contido. Quase claustrofóbico, ao menos para uma pessoa que estava acostumada não só a nadar, mas a voar livremente, pois a leveza de seu corpo, associada a força de sua musculatura, lhe permitia também voar com suas próprias forças musculares em planetas de baixa gravidade, desde que pudesse fazer uso de discretas asas artificiais que poderiam ser vestidas confortavelmente.

Essas asas, por sinal, foram apontadas como um item indispensável pelos dirigentes da missão, e isso era um bom sinal, pois significaria que ela poderia, possivelmente em breve, voar, o que não era permitido dentro da IANTIS. Foi então tomada de um súbito e tardio interesse pelo sistema estelar em que se encontrava, e sobre o misterioso planeta invisível. De volta a seu quarto, enquanto se arrumava prestava atenção nos mais recentes dados coletados sobre o estranho fenômeno.

O planeta possuía vida, incluindo organismos superiores de alta complexidade. E bastante vasta, embora difícil de ser percebida dado a densa escuridão que predominava, e pelo estranho fato da maior parte dela ser subterrânea. Mas o detalhe de maior relevância era que, dentre tais formas vivas, havia uma espécie predominante inteligente e espalhada por grande parte do planeta.

Os dirigentes da missão ainda não cogitavam estabelecer qualquer contato com tais criaturas, visto que seu nível de desenvolvimento cultural era ainda bastante rústico. Não aparentavam possuir qualquer domínio de sistemas de energia, química orgânica ou mesmo simbologia organizada, mas devido aos artefatos e habitações que construíam, certamente já haviam desenvolvidos faculdades racionais e intuitivas equivalentes ao período neolítico humano.

Viuik, que era o nome desta Dobuk, quando checou as primeiras imagens das criaturas inteligentes, captadas pelas câmeras dos ZIGs de exploração, não pode deixar de reprimir uma certa náusea, visto que a anatomia delas não era muito agradável a quem se acostumara com o recorrente e misterioso antropomorfismo básico que permeava todas as espécies senscientes representativas da Hexaliança. Ainda assim aquele incômodo inicial não justificava sua preocupação mais íntima. Algo que já a vinha perturbando desde pouco antes da IANTIS começar a orbitar o aparente vazio onde se escondia o Planeta Fantasma.

Aqueles seres eram de coloração escura, pareciam possuir uma pele rugosa, coriácea e lisa, isenta de qualquer cobertura do tipo pêlos ou escamas. Eram melhor descritos como tendo comprimento, e não exatamente altura, de cerca 2,5 a 3,5m, numa estrutura longitudinal que se dividia simetricamente em duas. O meio de seu corpo era inteiriço, e na parte de baixo/frente, embora um pouco acima da metade, se encontrava o que seria a boca, não muito grande, redonda e aparentemente sem qualquer equivalente a dentes, mas amparada por dois membros laterais, um de cada lado, pequenos e finos, de aparência frágil mas incrivelmente versáteis.

Mas acompanhando o desenho do corpo quer para cima/frente ou baixo/trás, este se dividia em seções menores. Na parte traseira terminava como se fossem duas caudas, grossas e flexíveis e com musculatura bastante potente. Na parte dianteira a divisão resultava em grossos membros tão imponentes quanto os traseiros, mas muito mais sofisticados, visto que continham sensores óticos em suas extremidades, os olhos, grandes e aparentemente muito sensíveis, além de pequenos orifícios próximos aos olhos que pareciam ser sensores olfativos e ou auditivos. Esses prolongamentos eram também muito maleáveis e funcionavam como membros menos delicados porém mais fortes, para trabalhos que exigiam maior esforço.

Como estes membros se moviam com grande rapidez e em praticamente qualquer direção e forma independente, os biólogos da Pastor-6, o que incluía a própria Viuik, estavam intrigados sobre como o cérebro daqueles seres, que ocupava o centro do corpo próximo à boca, conseguia processar estímulos visuais tão díspares e frenéticos.

Aparentemente aqueles seres eram assexuados, se reproduzindo por divisão durante um período de vida em que tinham menor porte. O que fez inicialmente os pesquisadores pensarem que haviam machos e fêmeas, sendo estas menores, o que constituiria mais uma espécie sensciente anômala na galáxia, pois a grande maioria das espécies sexuadas conhecidas tem as fêmeas como representantes fisicamente maiores. Depois, amostras de tecidos e fluidos capturados discretamente das criaturas, bem como restos de organismos mortos que continham o equivalente a ossos, proibiram essa interpretação, mostrando uma total regularidade orgânica impossível de existir em espécies sexuadas.

Viuik se interessou pelo estudo daquelas criaturas, mas agora, já pronta para atender a convocação, voltou a pensar nos motivos de sua recente e persistente perturbação. Terminando de cobrir seu corpo com delicadas e coloridas vestes, pensou novamente sobre os sonhos que tivera nos últimos repousos. O mais perturbador não era o fato de terem sido evidentemente misteriosos e incômodos, nem o fato de ela ter despertado assustada, com uma breve e intensa agonia que beirava o pânico, nem mesmo a gravação que assistiu depois, de si mesma, se debatendo em desespero ou paralisada com uma expressão de total espanto no rosto.

Nada disso.

O que realmente a perturbava era que, por mais que tentasse, não conseguia se lembrar deles.

LUZES NAS TREVAS

Lunis sentiu algo que não sentia há muito tempo. Quando a PROMINUS se aproximou do planeta invisível, o máximo que era possível sem adentrar o campo de ocultamento, a feiticeira seilan teve uma breve vertigem e por um momento quase cambaleou.

Sentira algo em sua mente, um fenômeno tipicamente telepático, como se vozes distantes, inumanas e incompreensíveis lhe sussurrassem algo. Nada justificava a súbita sensação de incômodo que fora tão intensa quanto breve, surgindo e desaparecendo tão rapidamente que não houve tempo para se transformar em medo. Mesmo assim, foi muito perturbador.

Próximo dali, a bordo da GENIUS, Velek sentira algo semelhante, embora fosse menos afetado. Seus companheiros Filia e Taulin o observaram, curiosos, mas ele preferiu não comentar nada. Não seria estranho que sentisse um breve elo com as mentes das criaturas senscientes que viviam naquele mundo, ainda que todos os dados indicassem que elas não poderiam gerar um campo mental tão forte a ponto de impressionar telepatas daquela forma. Diante da estranha dúvida que se abateu sobre ele, preferiu omitir sua breve experiência.

Enquanto a PROMINUS circulava o planeta, Lunis colhia mais informações e observava atentamente, até que decidiu que era hora de adentrar a zona de ocultamento. A bordo da GENIUS o triunvirato observou a nave desaparecer bruscamente. Apesar de haver um limite bem claro que separava o espaço afetado do não afetado pelo imenso campo de invisibilidade do planeta, quando uma nave o tocava, não adentrava progressivamente, mas sim era subitamente envolvida, como se o campo se prolongasse para englobar o objeto intruso rapidamente.

O planeta surgiu diante dos olhos da seilan bruscamente. Imenso, devido a proximidade, escuro, devido a impossibilidade da luz das estrelas adentrar àquela gigantesca esfera de invisibilidade, mas ao mesmo tempo, havia focos de luz. Espalhadas ao longo da superfície, algumas manchas luminosas suaves de coloração branca ligeiramente verde-azulada podiam ser notadas. Eram suficientes para que se pudesse ter uma boa noção dos limites da imensa esfera negra que era aquele planeta oculto e misterioso. Não fosse isso, evidentemente, tudo seria escuridão total, algo sempre desagradável para uma seilan, que era, em primeiro lugar, uma portadora da luz.

Pediu que a tripulação sobrevoasse uma das manchas luminosas ao mesmo tempo que procurava se informar sobre elas. O que recebeu de dados não foi muito contribuidor. Vários ZIGs já haviam sobrevoado algumas, que eram resultado de imensas tempestades cuja precipitação eletromagnética e a densidade nebulosa impedia qualquer sondagem mais profunda. Até agora era impossível saber o que havia embaixo dessas nuvens, pois os ZIGs que adentraram nelas não mais voltaram, pelo provável e óbvio motivo de que não resistiram a intensa atividade eletromagnética capaz de destruir seus sistemas rapidamente. Algumas abordagens rentes ao solo foram tentadas, na esperança de adentrar a zona por baixo. No entanto todas as áreas das tempestades eram envolvidas por cadeias montanhosas que adentravam as nuvens, impossibilitando o acesso por todos os lados.

Mas tais tempestades variavam de intensidade. A própria Lunis notou quando uma das manchas se tornou mais intensa, brilhando bem mais que as outras. Foi informada então que elas aparentavam seguir ciclos relativamente regulares, passando por períodos relativamente equivalentes de serenidade e tormenta, embora mesmo no ápice da tranquilidade, a atividade elétrica nunca cessasse por completo.

Descobriu também que as criaturas senscientes do planeta viviam preferencialmente em torno dessas nuvens, que de certa forma lhes serviam de biociclos, produzindo "noites" e "dias" artificiais e locais, ao passo que a rotação do planeta, de cerca de 59 horas, era inútil para qualquer efeito de contagem de tempo, pois da superfície do planeta o céu era sempre e incessantemente uma escuridão total, exceto, é claro, nos limiares das nuvens luminosas.

Finalmente, após colher muita informação e meditar bastante sobre o assunto, pediu para que saíssem do campo de escuridão, e foi um alívio ver as estrelas novamente, assim como a silhueta luminosa da GENIUS. Lunis nunca pensou que se sentiria tão bem ao ver uma nave da Mãe-Terra.

OS ESCOLHIDOS

- Acabamos de receber a primeira resposta de Madre-Terra. - Disse Taulin a uma pequena e exótica platéia constituída de 3 pessoas. Uma delas era a seilan.

- As instruções são claras. - Continuou Filia. - Essa investigação deve receber toda a prioridade possível. Madre-Terra já prepara expedições de apoio, mas nenhuma delas chegará aqui em menos de 30 biociclos. Portanto... - Fez uma pausa enquanto desviava o olhar de Lunis e encarava a outra fêmea do pequeno grupo, Viuik, cujos enormes olhos amendoados eram tão misteriosos quanto penetrantes. Enormes pupilas negras, finas íris azuis tomavam todo o restante, e cada um de seus olhos podia olhar em uma direção distinta, ainda que discretamente, um deles fitando o aparentemente tímido terceiro membro do grupo. Os dois olhos se voltaram para Filia quando esta continuou. - ...Temos que fazer o melhor que pudermos para termos tudo sob controle quando essas expedições chegarem. Devemos resguardar nossa posição de descobridores e justificar nossa autoridade como dirigentes das pesquisas.

Taulin retomou. - Como nenhum ZIG consegue atravessar aquelas nuvens, vocês são nossa melhor opção.

- Com licença senhor. - Interrompeu o terceiro espectador, numa voz suave e tranquila. - Concordo com a escolha de uma SuperMeta e de uma Dobuk. Mas como pode ter certeza de que eu também serei inume a tais campos eletromagnéticos?

O terceiro membro era um homem, ou assim parecia. Não tinha cabelos nem qualquer pelo visível, mas sua aparência era humana apesar de ligeiramente acinzentado. Mesmo assim era belo, com uma expressão por vezes melancólica, mas capaz de transmitir uma serenidade e simpatia imediatas.

Taulin continou. - A maior parte de seus sistemas não são eletromagnéticos!

- Meu sistema de vôo sim. Bem como os de comunicação. E esses me parecem vitais para o sucesso da operação.

A seilan olhou profundamente para ele. Desde que o vira pela primeira vez, há pouco, percebera que havia algo errado, mas agora confirmava que estava diante de um ser artificial. Um antróide, andróide. Era difícil lidar com a incômoda sensação que qualquer seilan tinha sobre isso. O primeiro motivo eram os viesses filosóficos e religiosos que imperavam em SEILA, que incluíam um notável repúdio a imitação artifical da vida. Outro, o ainda mais desagradável fato de que, sendo artifical e assexuado, apesar da aparência, aquele "ser" era insensível ao encantos sedutores das feiticeiras.

Não era a toa que Filia fizera tanta questão da presença de Dalmana, o único antróide sensciente a bordo da Pastor-6, que fora, nas últimas horas, submetido a uma série de adaptações para incluir um sistema de vôo de sustentação antigravitacional e impulsão iônica, embutidos em pontos diversos de seu corpo.

A cientista chefe fez questão de explicar. - Mesmo que seus sistemas falhem, nossa convidada seilan poderá lhe ajudar. E vocês terão sistemas de planagem naturais que impedirão quedas em alta velocidade, podendo pairar com facilidade mesmo sem qualquer habilidade de vôo natural ou metanatural. Já examinamos o comportamento das nuvens. Apesar de eletricamente muito ativas, elas tem baixa movimentação eólica, poucos ventos. O que é só um dos intrigantes mistérios que tentaremos desvendar.

- Além do mais temos outros planos de emergência. - Interviu Taulin. - Caso seja necessário usaremos um campo de contenção eletrocinética gerado pela Espada Espacial. Temos certeza de que podemos neutralizar a atividade da tempestade por tempo e espaço suficiente para enviarmos um resgate.

- Porque não usar então esse campo para permitir que os ZIGs façam a exploração? - Numa voz rouca, um pouco chiada, mas mesmo assim graciosa, perguntou a dobuk, arregalando ainda mais seus olhos e dirigindo cada pupila para um dos dois chefes mais próximos. Velek permanecia de pé, distante, era fácil esquecerem, exceto a seilan, que ele estava ali.

- Infelizmente isso tem alta probabilidade de causar um dano à nuvem, ou ao que estiver abaixo dela. O que poderia destruir nosso objeto de estudo. Só o faremos se a vida de vocês... Estiver em risco. - A cientista chefe se sentiu estranha ao falar sobre aquilo diante do andróide. Não estava acostumada a lidar com um. Em Madre-Terra, bem como outras Terras-Filhas, antróides eram proibidos. Aquele a bordo da Pastor-6 havia se integrado na metade da expedição.

- Tenho a opção de não aceitar essa missão? - Perguntou Dalmana, deixando Filia perplexa e completamente sem jeito diante da súbita situação. Taulin também foi pego de surpresa, mas respondeu com um sorriso bem humorado. - Claro que sim. Você é livre para decidir.

- Então aceitarei. - Respondeu o andróide deixando a cientista chefe ainda mais confusa. Mas esta se recompôs em seguida e com um sorriso buscou os olhos da dobuk e da seilan. A feiticeira foi a mais cortês, e assentiu num tom quase submisso, o que fez a surpresa anterior de Filia reduzida à nada. A dobuk hesitou por mais um tempo, mas também assentiu.

Taulin então se dirigiu à Seilan e ao andróide. - Isso garantirá a vocês livre entrada em Madre-Terra.

Já era suficiente para ambos. Isso, e também o fato de tudo indicar que estavam diante de uma das maiores descobertas da história espacial.

A CRISE FILOSÓFICA

Há cerca de dois mil anos atrás houve uma crise no pensamento da humanidade. A Filosofia parecia estar em decadência, pois muitas das respostas que passara dois milênios e meio buscando pareciam estar sendo obtidas por meio de sua filha mais jovem, a Ciência. Não foram poucos os pensadores que decretaram o fim da atividade filosófica, e a compartimentalização do conhecimento nas específicas áreas objetivas das diversas ciências especializadas.

Mas essa fase não chegou a durar sequer um século, e então passou a ser vista como uma das mais escandalosas confusões intelectuais da história, pois a própria ciência viria a trazer situações tão novas e revolucionárias que só mesmo pensamentos filosóficos muito sofisticados impediram que a civilização entrasse num total colapso de mentalidade.

Dentre as inúmeras situações inéditas antevistas apenas por uns poucos autores de Ficção Científica, estava o caráter de classificação das inteligências "naturais" e "artificiais". Foram necessários esforços intelectuais muito intensos e organizados, coordenados pelos grandes centros de produção de conhecimento do mundo, para evitar que as noções mais fundamentais a respeito do significado de "humanidade", "mente" e "direito" fossem aniquiladas, reduzindo os fundamentos da ética e sociedade ao caos.

Os governos do mundo tiveram um esforço significativo ao incentivar o surgimento de um consenso filosófico global a respeito de até que ponto um ser poderia ser considerado humano, e em que medida teria direitos e deveres, e foi assim que surgiu o conceito mais objetivo de Sensciência.

Se antes era comum os filósofos nunca chegarem a consensos, e produzirem conhecimento cada qual em sentidos diferentes, tiveram que se adaptar à exigência social de uma visão muito clara de certas questões clássicas, e evitar que as sempre retrógradas concepções religiosas conquistassem o consentimento público, o que levaria a uma rejeição geral dos novos avanços tecnológicos, o que se tornava mais e mais insustentável diante da cada vez maior necessidade desses avanços para sustentar mais de 8 bilhões de habitantes.

Portanto, após um colossal esforço acadêmico para que se estabelecesse um consenso ligando Filosofia da Mente, Psicologia e Neurociências, diversas legislações inovadoras foram aprovadas com base em pressupostos teóricos sólidos, que permitiram que a inteligência artifical se desenvolvesse sem grandes danos às concepções jurídicas de humanidade.

Foram então consolidados conceitos que menos de um século antes poderiam ter soado escandalosos para a maior parte das pessoas. Primeiro, qualquer sistema de Inteligência Artificial seria considerado Sensciente, dotado de Mente e individualidade, se demonstrasse todas as peculiaridades psicológicas típicas do que se considera humano, e se demonstrasse capacidade intuitiva, isto é, gerar conceitos, inferências e juízos sem a necessidade de prévia atividade racional discernível. O puramente racional, nesse sentido, não é inteligente, pois a inteligência real exige recursos de subjetividade impossíveis de serem obtidos por sistemas lógicos puros. Conhecido como "Princípio Turing-Matman", reunia conceitos do matemático Alan Turing (Século XX AeC), e do psicólogo Shetaram Matmam (Século XXI AeC).

Uma vez admitido como sensciente, o sistema de inteligência artificial tem certos direitos similares aos dos humanos no que se refere a liberdade e proteção da existência, desde que o sistema esteja restrito a uma base material única, ou seja, um único computador residente impossível de ser instantaneamente transferido virtualmente para outra base material. Como, curiosamente, é muito raro que um sistema sensciente possua essa característica, foram poucos os sistemas artificiais que gozaram do pleno exercício dessa prerrogativa, pois em geral tratam-se de sistemas em rede, virtualmente impossíveis de serem eliminados sem um evento destrutivo de largas proporções.

Em outro âmbito, se um antróide for sensciente, ele gozará de todos os direitos típicos dos seres humanos exceto àqueles que não se apliquem devido a suas vantagens físicas. Antróides imunes a bactérias ou certos agentes químicos, por exemplo, não necessitam de proteção legal contra atividades que os exponham a tais.

Os antróides senscientes, também, tem deveres civis de acordo com sua capacidade física. Podem ser penalmente responsabilizados por se omitirem a agir em defesa de seres, senscientes ou não, mais frágeis, caso ocorram eventos físicos violentos. Como exemplo, um antróide deve, se necessário e possível, usar o próprio corpo para escorar um projétil que ameace um ser mais vulnerável, caso tal projétil seja claramente nada ou muito pouco ofensivo à sua constituição física.

Um Século e meio antes, o escritor de Ficção Científica Isaac Asimov havia previsto as "Leis da Robótica", que regeriam o comportamento dos "rôbos" inteligentes em relação aos seres humanos. As leis aprovadas após o consenso filosófico a respeito dos seres dotados de inteligência artificial estavam longe de ter a redação dada por Asimov, mas boa parte da essência destas leis foi conservada, de modo que todo o projeto jurídico que deu origem a essa legislação leis foi batizado de "Leis Asimov".

Para a plena incorporação destes direitos e deveres típicos aos antróides senscientes, exige-se também um considerável grau de semelhança com os atropônicos naturais. Assim, Madre-Terra solucionou o problema potencial de bióides senscientes com configurações físicas muito diferentes das antropônicas simplesmente pela proibição de sua existência. Bióides minúsculos, gigantes ou com formas não antropomórficas não poderiam jamais ser senscientes. Para ter sua criação permitida ou seu ingresso garantido nos domínios madre terrestres, é preciso também que haja alguns parâmetros de aceitabilidade que incluem a presença de reguladores comportamentais que impeçam agressividade excessiva, em especial no caso dos antróides muito mais fortes e resistentes que antropônicos naturais.

Toda essa concepção foi relativamente estável durante toda a Era Dourada, até cerca de 700 anos atrás, quando começou a sofrer mudanças e revezes, e em especial após a Guerra Celestial, diversas legislações como essas foram revogadas, e várias formas antróides de inteligência artificial passaram a ser proibidas na Mãe-Terra e em várias das Terras-Filhas.

O fator precursor deste agravamento da situação era a existência dos antróides biológico silicônicos, construídos com completas arquiteturas biológicas baseadas em silício, ao invés de carbono. Esses antróides, muito mais similares e versáteis que os antropóides mecatrônico silicônicos anteriores, eram por outro lado muito mais instáveis. Enquanto era característica da maioria dos antróides antigos serem bastante previsíveis e raramente dados a comportamentos inadequados, mesmo sendo seres senscientes livres, os bio-silicônicos, ou simplesmente silicônicos, eram ainda mais próximos dos antropônicos naturais, inclusive sujeitos a variações emocionais mais difíceis de controlar.

Mas o que realmente levou a um estágio de revolução jurídica em Madre-Terra foi o advento de uma tecnologia ainda mais avançada, instável e potencialmente perigosa. Os Bio-Foto-Silicônicos, cujo organismo é uma mistura de silícatos com materiais radioativos resultando num metabolismo que se baseia não em simples reações químicas, mas em potentes reações de nível energético muito mais elevado, algumas inclusive micro nucleares.

O desenvolvimento extremo dessa tecnologia levou a distante colônia de ORIZON, há cerca de 18 mil anos-luz da Mãe-Terra, a produzir Hiper Metanaturais foto silicônicos tão ou mais poderosos que os Anjos Estelares de DAMIATE, ou que as mais poderosas feiticeiras Seilans.

Foram produzidos muito poucos HiperMetas Foto Silicônicos, talvez menos que uma dezena, segundo estimativas da Mãe-Terra, mas alguns deles se tornaram lendários e muitíssimo temidos, e, especialmente, cobiçados pelas Seilans.

O advento dos Foto Silicônicos, e da instabilidade do potencial desenvolvimento de Hiper Metas deste tipo, tornou sua produção proibida na maior parte das colônias da Mãe-Terra, o que em consequência afetou em parte os silicônicos, cujo potencial para o desenvolvimento de Meta Naturalidade é real, diferentemente dos mecatrônicos antigos, que jamais desenvolvem metanaturalidade.

Para todos os efeitos, porém, as dúvidas com relação à sensciência e humanidade dos antróides ressurgiu, após mais de mil anos de aparentemente superada. Ela se misturou com a própria dúvida inerente ao seres senscientes a respeito de si próprios. As grandes questões existenciais, algumas potencialmente angustiantes, sofreram uma amplificação por intermédio de alguns pensadores e poetas antróides e o estado de coisas relativo a inteligência artificial tornou-se novamente um caixa de mistérios.

A MISSÃO COMEÇA

A bordo de toda a frota não se falava em outra coisa. Uma expedição estava prestes a ser enviada diretamente para uma das concentrações de nuvens iônicas que se localizavam em algumas partes do planeta. Enquanto uma equipe de exploradores trabalhava sobre os habitantes senscientes e outra sobre aspectos biogeográficos diversos, uma equipe menor e mais seleta estava prestes a penetrar diretamente nas misteriosas brumas.

Lunis atrasou um pouco a partida. Havia voltado à IANTIS, mudado de roupa e adquirido equipamentos, e voltara acompanhada de seu outro servo, que esperaria numa confortável sala para hóspedes, tendo acesso a todos os dados da operação que não fossem considerados como restritos. Finalmente, ela se integrou ao grupo, prestando atenção nas orientações finais.

- Lançamos um ZIG desligado e envolvido por uma camada isolante. Deveria ter se ativado assim que atingisse o solo, porém, nada aconteceu. Nossa opção então é mesmo vocês. - Disse um dos cientistas a bordo da PROMINUS, olhando para o estranho trio a sua frente.

O andróide era o menos interessante, e o cientista tentava se concentrar mais na exótica dobuk, mas o que não conseguia mesmo era tirar os olhos da seilan, que por um breve momento se divertiu com a facilidade em fascinar os homens daquela frota.

SEDNA já estava em posição acima do planeta, pronta para disparar uma carga eletrocinética netralizadora capaz de paralisar toda a atividade eletromagnética no local. A PROMINUS enviou uma pequena nave auxiliar, totalmente automática, que transportava apenas o trio encarregado da missão.

Viuik, a dobuk, aplicou sobre todo o corpo uma finíssima pele artifical, que a protegeria das intempéries e conservaria a temperatura do corpo sempre num nível adequado. Era a que menos transportava equipamento, pois deveria voar apenas com a força de seus próprios músculos, usando braços longos e finos, porém muito fortes, para mover vistosas asas artificiais.

Ela possuía asas naturais, porém, não suficientes para muita coisa além de planagens breves, ou reduzir a velocidade de sua queda. Na realidade, ela poderia cair de qualquer altura desde que atingisse água, que era a superfície dominante em seu planeta natal. Suas asas naturais reduziam sua queda, considerando o caso de um planeta de boa relação entre gravidade moderada e densidade atmosférica, até uma velocidade na qual ela podia mergulhar com segurança. Não importava a altitude, normalmente ela atingia uma segura velocidade terminal.

Não era a mesma coisa em superfície sólida, e embora a densidade atmosférica local fosse animadora, nunca era demais lembrar que a gravidade era de mais de 12m/s2. Por isso, suas asas artificiais eram mais do que necessárias. Aliás nem sequer pareciam artificiais. Mesmo um observador atento poderia pensar que fossem um prolongamento natural de seu próprio corpo. O mesmo poderia ser dito de todo o seu demais equipamento. A viseira de proteção que integrava o discreto capacete era um dos exemplos mais notáveis.

Com Lunis era diferente. Ela transportava a maior parte do equipamento visível. Vestia, como toda seilan, uma roupa colante branca, de tecido fino mas muito resistente. Seus longos cabelos iam amarrados atrás das costas, e seus olhos devidamente protegidos com uma larga viseira espelhada. Seu capacete-capuz ficava abaixado, atrás da nuca, mas poderia ser colocado numa fração de segundos apenas com um comando mental. Possuía cristais luminosos em várias partes do corpo, em especial pulsos, pescoço e cintura, em torno da qual havia um cinturão com diversos acessórios. Esses cristais eram baterias energéticas vivas que auxiliavam na manutenção de seus poderes, fundamentais para o sucesso da missão.

Ela empunhava duas mochilas, de tamanho médio, repletas de equipamentos, inclusive o transmissor gravitacional. Única opção de tele comunicação que podia atravessar as nuvens iônicas, e também o campo de invisibilidade do planeta. Era uma tecnologia pouco usada e portanto não muito desenvolvida, mas não seria seu único meio de comunicação com a frota.

A feiticeira poderia carregar até mais equipamento. Era muito versátil, e a única Super Metanatural a bordo da Pastor-6, o que era um fator de preocupação, pois era sabido que caso ela decidisse se amotinar e converter outros tripulantes à seu favor, seria muito difícil detê-la. Sua entrada na frota só foi permitida graças a presença de poderosos telepatas, em especial o híbrido.

Ela havia se preparado com Velek para se comunicarem telepaticamente, o que graças a grande habilidade do híbrido, seria muito provavelmente fácil, evitando que todas as esperanças fossem depositadas no caprichoso sistema de comunicação gravitacional.

Dalmana, apesar da aparência, também transportava uma vasta lista de equipamentos, porém quase todos dentro de seu próprio corpo. Ele era um andróide mecatrônico silicônico, e para todos os efeitos, não era um ser vivo apesar de ser sensciente e possuir partes silicônicas vivas. De certa forma seria um ciborgue, cuja parte viva era silicônica, porém esse termo caiu em desuso pois entendia-se como silicônico somente os tecidos vivos, pois os constiuídos puramente de silicone não-vivo eram, para todos os efeitos, equivalente a plásticos.

Seu cérebro positrônico era altamente sofisticado, uma genuína obra prima de inteligência artificial criada há pouco menos de 50 anos, numa estação espacial a 5.300 anos-luz dali, sob administração de Sofistia. Construído para ser mais um elo diplomático entre antropônicos e os cinzentos, Dalmana logo desenvolveu uma série de outras habilidades que o levaram a se tornar independente, e partiu para estudar cultura, comportamento e relações entre seres senscientes, em especial de planetas e espécies diferentes. Não podia adentrar nenhuma das Terras-Filhas, exceto Sofistia, ou Madre-Terra, que proibiam antróides como ele a não ser em casos especiais. Por isso, ele estava feliz agora por poder participar desta operação, o que lhe garantiria livre entrada em Madre-Terra, possibilidade para a qual ele antes tinha apenas uma vaga esperança, alimentada durante o tempo que passara trabalhando em Sofistia.

Feliz? Ele próprio se questionava sobre isso. De certo que era um lugar comum entre os antróides senscientes indagar sobre o significado de humanidade. No entanto, essa questão viria a ser muito diferente do que os antigos autores de ficção científica clássica haviam previsto. A maioria dos antróides não se preocupava em ter ou não um condição humana, mas sim sobre o que afinal significava tal condição.

O lugar comum era que uma vez que a humanidade vivera milhares de anos sem conseguir uma resposta clara sobre o significado de sua própria existência, parecia haver melhores chances para seres "não humanos" dizerem algo de sensato a esse respeito. Porém não poderiam ser senscientes naturais quaisquer, pois todos tinham dramas humanos equivalentes. Os mais promissores candidatos a dizerem algo relevante sobre o tema passaram a ser, desde há muitos séculos, os antróides.

Eles reuniam a objetividade e familiaridade necessária, e durante muito tempo Dalmana realmente se dedicou a esse projeto. Havia mesmo uma rede de divulgação filosófica produzida especificamente por antróides, ou outros senscientes artificiais, que costumavam ter a peculiar característica de ser ou completamente arrebatadoras, ou totalmente incompreensíveis para a maioria dos senscientes naturais. Os tidos humanos.

Até aí, nada demais, pois em geral a reflexão filosófica costuma ser mesmo assim, o problema é que tal produção era em geral feita por humanos naturais. Quando os artificiais começaram a dominar o processo, aliado a febre de objetividade e consenso que Madre-Terra foi obrigada a alcançar, começou a haver um progressivo abandono de tais questões por parte dos humanos naturais, e o resultado final passou a ser a bizarra situação onde somente quem parecia ter conhecimento e autoridade para dizer alguma coisa realmente coerente sobre a condição humana, eram os antróides!

Curiosamente, Mãe-Terra havia praticamente os banido de seus domínios, o que resultava no estranho paradoxo de estar perdida no que se refere ao significado fundamental de sua própria existência. Talvez fosse ele, Dalmana, que viesse a lançar uma nova luz sobre o assunto.

Mas antes, havia um assunto muito mais urgente esperando, pensou ele voltando à realidade ao se deparar com a cena impressionante abaixo deles, e então, revelando flagrantemente o modo curioso como ele solucionou suas próprias questões existenciais, ele foi o único a ali dizer uma frase.

- Minha Deusa-Mãe Xantai...

SONHOS E TORMENTAS

Enquanto SEDNA e PROMINUS estavam bem próximas do planeta, quase no limiar da atmosfera, a GENIUS estava no limite entre o interior do campo de invisibilidade e o espaço externo. Os cientistas de Madre-Terra não muito puderam ajudar com informações a respeito do estranho fenômeno, mas o pouco que disseram reforçou as expectativas de que não havia muito o que temer. Vários cientistas da Terra, incluindo o famoso XUMINIS, considerado o ser humano mais inteligente que já existiu, confirmaram as informações prévias da equipe da Pastor-6 bem como as informações dadas pela feiticeira Seilan. Todos porém, é claro, fizeram suas ressalvas, pois ninguém conhecia um meio de produzir um campo tão vasto, mas tais ressalvas não pareciam implicar em problemas de segurança relativos ao campo invisível em si.

Ao mesmo tempo a IANTIS estava longe, a quase 10 milhões de kms de NOVITA-5. Junto a ela estava a ANGRA, que em situações de emergência também poderia se transformar em uma nave de combate. E é claro, para compensar a ausência da SEDNA, ambas estavam cercadas por um exame de ZIGs armados.

Não que temessem algum ataque, mas havia um nervosismo latente na centena de habitantes da IANTIS. Uma das formas de sempre manter uma vigilância sobre as condições psicológicas da tripulação é prestar atenção para suas excentricidades, e não demorou-se a notar alguns dados bastante interessantes, como dissera uma das psicólogas:

- Desde que saímos do Hiper espaço nesse sistema estelar tivemos aumentos de:

- 67% na ocorrência de pesadelos;
- 152% na ocorrência de sonhos estranhos, confusos ou incomuns;
- 27% na ocorrência de sonhos agradáveis;
- e 289% em "pressentimentos" estranhos, dos quais mais de 4/5 são maus presságios.
- Sem levar em consideração a relevância subjetivas ou a precisão numérica destes dados, algo que fica claro é que temos uma perturbação emocional em nossa tripulação.

A notícia tivera impacto, pois a maioria das pessoas estava reticente em comunicar suas estranhas anormalidades oníricas. Subitamente, aquela situação foi tida como muito importante, gerando por um breve momento uma onda de euforia. No entanto tal onda não atingiu a tríade líder da Pastor-6, que nesse exato momento estava além do alcance, no interior do escudo de invisibilidade do Planeta Fantasma.

Embora soubesse dos dados Taulin não teve tempo de refletir sobre eles, estava muito ocupado reexanimando incessantemente todas as condições orbitais e os detalhes de segurança da operação. Filia, que fora uma das primeiras a se queixar dos sonhos, também estava muito absorta, e estava cada vez mais, ela mesmo admitia com auto repreensão, estranhamente desconfiada da seilan, e por fim Velek era o mais ocupado de todos. Se quisesse garantir uma comunicação telepática eficiente com a seilan, não poderia desviar sua atenção com outros assuntos.

Todas as atenções se concentravam agora na seilan. Ainda a bordo da nave, ela tomou seus companheiros pelas mãos e fez todos levitarem. Em seguida, um plasma luminoso saiu de um recipiente em seu cinto, e envolveu o 3 aventureiros no interior de uma bolha transparente de aparência aquosa, até que as vidraças plásticas que os separavam da atmosfera se abriram, e manobrando a bolha, a feiticeira se lançou em queda livre.

A esfera reduziu de tamanho, deixando os 3 passageiros bem próximos. Por sorte, os prévios estudos atmosféricos tranquilizaram a todos, pois a Dobuk não teria problemas para respirar, e o andróide quase não respirava. Já a seilan preferiu levar um equipamento de respiração auxiliar no caso de não se adaptar bem à atmosfera local. Com isso, a esfera não tinha que conservar um tamanho muito grande a fim de trazer uma bagagem farta de ar, e a descida se fez rápida.

Imediatamente Dalmana sentiu sua comunicação com a GENIUS morrer, e mal haviam adentrado as nuvens. Por uns instantes a descida foi tranquila, imersa num oceano de branco luminoso, até que um distante raio foi notado e logo em seguida sentiram uma turbulência. Seguiu-se então mais um período de quietude. Viuik observava tudo com muita atenção, se sentindo incômoda por estar confinada numa bolha, com as asas dobradas. O antróide demonstrava total calma, bem como Lunis, de quem a segurança de todos dependia.

Ela pressentiu um novo raio e então ativou a levitação e manobrou a bolha em outra direção. Foi providencial, pois logo em seguida um trovão azul violento percorreu o local por onde eles passariam, mesmo assim, pouco depois um outro trovão ainda mais forte atingiu a bolha. Por sorte ela era isolada, o raio luminoso apenas os ofuscou por alguns instante, causando nada mais que um susto, que ainda assim a seilan preferia evitar. Mesmo assim o antróide não pode deixar de perceber vários de seus sistemas internos falhando. Se perdesse a proteção daquela bolha agora, estaria caindo indefesamente.

Desceram mais de 10kms até que finalmente as nuvens começaram a rarear. Os ventos foram em geral suaves, mas assim que saíram daquele universo luminoso foram açoitados por uma súbita rajada lateral, que fez com que Dalmana demorasse a perceber que todos os seus sistemas tinham voltado. A seilan prontamente reagiu equilibrando a esfera, e desceram então mais uns 3km com facilidade. ...O que, no entanto, foi uma verdadeira façanha...

...Pois o que se descortinou ante os olhos deles...

Seria capaz de paralisar qualquer sensciente.

Marcus Valerio XR

A Frota
PASTOR-6

GENIUS
Comprimento: 225m
Cerca de 15 operadores


IANTIS
Comprimento: 1.824m
mais de 200 habitantes


PROMINUS
Comprimento: 350m
12 tripulantes


ANGRA
Comprimento: 848m
5 operadores


SEDNA
Comprimento: 54m
População: 0

O número total de tripulantes da frota é de 232, porém muitos costumam mudar de nave para nave, as médias populacionais referem-se as quantidades de pessoas que em geral trabalham em cada nave.

BIÓIDE
Estrutura artificial que simule a aparência de um organismo vivo.

ANTRÓIDE
Bióide com aparência Antropônica.

ANDRÓIDE
Antróide com aparência masculina.

GINÓIDE
Antróide de aparência feminina.

Bióides MECATRÔNICOS
Que utilizam metais, plásticos e cristais em sua estrutura eletrônica.

Bióides MECA-SILICÔNICOS
Usam também, em grande escala, estruturas silicônicas não vivas.

Bióides BIO-SILICÔNICOS
Totalmente construídos com compostos silicônicos, sendo organismos biologicamente vivos.

Bióides FOTO-SILICÔNICOS
Bio-silicônicos que apliquem reações químicas de alta energia, em geral luminosas, em seu metabolismo. Muitos são radioativos e utilizam reações nucleares.

ROBIOS
Robôs biológicos, em geral carbônicos, usados em situações onde um bióide seja proibido. Embora sejam organismos vivos, não tem cérebros vivos, mas sim computadores puramente lógicos. Há inclusive Robios em forma antropomórfica, em situações onde não sejam permitidos antróides. Mesmo assim, são proibidos em Madre-Terra.

O idioma antropônico mais difundido na galáxia é o Gaiol, oriundo da Terra-Filha denominada Ekzandria, no sistema Polaiga. Um planeta colonizado por descendentes de terrestres de etnia indo-arábica há quase 20 mil anos, tendo sido levados por Cinzentos que realizavam experiências científicas que viriam a ser, mais tarde, proibidas pela Aliança Hexagonal. Embora não seja muito utilizado em Madre-Terra, nenhum explorador espacial pode deixar de dominá-lo, visto que é o idioma no qual costuma ser introduzida qualquer nova cultura que tome contato com a espécie antropônica que faça parte da liga de planetas aliados à Madre-Terra, bem como outrora tomasse contato com a Hexaliança. Diversas espécies não atropônicas também conhecem Gaiol. Ainda assim, muitas Terras-Filhas ainda tem resistência à mesma, em especial SEILA. O Gaiol é facílimo de ser aprendido, possui uma gramática simples, praticamente sem exceções, uma perfeita correspondência entre escrita e pronúncia e verbos perfeitamente regulares e sem qualquer tipo de declinação. Ademais, sua pronúncia e facilitada por igualar diversos fonemas similares, com B e V ou T e D, apresentando uma variedade de sílabas grande em possibilidades pronunciais mas pequena em correspondências sintáticas. Outra facilidade é o uso de artigos definidos e indefinidos bastante simples, que são a única forma de definir gênero, quantidade e grau, visto que os substantivos não declinam.

A divisão da história cultural Antropônica Madre-Terrestre mais aceita leva em conta as fases com maior ou menor interferência extraterrestre, e é considerada a partir do momento em que os antropônicos se tornaram a espécie sensciente predominante no planeta. Deve levar em conta também os estágios de todas as civilizações, abandonando o velho eurocentrismo que caracterizava a divisão histórica clássica.

Era Transicional
12000-5300
(Pré-História)

Era de Acomodação
5300-4200
(Pré-História)

Era Nascente
4200-2200
(Idade Antiga)

Era Mitológica
2200-0660
(Idade Antiga)

Período das Primeiras Grandes Noures
0660-0440
(Idade Antiga)

Período Filosófico
0440-0000
(Idade Média)

Era Teológica
0000-1300
(Idade Média)

Era Ascendente
1300-1600
(Idade Moderna e Contemporânea)

Período das Segundas Grandes Noures
1600-1900

Período Global
1900-2000

Período DAMIATE
2000-2040

Era Galáctica
2040-2240

Era Dourada
2240-3260

Era Pós-Dourada
3260 - ...
Ano Zero

O Sistema NOVITA
compõe-se de:

NOVITA-0
Estrela
Diâmetro: 87mil Km
Gravidade: 23m/s2

NOVITA-1
Planeta Sólido
Diâmetro: 9,2mil Km
Gravidade: 8,1m/s2

NOVITA-2
Planeta Sólido
Diâmetro: 7,1mil Km
Gravidade: 6,6m/s2

NOVITA-3
Planeta Gasoso
Diâmetro: 29,3mil Km
Gravidade: 18m/s2

NOVITA-4
Planeta Sólido
Diâmetro: 10,3mil Km
Gravidade: 9,1m/s2

NOVITA-5
O Planeta Fantasma
Diâmetro: 15mil Km
Gravidade: 12,7m/s2

NOVITA-6
Planeta Sólido
Diâmetro: 6,3mil Km
Gravidade: 5,7m/s2

NOVITA-7
Planeta Gasoso
Diâmetro: 21,8mil Km
Gravidade: 17,4m/s2

NOVITA-8
Planeta Gasoso
Diâmetro: 22,2mil Km
Gravidade: 15,9m/s2

NOVITA-9
Planeta Gasoso
Diâmetro: 30mil Km
Gravidade: 25,6m/s2

NOVITA-10
Planeta Sólido
Diâmetro: 11,1mil Km
Gravidade: 8,7m/s2

NOVITA-11
Planeta Gasoso
Diâmetro: 33,4mil Km
Gravidade: 18,3m/s2

NOVITA-12
Planeta Gasoso
Diâmetro: 29,4mil Km
Gravidade: 17,5m/s2

NOVITA-13
Planeta Sólido
Diâmetro: 4,7mil Km
Gravidade: 3,4m/s2

NOVITA-14
Planeta Gasoso
Diâmetro: 22,3mil Km
Gravidade: 14,5m/s2

O Calendário Madre-Terrestre ainda serve de referência aproximativa às naves e missões madre-terrestres no espaço, no entanto, apesar dos esforços globalizantes, não foi conseguida uma padronização universal e dois calendários são usados. O primeiro, que abrange quase 70% da preferência, divide o ano madre-terrestre em 13 meses de 28 dias, o segundo, mais preciso, divide em 10 meses de 36 e 37 dias alternadamente. Devido a desaceleração da rotação terrestre devido ao ciclo geológico natural e também a intervenções tecnológicas, os anos bissextos ocorrem de dois em dois anos, e ambos os calendários incluem um dia a mais em seu último mês. O sistema de 10 meses ganhou força devido a ter sido adotado em Sofistia, que alterou artificialmente os ciclos do planeta para se adequarem com perfeição sem a necessidade de anos bissextos, iniciativa que tem ganhado adeptos em Madre-Terra. Além disso, há uma curiosa convergência entre os calendários de Madre-Terra e Seila, que também divide o ano em 10 meses, embora de 37 dias com um dia a menos por ano a cada 3 anos. Bom lembrar, no entanto, que um sincronismo perfeito entre o tempo planetário e o tempo em naves espaciais distantes é impossível.

Genônica é qualquer forma de vida resultante de manipulação genética deliberada e obtida por gestação artificial mediante clonagem ou construção química completa. Em geral são produzidos com finalidades específicas, sendo projetados com características pré-definidas. Genônicos antropônicos são proibidos em Madre-Terra, mas ocorrem em diversas terras-filhas, em geral com notável grau de controle.

O Plano Astral é um plano de domínio mental puro que se configura de modo a emular um universo simbólico com o qual se pode interagir. Diferente de um Plano Mental onde as mentes podem interagir entre si diretamente, sem o intermédio de símbolos. Costuma ser dividido em 3 níveis. O Astral Superior contém a linguagem por meio das qual as mentes devem se comunicar, ao invés da ligação intuitiva direta existente no Plano Mental, afim de aumentar a experiência individual de cada mente. O Astral Médio contém estruturas mentais projetadas de modo a possuir alguma independência de suas mentes matrizes, incluindo invólucros dentro dos quais as mentes passam a interagir com as projeções mentais, e se comunicar com outras mentes por meio de símbolos linguísticos mais complexos. O Astral Inferior é uma cópia fantasma do plano físico, conectada a este por uma aura vital de energia gerada pelas subestruturas da matéria, sendo considerado então a ligação entre o plano físico e o plano mental. Assim, o Plano Mental e os Planos Astral Superior e Médio, são considerados domínios mentais diretamente inatingíveis por qualquer evento físico. Da mesma forma, esses planos também não atingem diretamente o universo físico. Os Fisicalistas e os Mentalistas em geral concordam com essa distinção, no entanto, somente os últimos admitem a existência de um plano supra mental. Tal concordância é possível porque enquanto os Mentalistas crêem ser o plano Astral uma estrutura ontologicamente real, isto é, com existência factual independente do mundo físico, os Fisicalistas crêem ser um campo mentônico coletivo, que interconecta as mentes fisicamente baseadas por meio de instâncias inconscientes ou semi-conscientes, e que se, se fossem destruídos todos os cérebros senscientes, o Plano Astral deixaria de existir. A teoria fisicalista do campo mentônico, que embora tenha tido origem ZENITRON, foi mais especificamente desenvolvida na própria Mãe-Terra e outras Terras-Filhas, é baseada no conceito de que os cérebros conscientes contém um tipo de atividade neurológica que emite um sinal específico, duradouro, e extremamente sutil, e que só pode ser captado por outros cérebros equivalentes. Esses sinais combinados interferem-se entre si, gerando agregados sutis que terminam por gerar um campo onde os sinais ecoam permanentemente, enquanto forem abastecidos com mais emissões de cérebros senscientes, e que não podem ser detectados por nenhuma estrutura material devido ao fato de sua configuração mentônica ser infra estrutural em relação a estruturas físicas. Isto é, seria como pretender que um receptor de imagem comum fosse capaz de captar partículas de luz individuais isoladamente, quando na verdade só pode captar sinais que são compostos por trilhões de partículas desta natureza. A Teoria do Campo Mentônico, é capaz de explicar em bases puramente físicas, até mesmo a hipótese conhecida como reencarnação.

As características típicas de porte físico antropônicas antigas em Madre-Terra são uma exceção à regra na galáxia. Enquanto na Mãe-Terra os homens eram fisicamente mais avantajados, sendo sexo dominante até o salto evolutivo da Era Dourada, em praticamente todas as demais espécies senscientes sexuadas conhecidas as fêmeas são mais imponentes e dominantes.