Sobre o absurdo
Durante décadas, fabricantes em todo o mundo negaram praticar o obsoletismo planejado — a fabricação de mercadorias vagabundas concebidas deliberadamente para durar pouco — prática lesiva que deveria ter sido criminalizada desde o início. Telefones portáteis concebidos para terem as telas fragmentadas após quedas leves tornaram o fato inegável e acostumaram as pessoas à submissão a tal falcatrua. Além de lesar os que se submetem ao ardil, o obsoletismo planejado multiplica sobejamente a quantidade de lixo produzido. A maioria dos artefatos que consumimos poderia durar pelo menos tanto quanto nossas vidas, tornando-se objetos de nosso apego. Teriam se tornado virtualmente indestrutíveis, caso houvesse interesse em que durassem. A fabricação de objetos vagabundos, no entanto, é mais lucrativa.
Ultimamente, os que movem o mundo têm fingido uma preocupação com o aquecimento global e outros problemas decorrentes do consumo exagerado. Fosse genuína, a preocupação colocaria em xeque, de imediato, todas as formas de consumo desnecessário. Artefatos cuja duração é programada para um centésimo da que poderia ser, geram cem vezes mais poluição e problemas climáticos do que poderiam gerar. A preocupação com o problema, no entanto, não tem mirado suas causas, uma vez que estão atadas a lucros. A preocupação dissimulada com o problema mira apenas suas consequências, garantindo, assim, fontes ainda maiores de lucros, e problemas adicionais cuja “solução” proporcionará novos lucros, problemas e a perpetuação de tais ciclos.
Assim, se nos atemos aos lucros e seguimos o dinheiro, encontramos explicação para uma parte considerável do completo absurdo em que nos metemos. A produção de artefatos vagabundos nos compele a substituí-los rápida e periodicamente a fim de aumentar lucros. As preocupações econômicas doutrinadas e prescritas pelos meios de comunicação, repetidas pelos cidadãos comuns e endossadas até pelos governos, alinham-se todas ao acirramento do absurdo, prescrevendo o aumento de consumo como meta. Lembrando que “consumo” significa produção de lixo — eufemismos são necessários para mascarar o absurdo até aceitarmos nos submeter a ele.
Em consequência da lucratividade, o consumo de supérfluos de todos os gêneros é generalizadamente incentivado, independentemente da satisfação propiciada pela ação. Um artefato que durasse cem anos satisfaria tanto quanto cem objetos que duram 1 ano. Mas a compra dos cem artefatos gera muito mais lucro, ‘razão’ pela qual é incentivada, embora o impacto de tal consumo, tanto no aumento de CO2, quanto no de lixo, seja cem vezes maior. O absurdo deixa claro o quanto a propaganda deturpou nossas mentes tornando aceitáveis os disparates mais lesivos, individual e coletivamente, em nome de lucros.
(Os grandes impulsionadores da engrenagem lucrativa já divulgaram a intenção de emporcalhar os céus do mundo inteiro com poeira capaz de refletir os raios solares de modo a resfriar o planeta e canalizar as chuvas para onde lhes convenha. Auferirão lucros gigantescos com a cobrança da conta pela façanha que ainda renderá aos celerados o controle sobre as chuvas no planeta. Tal delinquência tem-nos sido impingida sob o rótulo de filantropia.)
Já aquiescemos com a face financeira do absurdo cotidiano de consumir para gerar lucro, cuja ‘naturalidade’ os meios de comunicação — financiados pelos que lucram absurdamente —, trataram de nos convencer. O absurdo, no entanto, vai ainda muito além. A continuação de sua análise, no entanto, exige ao menos umas breves considerações sobre a história do dinheiro.
Brevíssimo histórico da transição para o dinheiro como débito
Os primeiros banqueiros trocavam depósitos em ouro por papeis que atestavam a troca e garantiam a devolução do ouro. Tendo acumulado certa quantidade de ouro em seus cofres, passavam a emprestar parte dele, confiando que os depositários não viriam, simultaneamente, exigir o resgate de seu ouro. A pilantragem costumava ser extremamente lucrativa, propiciando aos ladinos agiotas a cobrança de juros sobre o empréstimo de um ouro que não era deles. Eventualmente, a desconfiança de que tal logro estava sendo perpetrado ocasionava uma corrida ao banco para o resgate do ouro garantido pelos papeis, embora inexistente na quantidade assegurada. A corrida resultava no calote sobre boa parte dos depositários, enquanto os banqueiros, quando conseguiam escapar do xadrez, recheavam-se com quanto dinheiro conseguissem, antes de safarem-se.
Apesar da eventualidade de tais percalços, a lucratividade do ardil garantiu que o empreendimento prosperasse, consolidando os banqueiros entre os mais ditosos cidadãos. Inspirados na rendosa artimanha, os controladores do dólar decidiram implementar medida ainda mais astuciosa, desvinculando por completo o valor da moeda de qualquer lastro. Sabedores, no entanto, da necessidade de evitar a criação de novos dólares a esmo, sem qualquer rédea — o que inundaria o mundo de dólares e aniquilaria o seu valor —, os astuciosos controladores restringiram a criação de novos dólares atrelando-os aos valores dos novos débitos. Desse modo, novos débitos sustentavam novos dinheiros que sustentavam novos débitos, gerando uma estrutura sustentada exclusivamente em si mesma, sem qualquer sustento real. A engenhosa tramoia, no entanto, consegue se alimentar do crescimento da economia. Astuciosamente, a promessa de novos bens a serem criados “lastreia” a criação de novos dólares e impulsiona o crescimento econômico. O funcionamento do capcioso sistema depende, assim, da promessa de crescimento do PIB. A dificuldade de compreensão do método, dada a sinuosidade da artimanha, garante impunidade aos ardilosos controladores da moeda que, afinal, nada prometem.
Antes de prosseguir, lembremos que o aumento do PIB está vinculado ao aumento de consumo (produção de lixo), mas desvinculado da necessidade satisfação real.
De volta ao absurdo
Mas, retornemos, ao absurdo — se acaso saímos dele.
Vimos que o obsoletismo planejado é, “justificado” pela lucratividade decorrente de tal logro. Concluímos, também, que o dinheiro se tornou uma abstração, uma ideia destituída de conteúdo, correspondente a uma relação de débito/crédito. Ter a posse de 1 real significa ter esse crédito com os controladores das finanças, o contrário de ter o mesmo débito para com eles. Ao fazermos um pagamento, transferimos o crédito para aquele que recebe o dinheiro. Tanto as notas quanto os valores numéricos nas contas bancárias apenas simbolizam tais transações. Os controladores do sistema permanecem sempre mediando qualquer transação financeira. Desse modo, o dinheiro tornou-se um número associado a um potencial de relacionamento entre as pessoas, mediado por um controle central.
(Recentemente, o controle do dinheiro em circulação no Brasil foi oficialmente presenteado aos maiores velhacos internacionais, em uma das maiores patifarias já perpetradas no mundo inteiro, sob aplausos gerais dos meios de comunicação do país, massivamente financiados pelos receptadores da benesse. A apropriação foi eufemisticamente denominada “independência do Banco Central”).
Tais velhacos controlam a emissão de dinheiro, sendo capazes de fabricar quaisquer valores que sonharem, tendo apenas o cuidado de restringir sua gula em um limite crescente, mas sempre estipulado, sob pena de matar a galinha dos ovos de ouro, em caso de excesso. Tendo o controle sobre o dinheiro, não espanta já terem-no revertido em controle de enorme parte das grandes empresas no mundo todo. Bolsas de valores consistem em mecanismos de transferência da posse dos bens do mundo inteiro para esses pilantras descomunais.
Nesse momento, uma parcela considerável das engrenagens que movem o sistema produtivo se encontra em mãos desses gulosões que almejam abocanhar todo o sistema em um imenso monopólio único “dividido” entre rótulos diversos de um mesmo conglomerado. Trata-se do fim do jogo econômico e é chamado “globalização.
Note agora que todo o sistema se baseia em uma enorme farsa — o controle das relações de troca mediadas pelo dinheiro —, e que os sicofantas que controlam tal falcatrua compreendem como ninguém a pilhéria maquinada por eles próprios, e então atente: tendo todo o dinheiro do mundo sob seu controle, os pilantras sabem como ninguém que o valor verdadeiro está no mundo real, não em uma abstração como o dinheiro, artimanha engendrada por eles com o propósito de abocanhar todos os bens do mundo, ou seja: tudo aquilo que, de um modo ou outro, conseguirem taxar. Perceba, por exemplo, que até pouco tempo atrás, a água, o mais valioso dos bens, era gratuita, constituindo imoralidade aviltante cobrar por bem tão necessário à vida. Os celerados têm, no entanto, se apossado das reservas de água e logo se proclamarão senhores de tal preciosidade, cobrando pelas gotas que distribuirão parcimoniosa e dispendiosamente à população sedenta do mundo inteiro. Tal iniquidade terá o franco apoio dos meios de comunicação, que convencerão a todos, não só da naturalidade, mas da moralidade de tamanha perversão. Juízes fartamente abonados se encarregarão de incriminar minorias recalcitrantes que eventualmente se insurjam contra desumanidade tão gritante, através de canetadas disparadas da beira de suas piscinas.
Ocorre que os calhordas sabem, como ninguém, que conseguirão cobrar por qualquer coisa que seja escassa e necessária, sendo capazes, ao mesmo tempo, de convencer a todos não só da moralidade, mas da conveniência e desejabilidade de tal perfídia.
Sabem bem, os sacripantas, ser a escassez e não o dinheiro, a verdadeira mola do desejo, razão pela qual tratam de estimular tão vivamente o consumismo torpe e irrefreado, a maneira vil, irresponsável e desrespeitosa de tratar todas as coisas que nos chegam às mãos. Tornamo-nos ávidos por transformar tudo o que vemos em lixo, e assim temos feito, às montanhas, sem nem sombra de pejo, mas orgulhosamente! Fomos convencidos da fineza de conduta tão repulsiva, da graciosidade inerente ao desperdício mais infame. E passamos a transformar tudo em lixo, tão galharda quanto desrespeitosamente. Mas o propósito último dessa artimanha oblíqua, não consiste em gerar lucros, como sugerido nas linhas acima, mas provocar escassez!
Desvela-se o absurdo um nível além. Tendo o controle do dinheiro, e sua posse em quantidades virtualmente ilimitadas, dinheiro e lucros não passam de meras distrações para a consecução da escassez generalizada que obrigará todos à submissão total. Tudo o que tenha sido precificado estará em mãos dos que mediam as relações de troca.
Após escasseamento generalizado decorrente do consumo descomedido desavergonhadamente estimulado durante um século, a posse de todas as coisas permitirá o controle total das pessoas.
O controle total nos induzirá à transformação em seres trans-humanos. Sob a nova forma, seremos cultivados por uma inteligência artificial que nos transformará em uma única colônia coesa, à imagem de um formigueiro futurista composto por pessoas-autômatos atrelados a cangas eletrônicas e gratas pela própria submissão. A exemplo dos cupins, viveremos todos em harmonia, sob o jugo de uma inteligência artificial idealizada com o propósito da dominação total. Como Alices no país das maravilhas, teremos que continuar a correr cada vez mais rápido para permanecermos no mesmo lugar.
O anti-humanismo — que já se encontra em pleno curso —, atestará a benevolência da transformação da humanidade em cupins, quando “filantropos” obcecados pelo poder assumirão vontades e desígnios das massas depauperadas por eles, e gratamente submissas à bondade inelutável das pavorosas criaturas que, ao fim e ao cabo, estarão sob controle de seres artificias engendrados por eles para a dominação.
Anti-humanismo, obsoletismo planejado e absurdos que se autoalimentam