3 de Novembro
Tendo assistido ao filme TOMORROWLAND, da Disney, fiquei bastante pensativo sobre uma aparente crise da Ficção Científica, e da própria humanidade nesse momento atual.
Sem querer ceder a um Cronocentrismo (a crença de que vivemos em um momento crucial e todo especial da história), sempre nos vi numa encruzilhada devido a nosso inédito potencial tecnológico de destruir nosso planeta e o fato de termos agora os melhores indicadores de vida e qualidade, e o mais baixo índice de violência de toda a história humana. (Fato amplamente ignorado, se não repudiado, pela maioria das pessoas, mas absolutamente incontestável sob qualquer exame crítico.)
Quando mais elevamos nosso padrão de vida e nossas perspectivas, quanto mais um possível futuro brilhante parecemos poder ter pela frente, maiores são as chances de frustrarmos tudo, quer nos perdendo num caos de valores morais e conflitos culturais, ou mesmo dando um fim abrupto por meio de uma autodestruição com armas de destruição maciça.
Aliás... Menos. Esse período do maior futuro dourado definitivamente já está um tanto fora de moda, e é exatamente isso que esse filme aponta de modo brilhante e certeiro. Pouco após a Segunda Guerra e antes do aquecimento da Guerra Fria, tivemos uma espécie de mini era de ouro de progresso sem precedentes na história. A Era Atômica e a Era Espacial coincidiam com crescimento econômico inédito e valores familiares ainda saudáveis, e um notável otimismo em relação ao futuro, que se refletiu na F.C. em séries como Star Trek, e sua visão de uma humanidade futura utópica que havia vencido seus desafios internos e achado novos desafios no Espaço, a Fronteira Final.
Mas veio a ameaça de Mútua Destruição Assegurada e o emblemático filme The Day After, em 1986, e movimentos sociais depressivos e auto destrutivos marcando uma nova era de pessimismo crônico onde muitos davam como certa uma hecatombe nuclear.
Parece que jamais nos recuperamos disso, e se hoje a guerra atômica já não está mais na moda, estamos infestados de estórias de epidemias globais, apocalipses zumbis e futuros distópicos tão insistentemente repetidos que parece que a humanidade quer mesmo reiniciar sua história na ingênua crença, que outrora também acreditei, de que poderíamos começar de novo com melhores chances de sucesso, ou pior, com novas oportunidades de heroísmo que jovens civilizados jamais puderam experimentar.
Aí vem a questão, levantada no filme, o quanto essa fixação fatalista em imaginar nossa própria destruição contribui para realizá-la?
E pergunto: O que aconteceu com a Ficção Científica que deveria nos apontar caminhos e possibilidades futuras de superação, transcendência, e de um futuro magnífico onde nossa qualidade de vida seria tão elevada que nossos desafios seriam muitíssimo mais sublimes e grandiosos?
Será que é só com ditadores psicóticos, mortos vivos decrépitos e retornos ao estado selvagem que os autores de FC conseguem agora lidar? Somente a visão depressiva e pessimista de um futuro derrotado?
Motivos reais para temer o futuro não nos faltam, mas deveria ser uma marca da FC oferecer visões originais, e até soluções, e não reforçar ad nauseam e ad infinitium aquilo que nossas maiores religiões sempre previram como sendo um futuro sombrio, sem sequer dar um passo avante no que as mesmas religiões prevêem como um futuro glorioso?
E o mais crucial de tudo. E se nós, com tamanho imaginário pessimista, não estamos no fundo criando esse inevitável futuro numa verve tanática que se retro alimenta contando, sempre, com o fato entrópico de que é sempre mais fácil piorar que melhorar?
* * *
Certa vez imaginei um conto onde, após a morte, você renasceria justo no universo ficcional que você mais tem em mente, quer seja de um outro autor, ou um que você mesmo criou. Mas como um cidadão tão comum quanto o que você é neste mundo, e não como o grande herói.
Nesse ponto eu tenho a consciência tranquila. Nasceria num mundo, se não paradisíaco, ao menos onde a vida da população média seja um pouco melhor que a nossa, e ainda assim repleto de novos desafios.
E você, em que mundo renasceria?
Apesar da intuição ter partido de um filme penso que essa possível crise se aplique mais à literatura de massa que ao cinema.
Nenhum dos filmes com perspectivas mais grandiosas ou otimistas dos últimos anos foi baseado em livros, mas a maioria das distopias ou pós apocalípticos o foi, como 'Divergente', 'Hunger Games' ou 'Maze Runner'.
E não é que eu não goste. Pelo contrário. Adorei Maze Runner, incluindo o livro. Mas o que pergunto é onde estão os 'Fundação', 'Duna' ou 'Rama' da atualidade!?
Que aconteceu com a Futurâmica Espacial ou as sagas de super civilizações onde a humanidade transcendeu o estágio atual e se lançou rumo a coisas muito maiores?
No cinema até tem, mas entre os best sellers literários não tenho visto coisa alguma.
O problema não é ter distopias ou apocalípticos, e sim SÓ TER ISSO!
Um amigo me disse por What's App: ["Com tantos filmes sobre superação de adversidades nunca me passou pela cabeça que a FC estaria em crise. Continua a explorar o que há de melhor em nós em situações extremas que, cá entre nós, sempre foram mais interessantes que qualquer estória paradisíaca."]
No que respondi: Não é preciso FC para explorar situações extremas, até a Não-Ficção faz isso. Mas somente a FC pode conceber a humanidade num nível avançado e descortinar a super-humanidade e os desafios pós-humanos.
E acrescento não ser tanto uma questão de ter estórias paradisíacas, embora isso possa ser feito também deslocando os desafios e perigos para questões mais sofisticadas. Mas principalmente de haver coisas grandiosas.
Até mesmo um filme como Elysium contrasta um futuro terrestre distópico e quase nada diferente de muitas realidades que já temos, com um empreendimento espacial colossal e magnífico, onde a humanidade atingiu até a imortalidade. Ou seja, a construção do sublime não impede a realização de estórias de ação ou mesmo violência.
Ou poderia até mesmo fugir da questão do avanço humano com o simples apelo de abertura para algo muito mais amplo, mesmo que terrível, como Lovecraft e sua concepção de titânicas civilizações perdidas e criaturas divinas que transcendem o espaço e o tempo.
O que estou sentido falta, em especial na literatura atual, talvez seja mais do Grande. Quer seja um grande futuro humano ou um grande não humano.
Ou talvez seja o contrário! O constante flerte imaginário que temos com a grande tragédia pode ser o que mais nos ajuda a evitá-la! Por um processo inconsciente de reação.
Afinal, não foi justo na era dourada do otimismo que corremos o maior risco de auto destruição nuclear com a Crise dos Mísseis Cubanos?