Universidade de Brasília, Janeiro de 2002 EDUCAÇÃO EM TRÊS DIMENSÕES Resenhas e Desenvolvimento Críticos Sobre as Obras
Marcus Valerio XR 98 / 53596 INTRODUÇÃO Sendo um estudante de pretensões acadêmicas sérias e cujas resenhas e monografias costumam ter boa aceitação por parte dos professores, procuro sempre que me surge a possibilidade, produzir escritos que satisfaçam não só as necessidades da disciplina mas me permitam também desenvolver idéias e técnicas dissertativas que visem mais do que uma simples nota a favor de uma menção final. Procuro dirigir meus esforços no sentido de que o resultado possa fazer companhia a alguns de meus trabalhos publicáveis, que podem ser vistos em www.xr.pro.brNesta sequência de resenhas, que abordam ao todo 5 grupos de textos, procurarei encadear os assuntos de forma mais suscinta possível a fim de permitir maior liberdade de abordagem crítica. Decidi apresentar todas as resenhas num único trabalho, tratando-as por autores, e dividindo-as em 3 partes. Dessa forma, creio ser possível montar um backgroud teórico que permita alguns desenvolvimentos filosóficos pertinentes ao tema e o possível preparo de uma série de idéias germinais que possam posteriormente receber tratamento mais amplo. O que mais me chamou a atenção nesses textos é que todos são fundamentalmente filosóficos, alguns reconhecendo isso abertamente. Se indagado sobre qual seria a razão de se apresentar esse material no ínicio de um curso semestral, responderia que são bons como método de introdução do assunto apresentando reflexões primordiais sobre a atividade pedagógica. Reflexões essas, que servem de base teórica para a edificação de qualquer prática, que só o processo filosófico pode fornecer. Procurarei então desenvolver um tema ao qual nunca abordei em textos, mas que não me escapa a reflexão. A Educação, uma vez compreendido seu significado, me parece muito mais do que é para a maioria das pessoas, pois muitos tendem a vê-la como um segmento, uma atividade qualquer na sociedade. Porém eu não hesitaria em colocá-la no campo das prioridades máximas. Na realidade, a nível puramente humano, isto é, aquele que transcende a simples luta pela sobrevivência física, a Educação é, em minha opinião, a principal atividade humana, integrando o próprio desenvolvimento cultural em si. Creio que os seguintes textos apoiam essa afirmação, ao dimensionar a questão num plano mais extenso do que o Senso-Comum, e mesmo o nem tão comum, tende a observar. Índice dos Textos agrupados por autor
Sobre 2. Fatores Centrais Da Aprendizagem e 3. Desafios Para O Professor da Obra PROFESSOR E COMPROMISSO COM A APRENDIZAGEM de Pedro Demo Nestes textos o autor faz uma abordagem filosófica sobre o aprendizado mesclando observações cognitivas, que definem os parâmetros aos quais os métodos pedagógicos devem se basear, com proposições epistemológicas sobre o ato de aprender, e ainda uma crítica às formas sociais em que o sistema educacional tem se enquadrado. Demo inicia estabelecendo uma prerrogativa essencial para a aprendizagem, o Esforço Reconstrutivo do Aprendiz, sem o qual todo e qualquer método pedagógico será infrutífero. Distingue esse conceito do Construtivismo Piagetiano, devido a sua característica dependente da idéia de Criatividade, que ao ponto de vista colocado teria como problemática a pressuposição da "criação" provavelmente espontânea de conhecimento. A meu ver as propostas Construtivista e Reconstrutivista diferem-se apenas na terminologia e talvez em algum outro ponto de vista, pois mesmo a Criatividade não necessariamente deve ser vista como uma espécie de Matriz que emana conteúdos, mas sim como uma forma mesmo inconsciente de utilizar dados disponíveis e rearranjá-los, sendo então uma Transformatividade. Chego a crer que essa constatação seja intuitiva ou facilmente dedutível a qualquer pessoa que se proponha a analisar o conceito de Criatividade, equivalendo-se então ao conceito Reconstrutivista do autor. Pedro Demo também relembra a existência de outras teorias cognitivas sobre o aprendizado, assim como coloca ser muito provável que futuras descobertas, principalmente no plano do Comportamento Emocional, acrescentem muitos novos dados a seren absorvidos e teorizados. Concordo ser bem provável que o modelo cerebral, ainda no insistente legado cartesiano do Racionalismo, deva ceder cada vez mais lugar às observações da natureza emotiva da mente humana, fornecendo uma visão mais holística dos fenômenos cognitivos. Também é impossível não concordar que no aluno esteja o requisito primordial para o aprendizado. Afinal o Ser Humano aprende mesmo sozinho, ao passo que sozinho, o professor nada pode ensinar a não ser a si mesmo, quando assume a condição de aluno. Outro dado notável, e este sim revolucionário se comparado aos métodos antigos de ensino, é a proposição de que o aprendizado só é possível com o esforço íntimo de elaboração por parte do aprendiz, o que faz com que o mais eficiente método pedagógico se baseie na pesquisa, ou seja, em dar a oportunidade clara ao estudante de construir seu próprio conhecimento ao invés de simplesmente reagir a instruções programadas típicas de um sistema de replicação de comportamento. Nesse sentido, segundo o autor, a Pedagogia tem se mantido retrógada se comparada a outras áreas do conhecimento, o que acrescento ser fácil constatar nos métodos ainda dominantes de nosso sistema educacional, aprisionados num paradigma industrial de padronização e massificação. Mais adiante Demo faz uma colocação baseada provavelmente em Frijot Capra, líder de uma tendência de pensamento holístico da atualidade, que como fica claro em outros pontos do texto muito influencia o autor. A citação merece ser reproduzida. "Embora possa ser um exagero a tendência de considerar a própria vida como processo de "cognição" (Capra, 1997, p. 133), porque deixa de lado outras instâncias centrais da vida, como a emoção,..." Essa colocação me soa estranha. Ainda que cognição signifique "aquisição de conhecimento", isso não necessariamente exclui a emoção, que ademais também se baseia num sistema associativo. Ou de qualquer modo, ainda que a definição a exclua, o processo em si não é antagônico ao fenômeno emotivo, que ademais é inevitável na experiência humana tanto quanto o fenômeno racional. Seguinte a isso Pedro Demo levanta questões pertinentes ainda no campo das novas teorias cosmológicas físicas, comparando-as ao processo de aprendizagem como estruturas em constante transformação e adaptação. Nesse caso o aluno não deve possuir uma postura unicamente passiva, pois o próprio conhecimento em si é dinâmico, e deve ser inserido num contexto maior onde o Ser Humano não é apenas alvo mas produtor do conhecimento. Sendo assim o educando deve estar investido de uma postura ativa, esforçada e emotiva no processo de aprendizagem. Nada pode substituir o esforço voluntário íntimo do aprendiz. A seguir o autor passa a analisar os fatores periféricos ao aluno, que o auxiliarão no processo de aquisição do conhecimento. Estes incluem desde o professor a até toda a sociedade em suas implicações. Acrescenta então uma crítica a certas tendências contemporâneas de se enfatizar a estrutura tecnológica do ensino, como se o avanço nos métodos audiovisuais fosse a chave para um revolução pedagógica. Embora concorde que a modernização é bem vinda e necessária, Demo reforça a opinião, que concordo em total, de que os elementos extrínsecos ao aprendiz mais importantes não dependem do avanço nos multimeios, sendo antes de tudo as relações humanas, professor e aluno, e acrescento, entre alunos. Outra crítica se dirige ao cada vez mais em voga método de "divertização" do ensino, que por vezes cruza os limites do bom senso transformando a aula em uma atividade excessivamene lúdica e pouco produtiva, chegando a compará-la ao Pão e Circo. Pedro Demo então considera a particularidade "dolorosa" do processo de aprendizado, que não deve ser torturante, mas sim edificante, tal como a dor de um exercício físico recompensa os músculos com maior desenvolvimento. A meu ver nesse ponto, o autor coloca uma opinião delicada. Pessoalmente sou partidário da opinião de que o "sofrimento" em si não deva fazer parte de nenhum processo realmente construtivo a não ser aquele que devido a sua relativização, não seja considerado como sofrimento. O autor percebe essa diferenciação, ao dizer que não significa exacervar a "dor" mas não se deve escamoteá-la. Não me ficou claro o pensamento responsável do autor sobre essa questão, mas me parece ser de sua opinião de que o processo de aprendizado é impossível sem alguma ocorrência de "dor", "fadiga", ou sofrimento propriamente dito. Sem querer me colocar radicalmente contra essa colocação, discordo que a ocorrência dessa "dor", embora frequente e por vezes bem vinda, não é inevitável. É plenamente possível aprender muito eficientemente sem nenhum efeito colateral que possa ser considerado desagradável. Muitas vezes a ocorrência de tal "sofrimento" deriva de um excesso na atividade, ou de um método de pesquisa que subitamente se revela errôneo. Embora seja normal sua ocorrência, e não deva ser temida, não significa em absoluto, segundo minha opinião, um evento inevitável ou mesmo desejável. Sou da opinião que essa postura de "sacralização" do sofrimento como único meio de se produzir algum resultado produtivo tem sua origem histórica sobretudo no Cristianismo Católico Medieval e sua exaltação a dor como um meio de se chegar a divindade, e sua consequente repreensão ao prazer. Os ícones religiosos dessa época exemplificam muito bem esse paradigma. Cristo Crucificado, Santos Martirizados e Imolados, Jejum, Celibato, Flagelações e similares. Esse sentimento posteriormente se secularizaria e seus memes se distribuiriam em novos paradigmas laicos, tão como o da ascenção econômica pessoal pelo trabalho árduo, sentimento tão bem aproveitado pelos industriais dos primórdios do Capitalismo, ou a crença de que só o esforço doloroso traz resultados satisfatórios. Por fim o autor desloca sua abordagem para o fenômeno educacional como tem ocorrido em nossa sociedade, com todas as suas falhas e vicissitudes. Faz uma crítica sobre a condição de exclusão social do professor e o modo como isso quase inviabiliza uma postura pedagógica mais eficiente ou uma iniciativa de aperfeiçoamento, e como tais lamentáveis ocorrências são consequentemente repassadas aos alunos. Após esse "desabafo", conclui apropriadamente que o maior patrimônio de uma escola ainda são os bons professores. O mais notável nesse texto, no meu ponto de vista, é a colocação do autor como sendo o processo de conhecimento a maior aventura humana. Aprender não é só um processo temporário, uma exigência para se adaptar a tal ou qual fator social. É muito mais. Na verdade, é impossível deixar de aprender, embora possa ocorrer o mau aprendizado. A vida humana é uma constante sequências de acontecimentos que demandam, ou deveriam demandar, reflexão, visão crítica, assimilação, adaptação e aperfeiçoamento. Nunca durante uma existência significativa, será desnecessária a capacidade de aprender. Por isso é tão vital a implementação de um sistema educacional, e aqui tomemos educacional num sentido muito mais amplo do que o simplesmente instrucional, que seja capaz de oferecer ao Ser Humano o melhor exemplo de como excercer sua capacidade inata de aprender. Se isso, essa boa formação na habilidade de aquisição e produção de conhecimento, fosse devidamente estimulado desde cedo, com certeza não teríamos uma mundo tão impregnado de ignorância, desâmino e estagnação.
DEMO, Pedro. "O Professor e Compromisso com a Aprendizagem na Nova LDB. In: Ensaio - Avaliação e Políticas Pública Educacionais. Rio de Janeiro: CESGRANRIO, v.5, no 16, jul./set., p.: 279-98. 1997. Sobre 3. A Relação Alfabetizadora-Alfabetizanda da obra DIÁRIO DE UMA ALFABETIZADORA de Barbara Freitag Embora eu tenha sentido uma forte carência de maior contextualização a respeito deste texto, ele me parece ser o mais simples e de mais fácil tratamento. Seu conteúdo é dedutível como o próprio título sugere, e poderia ser resumido no conflito de paradigmas pedagógicos de linhas de pensamento diferentes, onde a autora, além de apontar uma série de fatores secundários, procura estabelecer uma argumentação favorável a um método em especial. Barbara, a Alfabetizadora, que reúne as condições de professora e patroa, preocupa-se a todo o momento em compreender as reações de Maria, a Alfabetizando, aluna e funcionária, numa relação submetida a toda uma bagagem cultural e uma série de fatores pessoais interferentes, de modo que a condição social das envolvidas remete culturalmente a uma relação de hierarquização, quando não dominação. Durante muito tempo, o papel social de um professor era investido nos moldes de uma sociedade de hierarquias rígidas que remontam por vezes a costumes escravistas. Assim é difícil evitar numa situação como essa, que a relação entre Professora e Aluna não se mescle de conceitos Patrão e Empregado, ou Opressor e Oprimido como diria Paulo Freire. A herança cultural é sum dúvida a matriz desse comportamento. Séculos de Escravismo Colonial, entrecortando-se com hábitos rapidamente assimilados nos primórdios do Capitalismo que podem ser considerados como semi-escravismo. Ao assumir então uma postura socialmente "progessista", no sentido de uma relação mais democrática entre indivíduos, a autora prefere utilizar métodos educacionais emancipatórios, o que já de início acrescenta um Paradoxo. Pois se a relação é estigmaticamente entre a Professora, carregando uma bagagem cultural dominadora, e a aluna, com sua associação servil, a partir do momento que a Pedagoga tenciona utilizar um relacionamento mais dirigido à postura contemporânea de "libertação" do indivíduo através de seu maior preparo instrucional, ela acaba por assumir o papel de "libertadora", ou seja, daquela pessoa que irá auxiliar a aprendiz a aperfeiçoar suas habilidades de modo a possuir uma maior e mais promissora gama de opções humanas de realização. Na tentativa de desenvolver uma relação mais amigável entre lecionante e lecionando, Bárbara enfrenta uma série de dificuldades a mais como a mudança territorial para uma nação de hábitos e costumes diferentes. Cultura essa que se já costuma ser trabalhosa parao processo de adaptação de uma pessoa instruída, como a própria autora, é ainda mais problemática de se assimilar por uma pessoa analfabeta, que dificilmente tem uma visão de mundo suficiente para compeender o choque cultural. O maior obstáculo, a meu ver, é sem dúvida a herança cultural a que Maria está submetida. Uma teia de conceitos e condicionamentos que possuem a notável capacidade de reduzir, quando não anular por completo no indivíduo, qualquer ensejo de reverter a condição de dominado a qual se submete. Numa situação dessas, a simples tentativa de se aplicar um método emancipatório radical, assim como de insinuar que não deveria haver a diferença social entre as partes envolvidas, não costuma ser bem recebida, pois entraria em choque com toda a estrutura na qual a psique do indivíduo foi construída. Como nesta relação específica não ocorrem os excessos que teriam sido talvez os principais instigadores das revoluções do passado, os motivos que levariam o indivíduo dominado a buscar sua "libertação" são muito amainados. Para um melhor resultado pedagógico a saída é tentar achar um meio termo entre a repreensível figuração Opressor-Oprimido, e a idílica relação igualitária, que ademais não seria adequada. Mesmo com tais agravantes a autora examina as relações com sua aprendiz, ressaltando porém que um relacionamento professor aluno apesar de ser auxiliado por uma política de parceria, não deixa de exigir que o professor possua um conteúdo a mais do que o aprendiz, na área que se dispõe a atuar. Isso pode parecer óbvio a princípio. A autora enfatiza essa declaração, de modo que pode-se perceber que uma associação onde o suposto professor não tivesse conteúdo maior que o aluno, deixaria de ser então uma relação aprendiz e aprendendo, para se tornar uma parceria de alunos. Nesse caso a relação pedagógica entre ambos só se torna possível a partir do momento em que ocorra diferença de potencial. Apesar disso, acrescento que não necessariamente tal conteúdo a mais necessitaria ser relativo à matéria a ser aprendida. Há a possibilidade de que ambos tivessem nenhum conhecimento sobre o assunto a ser estudado, mas o "instrutor" possua mais habilidade no sentido de procurar e discernir informações, com domínio de métodos de pesquisa e assimilação superiores ao do "instruindo". Nesse caso embora ambos estejam na condição de aprendizes, existiria diferença de potencial entre os mesmos, de modo que o instrutor muito provavelmente obteria o conhecimento mais rapida e eficientemente que o instruindo. O que a autora também reforça, é que de modo algum isso deveria autorizar uma relação de dominação, como na qual o professor se vale de sua condição num sentido opressivo e exploratório, como fora baseado nosso sistema educacional ainda na maior parte do século XX. Na extensão puramente crítica deste trabalho, gostaria de ressaltar dois aspectos principais que foram levantados pela autora, que servem de partida para reflexão. Primeiro, onde a autora destaca que no caso em questão é praticamente impossível o rompimento da relação Patroa-Empregada sem o consequente rompimento da relação Professora-Aluna, o que não obstante, apesar de transportar toda uma carga implícita de autoritarismo, não impede o processo pedagógico. As peculiaridades da situação, a começar pela quase inviável expectativa de que a aluna desenvolvesse uma postura mais crítica ou mais direcionada a sua própria emancipação, levaram a autora a perceber as dificuldades de se promover uma educação no contexto abordado por Paulo Freire, que foca a transição de um modelo de dominação Capitalista para um de emancipação Socialista. Tal não seria possível, exigindo então um salto "sócio-histórico" anterior, abordado por Max Weber, que ainda se foca na transição da relação Feudal para a Capitalista. Isso serve para demonstrar algo que também deveria ser óbvio, mas que parece por vezes escapar da visão de mundo de muitas pessoas ditas cultas na atualidade. O fato de que vivemos "momentos" sócio-históricos diferentes e paralelos, concorrendo lado a lado ao mesmo tempo em nosso desenvolvimento macro histórico. Ou seja, longe de estarmos, como diriam os maus intérpretes de Marx, ao futuro de uma transição Feudal-Capital e presenciando uma Capital-Socializante, estamos na verdade vivendo uma série de transições e estagnações simultâneas, e ainda que haja uma predominância de um contexto os outros não deixam de interferir, razão pela qual não temos de forma alguma sociedades puramente Capitalistas na atualidade, muito menos Globalmente. Muitos dos que advogam a falência do marxismo como modelo histórico social me parecem por vezes fechar os olhos para esse dado simples, declarando que eventos como o fim da U.R.S.S. servem para demonstrar tal equívoco. Curiosamente tais eventos, as transições entre modelos, continuam ocorrendo a todo instante a níveis micro, tornando o macro algo um tanto ilusório e disforme. Talvez seja quimérico esperar que um dia atinjamos um estado de quase total dominância de um modelo para que possamos observar com mais precisão seu comportamento transicional para outro modelo, mas de qualquer modo ainda mais quimérico é querer retirar do nosso exemplo global atual qualquer conclusão que vise derrubar de uma vez por todas uma teoria que tenha desafiado a visão intelectual de mundo e tenha sido abraçada por tantos, e resultado em tantos desenvolvimentos filosóficos arrojados. Declarar a falência plena do marxismo, com todas as suas implicações transicionais entre as relações sociais dominadores-dominados, me parece ser uma postura baseada antes de tudo no trauma advindo da Guerra Fria, onde a "ameaça do comunismo" ainda assombra muitas memórias. Nem deveria citar o fato de que há ainda 1/4 da população mundial vivendo num regime socialista. O Segundo, é a notável observação da autora sobre o modo como um indivíduo ágrafo interage com um mundo onde imperam excelências na arte de comunicação de massa que aplicam todos os recursos visuais que julguem necessário no intuito de conduzir as pessoas aos seus objetivos. Como exemplo, se mesmo os "letrados" por vezes adquirem seus produtos erroneamente caindo nas artimanhas dos Programadores Visuais que tentam confundir-lhes a percepção com seus truques em rótulos, marcas e embalagens, que dizer daqueles não podem decifrar os únicos componentes visuais que, por força de lei, escapam das metamorfoses publicitárias, os escritos que de fato distinguem um produto de outro similar, ou mesmo advertem os males provocados pela mercadoria em questão. De que adianta a advertência exigida pelo Ministério da Saúde estampar em maços de cigarros que eles são nocivos, para um indivíduo que não sabe ler? São apenas alguns exemplos de quanto o indivíduo ágrafo, analfabeto no nosso contexto ocidental, está excluído da grande parte do mundo moderno. Está em assombrosa desvantagem "humana". Interessante também o modo como a autora descreveu o episódio entre Gilberto Freyre e Paulo Freire, em que o primeiro ainda acreditava ser a Ignorância reduto de felicidade. Uma postura que devo confessar, agride minha inteligência. Tal falácia advém sobretudo da confusão do conceito de Ignorância, quando misturado a idéias como Inocência ou Ingenuidade. É fácil demonstrar isso usando frases comums que empregam o termo Ignorância em sentidos notavelmente diferentes. "A criança em sua bela ignorância." "A caça as bruxas foi resultado da ignorância". É muito difícil discordar que nestas duas frases o termo ignorância tende a sentidos diferentes. No primeiro ele se associa a idéia da ingenuidade, do "Não-Saber" infantil. No segundo ele se inclina a um significado muito menos agradável, deixa de ser o simples "Não-Saber" para se tornar o "Saber Errôneo". Ou poderíamos dizer que no primeiro ocorre apenas o "Não Conhecimento", enquanto no segundo além desse, ocorre a "Ilusão do Conhecimento", ou como diria Sócrates, não apenas "não sabe", mas o pior, "não sabe que não sabe". As atrocidades praticadas em nome da ignorância sempre são baseadas no falso saber, na supertição. Um série de crenças com fráquissima base empírica e lógica, resultado sem dúvida, da falta de um mínimo de instrução. Tal ignorância é solo fértil para o nascimento das ervas daninhas das crendices em bruxas, feitiçarias, supertições e etc. que se numa sociedade mais esclarecida não costumam ser tão graves, em contextos mais retrógados podem ter efeitos devastadores como de fato historicamente o tiveram. Talvez Gilberto Freyre tenha pensado em termos de simples inocência em defender a condição ignorante das massas, mas mesmo assim, essa condição continua sendo um amplo campo de desenvolvimento de toda uma série de males, quer sejam no sentido de resultar em explosão demográfica em massa, de acordo com argumento religiosos vazios a seu favor, a prática sub humanas, ou a simples eleição de péssimos políticos. Sou conscientemente radical quanto a questão do analfabetismo. O indivíduo que não lê não é apenas alguém que não possui uma habilidade qualquer a mais, não é como a pessoa culta que ficou cega. Não se trata, em absoluto, de não possuir um simples recurso comunicativo dominado pelo maioria das pessoas. A meu ver é algo muito mais grave. É alguém que não passou por um processo que, de preferência na infância, estimula e desenvolve uma série de dons cognitivos essenciais para a formação de um estágio "superior" de mente humana. O Analfabeto em nossa sociedade, é, não apenas cultural mas cognitivamente falando, integrante de um segmento social não apenas marginalizado, mas que não me impressiona que seja por vezes taxado de "menos humano". Diante disso, não tenho dúvidas que qualquer governo deveria aplicar forças extremas na erradicação total do analfabetismo, desprezando as torpes posturas que ainda crêem, sem dúvida a favor das elites, que a ignorância é um dádiva a ser respeitada. É lamentável que ao invés, haja governos que se disponham a minimizar os motivos que levariam um analfabeto a querer aprender a ler, oferecendo-lhe o direito a voto, como se ele possuísse alguma consciência cívica capaz de discernimento. Nesse sentido, simpatizo muito com a posição da autora Barbara Freitag, ao se dispor a fazer sua parte no intuito de alfabetização ainda que tardia do indivíduo, em especial submetida a tantos agravantes. Ela tem consciência de toda a dimensão política e social deste ato, o que pode ser traduzido não apenas como uma ação pedagógica, mas antes de tudo humanística.
FREITAG, Bárbara. Diário de uma alfabetizadora.Campinas: Papirus. 1994. Sobre Capítulo 3. As dimensões da competência do educador da obra ÉTICA E COMPETÊNCIA de Terezinha Azeredo Rios A autora inicia este capítulo com um questionamento sobre o significado do Educador na sociedade brasileira em todas as suas implicações sócio-políticas. Sendo uma entidade concreta, a escola cumpre funções predeterminadas em nossa sociedade, caracterizada por uma série de contradições específicas que refletem-se na função social do educador. Para dimensionar o bom desempenho desse profissional, propõe o conceito de Competência como sendo o "saber fazer bem". Definição que mesmo não encontrando respaldo em dicionários de Língua Portuguesa, reflete bem a maneira como o senso-comum e os profissionais da área pedagógica a percebem. Essa Competência desmembra-se em dois horizontes básicos, o Técnico, e o Político, sendo o técnico relativo aos domínios específicos da área em que o educador atua, sua especialidade no campo do conhecimento, e o político relacionado a contextualização de seu papel no plano maior da sociedade. Além dessa dictomia, o próprio "saber fazer bem" possui as dimensões do "Saber", e do "saber Fazer", que podem ser traduzidos como os campos Teórico e Prático. Em seguida, a autora admite ser o conceito de "Bem" histórico e relativamente definido, uma vez que uma definição mais Universal só poderia ser atingida, talvez, no terreno Ontológico e Metafísico, o que não serviria ao caso em questão. O maior obstáculo para a compreensão e prática deste modo de se ver a Competência é, segundo a autora, uma insistente estanquização das dimensões, que insiste em separar e não relacionar o Técnico e o Político, tratando-os como se fossem valores não associáveis. Outra problemática apontada é a romantização do conceito de "Bem" que leva muitos a pensar unicamente no "bem imediato", aquele que evita qualquer atrito no plano instantâneo do Presente, mas que muitas vezes desencadeia resultados nocivos a longo prazo. Insiste que o "Fazer o Bem" não se trata de assumir uma postura permissiva e excessivamente indulgente, mas sim agir de modo a beneficiar o aluno no futuro fornecendo-lhe uma boa base educacional. Por se tratar de um texto curto e basicamente "definitório", adiarei a abordagem crítica para após a resenha do texto seguinte, que se segue na obra da autora imediatamente a este e que deste depende para sua plena compreensão.
Sobre Capítulo 4. COMPETÊNCIA E UTOPIA - Prática profissional e projeto da obra ÉTICA E COMPETÊNCIA de Terezinha Azeredo Rios Baseado nos conceitos anteriormente apresentados, a autora especifica que o Educador Compentente deverá ser Exigente, procurando extrair sempre o melhor do aluno, independente das más condições à quais a estrutura educacional esteja submetida. Não se deve usar a constatação da precariedade do sistema de ensino como justificativa para a inação, ou má ação. Em seguida coloca que a inquirição filosófica sobre a educação deve estar sempre presente na mente do educador, não devendo este aceitar o processo educacional como algo estaticamente definido e imutável. O professor deve assumir a posição de mediador entre o aluno e o Conhecimento, pois não é ele, o educador em si, a fonte do saber que o aprendiz deve procurar. Explica então que estando imersa no contexto social, a educação é influenciada por uma série de fatores extra escolares, muitas vezes servindo como meio de replicação de um sistema de padronização cultural. Contra uma postura de mera reprodução mecânica, o Educador Competente deve fornecer ao aluno meios de promover uma visão crítica de seu mundo, num intuito emancipatório e "evolucional". Como tudo, a sociedade não é inerte, e sim está em constante transformação, o processo educacional deve estar não só em sintonia como a impermanência do meio mas também ter um Projeto de aperfeiçoamento, um "ideal" a ser atingido, o que dá significado maior ao Processo Histórico. O Futuro é gerado no Presente, e temos todos os meios para construir agora a escola e a sociedade do amanhã. Nesses espírito a autora estabelece como ideal a ser a atingido não algo Utópico no sentido de que não possa ser realizado, mas sim algo a ser realizado, afirmando resgatar o real sentido de Utopia. Segundo ela é preciso saber trabalhar com esse conceito não como uma meta além do alcance, e sim como uma expectativa para a qual se progride, convertendo o ideal ainda não realizado em realização, no sentido de que "o que ainda não é pode vir a ser". Lembrando que o possível não está pronto, ele de certa forma é um evento que liga o presente ao futuro. Para prosseguir nessa meta é fundamental o sentimento de Esperança, não como uma simples espera, mas algo que se busca ativamente, rumo a uma Utopia que deve ser compreendida como uma dialética que transforma em possível o impossível Organizar projetos utópicos é um meio de se enfrentar situações de crise, tendo em mente a respeito de crise, a idéia de que ela significa transformação, realçando a dimensão da oportunidade ao invés da de perigo. Segue-se então um observação sobre uma possível Crise Ética em nossa sociedade, que deve ser enfrentada não por uma postura plenamente cínica, no sentido filosófico do termo, que conduz a desesperança, mas sim numa postura de reflexão que poderá levar a transgressão das normas como meio de transformação. Há uma citação que merece ser reproduzida: Quaisquer que sejam nossas possibilidades de liberdade, elas não poderão se concretizar se continuarmos a pressupor que o "mundo aprovado" da sociedade seja o único que existe. (Berger,1976. P. 158) Ao qual gostaria de acrescenter que o "mundo aprovado" as vezes é considerado também como o definitivo, o último, o melhor, do qual não se pode avançar mais, consideração esta tão ou mais restritora da liberdade quanto a da citação. Por fim a autora estabelece a relação entre Competência e Utopia, na qual o Educador Competente sempre tem em mente um ideal utópico para impulsioná-lo numa ação emancipadora e transformadora, com visão ética crítica e reflexiva da sociedade. Assim como a própria sociedade, a Competência também é um valor mutável, e que deve ser compartilhada com todo um meio, pois não se pode ser nesse sentido, Competente sozinho, assim como não se pode ser, segundo esta opinião, Humano sozinho. Conclui com uma constatação do meio termo entre a total passividade e a total atividade, pois nenhum de nós e totalmente capaz ou incapaz. Todos podemos fazer a nossa parte pelo Bem Comum.
Finda a breve dissertação sobre estes textos, creio ser óbvio que são predominantemente éticos. A autora apresenta todo um projeto pedagógico que tem como objetivo maior não apenas a replicação do sistema, mas seu aperfeiçoamento em toda uma dimensão humana. Não tenho como discordar da nobreza do objetivo desta postura, e concordo amplamente com a quase totalidade da idéias apresentadas. Porém, estes textos apresentam um problema a meu ver sério, no que se refere a conceituação de termos. Como um filósofo, sou especialmente rigoroso com a precisão das definições, e notei distorções deliberadas nos conceitos de Competência, Utopia e Ideal, que não estão de acordo com as definições clássicas presentes nos dicionários e nem com sua conceituação no campo da Filosofia. Com base em 3 dicionários, o Aurélio, o Koogan/Houaiss e o Dicionário Brasileiro da Língua Portuguesa, pude verificar as definições destes termos, que por falta de espaço não cabe reproduzir aqui. Nenhum deles suporta a idéia de que COMPETÊNCIA carregue diretamente o conceito de "Bem", sendo na verdade praticamente um sinônimo de Capacidade. Ou seja um indivíduo que faça algo, ainda que considerado "mal", é Competente. O termo UTOPIA significa literalmente "lugar nenhum", como definiu seu criador Thomas More. Todos os dicionários classificam a Utopia como algo necessariamente impossível. A autora porém, afirmou ter resgatado o "verdadeiro" significado de Utopia alterando-lhe o conceito. O mesmo ocorre com o termo IDEAL, ao qual todos definem, baseados claramente na filosofia platônica do Mundo das Idéias, como algo que não pode ser atingido, existindo apenas na imaginação. Não discordo de modo algum com a essência do pensamento da autora, mas sim da maneira com que ela se apropriou, alterou e ainda afirmou ter recuperado o significado autêntico de tais termos, quando na verdade apenas reforçou a idéia imprecisa que o Senso-Comum faz deles. Ela deveria ter seguido o conselho da escritora Clarice Linspector por ela mesmo citada "...Precisa-se dar outro nome a certo tipo de esperança...". Da mesmo forma seria melhor que ela desse um outro nome a esses conceitos ou pelo menos não afirmasse estar lhes resgatando seu verdadeiro sentido. As consequências desse procedimento podem não ser perceptíveis a curto prazo, nem para entendimento imediato do texto, mas quando apresentados para estudantes, podem gerar uma série de complicações uma vez que os mesmos poderão se deparar com tais termos em sua significância original, resultando em confusão. A autora não deixa de perceber isso entretando, pois afinal há elevada equivalência entre afirmar que o Utópico é algo irealizável, ou ainda não realizado. Só creio que reforçar pontos de vista do Senso-Comum em detrimento do ponto de vista filosófico num ambiente acadêmica não é recomendável. Como exemplo cito o significado do termo Evolução, que significa unicamente mudança, mas a opinião trivial é de que esta mudança é necessariamente para melhor, o que é errôneo. Um dos resultados negativos desse equívoco é a dificuldade da população em compreender conceitos básicos da Teoria da Evolução das Espécies, o que invariavelmente pode levar ao reforço, em pleno século XXI, de crenças Criacionistas. É muito curioso, após essas constatações sobre conceitos, perceber que no próximo texto o problema parece ser resolvido. Na sequência de leitura implícita para os textos, assim como por suas datas de produção, a tendência é que se os leia anteriormente ao texto ÉTICA E INTERDISCIPLINARIDADE, quando porém a leitura anterior deste último seria mais recomendada. Como poderá ser visto a seguir.
Sobre Capítulo 9. ÉTICA E INTERDISCIPLINARIDADE da obra ÉTICA E INTERDISCIPLINARIDADE de Terezinha Azeredo Rios Chego a ter a impressão que esse texto atendeu uma demanda decorrente dos textos anteriores, como se estes tivessem gerado requisições com relação a melhor definição de termos, pois é exatamente isso que se seque. A autora inicia afirmando ser esse texto referente ao seu livro ÉTICA E COMPETÊNCIA, onde pretende desenvolver a questão da Interdiciplinaridade revendo uma série de conceitos. Afirma que na década de 80 uma confrontação adacêmica sobre pedagogia que dividia-se em duas frente, a da Competência Técnica e a do Compromisso Político. Apesar de alguns resultados positivos houve extremização a ponto de se perder a noção dicotômica em benefício de uma antagonia exclusivista. Para Rios, o problema ocorria principalmente pela falta de percepção da dimensão ética da questão, o que faria a mediação resaltando o caráter dialético dessas duas vertentes. Então, segue-se em sequência de definições. Moral Conjunto de princípios que norteiam a ação humana dentro de uma estrutura de valores tempo-locais de uma sociedade, que podem ser classificados na distinção de Bem e Mal. Não existe Moral individual, tendo sempre um caráter coletivo. Ética A reflexão crítica sobre os princípios em si, sua fonte e significação num plano superior ao local e temporal. Dentro do terreno filosófico, a Ética se distingue da Moral principalmente por ser a indagadora, enquanto a Moral tende a ser a fornecedora de respostas específicas de seu contexto, contexto este que varia de caso a caso, e que só a Ética pode superar. Política Estar envolvido em relações de poder, o que é inevitável na convivência humana. Significa fazer escolhas, o que tenderá a resultar por fim numa geração de valores morais típicos de uma sociedade. Reflexão Submissão das coisas a uma indagação, um confronto de possibilidades guiados pela crítica. Crítica Uma avaliação das coisas que clareia nossa compreensão. A busca do significado. Competência A autora basicamente apresenta a mesma definição do texto anterior, embora com maior aprofundamento, de modo a atenuar, talvez não intencionalmente, a inclusão arbitrária do conceito de "bem". Promove uma reflexão de seu caráter Histórico e Coletivo, demonstrando sua inconstância tempo espacial. Alteridade Dialética de conceitos opostos, onde um só faz sentido como inversão do outro. Interdisciplinaridade Correlação de disciplinas distintas. Mas na visão específica da autora, agrega uma série de valores como a compreensão ética do significado da educação e seu impacto social num nível mais amplo, o que justifica uma visão global que interliga várias áreas do conhecimento humano. Teoria O fundamento abstrato da prática. O pensamento por trás da ação. É importante distinguí-la do Discurso, pois se uma pessoa diz uma coisa e faz outra, pode agir diferente de seu discurso, mas não de sua Teoria. Prática A manifestação "física" da teoria, à qual interdepende. Utopia Embora mantenha a definição do texto anterior, a autora acentua o caráter inatingível do termo ao reforçar a idéia do "ainda não realizado". Pode-se notar, segundo meu ponto de vista, que o problema das definições que foi levantado anteriormente é suavizado devido principalmente à aproximação do conceito de Utopia, e implícitamente de Ideal, ao seu "verdadeiramente verdadeiro" significado. E também por ter sido evidenciado que o conceito de Bem associado à Competência é consideravelmente relativo. Por isso, considero que seria mais aconselhável a leitura prévia deste último texto anteriormente aos do livro Ética e Competência. Apesar de que desconfie da intencionalidade deste método e compartilhe a opinião de que se trata de uma experiência válida. Noto também que as idéias desenvolvidas por Terezinha Azeredo Rios são por demais extensas para serem captadas apenas nestes 3 textos. Mais do que nos autores anteriores, sinto uma carência de mais elementos para serem triados. Porém é possível notar uma preocupação macro com o fenômeno educativo, assim como uma consciência holística. É muito importante que alguém esteja demonstrando preocupação em apontar essas questões, pois é da minha mais sincera opinião que no Sistema Educacional repousam todas, e as únicas chances de uma transformação social universal no sentido de se buscar um mundo que, na maioria de nosso preceitos éticos ou morais, consideremos melhor. Tal como um organismo só se regenera mediante a substituição de suas células, a humanidade se renova pela substituição dos indivíduos. No plano especificamente humano, significa que qualquer aperfeiçoamento só é possível mediante a constante reposição de indivíduos amplamente "Competentes", em todas as suas dimensões, "competência" essa que só pode ser transmitida pela Educação. Com relação a Interdisciplinaridade, gostaria de resaltar não ser ela uma inovação, um novo processo. Seria antes um resgate de uma postura acadêmica anterior a Idade Moderna, onde o conhecimento era muito mais sintetizado. Desde a criação dos primeiros centros "públicos" ocidentais de produção intelectual, a começar pela Academia de Platão e o Liceu de Aristóteles, todas as áreas do saber eram mescladas sob a abrangência da Filosofia, que promovia o interrelacionamento. Apesar de que Aristóteles já semeara as categorizações do conhecimento, vale lembrar que todo o baixo período medieval foi basicamente Neo Platônico. Somente após a Renascença, sem dúvida por influência Cartesiana e pelo resgate das categorias aristotélicas, iniciou-se uma marcha no sentido da especialização, que se intensificou cada vez mais até o ponto em que estamos hoje, onde é possível encontrar cadeiras de Direito, Política ou Antropologia "separadas" da Filosofia. Nesse sentido, a Interdisciplinaridade vem em parte resgatar essa ligação por vezes perdida de modo a favorecer uma visão global de realidade, uma vez que o excesso de compartimentalização resulta em uma série de problemas, principalmente o famoso fenômeno de ao analisar algo, acabar por aniquilar-lhe o significado.
RIOS, Terezinha Azeredo. Ética e Competência. (3a ed.) São Paulo: Cortez. 1995. RIOS, Terezinha Azeredo. Ética e Interdisciplinaridade. In: As pesquisas em educação e as transformações de conhecimento. FAZENDA, Ivani C. A. (org). 2a ed. Campinas: Papirus, 1997. (coleção Praxis) CONCLUSÃO Uma vez encerradas as resenhas e já tendo abordado uma série de pontos nos locais onde mais eram relevantes, vou agora tentar uma síntese que justifique o título deste trabalho. Uma vez que Terezinha Azeredo Rios destacou as duas dimensões da Competência do Educador, acho válido extender esse conceito não só ao trabalho do educador, mas à própria Educação em si. Na verdade todo Ser Humano necessita destas duas dimensões para viver em sociedade. Ele precisa de um Conhecimento Técnico que lhe permita desempenhar sua função específica, sua profissão. Mas ele também necessita de uma visão de mundo mais ampla, que transcenda seu campo de especialização. Nesse ponto a interdisciplinaridade é fundamental. Aquele que estiver imerso unicamente em sua dimensão técnica, acaba se tornando o que o próprio nome diz, um mero Técnico. Ele não possui uma ação crítica sobre o impacto de sua função no meio em que vive, sendo então, um simples produto deste meio. É uma das formas mais inusitadas de "desumanização", pois aquele que não conseque ver para além de seu reduto, que sequer se esforça para inquirir os motivos de como e porque vive daquela forma, pouco passa do nível de comportamento animal em seu grupo. É claro que é muito raro, se não impossível, alguém estar de fato totalmente imerso apenas no seu "compartimento" próprio, mas há muitos que tendem a esse aspecto. A dimensão política então vem satisfazer a necessidade de uma contextualização mais lúcida do papel do Ser Humano em sociedade. Somente através de uma compreensão a respeito do significado de sua função, o indivíduo pode avaliar melhor o impacto de seu trabalho, e com essa visão, pode lançar mão de uma ação conscientemente ativa e produtiva não só técnica mas socialmente. Essas não são simples dimensões do Educador, mas dimensões do Ser Humano como entidade social. E a essas dimensões venho acrescentar uma Terceira, que abrange um plano ainda maior, indo paradoxalmente em direção ao global mas também em direção ao íntimo, ao pessoal. Trata-se de uma dimensão Filosófica. Enquanto a dimensão política invariavelmente estará imersa no conteúdo moral, ainda que fazendo incursões no plano ético, faz-se necessária uma percepção que transcenda o meio em que se vive, e que relacione todas as culturas em busca dos fundamentos da própria existência e seu significado. Isso vai além da Ética, vai muito mais longe. Só a reflexão filosófica em todas as suas "sub dimensões", quer seja Estética, Ontológica ou Teleológica, pode superar não só a visão específica do papel do indivíduo na sociedade, mas a própria sociedade em relação ao Universo. À Existência. Nesse sentido teríamos então um Ser Humano tridimensional. Ele reflete e age no plano imediato, em sua função técnica, mas avaliando sua função social, política, mas também com uma visão crítica e reflexiva de sua própria sociedade e sua própria espécie, a Humanidade e sua habitação. O Universo. Para "elaborar" esse Ser Humano faz-se necessário um Sistema Educacional de acordo, com uma profunda visão crítica de sua função. Com um método capaz de prover um desenvolvimento de toda a potencialidade humana, que abrange simplesmente todas as áreas concebíveis, para que também ao optar por uma especialização, o indivíduo o faça com uma clareza maior, aumentando em muito sua possibilidade de acerto. As funções primordiais da vida humana, no que se refere a sobrevivência, são basicamente mundanas e não diferentes em essência das de qualquer espécie animal. Precisamos produzir alimentos, habitar e criar meios de nos adaptar ao ambiente. Apesar da absoluta prioridade dessas atividades primárias, no que se refere ao aspecto realmente humano da questão, elas ainda estão aquém do que realmente nos identifica como espécie dominante no planeta. O que nos torna humanos é nossa peculiaridade mental, nossa produção cultural, nossa atividade intelectual e o modo como ela interfere, reelabora e reedita todas as nossas diretrizes existenciais. O conhecimento, a reflexão, a auto consciência é o que nos torna de fato humanos. A dimensão técnica em si pouco se afasta das diretrizes primárias da existência. A política está ainda imersa no nosso contexto cultural e configuração social. O que de qualquer forma ainda reflete comportamentos similares aos encontrados no reino animal, pois quase toda espécie convive entre si, produzindo relações sociais e sua dimensão política. É somente a dimensão Filosófica que irá necessariamente nos remeter para um salto qualitativo como entidades únicas na natureza. E através dela que, ao subirmos ao "alto" podemos ver o todo e reelaborá-lo com maiores possibilidades de avanço. Essa é a dimensão puramente humana, pois animais também lutam pela sobrevivência e também vivem em sociedade, mas não há um só motivo que nos leve a crer que eles possuam essa dimensão reflexiva da auto consciência. É também nessa dimensão que iremos evitar que nossos processos de transformação social sejam meramente uma reelaboração do atual para um modelo apenas mais sofisticado de fazer a mesma coisa. Somente nesse nível podemos construir propostas realmente emancipatórias, tendo uma visão mais profunda do significado humano. É claro que de certa forma, podemos inferir parte dessa dimensão na maneira como Terezinha Azeredo Rios coloca a dimensão política. Afinal a simples distinção da Moral e da Ética nos remete a essa dimensão filosófica. Mas abusando da analogia, comparo isso a ilusão que a bidimensionalidade pode nos fornecer a tridimensionalidade. Ao vermos um desenho num papel, ou uma imagem num monitor de vídeo, sabemos se tratar de uma fenômeno em duas dimensões, mas que simula três. Ocorre então algo parecido, creio ser necessário separar a parte filosófica da parte política, como se desmembrássemos a segunda dimensão, de modo a produzirmos algo relamente tridimensional. Realmente sólido e tangível. O estudo dos fundamentos da aprendizagem, como sugere Demo Pedro, faz parte desse processo de auto conhecimento. Assim como o esforço de levar o mínimo de nossa milenar produção cultural na forma da alfabetização ao máximo de pessoas possível. A exemplo de Bárbara Freitag. Tudo isso faz parte de um processo muito maior, o da produção de conhecimento. E sua reprodução se dá no sistema educacional. É por ele que damos continuidade a nossa cultura. Enquanto nosso potencial biológico reprodutório nos garante nossa permanência e disseminação como espécie, nossa estruturação social permite nossa replicação cultural. Mas só um sistema educacional verdadeiramente "Competente" pode garantir a transmissão daquilo que temos de mais elevado como Seres. Nossa plena Humanidade. Marcus Valerio XR 98 / 53596
Janeiro de 2002 |
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