-200 Anos em 20
1964 - 1984

Universidade de Brasília, Setembro de 2000, IH - Departamento de História, Disciplina: Introdução ao Estudo da História, Professor: Roberto Baptista Júnior

O Título deste trabalho é uma força de expressão, se Juscelino Kubstichek teria realizado o seu 50 anos em apenas 5, bem sucedido no que se refere a interiorização regional, a nossa ditadura militar me parece ter conseguido uma façanha inversa, pelo menos num certo plano sócio-cultural.

Creio ter motivos suficientes para emitir uma opinião com essa "dimensão", pois mesmo numa análise superficial não creio ser difícil observar que 20 anos de controle informacional, propaganda ideológica no pior sentido da palavra, e uma completa distorção de conceitos levaram a um embotamento mental que precisará de no mínimo outro período equivalente para ser plenamente recuperado. Período este que até agora, ano 2000, ainda não se completou.

Para a justificação dessa postura recorrerei a uma breve elaboração filosófica. Recurso que faz parte de todas as minhas abordagens, no intuito de torná-las devidamente coerentes e condizentes com a postura de quem se propõe a analisar seriamente questões amplas.

Quero concordar com o Historiador E.H.Carr quando afirma "...ninguém em sã consciência jamais acreditou num tipo de progresso que avançasse numa linha reta contínua sem reveses, nem desvios ou quebra de continuidade...". Creio que a idéia de um progresso "sinuoso" é perfeitamente natural a qualquer pessoa sensata, e na verdade, é até mesmo óbvia.

Qualquer coisa que façamos a longo prazo, qualquer processo no qual nos envolvemos, nunca segue de forma perfeitamente inabalável. Ao longo de nossos estudos experimentamos momentos de maior e menor rendimento, mesmo ao longo de nosso crescimento corporal, temos "espichadas" e estabilizações antes de atingirmos nossa estatura final, sem contar as centimétricas variações provocadas pela compressão e distenção da coluna vertebral entre o adormecer e o despertar matutino, que nos permeiam toda a vida.

O objetivo deste argumento é demolir previamente posturas a meu ver pouco lúcidas, de que estaríamos num processo inevitável de declínio moral e social, algumas das quais chegam a pregar o absoluto inverso da idéia criticada por E.H.Carr transcrita acima.

Na Idade Antiga era comum a idéia de um transcurso temporal que apresentava características cíclicas, na Idade Medieval tal transcurso era visto de forma linear. Creio ser mais adequada uma fusão das duas idéias. Visto "de frente" teríamos um ciclo, "de lado" teríamos um "mola", extendida ao longo de uma linearidade.

Um exemplo muito claro de como se daria então tal processo temporal são os "dias". Sabemos que nenhum dia é iqual ao outro, no entanto todos apresentam manhãs, tardes, noites e madrugadas. Portanto se num momento anoitece, não estamos voltando para o dia anterior embora atravessemos uma fase de similaridade.

Essa é a base de um raciocínio que me leva a acreditar num avanço humano em todos os sentidos. Me faz ter a postura que, mesmo crendo termos passado por um retrocesso de 20 anos, ainda é otimista.

É fácil percebermos como a ausência de um pensamento similar a esse atinge uma vasta gama populacional. Uma maioria na cidade de Brasília, tende a concordar que ocorreu uma piora na condição de vida no DF nos últimos 10 anos, em parte devido as atitudes do governador em exercício. Infelizmente muitos se deixam aprisionar nesse quadro restrito e o transferem a uma amplitude local e temporal indefinidamente maior. A ponto de "concluírem" um processo global e histórico de decadência.

Superando esse mentalidade limitada, alguns com maiores ressalvas ainda são capturados por um pessimismo que como o próprio E.H.Carr coloca, teve início com o avento da Idade Contemporânea. Um século ainda me parece pouco para avaliar um processo histórico multi milenar.

Terminando essa parte, expresso minha convicção num progresso humano global através dos tempos. Apesar das recaídas, não tenho dúvidas de que estamos, na maioria dos sentidos, melhor do que a maior parte dos períodos da história literalmente registrada. Essa Dinâmica do Universo, me faz ter esperanças, e me dá disposição para analisar um dos inúmeros exemplos de retrocesso de nossa memória, a última Ditadura Militar.

A década de 60 era evidentemente tensa, em sua metade se completavam 20 anos do fim da Segunda Guerra Mundial, que por sua vez se iniciara 20 anos após o fim da Primeira. Com tal padrão, não é de admirar que muitos esperassem uma Terceira guerra nessa época, onde havia da fato uma Guerra Fria, com ainda um agravante notável. O poderio nuclear conferiria a essa Terceira guerra um significado bem mais dramático ao termo Mundial, extendendo o dano não só ao campo político, social e econômico mas também ao próprio plano ambiental planetário, ou seja, mesmo países não envolvidos seriam fisicamente afetados.

Tal como o lendário jogo de Xadrez entre os campeões mundiais Bobby Fischer, dos E.U.A., e o soviético Anatoli Karpov, muitos consideravam o mundo um tabuleiro de estratégia, onde uma simples jogada poderia redefinir toda uma estrutura de equivalência entre os dois grandes sistemas antagônicos, Comunista e Capitalista, representados respectivamente pelos seus cabeças U.R.S.S e a outra sigla já citada.

A revolução cubana foi um choque ao lado ocidental deste delicado Equilíbrio do Terror, como se o adversário tivesse movido uma de suas peças para uma posição avançada. Um outro evento como esse seria muito difícil de ser tolerado.

Não cabe aqui uma recapitulação dos principais eventos externos ou mesmo internos que desencadearam o famoso Golpe de 1964, pois não é este o objetivo desta redação. Meu direcionamento se dará num plano bem menos exigente a nível informacional histórico. Mas quero deixar claro que tal acontecimento estava inserido num amplo contexto mundial, e que tudo o que aqui ocorreu, refletia e era refletido por elementos externos.

A subida dos militares ao poder, curiosamente quase 20 anos após o fim da Segunda Guerra, implantou uma ditadura de 20 anos que se encerrou oficialmente há menos de 20 anos atrás. A insistência recorrente deste número 20 me deixa bastante pensativo sobre o que poderá nos esperar no ano 2004.

Nesse mesmo espírito questionador numérico, sou levado a ver mais um bom motivo para justificar o título deste trabalho, pois tanto em nosso país quanto nos E.U.A, nesse fatídico período de declarado anti-comunismo virótico, a perseguição a tais grupos ideológicos foi apelidada de Caça as Bruxas, cujo evento literal se encerrara há aproximadamente 200 anos antes pela maioria das igrejas cristãs em caráter oficial.

Portanto quero dizer que nesses 20 anos de ditadura militar, experimentamos processos comparáveis á aqueles ocorridos em -200 anos. Ou seja, remetemos a eles, e de certa forma degeneramos 200 anos em 20.

Não é necessário muita investigação erudita para desenvolvermos opiniões a esse respeito. Tendo nascido no final de 1971, e cerca de 10 anos depois tendo tomado melhor consciência do mundo que me cercava, vivi num período oficial da ditadura. Presenciei seu fim, assim como o fim da Guerra Fria, e toda uma mudança paradigmática em uma série de contextos sociais.

Convivi com pessoas que me transmitiram sua impressões e vivências desse período, e ainda pude acompanhar toda uma remanescência ideológica principalmente nos meios de comunicação de massa, que na verdade só recentemente dou por completamente encerrada.

Tive acesso ao Manifesto do Partido Comunista, adquirido ousadamente por meu pai no auge da repressão, e pelo menos uma vez fui advertido por minha própria mãe a tomar cuidado com meus discursos ingênuos mas carregados de contestação contra o sistema.

Presenciei em meu período escolar assassinatos intelectuais promovidos pelos livros didáticos que disparavam uma avalanche de absurdos contra idéias que mal remetiam a Karl Marx, e assisti ao vivo e a cores um inflamado candidato a cargo público local, listar em quadro de fórmica espantosos números de "crianças inocentes massacradas por comunistas", sem qualquer referência, através de uma caligrafia nervosa e caótica em pincel atômico azul que denunciava o estado mental da criatura que tristemente ocupava espaço em todos os canais televisivos locais no horário político obrigatório.

Pela mesma televisão também, assisti em alguns de meus filmes e seriados favoritos, de espionagem, policiais e de guerra, uma parcela já decadente mas ainda incisiva de propaganda anti-comunista tão descarada que não só agredia o próprio argumento do roteiro, como não hesitava sequer em confundir Comunismo com Nazismo. E vivi um renascimento do terror nuclear através de filmes como The Day After e mini séries de TV como Terceira Guerra Mundial, e por vezes me pegava exercitando minha fértil imaginação num futuro pós apocalíptico onde eu poderia viver aventuras ao estilo Mad Max.

Nas famosa revista Veja, a mesma que se orgulha de ter tido na capa de sua primeira edição a Foice e o Martelo, me deparei com "notícias" que iam desde acusações de fome e miséria em larga escala na União Soviética, até elogios a filmes como Rambo II através de frases como "...todos adoraram ver Rambo desabar sua fúria em cima da canalha comunista...". Motivos que me fazem ter muito pouca consideração com esta mesma revista até a atualidade. Vale lembrar que filmes comerciais consensualmente bem melhores eram invariavelmente execrados.

Tomei conhecimento de verdadeiras pérolas do non-sense repressor, que um dia ainda irão figurar num divertido livro de humor tendo a ditadura como alvo. Num deles um certo patriota expediu uma ordem de prisão ao autor de uma certa peça teatral que parecia conter um conteúdo subversivo, infelizmente ninguém com um mínimo de cultura advertiu esse zeloso cão da ditadura que seria necessário deslocar um efetivo no tempo e no espaço até a Grécia de 2500 anos atrás para que fosse possível efetuar a prisão do tal Sófocles, autor de "Édipo Rei" inclusive. Outra ordem de prisão alvejava um certo agitador cognominado Celacanto, que deixara uma ameaça de maremoto num muro da cidade. Novamente e infelizmente, não havia nenhuma criança para avisar que este personagem televisivo japonês já estava na mira do Nacional Kid. E talvez a melhor, após uma batida numa certa biblioteca pública, os gorilas da ditadura aprenderam qualquer livro cuja tonalidade da capa se aproximasse da primeira cor do espectro, no entanto não ousaram tocar num livro cujo nome só podia ser de algo bastante útil ao sistema, O Capital, de Karl Marx. Tendo sido repreendidos por um superior com alguns neurônios a mais, numa segunda investida levaram A Capital, romance clássico de Eça de Queiroz.

Nem precisaria falar no velho chavão antropofágico pedófilo, mas não resisto a tentação de extravasar uma piada de minha autoria: Sabe por quê o MacDonalds não dava certo em países comunistas? Porque eles não faziam o MacChildren!

Somando-se tudo isso à trivial questão da tortura, assassinato e violência generalizada contra os protestos, e lembrando-se de que muitos recursos governamentais eficientes foram extintos e substituídos por programas inferiores que sem dúvida pioraram as condições de vida no Brasil, assim como houve evidente piora no conteúdo educacional e aumento generalizado da inflação. É difícil discordar de idéia de que a ditadura militar teve um saldo bastante negativo, e que todo esse "progresso" era baseado num fundamento político já discutível para a época e hoje totalmente reprovável.

Mas o que estaria por trás de toda essa evidente insanidade patológica temporária?

Uma certa historiadora da qual sou um grande admirador, Riane Eisler, propõe em sua Teoria da Transformação Cultural, que os grupamentos humanos são governados basicamente por uma gradação entre dois modelos antagônicos, o de Parceria e o de Dominação.

O Primeiro se baseia na mútua confiança entre os grupos diferenciados da sociedade, e recíproca colaboração. O Segundo no controle coercivo e opressivo de um ou mais grupos sobre outros. Sendo esse sistema dominador bem mais doloroso tanto para quem é dominado quanto também para quem domina, é inevitável uma forte dose de neurose e crônicas doenças psicossociais dos mais diversos tipos.

Em todas as eras sempre tivemos líderes. Quer seja em sistemas monárquicos, teocráticos, tribais, republicanos ou socialistas, a tendência foi sempre de minorias controlando maiorias. O que diferencia um sistema de Parceria de um de Dominação é o grau em que esses líderes representam a população.

Num sistema dominador, segmentos sociais dos mais diversos tipos ficam fora das lideranças, quer seja baseada em discriminação de sexo, etnia, religião, etc. O inevitável descontentamento dos grupos oprimidos e o esforço necessário para oprimi-los mantém uma tensão constante, que se não estoura em revoltas se manifesta nos mais diversos processos sociais perturbados que alimentam ainda mais a tensão, criando um círculo vicioso e viciante no qual infelizmente, é muito difícil reverter por completo em prazos não muito extensos.

Ainda que manter as rédeas do sistema seja muito custoso, os dominadores via de regra perdem a noção de como seria um modelo mais próximo a uma Parceria, e mesmo que não o fizessem, as classes oprimidas passam a alimentar a idéia também viciante, de não reestabelecer um equilíbrio, mas sim inverter a dominação.

Um analogia evidente é a de um balanço em repouso, não precisamos de mais do que uma fração de segundo para colocá-lo em movimento, indo de um extremo ao outro, mas ele demorará minutos para retornar a posição de equilíbrio inicial, a não ser numa nova intervenção manual. O problema é que vários fatores culturais, biológicos ou mesmo ambientais poderiam ter representando esse "empurrão", mas até agora quase nada parece ter sido capaz de deter rapidamente esse constante desequilíbrio.

Sendo assim a tensão necessária a perpetuação de um sistema dominador tende a se estender indefinidamente, ainda que seja claro que tal sistema não oferece uma boa solução para os problemas humanos.

Para se manter no poder as classes dominantes precisam lançar mão de uma série de recursos que só fazem sentido dentro de uma lógica de opressão e manutenção de um sistema que prejudica alguns segmentos sociais em benefício de outros.

A Violência, Autoridade, Ameaça e similares serão constantes indisfarçáveis, mas como boas facas de dois gumes, seu uso excessivo sempre será preocupante. Sendo assim o modelo dominador cedo ou tarde chegará a conclusão que não basta se impor apenas pela força física, é preciso utilizar a força psicológica.

Ao invés de batalhas constantes e perigosas contra os revoltados, é melhor diminuir a ocorrências dessas batalhas minando as razões para que elas aconteçam. É preciso criar nas classes dominadas, uma idéia de conformação, comodismo, medo ou até mesmo concordância com o fato de estarem sendo exploradas.

Alguns exemplos evidentes serão convencer os oprimidos que:

- Não há outra forma de coexistência, ou que o sistema vigente é o menor dos males.

- Que eles não têm competência para assumir o controle e que nem mesmo podem compreendê-lo.

- Que são inferiores por natureza, por razões biológicas ou divinas.

- Que outras propostas de modelo social são na verdade armadilhas para indivíduos atingirem o poder.

O modo mais antigo de se fazer isso, e até hoje muito em voga, é o apelo a uma autoridade superior em todos os sentidos, a um "deus" ou lei divina. Que justificará e sancionará todo o desequilíbrio de poder. Fora o "deus", há também o apelo à autoridade de grandes líderes, "sábios", determinismo biológico ou cultural, destino, e toda uma gama de recursos que escapam ao espectro de investigação da maioria das pessoas.

Uma vez sancionado um sistema ideológico que mantém razoavelmente estável a dominação, é preciso preservá-la, evitando qualquer conteúdo que possa abalar o embasamento argumentativo dos ideais dominadores. Assim as teocracias proíbem as demais religiões e os sistemas fascistas proíbem as demais ideologias.

Marx e Engels foram pioneiros na detecção de um processo de mudança entre sistemas de dominação, que culminaria no retorno a um sistema mais equilibrado. Lançaram a idéia do antigo Comunismo primitivo, hoje com bastante apoio pelas evidências arqueológicas do período neolítico.

Problemático é o modo como isso nos remete de certa forma a uma concepção de Paraíso Perdido, para o qual cedo ou tarde voltaremos. Mas a grande diferença deste tipo de raciocínio com o seu equivalente religioso, e que este não apela para o metafísico, e não põe então o objetivo da história fora da própria história e ainda por cima dependente de uma força sobre humana.

Portanto nossa história tem sido um constante movimento de balanço, de lutas de classes e inversões de sistemas de dominação, felizmente talvez rumo a um sistema mais equilibrado apesar dos constantes picos de desequilíbrio. E num desses picos dominadores, temos o caso específico de nossa última ditadura militar.

Analisar profundamente os processos psicossociais de uma nação que traz milênios de bagagem cultural não é uma tarefa simples, mas podemos compreender bem o processo focando apenas o antagonismo específico da época, entre o Capitalismo e o Comunismo.

Pelo meu entendimento da definição básica das palavras Capital e Comum, tais sistemas tendem respectivamente a modelos de Dominação e Parceria, o que entretanto nem sempre corresponde a realidade. É indiscutível que o sistema mais antigo, o Capitalismo, é seriamente ameaçado pelo sistema revolucionário. Sendo assim é evidente que o sistema dominador em questão irá lançar mão de todos os seus recursos para bloquear a investida do novo sistema, inclusive convencendo a população de sua suposta periculosidade.

Os resultados da propaganda ideológica no Brasil são óbvios, os segmentos sociais que mais demonstram ojeriza a palavra comunismo não são apenas os que mais seriam prejudicados por eles, mas também os que mais seriam beneficiados, mas que no entanto, apresentam os maiores índices de ignorância.

Hoje em dia pude perceber uma já considerável mudança a esse respeito, mas até bem pouco tempo atrás, podia confirmar pessoalmente que qualquer analfabeto sem um mínimo de informação básica, que sequer sabia que a Terra é esferóide, "sabia" que o Comunismo era ruim. Não conseguiria definir a palavra, sequer dizer qualquer outra coisa que a ela se relacionasse, mas no entanto tinha "plena certeza" de sua qualidade maligna.

Quando um evento destes acontece, é sinal inequívoco de propaganda ideológica. A única forma de fazer com que pessoas sem nenhum envolvimento com determinadas questões tenham alguma opinião sobre elas, é levando-as até as mesmas, invariavelmente com um julgamento já pronto.

Com isso fica fácil entender por que mesmo hoje em dia, um número tão grande de pessoas, principalmente as menos privilegiadas e as que mais poderiam ser beneficiadas com um sistema político de esquerda, ainda "sabe" que qualquer coisa relacionada a bandeiras vermelhas não merece confiança.

Em minha opinião é esse o mais terrível legado da ditadura, não a questão do comunismo em si, mas a idéia de que uma nação só pode ser controlada através da própria ignorância. A ditadura militar tinha como base de toda a sua estrutura, o controle de informação, e basta uma olhada pelo mundo e pela história para observar que esta não têm sido uma boa base para a construção de um sistema político globalmente eficiente.

Ainda que economicamente esses 20 anos de estado totalitário tivessem sido claramente benéficos, o dano cultural ainda macularia profundamente suas conquistas, e na verdade tal compensação me parece impossível. Sabiamente a meu ver, a Ignorância já foi detectada há milênios como a "Raiz de Todos os Males", e qualquer sistema que dependa dela fatalmente entrará em colapso, por estar assentado numa péssima base.

Dependendo da condições espaço temporais é possível que tal sistema se mantenha por séculos, como foi o caso da Igreja Católica Medieval, cuja base de poder indiscutivelmente se baseava, e ainda se baseia em diversos casos envolvendo religiões cristãs, na ignorância de seus fiéis, ou melhor dizendo rebanho. Mas no mundo moderno, cada vez mais a manutenção de uma sistema dessa natureza se torna mais complicada.

Pessoalmente discordo da opinião generalizada que atravessamos uma época em que as mudanças são mais rápidas e intensas que em qualquer outra, ou que estamos diante de constantes transformações significativas em frequência diária. Em meus 28 anos de vida, continuo me deslocando de automóveis, ônibus e aviões, cuja única diferença dos mais modernos para os mais antigos são assessórios em sua maioria supérfluos, e onde mesmo a melhora de desempenho é tolhida por uma série de limites legais tais como a velocidade máxima permitida. Nessa mesma época presenciei evidentes melhoras nos sistemas de televisão, nos eletrodomésticos e materiais de uso diário, mas nenhum deles representou uma mudança estrutural significativa. Embora estejamos cercados de técnicas bem mais avançadas que aquelas que nos cercavam a 3 décadas atrás, elas não mudaram em praticamente nada as nossas diretrizes sequer terciárias.

Entretanto há exceções, nesse mesmo período pude presenciar duas tecnologias que estas sim, apresentaram uma inovação espetacular. A microinformática e as telecomunicações. Os telefones celulares da atualidade representaram de fato uma mudança sensível, a capacidade de se telecomunicar de praticamente qualquer lugar para qualquer lugar, sem a necessidade de um conexão física fixa. Embora tal recurso já exista a mais de 5 décadas, sua maior acessibilidade e eficiência atual é de fato inegável.

Na microinformática também tivemos uma pequena revolução. Há menos de 30 anos, criar e editar uma trabalho gráfico em casa, e imprimi-lo com o atual nível de qualidade era completamente impossível sem dispendiosos recursos físicos pouco acessíveis.

É justamente a fusão dessas duas proezas, a telecomunicação e a informática, que trouxeram aquilo que para mim é a ÚNICA revolução indiscutível, espetacular e capaz de alterar significativamente a estrutura mundial. A fabulosa INTERNET.

Aqueles que conhecem obras de Ficção Científica antigas sabem que pouquíssimos autores consequiram prever algo similar a Internet. Alguns ambientavam suas estórias em épocas bem a frente da atual, abusando de dispositivos anti-gravitacionais, andróides, vôos espaciais e até teletransporte, mas onde uma pessoa em casa ainda precisava se deslocar fisicamente para buscar informação, ou na melhor das hipóteses, elas estariam todas depositadas numa única estrutura física, um computador sabe-tudo ou robô que responderia "não têm registro" para dados que porventura não dispusesse, ainda que tais fossem do conhecimento de outros robôs. Ou seja, esses andróides e computadores não eram interligados em rede.

As telecomunicações e em especial a Internet, são sem dúvida a marca da virada do milênio, uma vez que ainda teremos que esperar um bocado para irmos, a maioria pelo menos, para outros planetas, andar em carros voadores e ter em casa robôs domésticos de eficiência e versatilidade estupendas.

E é exatamente essa mudança que acrescenta um fortíssimo oponente contra qualquer sistema que se baseie no controle de informação, pois a Internet assim como as cópias de softwares em geral, são incontroláveis. Dos quase 200 países do mundo que possuem uma estrutura tecnológica adequada, apenas os de regime totalitário ainda não têm acesso pleno a Internet, geralmente estados teocráticos islâmicos.

Um sistema como a nossa última ditadura militar não poderia se manter da mesma forma diante desta tecnologia. E como um dos fundamentos básicos do fascismo e totalitarismo é a ignorância, essa nova estrutura mundial acrescenta uma oposição tão grande contra os modelos de Dominação quanto foi o advento da Imprensa, através da qual a tradução e disseminação em massa de Bíblias por exemplo arruinou o privilégio da Igreja Católica, que não atoa tentou proibi-la, dando vazão ao surgimento de inúmeras outras igrejas.

A imprensa também acelerou quase todas as outras mudanças e revoluções e se tornou um instrumento de combate ao controle de informação tão poderoso, que somente controlando-a seria possível um sistema totalitário se manter no poder.

Outro link entre nossa última ditadura militar e a teocracia católica medieval, passando por estados fascistas como a Alemanha pré Segunda Guerra, foi a perseguição, apreensão e destruição de livros e impressos, inimigos terríveis contra um sistema baseado na ignorância. Somente o controle rígido de tudo o que podia ser publicado e nos casos mais recentes transmitido por rádio ou televisão, poderia garantir a prolongada sobrevivência do estado Dominador. A aliança entre a ditadura de 64 e a Igreja Católica é só um dos flagrantes.

Mas como todos sabem, a Internet é diferente disso tudo, é muito mais incontrolável. Por isso tenho convicção total que para um novo estado totalitário se estabelecer, a primeira meta é assumir o controle desta teia mundial de informações, algo aparentemente impossível a não ser que se destrua toda uma infra estrutura tecnológica. Mesmo que tal fosse possível, iria contra toda a tendência mundial de globalização, ou seja, não haveria como houve no período da Guerra Fria, um apoio irrestrito do exterior.

Só mesmo uma situação extremamente tensa como a ameaça de uma Guerra Global para que haja uma iniciativa generalizada de controle de informação extensiva, uma vez que na verdade ocorre tal controle em alguns níveis. Todavia acho extremamente improvável o advento de um novo conflito mundial por motivos políticos e econômicos. O sistema de Economia Global não lucraria mais com uma Guerra generalizada. É por isso que considero que a maior ameaça a relativa paz mundial na atualidade é o fator Religioso, pois são exatamente os países teocráticos que ainda praticam um controle de informação em larga escala, baseadas na "palavra de deus" evidentemente.

O meu objetivo em toda essa explanação é mostrar que minha abordagem do problema da ditadura militar não é baseado num simples "eu acho". Procuro dar um embasamento significativo as minhas opiniões, afastando-me do senso comum e aproximando-me de uma abordagem "científica", ou pelo menos filosófica.

Com tudo isso posso exposto, tenho agora base para resumir a questão em uma frase:

"O maior legado da ditadura iniciada em 1964 foi o atraso sócio cultural, sem o qual já poderíamos ter atingido um estágio de esclarecimento e superação da ignorância superior ao de hoje. Foi em síntese um retrocesso generalizado."

Dito isso, posso até expor um detalhe a meu ver pouco abordado. O de que o grande e talvez maior problema de um sistema totalitário seja a baixa flexibilidade de suas diretrizes e leis. O exemplo do semáforo é sem dúvida um dos melhores.

Se um carro avança um sinal vermelho na presença de um guarda de trânsito, este na condição de ser humano têm possibilidade de aplicar-lhe ou não a multa baseado no grau de periculosidade em que esta travessia foi realizada. Mas se ao invés de um ser humano tivermos uma "máquina multadeira", não importará que tal travessia se tenha realizado após o carro ter parado em frente ao sinal as 3:00 da madrugada com todos os horizontes absolutamente visíveis mostrando um total vazio de veículos e pedestres, a não ser dois indivíduos extremamente suspeitos se aproximando do veículo de modo ameaçador. Ou seja, a punição por ter tido uma atitude de evidente prudência baseada numa plena convicção de ausência de risco ao trânsito, será a mesma para a atitude de um psicopata que gratuitamente avance o sinal vermelho num horário de travessia de estudantes, por sorte não matando um criança.

E é dessa forma que um sistema totalitário funciona, nivela o ser humano por baixo, se tornando então incapaz de diferenciar situações completamente distintas devido a rigidez de seus estatutos. Ou então, os diferencia por quesitos que não incluem com certeza a capacidade de pensar por si próprio em benefício global.

Há mais de 20 anos, desde antes do fim oficial da ditadura, já podemos ficar tranquilos em expormos nossa idéias sem correr o risco de por isso sofrermos torturas hediondas, termos nossas famílias ameaçadas e nossa vida desvalorizada ao nível do mais monstruoso dos criminosos seriais.

Isso por si só, já me faz questionar a sanidade mental de quem declare que regredimos moralmente após deixado esse sistema. Ainda que estejamos mergulhados num "mar de lama", pelo menos agora temos mais consciência disso, ao não ser que alguém pense que durante a ditadura não havia corrupção inclusive acobertada pela governo.

Eu pessoalmente agradeço a Deus por ter nascido já no fim desse período um tanto quanto tenebroso, comparável como já disse a Idade das Sombras guardando a devida proporção. Mas como qualquer pessoa com um mínimo de bom senso, sei muito bem que estamos longe do ideal.

Além da corrupção generalizada, ainda estamos sob um estado desvinculado da realidade, e de um governo que doa a quem doer, é pelo meu mais básico raciocínio, Hipócrita. Mas não tenho nenhuma saudade de certos "bons e velhos tempos" do fascismo, e minha visão de futuro é otimista.

Um dos objetivos desta resenha, ou mini monografia, seria um comentário sobre a Democracia. Não pretendo apelar para o elaborado conceito de Democracia de Platão e fazer um combate e esse "ideal" de sociedade. Aliás na obra A República de Platão o modelo de estado ideal é Fascista, embora bem intencionado, diferente da maioria dos estados fascistas que tivemos no século XX dos quais muito sequer tinham em vista o bem estar do próprio país mas sim os interesses estrangeiros.

Democracia é um termo ambíguo, por um lado é o justo modelo que tentamos seguir na esperança de atingir um sistema de Parceria, onde haja equilíbrio entre os diversos seguimentos sociais e compromisso com o bem estar coletivo e individual. Por outro lado é um falácia histórica, baseada na ingênua idéia de que todos os seres humanos poderiam ser iguais ou mesmo similares no que se refere a sua realização pessoal, que se preocupariam globalmente com todas as questões sociais comportando-se como uma homogênea e harmônica entidade. Tal falácia não raro chega a apelar para o modelo antigo da famosa Atenas.

A confusão entre esses conceitos já é em si, um problema, mas no fundo todas as pessoas sabem separar o que é do que deveria ser pelo menos teoricamente. Ninguém hoje em dia por exemplo, admitirá publicamente ser a favor da Escravidão baseado no argumento de que a democracia ateniense era escravocrata.

Passamos por um processo de redefinição e aparente declínio da instituição estatal em prol do privado, mas a meu ver essa tendência, cujo processo de privatização é apenas um aspecto, já prepara o terreno para um "novo" conceito de Estado, que terá como meta a realização equilibrada do bem estar coletivo e individual.

Enquanto o sistema econômico se adapta a um fracionamento entre os diversos focos do privado, a nova tecnologia dificulta muito o monopólio. Como cada vez mais o Software tende a predominar como riqueza, o que incluí informação, este por ser extremamente volátil não permite ser controlado rigidamente por um único grupo, dificultando o surgimento de um novo núcleo de poder que ameace engolir toda a sociedade. Seja este núcleo uma corporação privada ou um estado totalitário.

Apesar dos evidentes problemas e de uma perspectiva de piora a curto prazo, estamos num caminho bastante razoável. A facilidade de comunicação global conseguirá mais cedo ou mais tarde, criar uma noção de comunidade internacional. Um exemplo quase infantil mas bastante válido, é de que será mais difícil para o cidadão norte americano concordar que se jogue bombas na capital do Iraque se ele tiver amigos on-line por lá.

Daqui há algum tempo poderemos nos deslocar para o outro lado do mundo e voltar no mesmo dia gastando bem pouco, o que enfraquecerá a separação entre os povos, reforçando a idéia de Cosmopolitismo. As barreiras linguísticas e por último as religiosas são as que mais resistirão, mesmo assim não poderão se opor a marcha do progresso a não ser deflagrando uma violência que ameace nossa infra estrutura.

Sem dúvida hoje em dia, diferente do que eu pensava quando ainda sofria de Complexo de Paraíso Perdido, considero que uma hecatombe nuclear ou cataclismo cósmico de proporções apocalípticas ou armagedônicas seria uma horrenda desgraça para o progresso humano, e não daria a chance de recomeçarmos de novo com mais possibilidades de sucesso. Retornaríamos a um estado de ignorância tal que nos lançaria de novo num processo viciado de desequilíbrio que tal como a analogia do balanço, demoraríamos centenas de vezes mais tempo para voltamos ao equilíbrio.

O Brasil está inserido nesse processo, nosso atual sistema que tende mais a democracia está em conformidade com toda uma tendência mundial de comunidade global. Mercosul e Mercado Comum Europeu são apenas a ponta do Iceberg.

Uma nova ditadura como alguns dizem, a não ser que sob a tutela de verdadeiros "seres iluminados", iria inevitavelmente contra esse processo. Seria um lamentável novo retrocesso tão improvável quanto indesejável. A última ditadura nos serviu de exemplo, e embora estejamos recheados de autênticos ícones desse sistema em plena atividade, ajudando a aumentar a longevidade dos últimos focos de autoritarismo, estes aos poucos vão sendo superados.

Minha visão otimista já me rendeu a comparação com o Dr Pangloss, um personagem de Voltaire na obra Cândido. Comparação mal feita por sinal, mas não sem um mínimo de verdade.

Não afirmo tal como o fictício Pangloss, baseado em parte na figura de Leibniz, que estamos no melhor dos mundos possíveis, mas com certeza estamos mais perto dele agora do que em qualquer outra época da história registrada.

MONOGRAFIAS
Marcus Valerio XR
Setembro de 2000

Revolução na Ditadura
Golpe na Democracia