Universidade de Brasília - Instituto de Ciências Humanas - Departamento de Filosofia
Disciplina de Tópicos Especiais em Teoria do Conhecimento - Professor Hilan Bensusan
Novembro de 2006













Um Voto de FÉ
Críticas sobre os pressupostos da Epistemologia Naturalizada

[ aproximadamente 30.700 caracteres]















Marcus Valerio XR
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ÍNDICE


BIBLIOGRAFIA
Página 02

INTRODUÇÃO
Página 03

A PETIÇÃO DA VERDADE
Página 03

EM DEFESA DA EPISTEMOLOGIA CLÁSSICA?
Página 05

CONTRA O EXTERNALISMO,EM DEFESA DO INTERNALISMOPágina 07

MAIS UMA DEFESA DO CETICISMO
Página 11


BIBLIOGRAFIA

1 - APEL, KARL-OTTO. Transformação da Filosofia I, página 17 Edições Loyola, SãoPaulo, 2000.

2- Monografia de Introdução à Prática Filosófica.

3- ASIMOV, Isaac. Fundação. Editora Hemus, São Paulo, 2002.

4- CARR, E.H. O Quê é História? Capítulo 3. Editora Gradiva Portugal, 1981.

5- HELLMAN, Hal. Grandes Debates da Ciência. Capítulo10. Editora UNESP. São Paulo. 1999.

6- MALINOWSKI, Bronislaw. Os Argonautas do Pacifico Ocidental. 1922.

7- Hermenêuticas Solipsistêmicas.

8- Kosmos e Telos

9- DELEUZE, Gilles. Bergsonismo. Editora 34, São Paulo, 1999.


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INTRODUÇÃO

Uma das maiores diferenças entre a Filosofia e a Ciência é a Positividade. Enquanto os cientistas progridem acumulando conhecimentos, descartando modelos e teorias antigas e aumentando cada vez mais o grau de complexidade de seus métodos em resposta aos progressivamente mais detalhados dados empíricos da natureza, os filósofos, por terem como objeto algo muito mais abstrato e fundamental, estão quase sempre às voltas com as mesmas e grandes questões, que pela dificuldade de abordagem, assomam-se como invencíveis.

Embora haja também algum progresso na filosofia (Quem hoje defende um modelo essencialmente platônico? Por exemplo.), não se pode negar que as grandes questões permanecem a nos desafiar, e as relativas ao conhecimento não constituem exceção.

É por isso que vejo com muita estranheza a postura atual da epistemologia naturalizada, compartilhando em parte da abordagem de L. Bonjour, mas descendo num nível talvez mais fundamental, intenciono neste texto explicar porque a epistemologia naturalizada me parece antes um abandono da filosofia e um desvio da questão fundamental, do que uma resposta adequada ao panorama contemporâneo, além de ser permeada por uma distorção fundamental, a meu ver, que é o externalismo.

Para isso, minha abordagem partirá da dúvida cartesiana à uma tentativa a priori de construção de um fundamento, onde lembrarei a aparentemente intransponível barreira que impede qualquer segurança espistemológica além da mera constatação de própria e imediata existência. Ou seja, insistirei não somente num ceticismo, mas utilizarei inicialmente o tipo mais radical, o Solipsismo, e espero mostrar porque há muito tempo me sinto à vontade para afirmar que qualquer passo além do mesmo, é, no fundo, um salto no escuro, que constitui mero ato de crença, se não de fé.

Em seguida, com o auxílio de Bonjour, pretendo criticar de um modo distinto os dois pressupostos que motivariam uma naturalização da epistemologia, onde, fazendo coro com este autor, reitero que ainda que seja válida, e até desejável alguma psicologização da epistemologia, isso não seria suficiente para considerá-la naturalizada, e que a tentativa de negação do a priori não vai além de uma mera contradição.

Isso não significa que não haja mérito nos trabalhos dos epistemólogos que enveredam por esse caminho, mas me sinto nada a vontade para considerá-los abordagens verdadeiramente filosóficas, além do que acabam por fugir da essência do questionamento epistemológico. Por fim, espero deixar claro porque considero que abandonar a filosofia, neste caso, talvez seja de fato inevitável, mas jamais será satisfatória para responder as questões fundamentais do conhecimento: O que é conhecimento? Nós o temos? Podemos tê-lo? Como o fazemos?


A PETIÇÃO DA VERDADE

Em primeiro lugar, uma breve reflexão sobre o que é conhecimento. Minha posição é que na realidade, nós nem sequer temos uma boa definição do mesmo e jamais poderíamos tê-lo enquanto insistirmos na petição de princípio de sua definição clássica.

Ora, se o mesmo é Crença Verdadeira Justificada, então me parece que todas as questões fundamentais são automaticamente respondidas da forma mais dogmática possível, algo aceitável para Platão, mas completamente inadequado para a contemporaneidade.

O problema todo reside no termo Verdade. Enquanto, curiosamente, a epistemologia atual parece dar especial atenção à justificação, tende a apresentar uma suspeita acomodação à um termo que, me parece, se refere a algo completamente insustentável e sequer compreensível.

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Como podemos usar como parâmetro um conceito que pressupõe exatamente o objetivo final, e ABSOLUTO, de qualquer reflexão epistemológica? Como podemos julgar qualquer questão se utilizarmos um termo que está comprometido exatamente com o que está em dúvida? Ora, se temos dúvidas sobre o que conhecemos, então é porque não temos acesso, ou acreditamos não ter, à verdade. Não sabemos, em geral, o que podemos conhecer, nem como o poderíamos exatamente, assim, utilizar critérios tidos como verdadeiros é no mínimo circular.

Creio podermos dizer seguramente que temos crenças, e que tais podem ser mais ou menos justificadas, mas como podemos saber que sejam verdadeiras? De certo, que o conhecimento pudesse ser expresso nos termos de uma CVJ é algo a princípio aceitável, mas ocorre que os epistemólogos costumam usar critérios de verdade para julgar a justificação, quando antes, me parece, deveriam justificar melhor seus critérios de verdade.

A epistemologia naturalizada tende a elevar essa estranha conquista de verdades e um nível que muito me incomoda, dando como certas realidades com as quais espera poder avaliar contextos de crença e justificação. Entretanto, é claro que isso exige algum grau de compromisso como uma visão de natureza prévia, no caso naturalista, quando não fisicalista.

Todavia, continuo achando impossível justificar a opção por esta imagem de natureza além de qualquer dúvida razoável. Que a utilizemos instrumentalmente, deve ser adequado, afinal é uma linha de possibilidade legítima que pode sim corresponder à melhor descrição da realidade, mas a maciça tendência contemporânea, especialmente nos E.U.A, a enveredar exclusivamente por esse caminho não soa como uma linha investigativa hipotética opcional, mas muito mais como uma conquista positiva mediante uma superação objetiva de um estágio de evolução de nossa ciência e filosofia.

De certa forma, os naturalistas parecem já estar totalmente convencidos da verdade de sua imagem de natureza, a partir da qual podem estabelecer uma serie de critérios para julgar crenças e justificações, e mesmo estabelecer princípios e generalizações. No entanto, parece esquecido que a questão fundamental ainda nos defronta com o fato simples de que essa imagem de natureza também precisa ser justificada, e que no entanto um bom ceticismo ainda permanece obstáculo instransponível a tal empreitada.

A meu ver, o conhecimento deveria ser antes visto como mera Crença Justificada, de modo que quando maior a qualidade da justificação, mais próximo estaríamos do conhecimento. Ou seja, seria não um conceito estanque, tal como um parâmetro que pode somente ser, ou não, satisfeito de modo pleno, mas sim uma gradação. Da mesma forma que não existe um “quente” e um “frio” como estados isolados, mas uma qualidade que se estende a estes dois extremos, e que pode se chamar “temperatura”, também não haveria um “conhecimento” e um “não conhecimento”, mas sim uma escala gradual de conhecimento.

Sem tal parâmetro, em especial uma estratégica suspensão das “verdades”, temos resultados extremamente incômodos. Teríamos que admitir, de uma perspectiva naturalista, que o leigo que atualmente acredita na afirmação de que a Terra gira em torno de si própria sem jamais ter sequer pensado sobre o assunto, tem mais conhecimento do que Ptolomeu, que por mais geocêntrico que fosse, tinha bons e justos motivos para pensar da forma como pensava.

Se abandonarmos essa idéia infrutífera de um critério externo de verdade, Ptolomeu estará mais justificado que um leigo qualquer da atualidade, ainda que acreditemos no último modelo cosmológico. Por outro lado, pelos mesmos motivos, admitiremos a superioridade do conhecimento de Kepler devido a qualidade maior de sua justificação, que se debruça numa teia mais ampla de dados, e não precisamos entrar na natureza primordial de tais dados, mas somente em sua dimensão fenomênica.

Mas o mais estranho de toda esta disposição, é que só podemos dizer quem tem ou não conhecimento se pressupormos que nós já temos acesso à verdade. No caso, a verdade do heliocentrismo. Ou seja, essa fusão entre a definição clássica, e o externalismo, presentes na epistemologia naturalizada, apresenta a tendência de achar que já conquistamos conhecimentos seguros sobre a realidade. Que a visão naturalista está correta, que nossas teorias científicas, em geral, estão verificadas, e que agora só temos que acomodar a epistemologia à elas.

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Todavia, isso sequer se assemelha a um avanço na abordagem das questões fundamentais, mas sim no seu abandono, e apego a uma solução dogmática prévia. Platão tinha motivos para isso, pois sustentava uma doutrina que se encaixava sem maiores dificuldades a tal postura. O conhecimento seria uma devida adequação ao mundo das idéias, que seriam a matriz da natureza.

Atualmente, porém, é muito mais difícil sustentar a idéia de um reduto da natureza que seja, por si só, detentor da verdade, por falta de uma teoria adequada. No entanto, os naturalistas costumam fazer exatamente isso, quer seja apelando para o conhecimento como uma “espécie natural”, ou algum tipo de critério social. Há em comum com Platão o fato de serem posturas realistas, e que pressupõem a verdade como algo factual, e que o conhecimento está fora de nós mesmos, algo distinto com o qual podemos ou não nos conectar.

Pelos dois caminhos, deduz-se que haveria “verdades prontas”, que apenas devem ser atingidas, e que podemos saber claramente quando atingimos essas verdades, e então, a partir daí, julgaremos o Que é conhecimento e Como o obtemos, em especial, avaliaremos a justificação.

Não consigo deixar de notar uma contradição flagrante envolvida. Se ainda estamos a nos questionar sobre o conhecimento, em especial sobre o Quê, e o Como conhecemos, como é possível termos acesso, e sabermos que o temos, a tais “verdades” objetivas fora de nós mesmos? Como sabemos que a tese de um mundo materialista é verdadeira?

Somando isso ao fato ainda mais estranho de que problematizações sobre a verdade tem sido praticamente ausentes na epistemologia naturalizada, só me resta entender que a verdade tem sido vista como essencialmente não problemática, quando na realidade me parece ser o maior de todos os problemas.

Para finalizar este breve “protesto” contra o uso de verdades, só gostaria de lembrar que a mesma não tem sido um problema específico da epistemologia naturalista, embora parece ser especialmente perniciosa nesta. A estranha petição de princípio de estabelecer verdades praticamente apriorística para então julgar o conhecimento pode ser vista em filósofos modernos, mas em geral, eles ao menos não tem a tendência em no mínimo insinuar que a verdade seja algo natural e externo.


EM DEFESA DA EPISTEMOLOGIA CLÁSSICA?

Embora a maioria dos epistemólogos tenha admitido prontamente que não existe apenas uma epistemologia naturalizada, mas sim uma grande variedade de posturas com maior ou menor grau de comprometimento com as premissas típicas que levam a uma naturalização, por outro lado, parecem ter sempre deixado de observar que o mesmo ocorre com as epistemologias não naturalistas, que receberam o rótulo generalizante de Epistemologia Tradicional.

A naturalização epistemológica tem sido vista sempre, então, como uma alternativa antagônica a uma outra classe de epistemologias que supostamente não atenderam a seus objetivos primordiais. O texto de L. Bonjour 1 , por exemplo, ao fazer uma crítica da naturalização epistemológica, termina por concordar com Quine e Kitcher que algo que divide as epistemologias naturalistas e não naturalistas é a aceitação do a priori, e em menor grau da psicologia.

Para Bonjour, a questão da psicologização é pouco relevante e pouco problemática 2, não merecendo o lugar de algo que de fato divida dois grandes grupos de epistemologias. Por outro lado, negar o a priori é conduzir a algum tipo de desastre filosófico, além de ser contraditório. Compartilho com o autor, grandemente, ambas as posições, embora meu motivo pela recusa de uma epistemologia naturalizada seja ainda mais fundamental, residindo antes na recusa do externalismo.
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1. BONJOUR, Laurence. Contra a Epistemologia Naturalizada. Página 172
2. Páginas 185-186

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Bonjour também enfatiza muito que os naturalistas costumam confundir o projeto da epistemologia tradicional com o do empirismo lógico, e confundem concepções epistemológicas fortes, que visam certezas, com as fracas, que se contentam em dar critérios razoáveis mais modestos 3 .

Gostaria de colocar minha interpretação pessoal deste tema começando pela questão da psicologia. Talvez aqui, mais do que nunca, tenhamos um problema antes de metafilosofia do que de epistemologia, pois uma vez que se reivindica a reconstrução da epistemologia como psicologia, isso pressupõe um lugar seguro da última no rol das ciências naturais, o que pode, porém, ser questionado.

Tal como quase qualquer outro ramo das ciências, a psicologia também surge da filosofia. As primeiras tentativas de compreender o que é e como funciona a psique estão unidos com as primeiras investidas epistemológicas. De certa forma, é muito difícil dissociar uma da outra. Atualmente a psicologia, tanto quanto a filosofia, também é multi disciplinar, se sub dividindo em diversas especialidades, algumas das quais não logram com êxito o estatuto de uma ciência, como a psicologia “analítica”, a psicanálise e diversos outros segmentos menos voltados a labutas laboratoriais.

Por outro lado, o Comportamentalismo parece excessivamente restrito para uma boa relação com as questões sobre conhecimento, que melhor se adequariam a Psicologia Cognitiva. No entanto, de onde vêm a noção de que epistemologizar tais ramos da psicologia, ou o reverso, seria algum tipo de novidade? Na realidade parece mesmo impossível separa-las, visto que compartilham muitas das questões, e sendo a psicologia um ramo da ciência que não goza da mesma objetividade das ciências “duras” como física e química, como podemos desconsiderar um entrelaçamento já dado entre filosofia e psicologia?

Já existe uma epistemologia atuante dentro da psicologia, e não me parece necessário construir uma ponte entre ambas, visto que relação já é flagrante. Assim, a epistemologia naturalizada nada mais seria do que uma ênfase entre duas disciplinas que já são interligadas, e cuja ligação não costuma ser questionada severamente. Nenhum epistemólogo tradicional negará que certas informações da psicologia sejam relevantes para a maioria das teorias epistemológicas, ou, no mínimo, não conflitantes. Como Bonjour afirmou, um “psicologismo mínimo” 4 na epistemologia é totalmente incontroverso.

Por outro lado, creio que um nível maior de psicologia seria tão somente um deslocamento metodológico interdisciplinar, e se ainda maior, um mero abandono da filosofia, transportando para a psicologia um “epistemologismo mínimo”, caracterizado principalmente por terminologias mais específicas e uma maior ênfase em questões mais fundamentais.

De forma similar, não seria escandaloso afirmar que a psicologia cognitiva seria, em si, um ramo especializado da filosofia que se compartimentalizou e se emancipou como quase todas as outras ciências, e no caso seria inicialmente uma disciplina de essência epistemológica.

Mas o mais importante, é que ao lidar, mesmo que indiretamente, com a maior das caixas pretas da natureza, a mente humana, a psicologia jamais poderá escapar de ser altamente afetada por questões de fundamento, e mesmo estabelecimentos teóricos apriorísticos. O que nos leva, além disso, à segunda razão em favor de uma epistemologia naturalizada, que pode ser criticada com a pergunta: Podemos de fato afirmar que a metodologia científica de fato prescinde do a priori?

Como é sequer possível fundamentar uma ciência sem algum nível de apriorismo? A própria Teoria da Evolução é um exemplo de largo uso de métodos Hipotético-Dedutivos, que, se devidamente rastreados recessivamente, terminam por evidenciar um ponto de partida apriorístico. Senão, vejamos.

A observação da natureza, por mais empírica que seja, não pode prescindir de pressupostos. É preciso formular hipóteses e testa-las, e elaborar teorias que por vezes são extremamente abstratas, muitas das quais recheadas de pressuposições que não são, em si, diretamente verificáveis, como a regularidade das leis naturais em todo o espaço e tempo, ou a seguridade das relações causais.
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3. Página 178
4. Página 186

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Em última instância, possuímos tendências cognitivas completamente apriorísticas, como a pressuposição espontânea de que causas similares geram eventos similares, e as tendências indutivas e de generalização. Se não for possível afirmar que a ciência de fato prescinde do a priori, então como poderia uma epistemologia que pretende se aproximar da ciência, ter tal pretensão?

Por fim, como Bonjour coloca, a mera predisposição para uma epistemologia naturalizada exige um posicionamento a priori, a simples afirmação de que se deve recusar o a priori já é, em si, a priori, ou seja, a epistemologia naturalizada seria auto-referencialmente inconsistente 5.

Embora tenha feito sérias e consistentes críticas à epistemologia naturalizada, Bonjour não parece ter problemas a respeito daquilo que, para mim, é de fato o maior de todos os problemas, o externalismo, sem o qual a epistemologia naturalizada dificilmente seria possível, ainda que a haja algumas versões suspostamente internalistas da mesma. Na realidade, o próprio Bonjour faz críticas ao internalismo, especialmente ao problema do regresso infinito 6.

Se os epistemologistas naturalistas parecem superestimar a unidade da epistemologia tradicional da mesma forma como subestimam a das naturalizadas, prefiro pensar em dois grupos, as internatistas e externalistas, estas sim, bastante distintas.

Minha posição é que, se qualquer projeto naturalizado for de fato inviável, bem como o foi o empirismo lógico, ou o aristotelismo ou o platonismo, isso ocorre pelo mesmo e grande erro fundamental: Colocar fora de nós, aquilo que só poderia estar dentro.


CONTRA O EXTERNALISMO, EM DEFESA DO INTERNALISMO

A capacidade e tendência humanas de projetar para fora de si aquilo que existe internamente é além de possibilidade de dúvida. Desde a infância nos acostumamos a projetar nossas crenças, sentimentos e estados mentais em geral, para outras pessoas, animais e mesmo objetos. Somos capazes de dialogar com bebês e animais como se eles estivessem nos ouvindo e nos entendendo, mesmo sabendo que não estão, e somos mesmo capazes de projetar sentimentos à objetos inanimados, e mesmo sabendo que não é o caso, sentir pena de um objeto quebrado como se ele estivesse sofrendo.

Com essa tendência, fizemos muito mais do que brincar, nós criamos deuses e religiões, mitos e lendas, lançando no mundo nossos conteúdos internos, considerando que nossos sonhos representam alguma realidade física e “vendo” em toda parte fantasmas que só estão em nossa mente.

A meu ver, o externalismo não passa de mais um previsível e insípido subproduto desta persistente tendência. Incapazes de nos defrontarmos com nós mesmos, ante a dificuldade e o medo de mergulhar nas profundezas labirínticas da própria psique, nos voltamos para o mundo fenomênico lhe atribuindo propriedades que nos dêem a esperança de encontrar prontas as respostas que deveríamos estar buscando, ou construindo, no sentido absolutamente inverso.

Evidentemente, defendo um internalismo pleno, fundacionista e coerentista, o que acredito ser suficiente para uma boa epistemologia. É evidente que isso responde a Descartes, mas também aos empiristas ingleses, ou mais especialmente a Hume. Na realidade, minha tendência sempre foi fazer uma espécie de Síntese entre estes dois autores, porem indo num sentido radicalmente diferente do de Kant.

Mas voltando a uma mera crítica do externalismo, e de fato UMA, argumentarei que o principal motivo que levou os filósofos a criticarem o internalismo é insuficiente, se não complemente equivocado. Na realidade, creio que a crítica do regresso infinito que caracteriza o internalismo sequer faz sentido. É um pseudo problema.
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5. Página 198
6. BONJOUR, Laurence. The Structure of Empirical Knowledge. 1985 Página 25

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Para não delongar numa exposição maior das críticas envolvidas, vejamos um breve resumo do problema. Em geral, sendo lugar pacífico que o conhecimento exige justificação e que a mesma se dá em cadeia, espera-se que esta cadeia só possa ser finita ou infinita, e se infinita, circular ou linear. As cadeias finitas exigiriam uma crença fundamental que não exigisse justificação, um ponto de partida axiomático ou dogmático, as infinitas seriam ou auto referenciais, circulares, ou perpetuamente referenciais, recuando sempre a um ponto anterior.

Concedo que esta última opção parece de fato intratável, mas por outro lado, acho que temos boas razões para considerar uma cadeia de progressão infinita circular, ou seja, embora seja em si, finita, funciona como se fosse infinita por ser auto referencial. Por outro lado, penso que também temos boas razões para crer em “fundações seguras”. E enfim, pretendo mostrar que, na realidade, é possível de certa forma juntar ambas as posições, com cadeias infinitas que circulam em torno de fundamentos seguros.

Primeiramente, invoquemos uma analogia com o Universo. Suponhamos que ele seja de tipo einsteniano: finito, curvo e fechado. Ainda assim, embora seja ontologicamente finito, ele sempre será em termos práticos, epistemologicamente infinito. Explico, jamais nos seria possível apreende-lo totalmente. Mesmo que possuíssemos veículos capazes de se mover a velocidades superiores a da luz, jamais esgotaríamos nossa investigação do universo pelo simples fato de que o dia em que chegássemos à algum tipo de “limite”, o ponto de partida já estaria alterado, e sendo assim, teria escapado ao nosso conhecimento.

Ou seja, considerando que está em constante mutação, e que não possuímos qualquer meio concebível de abrange-lo instantânea e totalmente, ele sempre será, para todos os efeitos, virtualmente infinito. Seria impossível, por exemplo, a criação de um mapa completo e preciso do universo que em qualquer instante conseguisse uma representação plena do mesmo, pois assim que concluíssemos o mapeamento, os locais onde tal mapeamento começou já estariam diferentes.

Não precisamos sequer apelar para o universo, podemos pensar em nosso próprio mundo. O Google Earth por exemplo, por mais sofisticado que fosse, jamais poderia representar de uma só vez uma imagem completa e precisa do mundo, porque a velocidade com que as coisas mudam é, em total, muitíssimo superior a velocidade com que as imagens de satélite podem ser capturadas, tratadas e atualizadas.

Uma representação total e imediata que esgotasse, ao menos por um instante, todas as possibilidades do mundo, ou mesmo de um país, só seria possível se o modo de alcance observacional e cognitivo fosse suficientemente rápido para processar toda a percepção de uma só vez, o que, evidentemente, é impossível. Mesmo num contexto limitadíssimo, como o de um tabuleiro de xadrez, nossos melhores computadores ainda demandam tempo para calcular todas as possibilidades e esgotá-las, e isso só é possível porque o jogo pode ser paralisado. Se mantivermos as peças em movimento a cada, digamos, 5 segundos, computador algum conseguirá acompanhar o jogo de modo totalmente preciso.

O mundo é muitíssimo mais complexo, e sabemos que nossos recursos perceptuais e racionais, por mais avançados que sejam, jamais serão suficientes para esgota-lo mesmo por um instante. Transplantando agora esta analogia para nossos aparelhos cognitivos, creio que a conseqüência é flagrante. É impossível mostrar uma cadeia de justificação completa pelos simples fato de que ela sempre recua para um elemento anterior, e que mesmo que o conteúdo do agente cognitivo seja instantaneamente finito, ele apresenta uma virtualmente infinita capacidade de mutação interna, o que permite a cadeia voltar a um ponto “inicial” porém ligeiramente, ou grandemente, diferente, resultando afinal não num círculo, mas num helicóide epistêmico impossível de apreender em total. Ou mesmo numa espiral de Gaudi, que se expande infinitamente no horizonte de possibilidades.

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Creio, então, que a premissa de considerar que se uma cadeia completa de justificação não puder ser apresentada em total, isso tornaria o conhecimento impossível, é que está equivocada, a não ser, é claro, no sentido de negar um conhecimento absoluto.

É evidente, que por ser um defensor do ceticismo, posso me sentir relativamente à vontade em qualquer âmbito que negue possibilidades de conhecimento, no entanto, não faz sentido um ceticismo absoluto. Mesmo o Solipsismo possui crenças fundamentais, como a da própria existência, e esta, como já foi dito por Descartes, constitui um tipo de fundamento seguro, onde não creio que se deva usar como base para construção de um edifício, mas sim como centro de gravidade de um “universo” mental interior, em torno do qual se movem as mais diversas crenças e se constroem as mais diversas cadeias de justificação.

Como não acredito em “verdades”, considero que o conhecimento seria na medida em que uma cadeia de justificação se mostra mais ampla e consistente, e não incorre numa contradição, ou não se rompe abruptamente. Ou seja, uma justificação será tanto mais válida quanto mais difícil for encontrar um elo quebrado, caso exista. E essas correntes de justificação se movem dinamicamente num universo mental mutável que circula em torno de um fundamento existencial central.

As posições mais comuns em epistemologia, por outro lado, tem modelos estanques de agentes cognitivos, como se fôssemos “edifícios” inertes onde cadeias de justificação poderiam ser cimentadas e acabadas. Acontece que, se fosse possível para alguém justificar sua crença apresentando a cadeia completa, não é óbvio que imediatamente novas crenças seriam acrescentadas a essa cadeia? Ou melhor, por que pensamos poder considerar essa cadeia como algo linear, e não algo, como diria Deleuze, rizomático? Ou seja, porque pensamos em termos de linhas, ou na melhor hipótese de árvores, quando podemos pensar em modelos cujo entrelaçamento não é ordenado?

Nosso próprio cérebro sugere isso. Não temos seqüências lineares de neurônios que possam ser mapeadas como uma cadeia. Temos redes neurais confusas. Enquanto muitos pensam que o conhecimento deveria repousar sobre a sólida ordem de edifícios lineares, é mais provável que devesse se dar num entrelaçado caótico e multi direcional. A pressuposição de que deveria haver cadeias claras de justificação obedecendo a critérios analíticos redutíveis a estruturas puramente lógicas, pode muito bem ser um total delírio.

Se nossas pressuposições a respeito do que deveria ser uma representação correta de conhecimento podem muito bem estar totalmente equivocadas, creio que as tentativas externalistas de fugir da ameaça do infinito se voltando para o mundo externo não só são desnecessárias, como também inúteis, visto que isso também não garantiria evitar cair em elos infinitos de justificação. Ora, lembrando agora que o universo exterior, como costumamos entende-lo, também é altamente complexo e com notável grau de caos, porque deveríamos esperar encontrar nele algo diferente do que normalmente encontramos em nosso interior?

Nosso universo pode ser visto como repleto de emergências procedentes de estruturas caóticas. A energia pode ter surgido de um caos quântico, os planetas de um caos gasoso estelar, a vida de uma sopa primordial caótica, e a mente de um caos neurológico. Considerando a alta complexidade e imprevisibilidade de muitos sistemas naturais, não seria uma total distorção esperar que encontraremos neles estruturas naturais analíticas e logicamente redutíveis?

Tenho frisado recente e insistentemente, como o fiz em minha Dissertação 2 7 , que estranhamente costumamos crer que nosso universo seja predominantemente ordenado, mas essa crença pode muito bem ser ilusória, e o universo ser predominantemente caótico. Isso não só tornaria certas pretensões da ciência e filosofia menos plausíveis, como abre um convite ainda maior a um ceticismo sobre a possibilidade de conhecimento.
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7. Kosmos e Telos, www.xr.pro.br/MONOGRAFIAS/KosmoseTelos.html

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Enfim, temer o regresso ao infinito pode ser um receio inútil, visto que tal regresso parece inevitável, e mesmo desnecessário, visto que é estranho que seja considerado indesejável. Algumas das críticas ao infinito tem como pressuposto que os humanos sejam seres finitos, e que portanto não poderiam comportar cadeias infinitas de justificação. Mas já notamos que isso só se aplicaria a cadeias lineares, e mesmo assim, se tais cadeias pudessem, paradoxalmente, ser consideradas num âmbito instantâneo. Mesmo sendo seres finitos e limitados, é possível que um rastreamento de uma de nossas cadeias de justificação consuma toda a nossa existência, de modo que jamais conseguiríamos atingir seu fim.

A premissa de que o conhecimento deveria ser redutível a fórmulas instantâneas é, provavelmente, a geratriz de nossas dificuldades. Sem dúvida, que trabalhando numa linha como a por mim sugerida, inviabilizaria qualquer possibilidade de certeza. Também, em muito enfraquece mesmo a razoabilidade moderada que muitos epistemólogos naturalistas visam conseguir, e é exatamente por isso que não podemos esperar ir muito além das meras conjecturas e possibilidades. É por isso que o ceticismo é tão resistente.


MAIS UMA DEFESA DO CETICISMO

Mais uma, porque é ao menos a quinta vez que defendo alguma forma de ceticismo em minhas monografias acadêmicas 8. Não deveríamos ficar tão preocupados com a ameaça do ceticismo, visto que é exatamente a impossibilidade das certezas que permite tamanha riqueza de produção cultural na humanidade. É da tensão de pontos de vista divergentes, resultantes da incessante busca por respostas seguras, que surge o caos criativo capaz de dar margem a mais vasta gama de idéias.

Se pudéssemos obter alguma verdade, ela só iria tolher a riqueza de parte do mundo, ela destruiria a validade de todas as representações que não a correspondessem, e se fôssemos encontrando mais e mais verdades, teria um universo cada vez mais limitado, previsível, determinado, e evidentemente menos livre. Pior ainda, se essas verdades estivessem fora de nós mesmos, onde teríamos que nos submeter a uma realidade que sequer nos é intrínseca.

Se A Verdade existisse e pudesse ser conhecida, a filosofia sequer faria sentido.

Portanto, ser cético pode ser bem mais do que estar de acordo com uma representação mais adequada do universo, pode também ser uma apologia da liberdade.

Mas voltando ao tema central desta monografia, argumentei que minha recusa da epistemologia naturalizada, apesar de fazer coro com Bonjour, também discorda deste ao ser mais fundamental, pois o problema não está no fato de ser naturalizada, psicologista ou não apriorísticas, mas antes de tudo, em ser externalista. Para um desenvolvimento final, pretendo agora me concentrar num tema que me é caro há muito tempo, o Solipsismo, a mais radical forma de ceticismo.

Foi no segundo semestre de 2002 que alguns de meus colegas puderam testemunhar minha primeira manifestação pública de uma frase que me é bem quista: Qualquer passo além do solipsismo é um ato de crença.

Pois se parece impossível negar nossa própria existência, e o fato de que convivemos com um mundo fenomênico majoritariamente incontrolável, nada mais parece possível de ser pensado como certo. Portanto, considero que há ao menos, e talvez somente, 3 certezas insofismáveis, a própria existência como um ente sensível, pensante, intencional, a existência de um universo de fenômenos com o qual interagimos, e o fato de que maior parte deste universo está além de nosso controle direto.
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8. Hermenêuticas Solipsistêmicas, Introdução à MCM, Kosmos e Telos, Humanos Objetos.

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Fora disso, nada mais é possível de ser afirmado com certeza, lembrando que esse solipsismo, pode ser reduzido a sua versão Quântica, onde tal existência é garantida apenas numa quantidade mínima de tempo necessário para sua constatação racional, assim não há compromisso de que o ente existente seja algo mais do que um evento temporal, talvez resultante de um feixe fenomênico aleatório surgido em um caos potencial qualquer, e assim desprovido de um passado real.

O universo pode ser uma projeção inconsciente de nossa própria mente, uma projeção de outra mente, ou uma projeção compartilhada de várias mentes. Pode ser também algo externo, independente e auto suficiente. Pode ser algo criado por um Deus, criado por si próprio ou incriado. Podemos existir perpetuamente ou desvanecer para o nada no futuro. Enfim, qualquer afirmação além disso é incerta, e sendo assim, qualquer passo para uma imagem de natureza não solipsista é fundamentalmente uma volição sem garantia alguma.

Só não somos solipsistas porque não queremos sê-lo, e com ótimas razões. Que não me acusem de defender o solipsismo, longe disso, o solipsismo é para ser atacado, porém, tem sido, infelizmente, largamente ignorado, e isso constitui uma grande deficiência da epistemologia, o abandono de uma questão tão importante do ponto de vista subjetivo.

Cheguei a arriscar uma posição que talvez seja a melhor alternativa ao solipsismo, um idealismo subjetivo, um “mentalismo” mais puro do que o de Berkeley, mas não tenho pretensões de defendê-lo aqui, ainda que o considere como a mais promissora chance de refutar o solipsismo 9.

O que pretendo afirmar é que se não podemos derrotar tão poderoso adversário, não deveríamos dar as costas a ele, mas sim, mantê-lo sempre em vista, e não existe forma melhor de ignorar o solpsismo do que abraçar a crença de que existe um mundo externo totalmente independente da mente, e o pior, ter certeza disso.

Pela minha definição pessoal, tenho uma palavra para “certeza sem evidência”. Ora, podemos ter “certezas” relativas de algumas coisas práticas, mas somente porque temos boas evidências para isso. Podemos dar como certo que promover tal ação física produzirá tão reação, que tal ou qual posição é compartilhada pela maior parte de um determinado grupo, ou que certas estruturas racionais, quando devidamente conduzidas, conduzem a certos resultados específicos. Mas, para tudo isso, temos evidências, senão “provas”.

Quando, por outro lado, temos certeza de algo sem base em qualquer evidência, dou a isso o nome de Fé.

É válido ter crenças imaginárias sobre o mundo, e mesmo, desenvolve-las. Nesse sentido, projetos investigativos sobre imagens de natureza são perfeitamente válidos e sadios, e a epistemologia naturalizada não constitui uma exceção. No entanto, abandonar outras alternativas tão válidas quanto, tendo como base o sonho positivista de que fizemos conquistas suficientemente seguras a ponto de nos permitir ser realistas, não parece uma postura realmente coerente.

Ter certeza de que existem verdades externas a serem encontradas no mundo, e esperar que possamos construir um acesso ao conhecimento independente de nossa subjetividade é uma postura que, além de não ter qualquer base segura, sobrepõe suposições em cima de suposições tendo as como certeza sem qualquer evidência que o suporte.

Nesse sentido, a epistemologia naturalizada, como um projeto tido como definitivo, não passa, como muitas outras coisas, de um Voto de Fé.

Marcus Valerio XR
14 de Dezembro de 2006

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9. Introdução à MCM.

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