Já tendo escrito exaustivamente tanto sobre o primeiro filme há 4,5 anos, quanto sobre o livro, embora num tardio post recente, agora posso enfim falar do novo BIRD BOX BARCELONA que tem sido injustamente massacrado pelo público.
Pode ser azar, uma vez que a quantidade de avaliações nas plataformas especializadas ainda é pequena, e que a crítica especializada, embora não muito, veja o filme com melhores olhos. Mas penso que a maior parte dessa rejeição venha justamente do que o filme tem de melhor, o que no entanto é sim um tema de dificílimo manejo, ao ponto de terminar abandonado pelo próprio filme, que é justamente o que me impede de considerá-lo excelente.
Mas vejamos: em 1° lugar, já devo louvar a simples atitude em si. É disso que precisamos: novas abordagens sobre temas que já foram popularizados, permitindo explorar situações distintas em cenários de vasta amplitude mas sem apelar ao núcleo original. O primeiro filme / livro nos apresenta uma situação apocalíptica em escala global, afetando ao mesmo tempo bilhões de pessoas. É infeliz que em ambientações assim, quando se pretende estender a franquia, quase sempre os produtores se prendem ao restrito foco original de personagens que sequer são grandiosos para justificar maior atenção. Comparo, novamente, mas desta vez com Um Lugar Silencioso II (2020), que num contexto análogo, dá continuidade à estória no mesmo núcleo de personagens (não que isso em si seja ruim) mas abrindo mão de expandir mais a cobertura de um evento de âmbito global.
Bird Box, desde o começo, já parece uma releitura de The Happening (2008) de M. Night Shyamalan. Na verdade, é tão perfeitamente compatível que poderia ser "continuação", havendo apenas um método diferenciado do que foi apresentado antes, onde invés de "epidemias" de suicídios transmitidas pelo ar, agora os agentes disseminadores promovem uma "pandemia" fazendo uma abordagem mais direta, sabe-se lá com que propósito. E apesar das diferenças iniciais, o tema termina sendo rigorosamente o mesmo: pessoas que após uma "visão", cometem suicídio o mais rápido possível, por quaisquer meios que tenham à mão, parecendo completamente imunes à dor.
O novo filme espanhol vem então satisfazer a mesma dúvida que seu antecessor literal, e seu antecessor conceitual, deixaram em aberto: o que efetivamente ocorre com os atingidos pelo fenômeno? O que ele veem? E sendo difícil imaginar outra coisa que levaria alguém a um suicídio tão rápido que não um desejo intenso de "passar para o outro lado", a proposta então me parece tão espontânea quanto irresistível.
Os primeiros minutos, porém, me soaram preocupantes, visto que as atitudes iniciais do personagem não pareciam fazer o menor sentido. Mas logo vemos que fazem sim, dentro de sua ótica inimputável.
- - - - - SPOILERS ! ! ! - - - - -
Ora, de seu estado mental anômalo, impossível dizer se insano, ou conectado a uma percepção transcendente, o personagem Sebastián (interpretado por Mario Casas) procura justamente levar o máximo possível de outras pessoas à morte, fazendo então o papel dos "vilões" do primeiro filme, entre aspas porque naquele nível de sobrenaturalidade, não se pode descartar a possibilidade de que as mortes efetivamente levem a uma ascensão espiritual como nos mostra a visão do personagem, sendo então, perfeitamente benevolente, procurando libertar as almas do sofrimento terreno. E colocado dessa forma, é compreensível que queira atropelar qualquer ética mundana, visto que esta está presa dentro da uma ilusão material que perde completamente o sentido quando comparada com o "além-vida".
Isso, associado aos flashbacks e sobretudo a constante companhia da filha do personagem, além do fato de simplesmente ser ambientado não apenas fora de Los Angeles ou Nova York, mas fora dos EUA, tornam o filme de imediato uma experiência agradabilíssima.
Infelizmente, esse tema inicial acaba sendo alterado, à medida que o personagem vai se deparando com dúvidas de que esteja fazendo a coisa certa, numa transição muito bem feita, e justificada pelo fato dele perder a visão das almas ascendendo, além do fato de reviver, na criança que encontra com outros sobreviventes, toda a luta que teve para proteger sua própria filha antes dela ser morta.
Daí para a frente o filme se limita a então repetir não só a fórmula do original, mas até mesmo a temática comum a A Quiet Place 2, ou mesmo The Happening, e acrescento The Silence, da própria Netflix, que parodia Um Lugar Silencioso adicionando elementos de Bird Box. O foco do filme sai de uma jornada existencial intimista de um personagem que caminha entre dois mundos, vendo além do que podem ver os comuns mortais, para se resumir ao velho tema da luta pela sobrevivência, embora ainda ressoando o drama pessoal de estar em contato, mas agora em conflito, com essa outra realidade.
Porém, é forçoso admitir que levar o tema inicial ao seu termo resultaria não apenas num excelente filme, mas num feito épico, histórico, para a mídia audiovisual. Uma ousadia que desde o primeiro momento recusei-me a acreditar, e a nutrir esperança, pois sabia que isso não apenas levaria a uma ruptura absoluta com praticamente tudo o que já se viu no gênero, mas até mesmo a severas implicações éticas relativas ao nosso mundo real, com uma obra que poderia ser considerada como de incitação ao suicídio, ou coisa pior, para a qual "cancelamento" dos produtores seria o de menos.
Por isso, não me surpreendi com essa mudança de enfoque do filme, que apesar de um tanto frustrante, ainda consegue manter um ritmo interessante, e ainda conta com a adesão da adorável Georgina Campbell, no papel de Claire, que sozinha consegue compensar a queda ontológica da temática inicial.
Mesmo assim, o final me causou uma sensação desagradável por implicar numa saída de um mundo "místico", ainda que trágico, onde a ameaça se confundia com a salvação, ressoando a temática do arrebatamento, para então cair ainda mais na mundanidade de um mundo distópico controlado por militares reduzindo a sublime ameaça a mais um "inimigo" a ser combatido.
Também não ajudou que à temática religiosa tenha sido acrescentado um discurso explicativo que apelou para o "misticismo quântico" para racionalizar as criaturas, numa daquelas típicas cenas onde uma ideia de um personagem que não está em lugar de efetivamente compreender o fenômeno, por mais instigante que seja, indiretamente, acaba sendo tomada como a explicação "oficial" que parece liquidar o assunto.
Mas os breves arcos dramáticos, o carisma dos personagens, algumas sequências de tensão e ação oferecem compensações a esse declínio na ousadia da filme, e quase tudo o que ainda permanece de incômodo já estava dado, e pessimamente tratado, não só no filme original, mas em escala ainda pior, no livro do autor Josh Malerman, que insisto em dizer, apesar da ideia inicial e de algumas boas sequências, é muito mal escrito, com severas deficiências estilísticas e falhas brutais de concepção.
Ampliando o tema, uma delas me remete à série SEE, com Jason Momoa, da Apple TV, que examinei detalhadamente em SEEnfonia Sobre A Cegueira - Vídeo 354. Nesta série, temos uma ambientação pós apocalíptica onde toda a humanidade ficou cega, com a exceção de uns pouquíssimos personagens especiais que detêm o "dom da visão" e, séculos depois, são perseguidos como bruxos. Em Bird Box a situação se inverte.
Mas a conexão que quero fazer é com a ideia grotesca apenas insinuada no primeiro filme de Bird Box, mas amplamente citada no livro, de provocar cegueira deliberada para se tornar imune à criaturas. Uma ideia de uma estupidez nauseante, até porque Bird Box Barcelona ajuda a deixar ainda mais claro que não é preciso sequer fechar os olhos na maior parte do tempo, bastando não olhar diretamente para o horizonte para evitar contemplar as criaturas. Bem, ideia similar é citada ao final da série SEE (que também abordei em 4 Série Atuais mas sem chegar aos últimos episódios), que durou apenas três temporadas, por um personagem que apesar de ver, e de ter sido um dos mais sensatos, de repente parece sofrer de uma cegueira mental revoltante, o que, associado a outros fatores, prejudicou muito o último episódio de uma série que fluiu muito bem na maior parte do tempo.
Por fim, ainda louvo Bird Box Barcelona. Espero que seu exemplo seja copiado, que outros filmes, de preferência ambientados em outros países, ampliem ambientações tratadas anteriormente, evitando tanto que boas ideias terminem sendo abandonadas após pouca exploração, quanto que se tenha que recorrer ao expediente de imitá-las em novas produções por problemas de direitos autorais.
Com o lançamento do interessante BIRD BOX BARCELONA, dei-me conta de que ao comentar o filme original há 4,5 anos atrás, prometi posteriormente publicar alguns comentários adicionais sobre as diferenças entre o filme e o livro de Josh Malerman que o inspirou. No entanto, jamais o fiz, embora tenha sim redigido o texto.
Portanto, ei-lo aqui, REPLETO DE SPOILERS, uma breve comparação livro / filme, que deve ser preferencialmente lida após o supracitado post.
Sinceramente, nem sei se dou o texto, que escrevi ainda na época, por terminado, mas já está consideravelmente extenso e juro que nem me lembro mais nada do livro! Sério! Parece tão novo pra mim quanto deve ser pra quem o ler. E repito, spoilers, Spoilers, SPOILERS e mais S P O I L E R S!!!
Cuja versão brasileira foi literalmente traduzida como "Caixa de Pássaros", foi recentemente lançado, infelizmente, ao que parece, com um mal trabalho de tradução e revisão, que deixa passar construções bizarras como alguém ao ouvir um som, o narrador dizer que "Parece uma ave de rapina. De trinta metros de comprimento.", deixando o leitor na dúvida se seria uma a 30m de distância, ou uma ave de 30cm, ou que pela sensação dava a impressão de ter literalmente 30m. Bem como, numa situação onde tateavam as cegas, termos "Então os dois ouvem música, um piano." causando um susto pela possível presença de outra pessoa, para então um dos personagens explicar "- Desculpe, minha vassoura bateu no piano!"
Hells! Como assim uma vassoura bate num piano e eles ouvem uma música!?
Ou quando "Malorie grita quando a sente (a venda) ser arrancada de seu rosto.", para logo em seguida dizer "A venda é deixada a um centímetro de seus olhos fechados". Mas como diabos a venda pode ter sido "arrancada" se além disso, ainda diz logo adiante "A venda é puxada um centímetro para mais longe de seu rosto. O nó pressiona a parte de trás de sua cabeça."
Só uma coisa é certa. Quer tenha sido o autor, o revisor, o tradutor etc, alguém foi muito incompetente!
E se esses podem ser meros deslizes, quer da tradução, edição ou mesmo da narrativa, fato é que o livro possui um estilo, ao menos inicialmente, estranho, com sua alternância de situações e diálogos ocorrendo num momento mesclada por pensamentos, em itálico, não raro redigidos de forma propositalmente confusa e gramaticalmente intolerável, gerando uma sensação por vezes eficiente em sugerir o estado emocional da personagem principal, Malorie, que está no foco da narrativa o tempo todo, tal qual no filme, mas noutras uma sensação não apenas de confusão, mas de má redação mesmo, além de que a personagem seja esquizofrênica.
Aliás, foi exatamente isso que pensei sobre ela a partir da segunda metade do filme. Que ela sequer suicidaria se visse uma das criaturas, por já ser a seu modo, louca, e não apenas excêntrica como desde o início é sugerido. O livro sacramenta ainda mais essa percepção, de uma mulher que apesar de ter sido eficiente em criar os filhos para sobreviver nas severas condições daquele novo mundo, e apesar de sempre possuir alguma auto crítica a respeito de estar agindo devidamente, não apenas cometeu a injustificável omissão de não dar nomes aos filhos, como, no livro, chegou a levar a sério, e por muito pouco não adiante, a inacreditavelmente estúpida sugestão de um dos personagens menos inteligentes, de cegar as crianças ainda bebês. É difícil exagerar no quão superlativamente idiota essa ideia seria, como o próprio livro termina deixando claro ao mostrar que as crianças se tornaram excelentes sobreviventes com os demais sentidos apuradíssimos, mesmo preservando a visão. Mas o fato é que Malorie considerou seriamente fazê-lo, algo que depõe severamente contra sua mera sanidade, ao menos até vermos que a ideia é, de certa forma, compartilhada por outros personagens que aparecem ao final e que efetivamente se cegaram!
Ter eliminado por completo qualquer menção a isso é uma virtude do filme, o que nos leva a outras alterações marcantes. Tom, o mais destacado dos demais sobreviventes, é descrito no livro como branco, aliás, ruivo. Mas o sistema de cotas da Netflix, infalível e à todo vapor como sempre, enegreceu o personagem. E não só. De professor, ele foi tornado veterano de guerra que lutou no Iraque. Acrescenta-se, porém, e aqui temos um SPOILER de marca maior, que no livro ele morre junto com os demais personagens na tensa sequência do parto, bastante similar no filme, deixando Malorie sozinha com os dois bebês, e nada havendo daquele posterior romance. Na realidade, no livro, é desde o começo evidente o fascínio praticamente reverencial que Malorie tem por Tom, vendo-o quase como um anjo, mas em momento algum é sugerido um romance.
Os demais personagens da casa foram drasticamente alterados, com direito a cota gay. No livro, quando Malorie chega ao abrigo após dirigir por longo caminho num momento onde as criaturas ainda não parecem tão presentes, lá estão 4 homens e uma mulher, todos jovens. Embora não seja claramente especificado, tudo leva a crer que todos são brancos, e não há qualquer relacionamento entre eles. Mas o Netflix precisa também acrescentar ao menos alguma cena de sexo, com um casal inventado que, surpreendentemente, abandona a estória de forma brusca e sem qualquer função narrativa além de roubar o carro, que no livro só é utilizado por Malorie, após todos os demais estarem mortos, de modo completamente diferente do que ocorre no filme.
Apesar das "piorias" do filme (a única personagem que não sofre alteração é Olympia), também houve melhorias, como eliminar o inútil cachorro Victor, que no livro serve apenas para mostrar indecisão e confusão desnecessária do autor, que o acrescentou antes dos personagens terem a ideia de ir buscar cães para ajudá-los a se guiar na rua. Sério! NEM MESMO AQUI surge a obviedade de ao menos mencionar pessoas cegas! O mais estranho é que precisam ir buscar cães enquanto possuem um em casa, cujo dono é um adestrador! E mesmo assim tem um cachorro incapaz de qualquer função como a dos demais huskies que são posteriormente obtidos, deixando claro que não havia qualquer necessidade de acrescentá-lo antes. Ele poderia ser um dos huskies, não importa. O fato é que o filme fez bem em eliminar por completo toda a má construída trama dos cães, que desde o início já denota uma imprudência incrível na ideia de ir procurá-los após meses da catástrofe, em que estariam presos em suas casas, certamente enlouquecendo de fome prestes a matar qualquer um que se aproximasse.
Também o filme elimina uma ideia espantosamente péssima. Os capacetes "de papel" que os personagens usam para cobrir toda a cabeça e sair para a rua, frágeis e capazes de rasgar facilmente, e portanto, não adequados para proteção craniana. E o autor não parece ter se dado conta em momento algum de que eles prejudicariam o segundo sentido mais dominante, a audição, crucial para sobreviver num contexto sem visão. Em suma, uma ideia estúpida visto que cumpre a mesma função de uma simples venda.
Não há o personagem encarnado por John Malkovich, Douglas, e de fato o mais interessante no filme, sendo Don o que cumpre uma função vagamente similar durante um momento, e depois inversa em outro. Don e Tom viram quase um cacófono ao longo do livro, onde ainda temos Felix, Jules e Cherryl, esta última no filme como uma idosa sem qualquer similaridade com a personagem original. Também de Felix resta apenas o nome, pois o ator de nome Machine Gun Kelly, SIM, MACHINE GUN!!! É quase uma antítese do original, sendo por sinal ele que no filme foge com outra personagem.
Por fim, Gary é bastante parecido em ambas as versões, apesar de contar uma história diferente, cumprindo basicamente a mesma função. Mas aqui cabe acrescentar que ele é O ÚNICO louco que "vemos" no livro. Sim, não existem aqueles bandos errantes em busca de sobreviventes para forçá-los a olhar para os monstros. Há um na sequência do rio, mas tanto ele quanto Gary não são violentos, insistindo mais com palavras que com coerção física. Em compensação, no livro o avistamento das criaturas tem consequências bastante diferentes, pois as vítimas se tornam agressivas antes de cometer suicídio, e deixado claro que algumas podem passar dias ou meses em atos erráticos antes de se matarem. Portanto, se não há os loucos violentos, há atos violentos das próprias vítimas.
Voltando a falar em animais, a questão dos pássaros surge de modo também muito distinto. Sequer há uma caixa de pássaros na sequência do bote no rio. E o significado do nome do livro assume contornos de uma analogia mais profunda, o modo como a protagonista se sente no novo mundo sem visão, como um pássaro numa caixa, captando migalhas de percepção externa como nas frestas do papelão, algo que é especialmente explorado numa sequência, ausente no filme, onde um pandemônio de aves faz ensurdecedora algazarra na presença de uma das criaturas, onde, mais uma vez, a protagonista remete ao nome do livro, como se estivesse presa numa caixa com infinitos pássaros.
Aliás, no livro fica evidente que animais também enlouquecem diante das criaturas, e talvez seja a única função minimamente relevante do cachorro Victor, ao encontrar um dos monstros.
Por fim, entre muitas outras alterações, algumas para melhor, outras para pior, permanece no livro, embora atenuada, outra inconsistência relativa ao tamanho das criaturas. No livro, ao menos no começo, fica claro que os personagens consideram até mesmo que as criaturas possam ser minúsculas. Mas já na sequência do rio, é evidente que Malorie sabe que não é assim. Elas são grandes, como humanos, o que faz com que uma venda seja na realidade desnecessária. Bastaria andar olhando para o chão, pois nada sugere que uma simples avistamento da sombra da criatura ou sua mera aproximação já tem o efeito letal.
O que nos leva a uma final observação. Por que simplesmente não fechar os olhos?! Porque uma venda que bloqueia por completo a visão mesmo quando é evidente que não há como as criaturas aparecerem, por exemplo, dentro de uma bolsa? É certo que a tentação de abrir os olhos seria sempre grande, mas após tanto tempo de treino, medo, e disciplina sem a qual seria impossível sobreviver, seria muito mais prático manter os olhos apenas fechados abrindo-os brevemente em situações necessárias e seguras.
Embora no livro os monstros não causem aqueles efeitos de vento nem mesmo produzam vozes, fica muito claro que tem presenças perfeitamente notáveis à distância. O menino, na sequência do rio, percebe a aproximação de um deles de longe. Talvez a atitude de Malorie seja compreensível, visto que ela só esteve realmente próxima de uma delas em duas ocasiões, uma logo após o parto, e outra no bote. Mas é notório que o livro quer mesmo passar a ideia de que o modo como os personagens agem parece ser o mais adequado, embora ao mesmo tempo acabe deixando claro que as criaturas sequer estão o tempo todo no campo visual da maiorias das pessoas. Aliás, dá a nítida impressão que são até mesmo raras! Especialmente depois de alguns meses após o início da catástrofe.
Apesar de todos esses problemas, que se puderem mesmo ser atribuídos ao autor podem ser mera inexperiência, não seria justo dizer que Bird Box não mereça crédito bem como o sucesso que fez. A premissa é ótima e muitos momentos são bons. As deficiências narrativas se alternam com algumas técnicas ousadas e eficientes, e a protagonista é tratada com sensibilidade.
Nela, por sinal resulta a principal virtude do livro, e do filme: contar um pós apocalíptico pela ótica de uma mulher grávida e depois com filhos. No livro, uma mãe solteira precisando sobreviver com crianças pequenas num mundo caótico e ensandecido. No filme, Tom assume um papel paterno prolongado, mas acaba morrendo em ato heróico na defesa de sua família adotiva.
O foco na maternidade se desenvolvendo em situação tão extrema, e mesmo numa situação onde seria perfeitamente justificável, um aborto sequer ser cogitado, é algo que soa como uma mensagem de afirmação da vida mesmo diante da morte se manifestando de forma tão dramática. Difícil imaginar uma mulher tão heróica quanto Malorie, se aventurando e disposta a sacrificar a si própria se necessário, pois no livro nem passa pela cabeça da protagonista a ideia de fazer uma das crianças abrir os olhos na sequência do rio, pelo contrário, ela sabe desde o começo que ela terá que fazê-lo, o faz, e não vê criatura alguma, ficando mais chocada pela beleza da visão do que pelo medo. E mais, o objetivo de abrir os olhos era apenas tomar um caminho específico, uma única decisão, e não navegar rio abaixo em pedreira ensandecida.
Vídeo do camarada André Nunes, que já esteve aqui no canal, sobre esse brutal crime de guerra norte americano que, como todos os demais, restou impune e jamais sequer se cogitou sancionar. Crimes dos Estados Unidos contra a humanidade: O massacre de My Lai(O Vídeo é restrito para exibição apenas no YouTube.)
Por curiosidade, aqui estão os 36 "conteúdos" mais longos do meu canal, 32 LIVES e 4 palestras ao vivo, sendo que duas das Lives, por problemas técnicos, foram divididas em duas partes, bem como duas das palestras estão divididas em 3 partes, sendo que no total temos, na verdade 42 vídeos.
Depois do odioso desastre teocídico de Shazam - Wrath of the Gods, muito me agrada que THE FLASH tenha vindo encerrar o Snyderverse com chave, se não de ouro, ao menos de "prata fina".
O que Ezra Miller anda fazendo no universo paralelo da vida real pouco me importa, pois aqui ele promove proezas dramáticas formidáveis. Contracenando consigo mesmo, é incrível como ele consegue fazer você esquecer que se tratam de um mesmo personagem e um mesmo ator! A sensação é de estarmos vendo gêmeos reais com notáveis distinções. Isso, associado a sua versatilidade capaz de mudar de forma espantosamente convincente do drama para a comédia, bem que poderiam lhe render ao menos uma indicação ao Oscar.
E se Ben Affleck surge no começo mais para nos entristecer por estarmos vendo a despedida do melhor Batman já visto, Michael Keaton ressurge magistral para aniquilar impiedosamente qualquer resquício de dúvida de que tenha sido também um excelente Homem Morcego. Aqui, é forçoso admitir que o Fan Service evoluiu (num sentido pokemoniano, não darwiniano). Mais, transcendeu!
Nem é mais fan service, nem é mais nostalgia! É uma viagem no tempo que corrige o passado nos mostrando o quão formidável o Batman de Tim Burton poderia ter sido se não tivesse sido substituído pelos controversos Batmans de Joe Schumacher.
Diante desses titãs, a dobradinha Erza Miller e o singular Michael Keaton que vale por dois, a competente Super Woman de Sacha Calle acaba até ficando um pouco apagada, brilhando mais justamente por ter sido a motivação dos personagens principais, e não podendo desenvolver o tema que brevemente sugeriu. A sequência onde os dois Flashs, ou melhor dizendo, Flash, Barry Allen e Batman invadem uma base militar russa para resgatar a kriptoniana, é algo que por si só justifica todo esforço e investimento já feito desde sempre no projeto.
Sendo sincero, o filme decai um pouco no dito terceiro ato. Mesmo com a ainda mais grandiosa e imersiva revisitação de Man of Steel. Ver pela terceira vez, sob novo ponto de vista, a invasão kriptoniana já é um deleite por si. Mas por mais impressionante que seja a sequência, é forçoso admitir que à medida que a situação vai se complicando, e sofrendo tentativas de resolução pelo mesmo procedimento que criou todo o problema, a sensação que tive foi a de ir despertando de um sonho, quando talvez fosse mais interessante se fôssemos levados mais a mergulhar num pesadelo.
Aqui, por mais interessante e inovadora que tenha sido a abordagem, percebo que mais uma vez se perde a oportunidade de dar um peso dramático maior à velha mas jamais superada ideia de Viagem no Tempo. Algo que somente a série alemã DARK conseguiu efetivamente fazer. Em parte pelo colorido quase infantil da "cronosfera" criada por Barry Allen, que termina emprestando um tom luminoso que impede a percepção de que aquela situação seria um profundo horror. Algo similar ocorre no loop infinito em que o Dr Estranho entra na luta contra Dormammu em seu primeiro filme. Uma abordagem mais sombria poderia transformar a sequência numa das mais aterrorizantes já feitas. Quer entender melhor do que estou falando? Assista o desconhecido mas ótimo filme independente The Endless (2017), também conhecido como "O Culto".
E de uma certa forma, é nessa "cronosfera", gerada pelo aparentemente simples, mas na realidade complexo conceito de Speed Force do Universo DC (dá pra fazer uma monografia de Filosofia do Tempo sobre isso) que podemos encontrar, por outro lado, quase todos os problemas do filme, a começar pela tal falada Computação Gráfica.
Sim, temos alguns exemplos inesperadamente toscos de CGI que deveriam já ser coisa do passado. Mas The Flash não apenas incorre neles, de certa forma, os amplifica. Fácil acreditar que realmente foi de propósito, visto ser evidente que hoje em dia, até eu poderia fazer algo mais realista no meu laptop aqui em casa (pra quem não sabe, sim, já trabalhei com Computação Gráfica). Mas o fato de ter sido intencional não elimina o incômodo.
Por um lado, até entendo a proposta estética, que intencionalmente aplicou uma artificialidade àquela infinita galeria de possibilidades multiversais. Só acho que, por exemplo, Interestelar (2014) conseguiu um resultado muito melhor com efeitos muitíssimo mais simples. Ademais, ainda que aceitemos a proposta artística dentro dessa estranha bolha de colapso temporal, não explicaria porque temos problema similar na sequência da salvação dos bebês, logo no começo do filme.
Se bem que aí até há uma possível melhor desculpa. Talvez se fossem realistas demais, a sequência também se tornasse incômoda. Entre outras coisas, ver um bebê real dentro de um forno de microondas, mesmo sendo claro que estava sendo salvo do choque e calor de uma explosão, seria algo desconfortável demais. Ainda que esta espetacular sequência termine sendo de uma beleza poética singular, desde que não pensemos no que aconteceu com as demais pessoas no prédio.
Da questão da viagem temporal, também, depreende-se o que é, de fato, o maior problema motivacional do heroi. Embora pareça difícil escapar dessa fórmula, é completamente trivial que a premissa é ingênua demais. Primeiro, pelo valor moral da decisão. Em Liga da Justiça, DO SNYDER, o Flash volta no tempo para salvar toda a humanidade evitando a aniquilação total que havia acabado de acontecer, numa sequência que é nada menos que um poema audiovisual, onde só a música, ou só a imagem, já seriam sublimes. Juntas, são divinas! E o curioso, é que ele salva a todos, ao mundo, talvez até o universo, e ninguém, JAMAIS, fica realmente sabendo.
Mas agora vemos uma motivação muito mais pessoal, até egoísta, para "mexer" no espaço tempo, além de incorrer no que se já não é, deveria ser, o manjadíssimo paradoxo de causa efeito, que é simples de explicar. Esqueça "paradoxo do avô" ou "paradoxo de bootstrap". O ponto é que se você volta o passado para alterar alguma coisa, ao conseguir, a causa da sua viagem deixa de existir, e consequinte, o efeito! O mínimo que se esperaria seria o esquecimento, e assim, todos nós já podemos ter viajado mil vezes ao passado para alterá-lo, mas não teríamos como nos lembrar disso.
A única forma de escapar dessa consequência é criar um universo paralelo, e fico feliz que a Ficção Científica pareça ter entendido isso abertamente, diferente do que fazia nos tempos do clássico "De Volta para o Futuro" (1985).
No entanto, esse crescente consenso no senso comum do público parece jamais ser incorporado justamente nos mundos ficcionais onde a Viagem no Tempo é possível, apesar dos discursos enunciados pelos dois Batmans e até mesmo o conhecimento prévio do próprio Barry Allen sobre o "Efeito Borboleta". Em compensação, a introdução do conceito de que a viagem no tempo altera não apenas eventos posteriores ao ponto de reentrada, mas também eventos prévios, é não só fecunda mas possivelmente inédita ao menos na FC audiovisual. Bem como o estabelecimento de "eventos" fixos que não podem ser mudados, esta, já um tema mais explorado, que remete ao conceito filosófico de Fatalismo, que fixa alguns eventos incontornáveis, mas permite alterações no resto, em oposição ao Determinismo, que fixa a tudo em seus mínimos detalhes.
SPOILERS
É trágico notar que tantos críticos dormiram durante a explicação desse momento, ao ponto de apontarem como se fosse erro o fato de Barry Allen, após desistir de salvar a vida de sua mãe, ainda assim salva o futuro do pai, pois havia ficado claro que a morte dela ERA UM PONTO FIXO! Mas a condenação dele não!
O verdadeiro problema, porém, reside justo no estranhíssimo fato de que o Flash pensou em algumas possibilidades de intervir no tempo, ao ponto de se limitar a uma alteração ínfima, mudando uma lata de tomates, porém, em momento algum pensou em simplesmente deter o assassino na mãe. Claro que quem conhece o cânone sabe quem esse assassino seria e entende essa omissão, mas ninguém é obrigado a ter que conhecer previamente esse assunto. Daí, já que não era para introduzir o Flash Reverso, que fosse o próprio Barry Allen, que após uma eternidade preso num loop infinito, vivendo praticamente um inferno, terminasse chegando a conclusão de que a única forma de escapar é não apenas deixar a mãe morrer, mas ele próprio matá-la! Causando o conflito entre os Flashs das linhas de tempo diferentes.
Aposto que, nas mãos de Zack Snyder, isso poderia ser magistralmente desenvolvido no tom sombrio que tanto lhe cabe.
Mais uma vez, a saraivada de Fan Service que a contemplação dos universos paralelos apresenta é um deleite à parte, com direito até a Super Homem de Nicholas Cage e a Aranha Gigante de Jon Peters, não bastasse os super homens de George Reeves e Cristopher Reeves, ou a Kara Zor-El de Helen Slater.
E isso sem levar em conta o fato de que muito material pós-produzido não foi para a versão final, havendo a possibilidade até mesmo de versões alternativas do filme, o que afinal faria perfeito sentido com a própria trama. Se não versões "do diretor", ao menos finais diferenciados que, espero não demorem a ser publicados.
Enfim, embora longe de perfeito, The Flash tem problemas perfeitamente toleráveis em comparação com suas muitas virtudes, pecando mais pelas sucessivas interferências na produção influenciada por James Gunn. É o mais próximo da trilogia "Homem de Aço / Batman V Superman / Liga da Justiça Snyder's Cut" entre todos os demais filmes "DCCM", pois o excelente Mulher Maravilha (2017), embora recomendadíssimo, possui uma conexão sutilíssima com a trilogia, Aquaman (2018) já rompe com alguns elementos do ideário de Snyder, e o Esquadrão Suicida (2016) VERSÃO DO DIRETOR, do próprio Snyder, embora com muito mais conexões, trazendo até cenas com o Batman e o Flash, e tocando no assunto da morte do Super Homem, ainda assim, pouco contribui para desenvolver a trilogia principal.
Shazam (2019) e Black Adam (2022) valem mais por serem bons filmes isolados em si, com curiosas conexões, e o resto, no caso Justice League (2017), Wonder Woman 1984 (2020), Birds of Prey (2020), Suicide Squad (2021) e Shazam: Fury of The Gods (2023)... bem... esses você pode esquecer.
Ainda teremos Aquaman 2, que seria o último filme ainda vagamente conectado com o Snyderverse. Mas depois do que fizeram com o segundo Mulher Maravilha, nada duvido que extirpem ainda mais a já baqueada herança Zack Snyder.
Verdadeiramente uma pena que The Flash só esteja sendo um sucesso retumbante num universo alternativo. Provavelmente culpa do catastrófico Shazam: Fúria dos Deuses.