15 de Janeiro
MONARCH: LEGACY OF MONSTERS terminou sua primeira temporada surpreendentemente bem, conseguido amarrar de forma coerente vários elementos que durante muito tempo pareciam estranhos e até forçados. Graças a reviravoltas e rumos inesperados, o que começou de modo muito suspeito terminou ascendendo a algo quase digno do excelente Godzilla (2014), e de certo do nível do bom Kong: Skull Island (2017).
Em parte, até por respirar o clima desses dois filmes e situar a estória antes dos eventos do lamentável Godzilla: Rei dos Monstros (2019) e do risível Godzilla vs Kong (2021), a série só não foi melhor devido a uma estranhíssima bizarrice que a mim só pode ser algum tipo de experiência social.
A estória se divide em basicamente dois arcos que se alternam, um no então presente da obra, o ano de 2015, com alguns flashbacks poucos anos antes, e o outro em vários flashbacks que remontam até 1952, mas avançam regularmente até 1962 com uma breve passagem em 1982. E cada um desses arcos é liderado por um trio de personagens principais.
O arco do passado conta com personagens carismáticos, envolventes, competentes e dedicados que num contexto de dificuldades e traumas se esforçam e superam diversos desafios que vão desde a luta bruta pela sobrevivência até intrigas nos bastidores de instituições governamentais e militares, sendo não raro grandiosos.
Lee Shaw |
Keiko Miura |
Bill Randa |
(Wyatt Russell) |
(Mari Yamamoto) |
(Anders Holm) |
Mas o arco do presente trás três pós adolescentes mimados, incompetentes, fracassados, incapazes do mínimo controle emocional e absolutamente INSUPORTÁVEIS, do tipo que a única reação possível é torcer para que morram o quanto antes, o que, infelizmente, não acontece!
May |
Cate Randa |
Kentaro |
(Kiersey Clemons) |
(Anna Sawai) |
(Ren Watanabe) |
E não se trata de personagens mal escritos, pelo contrário! Foram deliberadamente feitos para ser assim! Como se quisessem passar aquela mensagem de que "os jovens de hoje" são um lixo, especialmente comparado aos nem tão jovens do passado, uma vez que ótimo trio de atores Wyatt Russell (que fez o novo Capitão América na série Falcão e o Soldado Invernal), Mari Yamamoto e Anders Holm, interpretando os personagens Lee Shaw, Keiko Miura e Bill Randa são claramente mais maduros que o trio do presente interpretado pelos atores Kiersey Clemons, Anna Sawai e Ren Watanabe, todos com cara de adolescentes.
A diferença é brutal. Keiko é uma cientista sobrevivente da Segunda Grande Guerra que tem que enfrentar o preconceito anti japonês nos EUA, e que já no primeiro episódio, vemos morrer, embora sua estória continue sendo contada em flashback. Bill Randa, que é a versão jovem do mesmo personagem interpretado por John Goodman em Kong: A Ilha da Caveira (onde também morre) é um tipo mais extrovertido, mais alegre, mas extremamente competente e centrado, um cientista num estilo mais Nerd daqueles capazes de se desligar do momento enquanto sua mente viaja a mil. E Lee Shaw, é um militar encarregado de protegê-los e com os quais desenvolve uma amizade tão forte que se veem como uma família, ficando até uma sugestão de triângulo amoroso, mas que jamais perdem a objetividade de vista. São eles os fundadores da Monarch.
Lee Shaw é, por sinal, o único do trio do passado que também está vivo no presente em sua versão mais velha interpretado pelo icônico Kurt Russell, ninguém menos que pai de Wyatt Russell. Pai e filho interpretando o mesmo personagem em idades diferentes é uma coisa que precisa ser mais comum em Hollywood. E é só graças a ele que o arco do presente se torna tolerável, porque se dependesse daqueles três aborrecentes detestáveis, sendo que dois deles não netos de Keiko e Bill e a outra entra de gaiata na estória, seria impossível aguentar a série.
Chega a ser um ultraje que Cate Randa ocupe um lugar central na arte do poster. Embora ela tenha o privilégio de tocar justo a estória da sobrevivente do Dia G, quando Godzilla matou os M.U.T.O.S. devastando São Francisco, e de suas memórias vejamos cenas adicionais ocorridas no mesmo momento mostrado no primeiro filme, as cenas em si diferem pouco do que já vimos, servindo mais para frisar o trauma da personagem do que realmente expandir os eventos de Godzilla 2014.
Pior, a personagem é praticamente uma reencarnação expiatória da ainda mais insuportável Mitsuki Yamato, da péssima série INVASION (2021) também da Apple TV+, que era basicamente uma Mary Sue engenheira que resolvia tudo sozinha na JASA (a NASA japonesa) fazendo questão de humilhar todos os seus colegas homens. (Tenho um vídeo sobre a tortura que foi assistir essa série, e não só por isso. Nem de longe!) Porém, o que Mitsuki tinha de competência e arrogância perfeitas parecem ter gerado um karma em sua contraparte no Monsterverse, pois Cate é apenas uma professora de primário de competência já discutível, e incapaz de qualquer gesto útil exceto o mínimo necessário para que sua personagem não seja imediatamente odiável por qualquer pessoa sã. Ela ao menos tenta salvar seus alunos durante a tragédia da ponte Golden Gate e seu PTSD é totalmente compreensível.
Mas se, cumprindo a cota homo, Mitsuki era uma lésbica absolutamente dedicada à sua paixão que motivava cada um de seus movimentos, Cate ainda por cima é uma que fica enrolando sua companheira que quer que elas se casem, e ainda a trái! E o arco de Cate é, ao final das contas, basicamente familiar, onde só após a tragédia do G Day ela descobre, em uma viagem ao Japão, que seu pai tinha uma outra família, e então, após odiar o pai e mãe, passa a odiar também, de forma gratuita, o irmão, que faz um esforço enorme para convencê-la a se conhecerem para ver se algo de bom deriva daquela novidade mútua.
Mas esse irmão, Kentaro, que parece agradável no começo, logo se revela também uma decepção, com rasgos de fúria infantil do tipo que sai quebrando tudo o que vê pela frente sem qualquer motivo discernível, e que sendo um artista plástico, após conseguir um patrocínio, simplesmente abandona a sua própria primeira vernissagem desprezando seu público e sua patrocinadora por puro capricho!
A terceira componente do trio do presente cumpre a já bem recorrente cota da mulher negra hacker na ficção enquanto esperamos surgir alguma na realidade. Chamada apenas de May, a personagem começa sendo pessimamente apresentada, mas até que quando descobrimos que ela teve um caso mal resolvido com Kentaro, a situação passa a ser mais compreensível. É ela que viabiliza decodificar um conteúdo que o pai dele tinha guardado, produzido por ninguém menos que Bill Randa. Mas apesar de ser a única competente do grupo, não demora a se revelar uma traíra recorrente que deu um golpe na empresa que trabalhou por um suposto mas não explicado motivo nobre.
O fato é que esses três personagens competem entre si num autêntico campeonato de babaquice, onde também se revezam na função temporária de sensato e agregador para impedir que o grupo de desintegre, num vai e vêm de mudanças de humor e num tal de "mandei todo mundo investir em Noku" e 15 minutos depois "dou a vida pelos que acabei de mandar praticar a sodomia passiva".
Isso não impede que, com a ajuda de outros personagens, acabem levando sendo levados pela estória, se tornando mais toleráveis em consideração aos outros personagens, alguns que morrem cedo demais. Kentaro inclusive, num rasgo de teimosia, acaba quase morrendo para salvar a vida de seus companheiros, não recebendo sequer um "valeu" da irmã e da ex-namorada.
No que já se vê a diferença do trio do passado, onde ao primeiro enfrentamento com a morte, em ajuda mútua, de imediato reconhecem a agradecem as virtudes dos companheiros, solidificando a amizade num grupo coeso e fiel.
É verdadeiramente gritante o contraste, pois enquanto Lee, Keiko e Bill são verdadeiros gigantes do protagonismo, com um objetivo nobre e dedicando suas grandes capacidades para superar desafios homéricos, Cate, Ren e May são apenas "filhos" (uma é ex namorada de um, e aparente futura namorada de outra) de pessoas importantes que estão lá meio que... por estarem, sendo levados pelas circunstâncias enquanto alguém tenta quase desesperadamente dar algum sentido à presença deles ali, cujo o único propósito prático é superarem seus problemas de relacionamento. Ao menos após eles colocarem o Lee do presente na jogada, poderiam se ausentar da narrativa que praticamente não faria diferença, exceto, para melhor.
(Até aqui tudo que eu disse é evidente já nos dois ou três primeiros episódios.)
Não posso crer que isso tenha sido acidental, foi de propósito, para testar a resposta do público e receptividade aos personagens, e levando em conta as notas "medianas" que a série vem recebendo do público, o resultado do estudo já pode ser aferido. (3.6/5 Google, 68/100 Metacritic, 7/10 IMDB, 77% Rotten Tomatoes)
No mais, a série é fiel à sua proposta, que é mostrar mais sobre a fundação da Monarch e suas atividades no presente, bem como desenvolver as teorias que explicam o mundo interior dos Titãs, uma concepção que surgiu entre Godzilla: King of Monsters e Godzilla vs Kong, pois o que antes eram só túneis submarinos, depois se tornaram Terra Oca com distorção gravitacional e espaço temporal, tornando mais plausível que criaturas como aquelas tenham passado tanto tempo ocultas.
As poucas aparições de Godzilla são muito boas, e só aqui podemos vê-lo finalmente em cenários claros e ensolarados, e não há como não se comover com o dilema do trio fundador da Monarch em ter que se submeter ao governo e aos militares para obter verba para suas operações, e ao mesmo tempo saber, e dizer, que tentar matar o Godzilla, como havia já sido antecipado no primeiro filme, não é uma boa ideia.
E o último episódio realmente... tem cenas lindas de chorar!
Só espero que na próxima temporada aqueles trio de jovens tenha melhorado, porque se esse aborrescência ridícula deles ainda voltar, aí não tem Titã que aguente.
11 de Janeiro
SPOILERS!!! (SÓ PRA QUEM VIU!)
Se bem que parte do incômodo de certo se deve ao sadismo estrutural do filme, visto que diferente do que ocorre na maioria dos filmes de terror, não há aquela "justiça poética" onde em geral os personagens são punidos de acordo com suas transgressões. Mas VIVARIUM se vende como Suspense e Ficção Científica, e se parece honrar o primeiro gênero, frustra o segundo, pois não é possível extrair qualquer leitura coerente do estória, ficando aquela sensação de sadismo gratuito.
Já começa errando pela analogia apresentada logo nos créditos iniciais, pois o fenômeno do Parasitismo de Ninho praticado pelos pássaros Cuco nada tem a ver com a situação apresentada ali, visto que o casal não tinha filhos, e portanto não teve a sua prole eliminada pelo parasita. Também a entidade alienígena (não significa ser extraterrestre) oferece um acordo explícito, mesmo que desonesto, e fornece todos os recursos materiais necessários para que seu descendente seja criado. Por fim, o Cuco não tem o menor interesse na morte, sequer no sofrimento, dos criadores dos quais pretende se beneficiar. Um perfeita aplicação da analogia exigiria não só que o casal tivesse seu rebento real eliminado, ou ao menos duramente prejudicado, fosse obrigado a criar o intruso com seus próprios recursos mas de certa forma, não fosse incomodado em nada mais que não fosse crucial para essa tarefa.
O problema se agrava no errático comportamento dos personagens, e do próprio filme, em parecer tratar com excessiva naturalidade uma situação evidentemente surreal desde o simples visual (Como assim eles sequer estranharam aquele céu?) até a evidente distorção de espaço que fazia-os voltar forçosamente ao mesmo ponto não importava o quanto se deslocavam em qualquer direção. O enredo dá a entender que em momento algum eles se deram conta de que estavam num espaço dimensionalmente fechado sobre si, impossível de ocorrer naturalmente, agindo como se simplesmente estivessem num labirinto qualquer onde não conseguissem achar uma saída comum.
Pior, um espaço pequeno, onde, tudo indica, poderiam perceber com alguma facilidade até onde poderiam ir, mas em momento algum lhes ocorre fazer a simplória experiência de andarem em direções opostas mantendo contato visual. Ainda por cima, levam a sério a ideia de "seguir o Sol" num cenário tão evidentemente artificial que as nuvens praticamente se repetem num padrão.
O filme também ilude o expectador ao apresentar vistas aéreas que quase certamente não condizem com o tamanho do ambiente onde os protagonistas ficam confinados, e sequer permite ter certeza de que as outras casas teriam números além da 9. O que se torna ainda mais irritante quando o personagem tem disposição para dedicar a vida a cavar um buraco de mais de uma dezena de metros de profundidade, mas jamais lhe ocorreu usar as mesmas ferramentas para arrombar alguma das inúmeras casas só pra ver se havia algo dentro. Sequer parecem ter tentado abrí-las! Mesmo num contexto onde sentiam nítida claustrofobia e irritação na convivência forçada com o alienígena numa mesma casa, o filme em momento algum sequer sugere que alguém pensou em mudar para qualquer uma das demais casas vazias ou sequer em ficar ao "relento" no ambiente externo que, lembremos, não sofria de qualquer intempérie climática, sendo, provavelmente, tão confortável e estável quanto o interior da casa. (Sequer tinha vento! Como é explicitamente dito.)
Pode ser realista que pessoas ajam de formas erráticas principalmente em situações de estresse, mas nem sei o que pior: não ser capaz de criar uma estória onde personagens inteligentes tem dificuldades para vencer um grande desafio, ou uma inteligência alienígena selecionar personagens cujo o nível de inteligência parece corresponder ao dela própria, no caso, de mediano para baixo. Pois o que o filme apresenta não é um problema realmente complexo, pois o desafio resulta mais da limitação dos personagens.
A promessa da entidade alienígena era que seriam libertados caso criassem o "menino" cuja velocidade de crescimento o levou do estágio de um bebê a um adulto em menos de 9 meses. Portanto, desde o primeiro mês já era evidente que aquela atribuição não duraria sequer um ano. E apesar do comportamento mimético estranhíssimo, ainda assim o alienígena, além de lindo, tinha evidentes sentimentos e era possível construir uma relação afetiva. Mas a entidade não pareceu se importar em procurar "vítimas" que fossem potenciais bons pais, visto que o fato da mulher ser professora de jardim de infância foi uma contingência fora da previsão.
E ela mostra que sim, era perfeitamente possível se afeiçoar a ele, sugestioná-lo, comovê-lo, até manipulá-lo. Mas o que para uma pessoa inteligente permitiria conquistar a confiança do alienígena talvez ao ponto de até assumir algum controle da situação, para aquele casal, revelou-se uma impossibilidade, pois sequer tentar compreender o que era aquela visualização de padrões que ele assistia na TV, eles fizeram.
Pior, o menino dá um livro alienígena para ela, como uma escrita desconhecida mas perfeitamente decifrável, uma vez que ele mesmo o lê, e até com inúmeros desenhos e gráficos explicativos. Qualquer espectador é capaz de imaginar mil e uma possibilidades a partir daí, mas nada é desenvolvido. E enquanto o homem já havia perdido qualquer sensatez e se dedicava mais e mais a cavar um poço sem fundo, literalmente, ela até tentou ler o intrigante livro.
Porém, todo o promissor laço de confiança que ela havia construído com o menino é jogado fora de modo estúpido, no momento em que ele faz exatamente o que ela pediu, explicitando sua natureza inumana, que já havia sido antecipada no livro e no geral sendo auto evidente, e ela invés de tentar aprender mais, cai num desespero recuando horrorizada ante algo que sequer era particularmente bizarro ou repulsivo, visto ser similar a uma condição nem tão rara entre humanos.
Mas o casal não está sozinho nessa baixa inteligência, pois toda a concepção envolvida demostra uma entidade alienígena ainda mais estúpida! Ora, fica evidente a vulnerabilidade do menino, que poderia até ser facilmente morto a qualquer momento, e mesmo assim, um ser capaz de manipular o próprio tecido do espaço e produzir coisas bem além da capacidade humana, parece não ser capaz de imaginar um modo melhor de fazer seres humanos criarem seus rebentos.
Seguramente haveria centenas de milhões de voluntários que aceitariam de bom grado aquele contrato: viver confortavelmente por um ano recebendo tudo de graça sem ter qualquer trabalho além de criar uma criança que cresce em super velocidade! Por mais irritante que às vezes ela possa ser, como aliás qualquer criança normal. Com aqueles formidáveis recursos, esses seres poderiam facilmente até comprar o silêncio desses voluntários, caso discrição fosse de fato uma prioridade. Talvez nem precisassem de mais de um casal, visto que não fica claro se aqueles outros que aparecem na breve passagem da personagem pelo que parece ser um "atalho" dimensional, realmente coexistiam no mesmo tempo, ou eram na verdade amostra do passado ou do futuro.
Para quê então, minhas deusas, pegar o primeiro casal que aparecesse para depois jogá-lo fora se um mesmo poderia criar em sequência várias crianças?! Para quê estressá-los pondo em risco a própria segurança do menino, objetivo primário de toda a operação? Como ela sintetizava alimentos de aparência até luxuosa, e evidentemente eficientes em termos nutricionais, sem se importar em deixá-los insossos? (O sabor é O PRINCIPAL componente da eficiência alimentar!)
Por fim, os erros da abordagem são tão óbvios que aquela operação não duraria muito tempo. Jovens casais no início de sua aventura familiar estão fora de qualquer grupo de risco, uma sequência de desaparecimentos misteriosos de pessoas assim chamaria imediata atenção da sociedade e das autoridades, e a linha de investigação seria óbvia, o que fatalmente passaria por imobiliárias e, no momento em que qualquer pessoa batesse o olho naquele corretor ali... BINGO! Suspeito imediato!
Outra ainda mais simples: e se alguém entrasse naquele estabelecimento dois minutos antes do momento onde ocorre a sequência final? Veria aquele corretor evidentemente à beira da morte, e chamaria uma ambulância! Pronto! Acabaria-se qualquer discrição da operação! Sem contar o fato de que o tal condomínio ainda teria que ocupar algum espaço no mundo normal e chamar alguma atenção.
O ponto é que, para tolerar uma estória que vai simplesmente explorando a angústia e o sofrimento desesperado de um casal inocente que sequer cometeu transgressão alguma, apenas os desprezíveis sádicos não esperam alguma compensação narrativa.
A falta de jumpscares, gore ou qualquer coisa grotesca, o ponto positivo do filme, torna a ambientação mais séria e imersiva, mas o resultado final termina sendo muito mais trágico do que os invariáveis 'cautionary tales' que caracterizam a maioria dos filmes de terror, que em geral também ao menos entregam rupturas com a realidade que por si são quase sempre fascinantes. Recentemente vi Talk To Me (2022), The Hole 3D (2009), Awake (2021), The Remaining (2014), It (2017) e outros da categoria Terror ou Ficção Científica, com qualidades variáveis, mas sempre coerentes em manter a temática da relação entre transgressão e punição, ou um sentido razoavelmente claro para as tragédias, ou quase tragédias, que exploram, ou pelo menos alguma plausibilidade conceitual para a ameaça em si.
VIVARIUM nada tem disso, aparenta ser um Suspense de Ficção Científica mas acaba trazendo o pior do gênero Terror sem as virtudes de qualquer dos dois últimos. Nem sequer Suspense pode ser considerado por violar a regra básica de que neste gênero o espectador sabe mais que os protagonistas. (Explico em vídeo linkado nos comentários.*)
Ao final, fica claro que a coisa mais acertada que poderiam ter feito era mesmo matar o alienígena, visto que a entidade não tinha intenção de cumprir sua parte da promessa, mas não tendo o feito, poderiam tê-lo manipulado, até porque...
...Bem. Há um elemento que poderia subverter e justificar muito dos problemas apontados, mas agravando outros, que é o ciclo de vida dos alienígenas, que vivem no máximo o equivalente a um replicante de Blade Runner. Ora, sendo evidente de que eles tem, NO MÁXIMO, uns 3 anos de vida útil e produtiva, vivem de 15 a 20 vezes menos que os humanos.
Há bons motivos para ser intuitiva a noção de que seres superiores a nós vivam mais, e não menos. Temos dificuldade para aceitar a ideia de que podemos ser mais espertos que seres inteligentes que vivam mais de um milênio. Para ter todos aqueles recursos, os efêmeros alienígenas do filme teriam que aprender muito rápido, e talvez toda essa precariedade seria apenas uma fase desse aprendizado, apesar da sequência psicodélica onde aparecem os outros casais parecer contradizer isso.
Mas se isso torna a estupidez desses aliens plausível, os tornaria ainda mais vulneráveis. De certa forma, me lembra as entidades mirins dos filmes Village of the Damned, de 1960 e 1995, que apesar de extremamente poderosas, acabam sempre derrotadas justamente por serem demasiado jovens, e arrogantes, demais.
A forma mais desenvolvida de Poder, no caso social, que é justamente o relevante em Vivarium, não é a brutalidade ou a opressão, mas a manipulação, a capacidade de fazer com que outros realizem o seu objetivo, trabalhem para você, de forma constante e segura, para evitar que em algum momento o engodo seja desmascarado e tudo desabe. O Cuco faz isso!
Mas o único meio totalmente eficiente é fazer os manipulados crerem que eles estão sendo beneficiados. Na verdade, o meio 100% eficiente seria, de fato, beneficiá-los em contrapartida até tornar os mais inteligentes deles comprometidos com a manutenção do sistema, deixando as tensões e conflitos o mais restritos e isolados possível, de preferência até desaparecerem.
Aí já não estaremos discutindo mais o filme, e sim a nossa própria realidade**, que aliás é o que bons filmes devem inspirar, e não apresentar concepções tolas que não funcionam nem na fantasia, e por isso mesmo de nada servem para refletir sobre o real.