ABISMO NEGRO
The Black Hole (1979)
Revisitando um dos mais exóticos clássicos da Ficção Científica
Abril-Maio de 2017
23.743 Caracteres
ATENÇÃO! Texto REPLETO DE SPOILERS! Tanto do filme quanto do livro, bem como também do filme e livro 2001 - Uma Odisséia no Espaço com o qual Abismo Negro é comparado.
Observação Inicial: Em geral rejeito duramente títulos de filmes em versão nacional quando não são traduções diretas do título original, mas para este filme abro uma honrosa exceção. Primeiro porque o termo 'buraco negro' em português verdadeiramente soa mal e por outro lado 'abismo' acrescenta um tom poético perfeitamente adequado ao conceito astrofísico original. ('Buraco' é mundano demais para uma entidade tão monumental.) E segundo, porque o título 'O Buraco Negro', que também foi usado para distribuição em vídeo, já foi usado por outros filmes, ao passo que Abismo Negro continua se referindo exclusivamente a este.
Os mais novos podem até ficar chocados com esta produção já de quase 40 anos, ao saber que se trata de um filme da Disney, considerando ser definitivamente o menos "disney" dos filmes da produtora.
Apesar da temática espacial reinaugurada por Star Wars apenas dois anos antes, esta produção quase nada tem de seu espírito além dos tiroteios com armas de raios e robôs em cenários futuristas, possuindo, por outro lado, um clima de suspense tão sombrio que talvez em alguns aspectos mais o aproxime do clima de terror espacial estilo Alien, de um ano antes.
Dirigido por Gary Nelson, um relativamente obscuro diretor de cinema e TV focado em comédias despretensiosas,
The Black Hole é um filme ousado, único, minimalista em elenco, vemos apenas 6 atores em cena, deixando de fora as vozes dos robôs V.I.N.CENT. e B.O.B. trazendo grandes nomes da época como Ernest Bournigne e Maximilian Shell. Afora figurantes e extras sem rosto e sem nome.
Maximilian Schell
Dr. Hans Reinhardt |
Anthony Perkins
Dr. Alex Durant |
Robert Forster
Cap. Dan Holland |
Joseph Bottoms
Lieutenant Charles Pizer |
Yvette Mimieux
Dr. Kate McCrae |
Ernest Borgnine
Harry Booth |
Apesar de uma música estilo heróica curiosamente executada sem imagem alguma no início do filme em algumas versões caseiras (a última "abertura" musical em uma obra cinematográfica), o
tema dominante da trilha sonora de John Barry é espantosamente lúgubre, remetendo mais a uma temática lovecraftiana do que a uma aventura espacial.
Isso, somado a elementos perturbadores como um vilão que não demostra maldade alguma, mas sim melancólica e sincera insanidade, mortes trágicas, o macabro destino da tripulação da nave USS Cygnus, dada como desaparecida, o mais perturbador robô vilão já criado até então, e outros elementos, fazem deste um filme que hoje não seria de foma alguma recomendado a menores de 14 anos. A Disney solenemente ignorou sem público padrão nesta ousada produção, que infelizmente não teve o sucesso merecido da mesma forma como todos os seus outros não-desenhos como A Ilha no Topo do Mundo (1974) ou TRON (1982). Aliás, a Disney só conseguiria sucesso em uma produção própria não "disney" muito depois, Piratas do Caribe (2003).
Antecipando TRON, Abismo Negro traz a primeira Computação Gráfica da história do Cinema
Maximillian, o personagem e não o ator, é um destaque nessa estética tenebrosa. Se Darth Vader conseguiu a façanha de ser marcante mesmo sem qualquer tipo de expressão facial, sendo personalizado apenas pela voz e os gestos, o vilão robô de Abismo Negro consegue quase a mesma coisa ser tem nem mesmo esses elementos adicionais, e com uma face ainda mais minimalista. Sua simples e perturbadora aparência, deslocamento silencioso e movimentos bruscos bastam para lhe conferir uma aura não somente assustadora, mas maléfica.
A mim, o temível Maximillian só seria superado pelos futuros...
...ED-209 de Robocop (1987) e ABC-Warrior de Judge Dread (1995).
Para completar, de modo absolutamente destoante de todos os demais clones de Star Wars, da qual O Buraco Negro não compartilha sequer as batalhas entre naves espaciais, o enigmático final do filme está mais para um 2001 - Uma Odisséia no Espaço, de 8 anos antes, ainda por cima misturando elementos conceituais literalmente infernais, e que deixaram muitas crianças, e talvez alguns adultos também, sem sono, e que ainda por cima é suficientemente indecifrável para permitir tanto a interpretação de um final feliz quando de um trágico.
Por outro lado, o inesquecível V.I.N.CENT., que ao lado do veterano B.O.B. são os únicos elementos minimamente "disney" do filme, até hoje é meu robô favorito em termos de graça e simpatia misturada a espantosa eficiência e inteligência. Todos os robôs de Star Wars são absolutamente toscos comparados com ele. Mesmo em pleno Século XXI com todas as novidades da FC, se eu tivesse que escolher um robô pessoal tirado de um filme, não pensaria duas vezes.
The Black Hole também está repleto de elementos praticamente únicos. Armas de raios de tiro duplo, telepatia entre humano e robô, uma concepção artística singular para a espantosa "Nave de Vidro" (a USS Cygnus, que parece estender uma imensa estufa ao longo da Torre Einfel), uma plantação alimentar numa efetiva estufa, o que permite uma sequência de ação que parece se dar em um planeta vivo com direito a ventania, e, é claro, algo que apareceu pela primeira vez na história do cinema e ao menos nas grandes produções só viria a reaparecer 36 anos mais tarde.
Um dos mais interessantes elementos da astrofísica e a mais exótica previsão da Teoria da Relatividade: O Buraco Negro.
O BURACO NEGRO
Neil deGrasse Tyson, o "Carl Sagan wannabe" de nossa geração, certa feita expressou seu desgosto pelo filme numa espantosa manifestação de desprezo, como sendo algo do tipo: "o menos acurado filme de FC já feito" e mesmo "Vergonhoso!"
A mim isso foi suficiente para por a credibilidade deste divulgador científico num abismo negro. O filme da Disney está sim longe de ser cientificamente acurado, e claro, se comparado a 2001 ou Gravidade é evidentemente infantil. Mas por outro lado, comparado a qualquer Star Wars ou Star Trek da vida, que ditam a tônica dominante da Ficção Científica popular, é uma verdadeira aula de ciência.
Pra começar, diferente da quase totalidade das produções populares, o filme sabe que não há uma gravidade notável onipresente e mágica em qualquer nave espacial. A sequência inicial da nave Palomino tentando evitar ser atraída para o Buraco Negro enquanto investiga a misteriosa nave Cygnus, aparentemente à deriva e toda apagada, é perfeitamente acurada em termos físicos.
As armas de raios disparam feixes de luz contínuos, como qualquer Laser Pointer pode confirmar, tornando ridículos aqueles típicos disparos luminosos que "correm" pela tela mais lentos que um tiro de arma de fogo, que eram comuns no cinema e TV antes de Hollywood baixar um decreto proibindo a retratação de armas de raios em filmes de FC que isenta apenas Star Trek, Star Wars e alguns filmes de super heróis.
E a retratação do Buraco Negro peca apenas pela sugestão de "profundidade", como um redemoinho circundando um buraco fundo. No entanto, em retratações mais corretas do conceito, endossadas inclusive por astrônomos, praticamente apenas substituem o buraco por uma esfera, e achatam o redemoinho, que não é puramente artístico, visto que um efeito real poderia apresentar sim alguma semelhança.
Compare a retratação do filme com uma concepção mais provável, numa ilustração adotada até pela NASA.
O próprio DeGrasse já utilizou retratações similares, que evoluiriam para o formato adotado em Interestellar.
Na segunda vez que o cinema viria retratar o mesmo conceito, em Interestellar, nota-se algo não tão diferente dessa concepção intermediária.
Os demais problemas, quando ocorrem, estão longe de serem exclusivos do filme, pelo contrário, a nave Cygnus possui a misteriosa gravidade artificial, mas isso é regra quase inquebrantável na tradição FC audiovisual, sons no espaço idem, e somente na sequência final começamos a ter uma série de típicos elementos implausíveis também perfeitamente comuns, à medida que o filme evolui para um quase surrealismo.
Nunca houvera antes nada vagamente similar a essa impressionante sequência.
Mesmo assim destaco que a estranha "tempestade de meteoritos" está longe de ser tão inapropriada como alguns apontaram. Afora o nome, pois meteoro é o fenômeno necessariamente atmosférico da entrada do corpo celeste num planeta, portanto o que temos no espaço são asteróides. Porém cabe notar que neste momento do filme estão mergulhando no buraco negro e portanto interagindo com toda a matéria que este está puxando, e assim, a fricção com o gás rarefeito, sabe-se lá de que composição, poderia promover ignição neles sim. Sem contar o fato de que não sabemos do que são feitos. Talvez algum tipo de cristal gigantesco como sugere a aparência.
Portanto se The Black Hole não está no topo da lista de filmes de FC mais plausíveis, seguramente também está longe do fundo.
Retornando ao conceito de Buraco Negro, é bom notar que na realidade não há um real consenso de qual seria sua mais provável aparência, até pela possibilidade de se darem situações bem distintas. É perfeitamente possível que um buraco negro seja completamente invisível, mas considerando que se comportaria como um astro qualquer, ele poderia ter matéria orbitando em torno dele, quer de forma estável, no que geraria satélites ou anéis, quer caindo de fato em sua direção em espiral, no que resultaria em efeito não muito diferente do retratado em Abismo Negro. Se houver notável concentração em torno dele, especialmente de gases, estes poderiam tornar ainda mais visíveis o rastro dos corpos celestes que estariam em trajetória descendente rumo ao centro de atração.
ALGUNS PROBLEMAS NEM
O V.I.N.CENT. RESOLVE
Não posso, todavia, negar os defeitos dos filme. A começar pela frágil tentativa de conciliar sequências mais descontraídas com o clima tenso geral, como o duelo arcade de V.I.N.CENT. contra S.T.A.R., onde o robô perdedor tem um acesso de fúria descontrolada, cujo humor destoa do restante do filme em que mesmo as poucas ironias, em geral por parte de V.I.N.CENT., tem um estilo filosófico. O modo sádico como B.O.B. é tratado pelos robôs adversários é verdadeiramente incômodo, o pobrezinho sempre se dá mal, e sua despedida é seguramente muito mais comovente que as mortes de personagens humanos.
Mas o mais grave é a tentativa de emular um espírito Star Wars em algumas sequências de ação principalmente no uso da trilha sonora heróica que simplesmente não combina em momento algum. A Disney ainda estava longe de, em filmes, atingir a Maestria da combinação música e ação que se viu em Star Wars. Nota-se inclusive que as sequências de ação com músicas mais tensas e apropriadas ao espírito geral do filme são muito mais empolgantes.
A escolha do diretor Gary Nelson é, por si, difícil de entender. Não apenas ele não tinha qualquer filme notável no currículo para um projeto tão ousado, como sequer tinha qualquer coisa em estilo vagamente similar. Seu foco tanto na TV quanto no cinema eram comédias, nenhuma delas realmente notável, o que talvez o tornasse um diretor recomendado para um filme Disney convencional. Apesar disso, seu trabalho soou perfeitamente eficiente na direção dos atores e composição geral, mas penso que tenha pecado na pós-produção ou mesmo na aprovação do roteiro, além de algumas das cenas mais bem humoradas. De qualquer modo, Abismo Negro é seguramente o ápice da carreira de Nelson.
O personagem de Ernest Borgnine, um astronauta completamente "fora de forma", fica um tanto deslocado da equipe. É o único que não é cientista nem militar, e o que faz o papel ganancioso tão previsível nos filmes da época. Embora não seja explicado, chega a parecer que ele seja um civil representante de alguma empresa privada, a julgar pela regularidade com que corporações são retratadas como maléficas na FC e seu executivos como vilões.
1960
Nascida em 1942, então com 18 anos. |
1960
A Máquina do Tempo |
1976
Jackson County Jail |
1978
O Buraco Negro |
1978
Outside Chance |
1981
Circle of Power |
Também pouco ajudou que Ivette Mimieux, que já foi de beleza estonteante, apareça visualmente apagada no filme, em grande parte pelo corte de cabelo lastimável, que se fosse explicável para facilitar as cenas em microgravidade, muitíssimo melhor seria ter feito tais cenas com o cabelo preso, soltando-o no restante do filme. (Aliás o jaleco do Antonhy Perkins, nas mesmas cenas, também em nada ajudou para uma simulação convincente de ausência de peso.) Uma caprichada no visual da atriz, que embora já não tão jovem, ainda estava longe de perder o encanto, sem duvida teria levado alguns milhões a mais para as salas de cinema.
Nunca me esquecerei que nos meus 8 anos de idade, ao ver na TV um péssimo trailer que nada mostrava de interessante, o filme não me chamou atenção especialmente porque não achei a atriz bonita. Meu interesse só foi despertado pela propaganda entusiática de outro garoto que já havia visto e amado o filme, bem como pela divulgação que apesar de tudo, foi feita em gibis da Disney como Tio Patinhas e Pato Donald. (Aliás ter ido ver esse filme foi uma aventura à parte, visto ter sido a primeira vez que sai para longe de casa sem a companhia de um adulto, apenas como meu primo 3 anos mais velho. E o ônibus ainda enguiçou no caminho nos obrigando a seguir grande parte do trajeto a pé em locais em que eu jamais havia pisado antes.)
Nenhuma das atuações é particularmente notável, embora todas perfeitamente eficientes. Ernest Borgnine e Anthony Perkins estão ótimos, mas da mesma forma como sempre estão em qualquer filme. Nem mesmo Maximilian Schell chega a ter uma performance verdadeiramente marcante, embora seja sem duvida o ator mais imponente em cena. Como seu próprio personagem diz, um tanto teatral, mas perfeitamente adequado à personalidade perturbada do Dr. Reinhardt.
FINAL PSICODÉLICO
Se 2001 - Uma Odisséia no Espaço conecta-se com Interstellar por várias características de retratação científica, conecta-se perfeitamente com O Buraco Negro no final um tanto alucinante. Ao que parece, a viagem final do filme seria resultado de uma falta de consenso dos produtores no que se refere a como finalizar a história, o que teria levado a filmagem de ao menos três alternativas, que no entanto, teriam sido todas misturadas, e que talvez explique os três nomes responsáveis pelo roteiro Jeb Rosebrook, Bob Barbash e Richard Landau. E vale lembrar também que a produção de Abismo Negro na verdade começou antes de Star Wars, mas o filme acabou sendo lançado um ano depois tendo passado por alterações de modo a se assemelhar ao sucesso de George Lucas.
Mas se pudermos de fato distinguir 3 linguagens distintas ali, seria difícil saber qual a mais enigmática. A nítida referência teológica a céu e inferno, antecipada desde o início em citações como "direto do inferno de Dante", referindo-se ao buraco negro, como "toda vez que vejo algo assim espero vislumbrar um cara vermelho com chifres e um garfo", e enfim consumada na ideia de que Reinhardt e Maximilian foram enviados para o mesmo círculo infernal onde talvez suas vítimas estivessem aprisionadas, consumando a punição antecipada pela Dr. Kate quando disse "Se existe uma justiça, o buraco negro será seu túmulo."
O "anjo" que passa voando por portais prateados que se abrem em pleno inferno, com uma música esperançosa, pode ser interpretado de várias formas, inclusive como uma alegoria da Dr. Kate, visto que é por meio dela e sua telepatia que seria possível o "resgate mental" dos demais astronautas. E as expressões de desorientação e mesmo dor durante rodopios e distorções de imagens pode ser vistas como delírios temporários ou mesmo um processo de perda de sanidade. E a imagem final, claramente alegre e redentora fica um tanto suspeita.
Com isso, não é de se admirar as discussões da época: Eles morreram mas foram pro céu. Não! Eles foram para uma outra dimensão! Não, ele voltaram pra Terra. (Ou algo equivalente, a julgar pela estranha manifestação de felicidade.) Cara... Aquilo tudo era alucinação!
Porém, a Disney deu sua versão oficial na série de quadrinhos Além do Buraco Negro, que foi publicada continuando a estória do filme nas suas revistas de patos e Mickey Mouse. Eles realmente passaram para um universo alternativo com direito a uma civilização humana onde as aventuras continuaram. E onde Maximillian, B.O.B. e até Reinhardt aparecem novamente.
Nesse sentido, cabe novamente comparar com 2001 cujo final incompreensível está apenas no filme, pois no livro, por mais impressionante e apoteótico que seja, fica perfeitamente claro o que de fato aconteceu, não estando de modo algum aberto às inúmeras interpretações que muitos costumam fazer sobre o desfecho da versão cinematográfica, que fica ainda mais misteriosa pelas alterações deliberadas que foram feitas eliminando qualquer chance de alguém apreender o sentido literário original.
Para isso, é preciso falar sobre ambos os livros.
O LIVRO "ABISMO NEGRO"
Insistindo em analogias com 2001, cuja produção do filme e escrita do livro, bem como seus lançamentos, foram simultâneos, O Buraco Negro também recebeu uma versão literária em sua época de estréia, e que só recentemente eu tomei conhecimento da existência e que acabei de ler, escrito pelo mesmo Alan Dean Foster que também escreveu a versão literária contemporânea de Alien - O Oitavo Passageiro. O grau de similaridade desses livros com o filme é bem maior do que o normalmente ocorrido em livros que precedem em anos suas versões cinematográficas, até por que em geral espelham o roteiro. Mesmo assim, acrescentam vastas informações que ampliam em muito a percepção da obra.
Ficamos sabendo logo de início que Harry Booth é jornalista (as retratações hollywoodianas sobre estes costumam não ser boas também), e curiosamente se torna o personagem mais interessante da tripulação da Palomino, explorado de um modo que o filme sequer passou perto, e um dos mais frustrados com o fracasso da missão que seria encontrar formas de vida, se não inteligentes, ao menos mais desenvolvidas que as poucas bactérias que a exploração espacial humana já havia detectado. É seguramente o mais empolgado com a descoberta da Cygnus e o que mais tinha a ganhar com a espetacular história que teria para contar. Sua descrição deixa claro ser de fato o mais velho do grupo, mas não sugere estar tão fora de fora quanto Ernest Borgnine, e por mais que este ator empreste um brilho próprio ao personagem, ele destoa da retratação literária, tornando difícil para mim visualizá-lo no livro, diferente dos demais, cujos atores se encaixam com perfeição.
Por motivo similar o Alex Durant do livro é um tanto apagado, quase mecânico em seu fascínio por Reinhardt, e a sequência de sua morte é incrivelmente menos chocante que a retratação no filme, que superou em muito a versão literária. Mas Anthony Perkins empresta ao personagem uma personalidade adicional marcante. Nesse momento, por sinal, vemos também o quanto o personagem de Maximiliam Schell difere de sua versão do livro, quando o ator deixa bem claro que seu Hans Reinhardt é emotivo, insano, conflitante e alucinado ao ponto de ver Maximillam, seu robô, como detentor de uma personalidade que lhe ameaçava. No livro o cientista enlouquecido continua interessante e profundo, mas muito mais frio, calculista e manipulador. E não é dada nenhuma das sutis referências que fazem Maximillian, no filme, parecer mais que uma mera máquina.
Os demais personagens praticamente nada diferem, mas V.I.N.CENT parece fisicamente bem diferente. Em nenhum momento é dada uma descrição acurada, mas já no início é dito que possui vários braços. Não tem LASERs embutidos, usando armas manuais, e é esclarecido que possui um sistema de propulsão que em momento algum é sugerido no filme, onde ele poderia se mover por pura manipulação magnética ou gravitacional. Além disso, é explicado seu contato telepático com a Dr. McCrae, por meio de um implante cerebral denominado ESPlink (Extra Sensorial Perception link), que tem uma relevância crucial no plano de Dr. Reinhardt de ir com ela através do Buraco Negro para que possa transmitir informações para V.I.N.CENT.
Embora o livro siga rigorosamente o roteiro do filme, se diferencia por ser muito mais detalhado e oferecer mais informações sobre o pano de fundo, como o fato da Cygnus ter sido a mais grandiosa e dispendiosa nave espacial já construída pela humanidade, mas que depois foi verificado que sua missão poderia ser cumprida por expedições muitíssimo mais baratas, tornando-a uma espécie de relíquia demodé, com equipamentos 20 anos mais atrasados que os da Palomino, mas suntuosos e imponentes. Não é mencionada data alguma no livro, que no filme é no ano de 2130, portanto mais de 150 anos à frente da época do filme, pouco provável com nossas perspectivas atuais mas um tanto mais plausível naquela época que era bem mais entusiasmada.
É deixada clara a existência de recursos para viagens a velocidades superluminais, bem como de gravidade artificial e robôs verdadeiramente inteligentes ao ponto de terem nítidas emoções e até mesmo haver psicologia robótica. Fica explicada melhor a sequência dos robôs se divertindo numa sala de jogos, onde no livro V.I.N.CENT joga sinuca e pinball, portanto, nada daquela galeria de tiros onde ele derrota S.T.A.R., que também não existe no livro.
Muitas sequências do filme são rigorosamente fiéis ao livro, mas as diferenças vão se acumulando à medida que a estória avança. Talvez o mais importante é que o livro é ainda mais denso, mergulhado no suspense e menos jovial que o filme. Com a ação mais agitada concentrada praticamente nos 20% finais. Bem mais focado na psicologia dos personagens, em referências científicas, filosófica e políticas, o livro de Abismo Negro afasta definitivamente qualquer elemento infanto juvenil que o filme ainda consegue conservar.
E finalmente chegamos ao misterioso final.
FINAIS TRANSCENDENTAIS
2001 e Abismo Negro
Assim como ocorre no livro de Arthur C. Clarke, também no livro de Alan Dean Foster o final não é incompreensível e aberto a múltiplas interpretações. Embora em Abismo Negro seja bastante mais sucinto para permitir desmembramentos variados. Em 2001, invés daquela sucessão de imagens alegóricas e desconexas recheadas de elementos não apenas alheios ao livro mas completamente arbitrários que vemos no filme, no livro sabemos que houve uma clara viagem por meio de um sistema de portais espaciais que levaram o protagonista Dave até um longínguo planeta onde toda uma estrutura humanizada estava pronta para recebê-lo, com referências pesquisadas a respeito da cultura da Terra, de alguns anos antes, onde ele pode se sentir mais a vontade para ser submetido a um rápido processo que o transformaria numa espécie de divindade. A Starchild.
Sequências editadas que não correspondentem exatamente às dos filmes.
Menos de um "dia" decorre no tal ambiente artificial, e nada há do envelhecimento do personagem, nem da presença do monolito. Ele simplesmente tira seu traje de astronauta, faz uma refeição totalmente diferente do banquete que se vê no filme, mas constituído basicamente de estranhos fluidos azuis que o prepararam para adormecer, e assim que ele vai para a cama, é explicado um processo onde a mente dele e conectada com o conhecimento ancestral dos extraterrestres criadores dos monolitos, fazendo-o se transformar numa entidade superpoderosa que então volta à Terra. Noutro arroubo de violação da estória original, o filme ainda comete o sacrilégio de omitir a cena finalíssima, e extremamente significativa, onde Dave, como a "Criança Estelar", volta à Terra no momento em que esta está à beira de uma guerra nuclear, e a estória termina com ele decidindo se intervirá para salvar a humanidade, com seus poderes divinos.
Em Abismo Negro o final literário é incomodamente abreviado. Na verdade, tudo é "explicado" basicamente na última página e meia. Mas o entendimento termina facilitado por ser bastante análogo ao do livro de Clarke. Os 4 sobreviventes da Palomino, V.I.N.CENT incluso, aparentemente são fisicamente destruídos, mas sua mentes são interligadas e eles se tornam uma espécie de consciência única e transcendente capaz de se conectar com o Universo. Embora não fique muito claro, está em aberta as possibilidade de poderem mentalmente recriar seu mundo, possibilitando até mesmo as ocorrências das estórias em quadrinhos Além do Buraco Negro.
Portanto, nada há de anjos, Reinhardt e Maximillian queimando no inferno, e nem mesmo um processo aparentemente doloroso de transição. Também fica evidente que eles não apenas passaram fisicamente para um outro universo como o nosso. E o mais interessante, é a noção de que apenas a Mente pode existir além do Buraco Negro. (Não lembra as alegorias sobre o 'amor' em Interestellar?)
ALÉM DO ABISMO NEGRO
Não pretendo aqui comentar sobre a série de quadrinhos que contou o que ocorre após o filme, pois minha intenção foi focar no filme si, citando o livro mais porque este ajuda a compreendê-lo. Talvez numa próxima oportunidade.
Também preferi não me dedicar aos importantíssimos aspectos técnicos da produção embora estes sejam de importância histórica para a tecnologia cinematográfica. Deixo aqui alguns bons links para textos em português que fizeram abordagens similares as minhas, e que tocam nesse assunto.
Clássicos Esquecidos | O Abismo Negro (1979) é um texto curto que levanta alguns fatos curiosos sobre o filme. The Black Hole (O Abismo Negro) Gary Nelson (1979) tem um viés mais crítico, apontando problemas estruturais mas mantendo o fascínio por tudo o que tornou este filme singular, e
The Black Hole – O Abismo Negro (1979) acrescenta a tudo isso a experiência pessoal do autor.
Eles abordam temas como os Mate Paintings, artes que são fundidas com imagens reais para gerar cenários fabulosos, técnica na qual Abismo Negro é referência de excelência até hoje, ou os novos sistema de câmera criados pela Disney para possibilitar as filmagens, bem como percalços do roteiro e produção. Também
este vídeo,
é bastante interessante por mostrar o amplo merchandising de produtos lançados em Portugal, que incluem livretos para colorir, jogos de tabuleiro e miniaturas das quais somente uma fração ínfima chegou ao Brasil e que eu mesmo jamais vi! (Teria sido a criança mais feliz do mundo se pudesse ter miniaturas de V.I.N.CENT e Maximillian, pelo menos. Visto que após este filme minhas brincadeiras por mais de um ano eram nada menos que recriar a estória do filme com todos os brinquedos que tivesse à mão, incluindo vasto uso de tijolinhos lego.) Entre outros textos e vídeos linkados em inglês que incluem até mesmo um
protótipo de brinquedo de controle remoto do V.I.N.CENT,
numa época em que eu só podia me contentar com o AR-TUR
O que quero registrar aqui é que por um momento tive uma viagem ao pico do êxtase e ao fundo da angústia ao ler a frase de que Abismo Negro seria refilmado por ninguém menos que Joseph Kosinski, apenas para logo em seguida saber que tal projeto fora cancelado. Kosinski é o diretor de maravilhoso filme de FC que é um de meus favoritos e a qual dediquei um atencioso texto, OBLIVION, bem como de TRON Legacy, o que por mim já é mais que suficiente para que eu saiba imediatamente que é impossível que uma nova versão de The Black Hole em suas mãos não fosse magnífica! Tal como eu soube de imediato que Tim Burton e Jonhy Deep refilmando a Fantástica Fábrica de Chocolate não tinha como não ser perfeito.
Portanto, já tenho duas contas a acertar com o Sr. Kosinski, lançar um Director's Cut de Oblivion e refilmar Abismo Negro, ou o amaldiçoarei a ter pesadelos com drones e com Maximillian!
E outra coisa que jamais me saiu da cabeça é como seria incrível haver um videogame sobre o filme tanto no antigo estilo Side Scrooling Plataform Shooter 2D quando em First Person Shooter 3D, aproveitando as armas LASERs de tiro duplo e explorando os magníficos cenários da Cygnus. A maior chance disso acontecer é algum desenvolvedor amador decidir fazê-lo por conta própria sem qualquer esperança de lucro.
Enquanto nada disso acontece, aos quarentões saudosistas como eu só resta a lembrança deste filme e desse tempo inesquecível, que marcou a infância e abriu todo um Horizonte de Eventos marcantes. Bem como assistí-lo de novo e esperar que as novas gerações compartilhem um pouco dessa aventura 100% espacial que permanece única na tradição de Ficção Científica cinematográfica.
Marcus Valerio XR
Iniciado em 29 de Abril
Finalizado em 2 de Junho de 2017
|