Esse texto foi originalmente produzido num fórum feminista,
sendo parte de um polêmico e muito acalorado diálogo.
Desde então, alterei significativamente muitas das opiniões aqui expressas.
Os comentários em azul itálico foram adicionados após 2012.

O QUE PENSO SOBRE O ABORTO

Primeiro Semestre de 2001

(Depois leia também Aborto Repensado, de 2012)

No sentido mais elevado da palavra eu sou um feminista (Embora jamais me tenham reconhecido como tal devido a peculiaridade única desse meu feminismo pessoal.), mas da mesma forma como ocorre com qualquer outra linha de pensamento, ação, ideologia, filosofia e etc, eu nunca pude me considerar alguém completamente de acordo com a totalidade das propostas e direcionamentos do feminismo tradicional.

Meu único ponto de discordância em relação as justas reivindicações de todas as mulheres que em cerca de 300 anos têm lutado por sua plena emancipação, é com relação ao Aborto.

Quero começar deixando claro que compreendo e acho justo que tal assunto é, ou pelo menos deveria ser, de alçada prioritária das mulheres. Creio que a opinião de 10 homens não deveriam valer tanto quanto a opinião de uma mulher sobre este complexo dilema. E além do mais, diante da precisão dos argumentos apresentados no que se refere a alta taxa de fatalidades dos abortos clandestinos, dou meu braço a torcer e passo a concordar que a legalização do aborto seria uma medida mais razoável.

Mas apesar de tudo isso, eu Marcus Valerio Xavier Reis, como homem portador de um profundo lado feminino, e como ser humano, não posso deixar de lamentar amargamente por cada aborto que seja realizado neste mundo sob quaisquer circunstâncias a não ser talvez as previstas na legislação brasileira.

Após anos de um constante sentimento de repulsa a idéia de interromper um gravidez sem um motivo muito forte, percebi finalmente, pelo meu dom racional, aquilo que meus dons emocional e intuitivo sempre souberam.

Tive minha primeira filha aos 24 anos de idade, e a segunda aos 26, seus nomes são Lorena e Milena, e evidentemente são as coisinhas mais lindas que existem. JAMAIS em momento algum, sequer intencionei por em pauta, mesmo que apenas para meu julgamento interno, a possibilidade de matá-las no útero de minha esposa. Ainda que na época eu fosse um universitário que morava com os pais e cujo emprego não me pagava mais que R$ 400,00 por mês, e que a mãe delas também estivesse na mesma situação.

E vou dizer por que: POR QUE SEU EU NÃO VIVER DE ACORDO COM O QUE EU ACREDITO E PREGO, MINHA VIDA NÃO FARIA O MENOR SENTIDO!!!

E agora exponho meus motivos.

Não posso negar uma certa influência de idéias espiritualistas a esse respeito, mesmo sendo completamente de acordo com o fato de que qualquer decisão ou postura social e legal, deve ser absolutamente desvinculada de qualquer conteúdo religioso, esotérico, transcendente ou qualquer outra alegação metafísica. Mas não preciso apelar para nada disso para explicar por que continuo a considerar um aborto na maioria dos casos, como uma atitude de covardia.

Todos sabemos que ainda hoje em dia, inclusive na nação que é provavelmente o berço de quase toda a cultura humana, a Índia, milhares de meninas são mortas antes e mesmo depois do parto pelo fato de serem do sexo feminino. (Na realidade, o aborto seletivo também tem ocorrido em países desenvolvidos como Inglaterra, onde o mesmo por motivos do sexo do bebê é proibido, e na Suécia, onde por não haver qualquer restrição, e por ser acessível a estrangeiros, tem sido um destino de mulheres que querem abortar por motivos que não sejam permitidos em seu país. Embora a maioria dos casos pareça ser de mães que já tiveram uma criança, e desejam agora outra de sexo diferente, o fato dramático é que nem mesmo nesses países conseguiu-se superar a preferência generalizada por meninos, e muitos fetos são abortado apenas por serem meninas! - 2012) Todos podemos repudiar tal atitude em si como um ato de desumanidade resultante de uma estrutura social patriarcal degenerada sem qualquer compromisso com o bem estar humano. (Hoje, vejo o "Patriarcado" com melhores olhos, sendo quase certamente o único modelo no qual a civilização pôde se desenvolver. Mas não retiro o que disse por ter me referido a "estrutura social DEGENERADA".)

Repudiemos a atitude em si, não as pobres mulheres que o fazem, e sim as condições que as obrigam a fazê-lo, pois evidentemente elas possuem um motivo prático e muito material.

Nessas sociedade as mulheres tem muito menos opções de vida que os homens, suas dificuldades para atingirem independência são muito maiores e invariavelmente acabam dependendo dos homens para sobreviverem. O princípio é basicamente o mesmo que fez muito povos primitivos, os esquimós do Ártico por exemplo, adotarem atitude semelhante.

Nessa sociedade que dependia da caça de focas e outros animais que vivem num ambiente gelado, as mulheres não caçavam, e não há qualquer possibilidade de agricultura, pecuária ou mesmo coleta de vegetais. Sendo assim, o sustento primário da família dependia única e exclusivamente do homem.

As mães eram orientadas para que seu primeiro descendente só tivesse direito a vida se fosse um menino. O motivo por mais triste que seja, é extremamente lógico dentro daquela estrutura social. Era preciso que o primogênito fosse um caçador, para que a continuidade do sustento da família estivesse garantida. Apenas após ter um menino as mulheres estavam autorizadas e permitir que bebês meninas sobrevivessem. O metodo de execução era simples, depositar a menina no gelo e deixá-la morrer de frio, logo que saísse do ventre, para que não houvesse tempo da mãe desenvolver maior afinidade com o bebê. Desnecessário dizer que se houvesse ultrasonografia e técnicas abortivas elas seriam usadas tais como são usadas para o aborto seletivo na Índia.

Nas sociedades mais pobres da atualidade, principalmente no oriente, o fundamento do aborto seletivo é o mesmo. É preciso garantir primeiro um herdeiro masculino para só então considerar a possibilidade de se gerar mulheres. Lembremos que é exatamente no tão espiritualizado oriente que isso acontece, pois lá a desvalorização da mulher como economicamente produtiva é muito maior que no ocidente.

Bem ou mal, em nossa sociedade ocidental tal prática sempre foi menos praticada, devido ao fato que apesar de toda a desvalorização da mulher como ser humano, ela ainda era economicamente valiosa. Por vezes era mesmo a coisa mais valiosa que um homem podia ter, principalmente se fosse atraente, pois o pai poderia "vendê-la" por um gordo dote. Não a toa, todas as leis que visam o controle sobre as mulheres e filhas, como as da Bíblia por exemplo no livros Levítico e Deuteronômio, tinham a única função de proteger o valor "comercial" das mulheres como patrimônio dos homens. Se uma delas fosse estuprada por exemplo, o agressor seria severamente punido a não ser que pagasse o equivalente ao "valor de mercado" em compensação. Mas e quanto a vítima? Simples, por não ter mais valor devido a ter sido desonrada, podia simplesmente ser abandonada ou mesmo apedrejada até a morte.

Não estou inventando nada disso, BASTA LER A BÍBLIA!!! ESTÁ LÁ!!!

O que está por trás então de todas essa atitudes?

O valor econômico, ou como força de trabalho. A mulher miserável indiana da atualidade, assim como a esquimó, geralmente sofrem ao provocarem a morte de suas próprias filhas, mas o motivo é sócioeconômicamente lógico por mais horrendo que possa parecer.

O MOTIVO É PRIMARIAMENTE ECONÔMICO!!! E SECUNDÁRIAMENTE PSICOLÓGICO!!!

Psicológico por que muitas mulheres em todas as épocas violaram essas regras, por amor a suas filhas e tiveram coragem para enfrentar toda a repreensão e dificuldade.

Mas por quê estou falando disso?

Em nossa sociedade ocidental atual, aqui mesmo no Brasil as portas do século XXI, o motivo que leva a maioria das mulheres a realizar um aborto é o de que não possuem condições ECONÔMICAS ou PSICOLÓGICAS de criarem seus filhos (nesse caso meninos ou meninas) dignamente. Mesmo que as vezes pertençam a uma classe de média para cima.

E eu pergunto:

QUEM SERÁ CAPAZ DE NEGAR QUE O PRINCÍPIO É ABSOLUTAMENTE O MESMO!?!?!?

E no entanto muito de nós, inclusive muitas feministas esclarecidas, são capazes de repudiar a atitude das mulheres que realizam o aborto seletivo mas defender o não seletivo, sendo que o princípio é o mesmo uma vez que aqui apesar de tudo, já é bem mais fácil para a mulher conquistar sua independência.

SERÁ QUE DEU PRA ENTENDER?!?!

Quem quiser ser a favor do aborto por motivos financeiros, homens e mulheres, que sejam! Mas que tenham consciência do que isso significa! Covardia! Fraqueza por não ser capaz de enfrentar as dificuldades oriundas da criação de um ser humano, dificuldades que mesmo nas mais brutais sociedades patriarcais, algumas mulheres ainda ousam e conseguem vencer! Por que têm coragem!

Conheço vários casos pessoais de casais de condições financeiras e familiares muito melhores que as minhas que abortaram com esse argumento de "não poder oferecer o melhor para a criança". Ou seja, aprovando um atestado antecipado da própria incompetência, como também da incompetência de um ser humano que poderia muito bem se realizar se tivesse o direto de ter nascido, ainda que fosse doado!

Desculpem a emotividade, mas esse assunto me perturba.

Sou um defensor ferrenho do Controle de Concepção, e digo CONCEPÇÃO, por que Controle de Natalidade inclui aborto. É muito melhor e mais seguro usar um anticoncepcional do que realizar um aborto.

Considero hedionda a repulsa que as instituições religiosas têm a respeito dos anticoncepcionais e tenho certeza que qualquer pessoa de bom senso entende que sem controlar o crescimento populacional, qualquer política social efetiva de médio e longo prazo, as mais importantes, são inviáveis.

Se tivéssemos pleno acesso aos mais modernos e eficazes métodos de controle de concepção, a necessidade de se realizar abortos tenderia a zero.

Por isso considero que seria muito mais inteligente que as pessoas que defendem a legalização do aborto, que apesar de tudo ainda considero um direito justo, antes lutassem pela maior aceitação dos métodos anticoncepcionais.

Basta um raciocínio lógico.

1 - Quem é a favor do aborto é a favor dos métodos anticoncepcionais.

2 - Quem é a favor dos métodos anticoncepcionais nem sempre é a favor do aborto! Meu caso.

Conclusão - Um número maior de pessoas é a favor dos métodos anticoncepcionais do que do aborto.

Obs: Não acredito que haja alguém que seja contra os métodos anticoncepcionais e a favor do aborto. (Na realidade, era exatamente esse o caso no Japão)

Sendo assim canalizar os esforços pela disseminação e aceitação dos métodos anticoncepcionais seria muito mais eficiente, pois mobilizaria maiores quantidades de pessoas, mais vantajoso, pois diminuiria automaticamente a ocorrência de abortos, e muito mais humano.

Vou repetir mais uma vez. SOU A FAVOR DA LEGALIZAÇÃO DO ABORTO!!! Mas ainda assim lamento muito por qualquer aborto que seja realizado por alegações psicológicas ou econômicas.

Da mesma forma que sou a favor da legalização da Maconha, embora eu jamais tenha usado qualquer tipo de droga, nem mesmo alcóol ou café, e lamento que alguém use. ( Essa posição foi revista. Hoje, 2008, sou contrário a liberação. Ver o texto Droga de Elite. )

A minha preocupação é que enquanto a aborto for proibido da forma que é em nossa sociedade brasileira, que por sinal considero até bastante razoável, as mulheres são obrigadas a tomar mais cuidado e fazer uso de anticoncepcionais. Se o aborto for liberado, temo que esse cuidado possa diminuir pois afinal, "qualquer coisa é só fazer um aborto em condições legais e seguras", e métodos anticoncepcionais sempre são incômodos.

Que ninguém me acuse de não estar considerando o fator religioso nesse aspecto. Sei muito bem como as estruturas teológicas monoteístas que dominaram esse planeta por quase um milênio e que ainda representam a maioria das religiões, funcionam para estabelecer regras diretas ou indiretas de controle psicológico sobre a sociedade e a mulher. O que sem dúvida, inclui aborto.

E agora faço um apelo final.

Conheço mulheres que se arrependeram de ter realizado abortos, creio que não deva ser raro.

Nunca ouvi falar de uma mãe que tenha se arrependido de ter tido sua criança. Embora possa ser possível em situações extremas.

Aborto é Morte! Não adianta tapar o sol com a peneira. Mesmo um espermatozóide é um ser vivo! Não existe um limite claro entre o estágio de gestação que divida um simples embrião de um ser humano, e creio que jamais se chegará a uma conclusão a esse respeito. (Me expressei mal. Não quiz dizer que matar um espermatozóide seja tão grave quanto matar um embrião viável, que é um ser humano potencial. Caso contrário, a maioria dos homens incluindo eu próprio cometeriam Assassinatos Seriais em Massa.).

Portanto a Aborto é solução final e irreverssível.

"Mulheres por favor! Se quiserem exercer seu direito de liberdade sobre o próprio corpo mesmo que isto inclua outro corpo humano, que o façam! Não me oporei a não ser moralmente. Mas lembrem-se. Aborto é solução final e irreversível. Não conheço mães que se arrependam de terem tido seus bebês, mas conheço várias mulheres que se arrependeram de ter feito um aborto!"

Marcus Valerio XR
Primeiro Semestre de 2001
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Aborto Repensado
2012
Esse texto foi originalmente produzido num fórum feminista,
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