PARTE - II

23 – UMA LIGAÇÃO PRESIDENCIAL.

No mesmo dia, Katlyn conseguiu autorização para ingressar nas instalações da fábrica Verber, graças à amizade que possuía com seu administrador, Gerald Archilbad. Ian não poderia deixar de acompanhá-la, já que também estava interessado em descobrir qual era o significado da emissão do sinal de rádio.

Gerald Archilbad, um homem de seus quarenta anos, era de longa data o diretor responsável pelas instalações que produziam os Verbers. Fizera amizade com ele, desde que tivera de se inteirar das capacidades daquelas magníficas jóias da tecnologia, quando a NASA passara a empregá-los em missões de certo risco para seres humanos. Apesar de algumas áreas serem estritamente proibidas a pessoas não autorizadas, sem quaisquer questionamentos, concordou em ajudá-la a localizar o sítio nas instalações, relacionado ao sinal de rádio. Katlyn não via a fábrica e consequentemente, Archilbad, há mais de três anos. Seria muito bom rever a afável pessoa que conhecera.

Assim que chegaram, foram levados diretamente ao seu escritório na administração central onde, entre refrescos e petiscos, ele relembrou a estadia de Katlyn e sua admiração por aquelas pequenas obras de engenharia pelas quais era responsável. Depois ela lhe fez um pequeno resumo da investigação que estava fazendo e a razão de estar ali, à sua frente.

- O que me disse até agora, mais parece um conto de suspense policial do que uma investigação protocolar conduzida pela NASA. Estou certo em meu comentário, Dra. Katlyn?

Ela sorveu um gole do refrigente e depois colocou o copo sobre a pequena mesa que ladeava sua poltrona. – Ah Archilbad! Sempre com suas ironias! Evidente que não! Tem mais suspense do que possa imaginar, meu caro.

- Perdoe-me pela brincadeira, Doutora. É evidente que não. Mas não deixa de ser assobroso alguns dos detalhes que descreveu. De qualquer forma veremos o que posso fazer aqui para ajudá-la. Esse sinal de rádio foi de fato enviado mesmo para cá? Não poderia ser uma interpretação errada dos sensores? Normalmente ocorrem erros. Às vezes causados até por falhas de interpretação. Afinal somos humanos.

- Não Archibald. Tanto os meus sentidos como os dados fornecidos pelos sensores, indicam a recepção dele num ponto específico desta fábrica. Externamente não há nenhuma indicação do que seja ou represente.

- Poderia dar uma olhada nos dados, apesar de serem confidenciais?

A Doutora fez uma pequena careta e sem pestanejar pegou seu pequeno processador onde estavam registradas as informações e o estendeu na sua direção.

Ele o pegou e o aproximou de um pequeno conector que estava sobre sua mesa.

Hum! – disse ele, depois de integrá-lo a I.A. AFRODITE que controlava todos os aspectos da produção da fábrica.

Com alguns movimentos dos dedos, Archilbad moveu os controles de seu próprio processador e imediatamente a imagem tridimensional das instalações da fábrica apareceu, com um ponto vermelho piscando intermitente.

- Aumentar setor B23, AFRODITE. Em todos os ângulos possíveis.

A imagem rapidamente ampliou focando-se apenas no setor solicitado. Archibald o moveu de todos os modos possíveis. – Hum! Interessante! Não há nada aqui que justifique este sinal. Desligar AFRODITE.

- Que acha de irmos pessolmente examinar o local? – disse por sua vez Ian.

- Antes de irmos lá, - retorquiu Katlyn. – AFRODITE não nos poderia informar alguma coisa de inusitado que tenha acontecido neste setor?

- Hum! Creio que não! Mas se agrada a minha amiga, perguntarei a AFRODITE.

- AFRODITE, desde que se tornou operacional, há algum registro relevante sobre o setor B23?

- Poderia ser mais específico senhor Archilbad?

Ele olhou para Katlyn com uma expressão interrogativa no rosto.

- Em seus registros, consta a detecteção de algum sinal de rádio sobre este setor, AFRODITE?

- Informação confidencial. Pessoa não autorizada.

- Tudo bem AFRODITE. Repassar instrução WES23. – disse Archilbad.

- Em segundos veio a resposta. – Negativo. Há sim registros de sinais referentes aos processos de produção.

- São de origem externa?

- Negativo.

- Obrigada AFRODITE. – disse ela um pouco desalentada. A I.A. aparentemente não estava ajudando.

- Um instante. – interropeu Ian. – Projete-me, por favor, os registros dos últimos dez anos.

- Informação confidencial. Pessoa não autorizada.

Mais uma vez Archilbad interferiu. – Tudo bem AFRODITE. Implementar instrução WES23 para esta tonalidade de voz.

A resposta foi imediata. – A pergunta refere-se a toda a fábrica ou só ao setor B23?

- Concentre-se nesse setor AFRODITE.

- Uma longa lista de dados apareceu à frente de Ian, que se aproximou para examiná-los melhor. Para um leigo constituia-se em longas e enfastiantes listas de números sem aparente significado. Mas seus olhos experientes logo conseguiram detectar algo naquele mar de símbolos.

- O que é IU 030, AFRODITE?

- Um auxiliar robôtico operacional desativado por falhas mecânicas.

- Mostre-me a lista dos últimos cinco meses de suas atividades?

Ele olhou novamente para a lista e depois para os dois.

- Se este robô operacional está desativado, por que há registro de algumas ativações no setor nos últimos cinco meses? Pode me responder AFRODITE?

Fêz-se um silêncio e depois uma resposta.

- Dados insuficientes.

- Como? – disse Archilbad. – Como insuficientes?

- Não estou autorizada a fornecer esta informação?

Archilbad franziu o cenho tão espantado quantos os dois que estavam ali.

- Eu exijo... Não. Eu ordeno que me dê essa informação.

Novamente o silêncio.

- AFRODITE?...

- É melhor irmos até lá, Archilbad. – disse a Doutora Katlyn levantando-se. - Prendam estes botões em suas roupas. Isto é um dispositivo que lhes permitirá caminhar por onde iremos sem ativar os sistemas de segurança.

Contrariado e ao mesmo tempo curioso, ele se juntou aos dois e rumou para o setor.

Em dez minutos atravessaram as áreas de acesso proibido a pessoas não autorizadas e chegaram ao local. Nada havia ali que pudesse significar muita coisa. Na verdade era mais usado como depósito de peças do que parte integrante do setor de produção. Mas estava ali e fazia parte das instalações.

Apesar de um pouco de poeira no chão, eram visíveis as marcas dos pequenos tratores das unidades robôticas que o cruzavam vez ou outra.

Quem ou o quê recebera o sinal naquele aposento? Perguntou-se Katlyn. E a mesma pergunta com certeza devia estar percorrendo a mente dos dois homens que a acompanhavam.

Mais uma vez Ian salvou o dia. Ele viera com uma pequena pasta de instrumentos e ajoelhou-se abrindo-a ali mesmo. Retirou um pequeno sensor e apontou para o chão.

- Estou fazendo uma varredura das marcas no assoalho em diversos comprimentos de ondas para ver se descubro alguma coisa que possa nos ajudar.

Ele apontou o pequeno sensor para todos os lados diversas vezes e depois ligou a pequena tela. Logo as imagens se destacaram e havia uma trilha em especial que se repetia com certa regularidade. Ela saía do setor B23 e retornava várias vezes, indo na direção de uma parede onde estavam fixadas várias prateleiras. Em seus espaços podia se ver membros, torsos, dedos, até algumas cabeças que lembravam crânios desencarnados. Partes de VERBERs que provavelmente seriam recicladas ou reaproveitadas, assim que se fizessem necessárias.

A trilha parecia prosseguir para baixo das prateleiras.

Ian caminhou até lá e foi batendo o pé sobre o chão à medida que se aproximava das pratelerias.

De repente ele parou e retornou apoiando-se nas pegadas que deixara. Assim que acabou o retorno, prosseguiu novamente, batendo os pés a cada passo.

Katlyn e Archibald ficaram ali parados, sem entender qual era a razão daquele comportamento inusitado. Quando percebeu os olhares estupefatos, deu um sorriso.

- Senhor Archibald, Doutora?

- Sim Ian.

- O motivo deste meu ato, que pode parecer meio sem sentido, foi o de testar a densidade do terreno. Pelo retorno das pancadas parece-me que próximo das prateleiras há uma cavidade.

- Sabe alguma coisa disso, Archibald? – disse a Doutora Katlyn.

- Não. – Disse ele, com uma expressão de pura surpresa no rosto. - Mas sei que circulam por este setor vários robôs da mesma série. Deixe-me consultar o processador. E aqui está. Um deles é... A unidade IU 05! Ela trabalha neste setor há muitos anos. Creio que há mais tempo do que eu dirijo a fábrica.

Archibald solicitou a presença de IU 05 que não demorou muito em aparecer. Era um pequeno robô que mal chegava a metro e meia de altura e vagamente lembrava um ser humano. Possuía três pequenas esteiras como suporte e quatro braços para diversos usos. Lembrava mais um pequeno tambor. Acima dessa estrutura, apenas o essencial, duas lentes que funcionavam como olhos e um receptor e emissor de sons para interações verbais. Acima, uma pequena antena, por onde AFRODITE o controlava.

- Aguardando instruções.

- Há quanto tempo se tornou operacional 05?

- Quinze anos, dois meses, tres semanas, cinco dias, duas horas, trinta e...

- É suficiente 05. – ordenou Archibald rodeando-o, no que era seguido pelo robô que procurava se manter voltado para ele. – Hum! Um bocado de tempo para um robô! Mais velho do que eu aqui.

- Aguardando instruções.

- A geração mais antiga lhe deu alguma informação sobre este setor?

- Especifique.

- Sabe se há alguma cavidade sob este piso?

- Consultando.

- Sim 05?

- Há uma antiga fonte de água que foi coberta quando da construção da fábrica. Para evitar qualquer problema de infiltração, os técnicos a recobriram com um teto removíovel.

- Sabe se o teto foi removido recentemente.

- Falha no sistema, falha no sistema...

Em segundos o pequeno robô deixou de funcionar, privando-os de quaisquer informações. Não havia dúvidas de que AFRODITE assumira, desconectando-o. Mas por quê?

Katlyn olhou para as prateleiras. – Archibald, a emissão do sinal começa a fazer algum sentido. Ainda não sei por que, mas AFRODITE não quer que mexamos no piso. Há como fazer isso sem que ela nos atrapalhe?

Archibald pensou por alguns instantes.– Hum! Há sim. Em casos de emergência há algumas unidades da série STR que podem agir com autonomia. Vou ativá-los e pedir que removam as prateleiras e o que quer que esteja embaixo. Estou curioso também para ver o que encontraremos.

- E se AFRODITE tentar nos impedir? – perguntou Ian.

- Não posso simplesmente desligá-la. Afetaria toda a fábrica.

- Sei como fazê-lo. – disse Ian. – Vou suspender o centro de comando lógico deixando apenas as funções automáticas. Depois que removermos o piso e descobrir a razão deste comportamento, eu a restituirei ao padrão normal.

- Hum! Muito bem! Mãos a obra. – disse Archibald, um pouco preocupado com a decisão de Ian. Ele precisaria dos robôs e AFRODITE poderia usar outros meios para impedi-los. Os três não disporiam de forças para remover as prateleiras e as partes dos VERBERs.

- Senhor Archibald? – ouviu-se a voz de AFRODITE no setor, transmitida pelo sistema de comunicação interno.

- Sim AFRODITE?

- Não há necessidade do que pretende fazer. Recebi autorização para remover o piso.

- Quem deu? – disse ele curioso.

- É só o que posso informar senhor Archibald. Pedirei às unidades UI que removam as prateleiras e os componentes.

Ian e Katlyn olharam para ele. A Doutora foi a primeira a perguntar. - Será isto apenas uma manobra para ganhar tempo, Archilbald?

- Vamos aguardar. Katlyn. A I.A. nunca foi motivo de preocupação. As leis da robôtica a impedem de atacar qualquer ser humano.

- E se ela achar que está protegendo os humanos, com essa decisão?

- Bem Katlyn. Posso estar errado, mas ainda confio nela. Deve haver uma razão muito forte para o que fez.

Não demorou muito e várias unidades UI começaram a trabalhar empilhando os componentes do outro lado da sala, deixando o piso livre.

Assim que a tampa que recobria a cavidade suspeitada por Ian foi removida, os três, temerosos no princípio de alguma atitude inesperada de AFRODITE, aproximaram-se cautelosamente da abertura e das unidades imobilizadas.

Apesar da escuridão podia-se perceber uma escada que dava para um pequeno espaço com o antigo poço no centro. Os três trocarem olhares e observaram mais uma vez os robôs imobilizados.

- Acho melhor ir sozinho Katlyn. Se for uma armadilha, é melhor que possa contar com alguém aqui fora. – disse Archilbad.

- Certo. Qualquer coisa, não hesite em nos chamar.

Assim que ele começou a descer, a escuridão foi substituída por uma claridade suficiente para ver o que havia abaixo.

- Katlyn! Há um sistema de luzes aqui que foi ativada assim que entrei. Posso ver um corredor daqui. Vou até ele.

Archilbad observou as marcas no assoalho empoeirado que indicavam atividade recente.

- O corredor termina numa porta que contém algum tipo de mecanismo de segurança. Tudo em ordem por aí?

- Tudo normal Archilbad. E aí? – perguntou Katlyn apreensiva.

- Vou me aproximar da porta. Agora estou encostando meu ouvido nela. Ouço um leve zumbido, como de um sistema de purificação de ar...

Archilbad estava colado à porta e imaginou que talvez não pudesse abrir a porta e tivesse que recorrer à força de um dos pequenos robôs. Assim que tentou forçá-la, para sua surpresa ela se movimentou sem qualquer esforço. Teria sido algum sensor ou ela apenas parecia estar travada? Com um pequeno rangido ela se moveu lateralmente revelando um outro espaço, ainda escuro. Isto o fez hesitar por alguns segundos. Não gostava de lugares assim, pois ficava inseguro quando não tinha amplo domínio do ambiente. Esperava também receber um ar viciado, devido ao isolamento daquela parte, mas o ar parecia novo, filtrado. E logo descobriu que o zumbido provinha de um sistema de ar condicionado. Ele se perguntou como nunca ficara sabendo daquele lugar.

Cautelosamente deu o primeiro passo e assim que o fez, uma suave luz iluminou o ambiente permitindo que tivesse uma visão geral do local. Parado num dos cantos lá estava a desaparecida unidade IU 30. No outro estava uma espécie de cama e nela, o que parecia ser um corpo coberto por um lençol já bastante routo pela passagem do tempo. E no centro uma redoma numa versão gigante de um tubo de ensaio. Por estar um pouco embaçado, não conseguiu distinguir o que continha e qual o seu propósito.

A primeira coisa que fez foi se aproximar da cama e criou coragem para levantar o lençol. Seu receio era o de ter que ver algum cadáver em adiantado estado de decomposição, o que combinava com seu fraco estômago. Curiosamente não havia nenhum odor de putrefação. Ele fechou os olhos e puxou o lençol jogando-o no chão. Inspirou fortemente e abriu os olhos devagar. O que viu, o deixou sem voz.

- Archilbad? Archilbad? Está tudo bem? – Era a voz abafada da Dra. Katlyn, demostrando certa ansiedade.

Ele voltou e respondeu. – Sim! Venham aqui rapidamente!

Lá encima os dois se olharam e com certa hesitação começaram a descer as escadas. Katlyn estava usando vestido e salto alto o que obrigou Ian a ir à frente e estender-lhe o braço para que não caísse.

Assim que chegaram viram Archilbad com a expressão mais atônita que podia se ver num ser humano.

- O que foi Archilbad?

- Olhem!

Os dois se aproximaram e viram um corpo perfeitamente conservado. Mas nenhum dos dois o reconheceu de imediato. Para Katlyn aquele rosto velho não lhe era estranho.

- Q-quem é?

- Não reconhecem.

- Não me é estranho. – disse ela.

- Apresento-lhes Samuel Verber. O criador desta fábrica e das poderosas Inteligência Artificiais.

- Samuel Verber! – disseram os dois estupefatos.

- Ele não havia desaparecido em um acidente há muitos anos atrás? O seu corpo não havia sido destruído em um acidente? – disse Katlyn.

- Isto era o que todos pensavam. Ou ele queria que todos pensassem. – Disse Archilbad.

- Mas então o que isso significa?

- Conheço muito bem meus VERBERs. Quer dizer, os deles.

Ele se inclinou e começou a mexer no corpo. – Não se assustem. Não é o corpo de um ser humano normal. Vejam. Onde deveria haver orgão genitais há apenas um simulacro para disfarçar. É o VERBER mais sofisticado que já vi.

- Então Samuel Verber nada mais era do que um robô? – disse Katlyn.

- É o que parece.

- Isto levanta outra questão. Se ele sempre foi um VERBER quem o construiu? Nem os de hoje são tão sofisticados assim. E por que veio parar aqui?

- Isso é o que pretendo descobrir. Por enquanto a única coisa que posso dizer é que esta descoberta está relacionado com o tal sinal de rádio, do qual me falou.

- Creio que AFRODITE deve saber as respostas. – disse Katlyn.

- AFRODITE. – perguntou Archilbad. – Há algum registro sobre esta sala. Quando foi construída, qualquer coisa.

- Não senhor Archilbad. Esta informação só passou a constar em meus registros recentemente. Para ser mais exata, há 42 horas, vinte e sete minutos e dezesseis segundos. Uma instrução impedia que fosse acessada, até que recebesse um sinal para liberá-la.

- Por parte de quem?

- Tenha paciência senhor Archilbad. Tudo será logo explicado.

Então Katlyn desviou a atenção dele para a redoma. – E aquilo? Sabe do que se trata?

- Ainda não.

Os três se aproximaram, rodeando-a por completo. Ian foi o primeiro a tentar retirar a poeira que se acumulara no vidro. Ele esfregou o braço e logo se percebeu que o seu interior albergava um VERBER. E ao lado dele, o que restara de algum componente que pulsava numa luz bem tênue.

- O que é Ian? – perguntou Katlyn curiosa.

- Você não vai acreditar.

- O quê? Deixe-me ver.

- É ele não é, Doutora?

- Ela forçou a vista por uns instantes. – É! Parece ser ele! Como veio parar aqui?

- Do que vocês estão falando? – perguntou um Archilbad curioso.

- Ele é... - Disse ela, mas não conseguiu completar a frase.

Repentinamente todo o interior da redoma resplandeceu, como se não conseguisse conter o fluxo de energia que a inundava. Enquanto os olhares se fixavam naquele brilho, foram surpreendidos por uma voz.

- Como vai Doutora Katlyn? Estou utilizando o sistema de comunicação interna para me fazer ouvir. Fico satisfeito em poder revê-la depois de tantos séculos.

Katlyn foi a primeira a perguntar. – Você percebeu nossa presença?

- Sim. Desde que chegaram à fábrica.

- O que faz aqui... O... O corpo do Dr. Samuel Verber?

- Não se trata de um corpo, da forma como os humanos o entendem. Mas é funcional e se parece com um.

- Foi você que o construiu?

- Sim. Mas já cumpriu seu propósito.

- Propósito? Qual?

- De chegarmos às condições factuais deste momento na atual linha temporal.

- Poderia ser mais específico? – perguntou Archilbad por sua vez.

- Eu também quero respostas. – Completou Katlyn.

E seguiu-se uma série atropelada de perguntas.

- O que faz o corpo de V238 aqui? – disse ela.

- E quem é você? Outra I.A? – perguntou por sua vez Ian.

- Uma forma desconhecida de vida ou inteligência que controla AFRODITE? – perguntou também Archilbad.

- Por que disse que está satisfeito em me rever? – perguntou novamene Katlyn.

- Responderei pela ordem das perguntas e espero satisfazer a todos. – respondeu a voz. - Este corpo que todos vêem, como insistem em definí-lo, não é a estrutura original de VINCI 238 que conheceram. Foi construída por mim há muitos anos atrás. Sou o que restou do processador bio-neurônico do V238 original e que há alguns dias deixou este Universo, a bordo da ARES. Sou o último recipiente de toda a sua memória.

E prosseguiu. - Também não sou uma forma de inteligência desconhecida e sim a essência de muitas. A última, Samuel Verber, cuja estrutura vocês já viram e cuja morte, simulei, bem como de várias outras ao longo de nossa História.

Fez-se uma pausa, e os três se olharam. - Eu construí também AFRODITE e todas as A.I. que existem atualmente. Fiz um longo percurso desde que a ARES deixou este Universo e é a primeira vez que posso contatá-la diretamente, Doutora Katlyn, depois que V087 me incumbiu de relatar o que nos aconteceu.

- É você mesmo V238? A identificação que vi no uniforme é a mesma que corresponde a este tripulante desaparecido da ARES? – perguntou uma Katlyn surpresa e ao mesmo tempo incrédula com o que estava testemunhando.

- Sim Doutora. Corresponde. E foi um percurso muito longo até este momento, como já lhe informei. Estou ciente da presença de todos faz um dia. Peço-lhe desculpas pelo comportamento de AFRODITE. Agiu assim seguindo minhas instruções com o objetivo de proteger-me e a este lugar. Ela possuí o código de indentificação criptografado de todos os VINCI e poderá confirmar minha autencidade.

Archilbad nem precisou utilizar sua autoridade na fábrica para confirmar o que a voz dizia. O pequeno controle que carregava no pulso recebeu os dados que identificavam aquela unidade VERBER como a de número 238, posta em atividade em 2063.

- E qual foi a razão do sinal de rádio? – perguntou novamente Katlyn.

- Eu instruí AFRODITE para não revelar meu paradeiro até que chegasse o momento de reativar-me através do sinal emitido por ATENA.

- Então, - perguntou Katlyn. – o que aconteceu?

- Antes de esclarecer os acontecimentos, há uma prioridade para a qual temos que nos voltar. – disse a voz.

O semblante dos três enrugou-se mais um pouco, diante do que seria mais uma revelação daquela trama inesperada. - Tenho em meu poder, - continuou ela. - um dispositivo proveniente de outro Universo que me foi entregue por um alienígena que se indentificava como Leonardo. Seu acionamento foi a razão da minha reativação. As últimas informações que coletou confirmam que uma criatura da mesma espécie de Leonardo penetrou no buraco-de-minhoca por onde passou a ARES. Neste exato momento ela está infiltrada na base da Força Aérea na ÁREA 51 e suas intenções não são nada amigáveis.

- O que está dizendo? O quê? – Cada um reagiu ao seu modo à aterradora revelação de V238.

- Pode nos dar maiores informações deste perigo?

- Perfeitamente. Mas antes devo explicar como ele se concretizou.

Apesar de poder lhe passar as informações numa das telas translúcidas, os protocolos militares ainda estavam ativos, e o VERBER antecipou o relatório que deveria fazer a um militar superior do que acontecera à nave e à tripulação depois da abertura descontrolada do túnel. A chegada a uma Terra de um outro Universo, o contato com uma forma de vida alienígena que o ajudara a retornar à versão do mundo que conhecia e seu papel no desenvolvimento do conhecimento humano. Mas havia muita coisa a ser repassada que estava devidamente guardada por AFRODITE, pois tivera setecentos anos para se preparar até quele ponto no tempo. Isto poderia esperar já que o tempo urgia e uma reação defensiva deveria ser orquestrada contra o alienígena invasor o mais breve possível.

- Antes de nos ocuparmos com este invasor, - disse Katlyn. – há uma coisa que preciso saber. Foi você o responsável pelo pico de energia que descontrolou os pulsores? E também quem inseriu instruções em ATENA para que não revelasse de onde se originara?

- Não Dra. Katlyn. O pico foi consequencia do disparo de Joshua Timberland. Quanto a não revelar este fato, fui obrigado a agir assim, mesmo antes da construção de ATENA para não impedir o lançamento da ARES.

- Como a criatura chegou ao nosso Universo? – perguntou ela. – Joshua sabia disto?

- De algum modo, - prosseguiu a voz, - cujos detalhes do processo ainda desconheço em parte, ela utilizou o túnel assim que ele se abriu para o Universo onde estava. A fenda aberta pela ARES é instável e oscila, afastando-se às vezes de seu eixo principal. Quando o faz, conecta Universos e tempos diferentes. Assim que se projetou no nosso, houve uma defasagem temporal entre sua entrada e o lançamento da nave. Como estes seres possuem a capacidade de pressentir as linhas futuras do tempo, viu-se abrindo o túnel.

Os três se olhavam atônitos diante de tantas revelações surpreendentes.

- Quanto ao papel de Joshua, posso afirmar com grande probabilidade que foi circunstancial. Parte de ASTARTE ainda não dominada informou-me que há duas horas e quinze minutos a base onde trabalha foi invadida por esta criatura. Ela induziu Joshua a pensar que a ação correta para evitar a sua passagem pela abertura do túnel, seria acelerando a passagem da própria ARES. Mas como sabemos sua ação foi exatamente o oposto. Joshua apenas voltou no tempo para criar a passagem que permitiria seu ingresso em nosso Universo.

Katlyn ficou estática e mal conseguiu balbuciar as palavras. – Então foi isso?

- Exato. Joshua foi o instrumento desta vontade. Sem o saber, usando seu transportador da área 51, moveu-se pelo tempo, para apressar o lançamento da ARES.

- Ela pode influenciar a mente das pessoas?

- Não desta forma doutora. Ela foi conhecida em outro Universo pelo nome de Trindade. Como já afirmei, esta forma de vida consegue sentir o fluxo das linhas temporais e utiliza este recurso em proveito de seus interesses.

- Então foi ela que causou os eventos que levaram ao desaparecimento da ARES?

- Sim. De certa forma fui responsável também para que os eventos não fossem alterados. Se assim não fosse não estaria aqui para alertá-la como já ressaltei. Mas a partir de agora nossos destinos tomaram rumo diferente.

Foi neste momento que o comunicador audiovisual translúcido preso ao punho de Katlyn foi acionado. Normalmente, quando alguém de alto escalão entrava em contato, as insígnias da República eram projetadas como indicativo de um contato oficial.

Assim que ela concluiu a conexão a icônica imagem do Presidente firmou-se na pequena tela.

- Dr. Katlyn? Como vai?

- Bem, senhor Presidente. Em que posso lhe ser útil?

- Bem doutora, parece-me que o General Coyle está com problemas. – disse ele. Há duas horas atrás um dos assistentes de Joshua pediu para que fosse avisada. Sabe de que problema se trata? Ele pede sua presença. Na verdade exige.

- Problema, senhor Presidente? Que problema?

- Bem, até onde a senhora me informou extra-oficialmente e pelo relatório do General Coyle parece haver algum tipo de conexão entre o que ocorreu com a ARES e o projeto do Dr. Joshua. Há algum fato novo que possa acrescentar?

- Sim senhor Presidente. Há sim. Eu farei um breve resumo.

Então Katlyn relatou rapidamente todo o esforço que fizera para descobrir o paradeiro da nave e seus tripulantes e todas as explicações que V238 lhe repassara há pouco sobre Joshua, o buraco-de-minhoca e a entidade conhecida como Trindade.

Depois de seu relato, o Presidente pediu que aguardasse e após confabular com seus acessores e o Secretário da Defesa, a instruiu para rumar para a aérea 51, onde as informações do VERBER poderiam ser melhores aproveitadas pelo General Coyle.

Ela passou a mão pelo cabelo, procurando prendê-lo atrás da orelha, demonstrando nervosismo com o convite inesperado. – Sim senhor Presidente. Estou a caminho.

Archilbad e Ian olharam para ela com ar de interrogação.

- Senhores. Alguma coisa está acontecendo na área 51. O presidente pediu-me que compareça à base imediatamente.

Ela aproximou-se da redoma. – V238, pode nos ajudar? Há alguma coisa que possamos fazer para detê-la?

- É uma situação inusitada para a humanidade. Esta entidade pode enveredar por diversas linhas temporais, onde podemos estar presentes ou não. Isto a ajuda a se antecipar. Precisamos elaborar um plano para surpreendê-la. Leonardo, antes de nos separarmos, entregou-me um dispositivo cujo propósito era avisar-me da chegada de outro membro de sua espécie. Esta parte ela já cumpriu. Após todos estes séculos, finalmente descobri que sua função é mais do que isso. Leonardo sabia disto, mas nada disse. Conhecendo o caráter da Trindade, previra as suas ações e que eu a utilizaria no momento oportuno. Diante dos últimos acontecimentos, percebo agora que me encarregou de uma ação que só alguém fora de sua espécie seria capaz de executá-la.

V238 preparara-se para aquele momento para coroar a missão da qual fora incumbido sujeitando-se novamente a todos os protocolos da hierarquia militar.

- AFRODITE. – disse ele. – Implementar ordem A221.

No mesmo instante uma luz intensa banhou a ampla sala subterrânea, fazendo o enorme tubo descer.Do teto uma pequena parte abriu-se. O corpo ainda parado recebeu dois feixes de luz, que abriram a cabeça em fatias triangulares. Um outro feixe, mais intenso, luziu sobre a pequena redoma aberta, fazendo-o levitar até a parte aberta da cabeça. Quando se posicionou corretamente, um emaranhado de pequenos fios como tentáculos se conectaram, puxando suavemente a parte maior para o interior da cabeça aberta, que fechou em seguida. Por fim séries de anéis concêntricos de luzes percorreram todo o corpo. Em seguida uma pequena rampa, deslizou do pedestal onde se apoiava a redoma, para facilitar a descida de V.I.N.C.I. 238. Quando o processo de transferência se completou, AFRODITE manifestou-se.

- Dr. Verber, transposição completada. Unidade operacional em 100 %.

- Obrigado AFRODITE. – disse V238, testando braços e membros de novo corpo.

Ele desceu a rampa e dirigiu-se para os três parados, sem demonstrar qualquer sinal de emoção. Prático e lógico como sempre, foi direto ao ponto.

- Dr. Katlyn, estou pronto para rumar para a Área 51.

24 – O PLANO.

O pequeno Airbus N177, com 15 lugares, era o resultado de anos de experiência das empresas de construção aérea que mesclara com perfeição as características de um jato e as manobrabilidade de um helicóptero. Muito utilizado por executivos que podiam dispensar as linhas comerciais, compunham também a pequena frota da NASA para os mais diversos usos. Rapidamente tinham sido adaptadas pelas forças armadas americanas para o transporte de tropas, que podiam chegar rapidamente aos seus objetivos. Já não utilizava combusível tradicional, mas sim baterias elétricas de última geração que haviam superado as dificuldades de seu armazenamento.

O aparelho que mais parecia uma enorme mariposa quando estendia suas asas e suportes retráteis para alçar vôo, rumava naquele momento para a área restrita da Força Aérea, mais conhecida por Área 51, enquanto abaixo a paisagem desfilava diante dos enormes olhos azuis de Katlyn. Enquanto observava da janela a paisagem, sua mente procurava se concentrar na enorme tarefa que se avizinhava. Pela primeira vez na história da raça humana a Terra teria de combater uma entidade alienígena. Não seria nada fácil. Primeiro, por esta dispor de recursos tecnológicos mais avançados. Segundo, pelo local onde a batalha ia se travar. Ela, como tantos outros civis, pouco sabia a respeito do que acontecia no interior daquela base secreta, a não ser os boatos que volta e meia os teóricos de conspirações divulgavam mais para ganhar notoriedade, do que para esclarecer alguma coisa ao público.

O General Coyle, encarregado da base, fora bastante lacônico, como era comum entre os militares quando se tratava de informar civis. E nada fora acrescentado ao pouco que sabia sobre o dispositivo de Joshua Timberland, apesar da permissão de acesso ao material altamente confidencial.

A narrativa de V238 sobre este aparelho, ao menos lhe permitira esclarecer o estranho aparecimento de seu responsável no Centro de Lançamento da NASA e a perplexidade de encontrá-lo vivo mais tarde, enquanto seu corpo jazia no necrotério do FBI. Estas novas informações preenchiam as partes faltantes que elucidavam o desaparecimento da ARES e corroboravam as hipóteses dos especialistas de ter sido remetida no tempo para o passado da Terra. Mas nem estes imaginavam que além de ter reaparecido em outra época, projetara-se numa das infinitas Terras do até então teórico Multiverso dos Cosmologistas, conforme o buraco de minhoca criado pelos pulsores, rotacionava, oscilando em torno de seu eixo. Os únicos pontos ainda por esclarecer residiam nos acontecimentos subsequentes a bordo da ARES, depois que V238 fora catapultado por V087. Mas agora se podia dizer que muito do que fora especulado pela comissão de trabalho montado pela Dra. Katlyn, baseado em frágeis índicios, apontava firmemente para a destruição da nave em pleno espaço. Conforme V238 relatara, já na doca espacial, o campo de contenção do reator de antimatéria começara a falhar e isto reforçava a ideia de que V087 tentara conduzir a nave para o mais longe possível da Terra, com a intenção de livrá-la dos efeitos da explosão. Jamais imaginara, porém, que a pequena tela proveniente do século XV era uma prova da sobrevivência de V238. E este pequeno indício levantava uma profunda reflexão filosófica da sua parte: tal produto oriundo da Renascença, já estava incluindo na trama do próprio tempo ou era o resultado de uma intervenção proveniente do futuro, que automaticamente se tornara parte?

Após ouvir a voz de V238, naquela parte esquecida da fábrica, Katlyn mal tivera tempo de se preparar psicologicamente para se reencontrar com o que restara do original, que tecnicamente ainda estava no quadro ativo da Força Aérea.

Ela ouviu o resumo da odisséia do VERBER sem emitir qualquer juizo a respeito. Na verdade, sua atenção fora desviada pelo que estava acontecendo no seu mundo naquele momento. Mesmo com todo o esquema de defesa, envolvendo os mais sofisticados meios que os militares podiam dispor no século XXI, talvez não houvesse recurso suficiente para deter a criatura alienígena, com a qual V238 lutara uma vez, mas não sem ajuda. Como ele sozinho poderia fazê-lo agora? Tanto o Presidente como o general Coyle poderiam estar enganados acreditando que um ressuscitado V238 poderia reverter a desesperada situação da base.

Logo ela viu pelas amplas janelas do transporte a imagem dos jatos de interceptação de última geração pilotados por VERBERs militares, posicionando-se a cada lado do seu transporte. A escolta os acompanharia até a área de pouso ainda em poder das tropas terrestres.

Para Katlyn, aquela situação transcedera a sua missão original de descobrir o que acontecera a ARES que deixara agora de ser uma prioridade. O caminho que trilhava agora, de certa forma era o caminho para encontrar um meio de salvar a humanidade das mãos de uma criatura impiedosa.

Numa sequência perfeita, os propulsores, que até então haviam propelido a nave pelo ar, foram desligados e ativados os pequenos jatos de aterrissagem, situados em sua barriga. Concomitantemente as asas se retrairam e grandes suportes, como garras de uma ave de rapina, projetaram-se da fuselagem para sustentá-la na aérea de pouso.

Pelas janelas, Katlyn pode perceber a agitação reinante na grande na base, onde punha os pés pela primeria vez na vida. Via-se militares correndo para lá e para cá, num frenesi sem fim, em meio ao movimento de uma infinidade de veículos, os mais diversos, alguns aéreos, que se preparavam para entrar em combate. Apesar do intenso movimento, não conseguia ver dali qualquer ameaça imediata.

Os jatos de escolta tomaram impulso e rumaram numa direção contrária ao do pouso. Assim que a pequena escada automaticamente projetada da fuselagem fixou os degraus sobre dois pequenos suportes, os quatro saíram. Podia-se ver ao longe um domo constituído por uma substância leitosa, que a julgar pela distância deveria ser enorme. Podia-se também ouvir o barulho abafado das explosões que ao tocá-lo emitiam um som agudo, como de uma pedra resvalando por uma superfície sólida. Aparentemente o canhoneio não estava obtendo qualquer sucesso em destruí-lo.

Um pequeno veículo aéreo logo se desenhou no ar tomando forma assim que se aproximou. Em poucos segundos pousou ao lado do transporte, demonstrando possuir alguns assentos vagos. Apenas um VERBER auxiliar o pilotava e ele nada disse, aguardando que todos subissem.

Ela tinha conseguido, logo após a conversa com o Presidente, uma autorização expressa do Secretário da Defesa para que Archilbald e Ian os acompanhassem, além do próprio V238. Na verdade o que restara da estrutura original do VERBER, já que séculos de uso haviam desgastado todo o restante.

Eles seriam rapidamente levados ao comandante da base, o general Coyle. Katlyn aconselhara o General ainda dentro do avião, a não gastar muita munição, já que a Trindade só poderia ser contida por potentes emissões de raios gama. A Força Aérea não dispunha de armas que disparassem estes feixes de alta energia, mesmo porque o seu uso era potencialmente perigoso para os operadores. Sem este meio para detê-la, conseguira apoderar-se de uma grande fatia do complexo subterrâneo e superficial.

Os VERBERs, apesar de tentarem impedir a expansão do campo de força inimigo, estavam em desvantagem diante de um ser que dispunha não só de uma visão do futuro, podendo se antecipar às suas ações, como também, de recursos desconhecidos pela ciência humana, como era o caso dos globos que os atacavam incessantemente.

Os responsáveis pela Área 51, ao longo de décadas haviam tomado medidas para manter seus segredos longe do público e longe do interesse das potências rivais. Apesar de simples instalações poderem ser vistas por satélites ou quaisquer outros meios, sondas que prescrutassem o subsolo não conseguiriam descobrir muita coisa já que ligas especiais abaixo da superfície defletiam todos os tipos de ondas conhecidas.

Para Katlyn a ocasião era inusitada. Por questões de segurança nacional, grande parte das instalações eram costumeiramente vedadas a civis, mesmo aos que lá trabalhavam. Esta exceção ao grupo fora ditada pelas condições do momento. Apenas V238, que teoricamente ainda estava incluído na Força Aérea e submetido a juramento militar, podia em tese circular sem certa restrição. Independente de condições um VERBER jamais revelava seus segredos. Destruía-se antes.

O veículo aéreo com o silencioso piloto pousou no interior de um hangar, onde se guardava todo tipo de naves, a maioria convencional como Katlyn pode observar. Nada havia ali que fizesse juz aos boatos que tanto ouvira. Mas a partir dali, seria apenas o que veriam e poderiam se recordar. Militares humanos os aguardavam e o informaram que os três teriam que se submeter a um pequeno dispositivo que confundia os sentidos, dificultando aos que os colocavam, lembrar-se por onde haviam caminhado ou de sons que pudessem mais tarde ajudá-los a recordar do trajeto percorrido.

Assim que lhes foi colocado o aparelho, não sem certa resistência, VERBERs destacados para recepcioná-los ocuparam os assentos de um veículo terrestre comprido, que conduziria os quatros para os subterrâneos da base. Com os sentidos parcialmente alterados não perceberam quando um trecho do assoalho do hangar deslizou lateralmente, relevando uma plataforma que dava acesso às partes inferiores. Com o veículo preso por fortes travas, os três foram acomodados nas poltronas restantes. Assim que o fizeram, a plataforma revelou-se parte de um enorme elevador. Este começou a descer, enquanto acima o assoalho voltava à posição inicial, escondendo a abertura. O elevador passou por muitos andares, cada um dos quais monstrando intensa atividade militar.

A construção da base nunca cessara. Túneis e mais túneis eram construídos sem parar, numa enorme circunferencia embaixo da terra. Em muitos trechos o governo americano testava novas armas, novos veículos e novos protótipos de VERBERs, que se fossem bem sucedidos, seriam produzidos aos milhares.

Toda a instalação era como um imenso prédio invertido, que se extendia para baixo, até cinco quilômetros de profundidade. Milhares de salas, níveis de autoridade, instalações para o pessoal, formavam um imenso labirinto. Inclusive os locais onde eram guardadas as naves que tinham feito pouso forçado na Terra. E seus misteriosos ocupantes, preservados em tubos criogênicos. Sempre escondidos dos olhares do público, sempre negados pelo governo, mas inquestionavelmente alienígenas.

Desde a decáda de cinquenta do século vinte, engenheiros e técnicos de diversas áereas haviam decifrado muito da tecnologia daquelas naves e aplicadas às necessidades militares terrestres. Mas ainda havia muito para se descobrir, principalmente a forma como aquelas naves viajavam pelo Universo. O próprio projeto ARES, sem que Katlyn soubesse, derivava de uma engenharia reversa praticada em suas naves discoidais. Mesmo o projeto do Dr. Joshua nada mais era do que o resultado de quase um século de investigação usando o método de tentativa e erro. Talvez, em mãos conhecedoras, fosse um possível meio para os pequenos alienígenas singrar entre as estrelas e talvez até outras galáxias. E fora este dispositivo pouco conhecido em suas potencialidades que permitira a entrada de mais um alienígena, não deste Universo, mas de um outro desconhecido, naquela secreta instalação da Terra.

Assim que o elevador chegou no trigésimo andar, as portas de segurança deslizaram lateralmente e eles foram transferidos e acomodados em outro veículo idêntico, guiado por outros militares armados. Este logo penetrou num longo túnel, na direção do Centro de Comando da base. O ponto nelvrágico por assim dizer, que ainda não havia caído sob o domínio do campo de força que lenta, mas inexoravelmente, não parava de se expandir. Nenhum dos presentes atrevia-se a fazer uma previsão animadora do quadro. Era quase certo que nas próximas horas aquela sala cairia, e com ela a base. Mas se este era o destino que os aguardava, não fugiriam a ele sem lutar. Por conselho de V238, ao longo dos túneis principais que davam acesso ao Centro, haviam sido postadas várias barreiras, armadas com as poucas armas experimentais de raios gama que poderiam inflingir algum dano ou à criatura ou aos seus globos atacantes. Talvez fosse só isso que estivesse protelando a conquisa do Centro e por consequência, a base toda.

Assim que chegaram, os militares os desceram e os dispositivos de confusão mental foram desligados. Rapidamente foram conduzidos pela sala, onde oficiais entravam e saíam, para cumprir ou receber ordens, enquanto o General Coyle e um grupo de militares de alta patente monitoravam a delicada situação da base através de grandes painéis translúcidos.

Em meio à tensa situação, V238 foi o primeiro a manifestar-se. Como mandava o protocolo ele se aproximou, perfilou-se em sentido, fazendo a habitual continência.

- VINCI 238 se apresentado senhor. Pronto para conectar-se e passar informação coletada da missão ARES.

O General Coyle retribuiu a continência e ficou parado olhando pensativamente para ele por alguns segundos.

- É dificíl acreditar que seja você mesmo 238. Por hora, fique à vontade filho. A NASA pode esperar. Conforme o que o Presidente me adiantou, estou mais interessado nas informações que possa nos dar e a experiência que possui de combate contra esta criatura.

Antes que ele o fizesse a Dra. Katlyn, que ainda se recuperava dos efeitos do dispositivo a que tinha sido submetida, adiantou-se. – General...General Coyle. Sei que não é a hora certa de se falar sobre isto, mas o projeto ARES é a razão do que está acontecendo aqui. Quando comecei a minha investigação, jamais imaginei que os fatos me carregariam para tão longe do ponto onde comecei. A própria descoberta de que V238 sobreviveu ao acidente, demonstra como os acontecimentos estão conectados.

- Estou a par Doutora. Ainda não há um relatório feito por V238, mas pelo pouco que me foi adiantado, o que ocorreu com ele supera qualquer coisa que possamos imaginar. Mas estou com um problema aqui e ele é minha única esperança para reverter o quadro. Quando passar, se é que passará, ai então nos concetraremos na ARES.

- Senhor. Como está a situação? – perguntou V238.

Ele fez um movimento com as mãos, apontando para uma imagem tridimensional suspensa e à vista de todos os oficiais presentes. Ela indicava claramente como estava se processando a batalha contra a Trindade. – ASTARTE, projetar quadro tático. – pediu o General Coyle.

Uma planta detalhada da base apareceu, monstrando várias partes em vermelho, indicando as áreas sobre o domínio do alienígena e seus estranhos globos. Em verde as áreas ainda sob controle terrestre que não cessava de reduzir-se e a posição das várias unidades de VERBERs e humanos que tentavam retomá-las sem muito sucesso.

- Espero que possa reverter esta situação, V238. Meus homens estão dispostos a combatê-la. Mas por mais que a ataquemos, não conseguimos desalojá-la.

- Como está se processando o domínio destas áreas em vermelho, General? – perguntou Ian apontando para a imagem.

- Vou lhes mostrar através das câmeras de alta definição.

De imediato várias imagens holográficas substituíram a da base, mostrando diversos setores abaixo e acima da superfície por onde um campo de força leitoso ia se alastrando pouco a pouco, isolando-as das restantes. Era evidente que a Trindade pretendia apossar-se primeiro de toda a base, que por suas inusitadas características, seria um excelente apoio para alastrar o seu domínio sobre toda a Terra.

Do campo de força saíam pequenos globos, que à maneira de soldados, disparavam contra as tropas, afastando-as e às vezes atingindo mortalmente homens e VERBER, à medida que o campo se distendia.

Os globos só eram destruídos quando potentes feixes de raios gama os atingiam, em múltiplos disparos coordenados. Tais armas ainda eram escassas e pela periculosidade só podiam ser manejadas por VERBERs, o que deixava as demais tropas com dispositivos tradicionais. Assim os poucos globos derrubados eram logo substituídos por outros.

- Alguém já se perguntou de onde vem toda esta energia que mantém o campo General?- perguntou Ian.

- Sim.A fonte está acima da Terra. Os poucos satélites que sobraram indicam que a nave produz energia derivada da antimatéria. Mas não pudemos abatê-la porque está rodeada pelo mesmo campo de força.

- Perdoe-me General, - disse V238. – Sei que é altamente confidencial, mas fui informado através da última atualização, de um ataque efetuado com as “Águias”.

O General olhou para os civis e sentiu-se desconfortável. – Bem V238, agora não é mais confidêncial. Mas não importa, as naves não se revelaram à altura da tarefa.

A Doutora, Ian e Archilbad trocaram olhares sem entender do que se tratava.

- Bem já que estão aqui, pelo menos isto devem saber. – Disse o General.

- As “Águias” são naves protótipos para uso no espaço. O tratado de desmilitarização proíbe o seu uso, mas nem por isso deixamos de desenvolvê-las.

Em seguida ele fez um movimento com a mão direita sobre a tela translúcida e a imagem de uma nave, um misto de jato e foguete para quatro tripulantes apareceu, mostrando apenas o essencial.

- Estas armas eram um trunfo. São as primeiras para combate no espaço. Ordenei, devido às circunstâncias, um ataque à nave acima da base, com cinco delas, pois temos poucas deste tipo. Nenhuma voltou. O campo é impenetrável.

A Dra. Katlyn nada disse, pois conhecia bem demais a mente dos militares, sempre envolvidos em segurança e sempre à procura da arma final. Mesmo que quisesse protestar sobre a violação do tratado, não mudaria a situação que enfrentavam. Assim ela pediu que voltassem às imagens dos setores que exibiam o campo expansivo e examinou-as com calma. Depois apontou para os globos que revolteavam e disparavam contra os soldados. – General, se conseguirmos descobrir como os globos conseguem atravessar o campo e nós não, talvez descubramos o processo de como o fazem. Ele tem um ponto de origem? Um foco?

- Pelo mapa tático parece se irradiar de um ponto que se desloca lentamente.

O General fez um sinal com a cabeça a um dos oficiais.

Este prontamente atendeu. - ASTARTE. – Disse ele. - Sondagem de amplo espectro nos setores A, B, C, D, E e F. Números de 100 a 500, em ordem combinada. Apontar para centro do campo.

Partes da I.A. já não estavam operacionais e o resultado demorou um pouco a aparecer na tela tática. Mas o cruzamento dos dados era inequívoco. O campo tinha sim um foco e este só poderia ser a Trindade.

- Relatório ASTARTE. – ordenou o General.

- Sondagens no espectro eletromagnético indicam com 98,6 % de certeza que o foco do campo é móvel e alimentado por fluxo constante de energia.

- Natureza do campo, ASTARTE. – perguntou a Doutora Katlyn.

- Informação negativa. Pessoa não autorizada.

- ASTARTE, implementar condição 01-W2-02.

- Perfeitamente General. Constitui-se num campo de átomos condensados semelhante ao de Bose-Einstein. Parâmetro da temperatura foge aos padrões esperados.

Katlyn sabia que o condensado era uma manifestação da matéria pouco conhecida mesmo pela ciência do século XXI. E a forma como a Trindade a retirava da temperatura ambiente era um profundo mistério. Seria necessário um grupo de físicos para descobrir como era obtido e suas eventuais fraquezas, do mesmo modo que procedera para descobrir as causas do desaparecimento da ARES, mesmo utilizando uma I.A. Mas do jeito como o General Coyle descrevera a situação, não tinham tempo para se dar a esse luxo.

- Natureza dos globos, ASTARTE. – Prosseguiu Katlyn.

- O mais próximo que os sensores conseguem identificar indicam ser uma forma exótica de plasma solidificado. Eventuais concentrações de pressão externa conseguem romper sua constituição. Simulações demonstram possuir superfície regenerativa.

- Possuem alguma conexão alimentar de energia?

- Sim. Mas receptores de alimentação energética ainda não identificados.

- Então não são autônomos? – Continuou Katlyn.

- Afirmativo. – Respondeu ASTARTE educamente, porém sem qualquer sinal de emoção como era habitual, apesar da dificil situação em que se encontravam.

A informação passada por ASTARTE confirmava as suspeitas de Katlyn de que aquelas formas esféricas só poderiam se manter por uma fonte externa de energia, que se fosse interrompida poderia ajudá-los a derrotá-las. Mas nem ela imaginava como poderia fazer isso sem primeiro eliminar a fonte que as alimentava.

Ela olhou para o General, desanimada.

- A senhora percebe com que tipo de criatura estamos lidando? Além destas questões que levantou, ela ainda possuiu outros recursos, como antecipar nossos movimentos. Eu também estou ficando sem opções. – disse o General, devolvendo-lhe o desãnimo.

- Creio que deve existir um limite para as suas previsões. General. – disse V238. – E poderemos usar isso em nosso favor.

Ele caminhou até o projetor e tocou na tênue imagem. – Ocorreu-me que poderemos usar o dispositivo de Joshua para distraí-la. Apesar de estar na fase inicial de testes, sei que corresponderá ao que pretendo. A probabilidade de enviar estruturas maiores como os VERBERs fora de sincronia temporal é de 79,8%. Creio que é o suficiente para confundí-la.

O general Coyle pensou por um instante e diante das circunstancias, apenas balançou a cabeça. – É uma boa proposta V238. Mas como deve saber, o aparelho de Joshua se encontra na área dominada. E tenho sérias dúvidas de que esteja funcionando a contento. O pouco que soube pelo Dr. Vincent, me deixa temeroso quanto ao sucesso do que planeja. É o módulo 25 está inoperante. Mas não vejo outro modo.

Todos se olharam por um instante, revelando a fragilidade do plano. Mas V238 via as coisas de forma diferente. Ele também tinha um trunfo que Leonardo depositara em suas mãos no longiquo século XV. Por enquanto o manteria em segredo.

- Se o General aceitar minhas sugestões, o plano consiste na seguinte linha de ação.

- Prossiga V238. É melhor do que já fizemos.

- Sabemos que a criatura procura se antecipar aos nossos movimentos. Precisamos primeiro cortar sua fonte de energia de forma que não se aperceba desta nossa intenção. Como?

- Prossiga.

- Os sensores indicam que a nave possui um campo parecido a um condensado de Bose-Einstein. Tal arranjo atômico apesar de incomum continua sendo uma manifestação da matéria fermiônica. Vamos saturá-lo com um maçico ataque de misseis e raios laser. Isto funcionará como diversão. Minha estimativa é de 78,3% de que numa das linhas alternativas do tempo verá o seu colapso, mas não o que o causou, e o expandirá numa reação automática de defesa. Precisará de um novo aporte de energia. Este incremento energético, segundo meus cálculos, fará o campo se expandir e flutuar em alguns pontos, do mesmo modo como a matéria se adelgaça quando distendida. Um dos mísseis da série GV10, o Eagle X-100, possui um sensor de leitura de longo espectro. Podemos adaptá-lo para ler a flutuação do campo que automaticamente o direcionará para esta parte do alvo. Assim que o penetrar, sua ogiva contendo uma pequena carga de antimatéria será liberada. O contato com o condensado provocará uma reação em cadeia, espalhando-se pelo campo não só o destruindo, como a nave também. Com isto os setores dominados poderão ser retomados. Os dados indicam com uma margem de erro de 4.7 % que os globos são alimentados pela mesma fonte oriunda da nave. Sem energia, ficarão enfraquecidos.

O general Coyle, bem como todo o grupo de oficiais, trocaram olhares de concordância com a ousadia do plano. V238, como máquina pensante autônoma, superara todas as expectativas. Era mais uma prova de ser um VERBER mais do que especial. E a idéia, diante das adversidades que estavam enfrentando, tinha boa chance de dar certo. Mas havia um detalhe que ainda não fora abordado diretamente.

- Mesmo assim V238, a criatura ainda não será eliminada. Pretende fazer isso utilizando o aparelho do Dr.Joshua?

- Exato General. Por isso, quando o campo cair, devemos avançar em todo perímetro para confundí-la, capturando nessa ação a sala com o dispositivo de Joshua, dando início à segunda fase do plano.

- Continue V238.

- Ela sabe da importância do dispositivo e rumará na sua direção. A idéia, como já disse, é utilizá-lo para saltos múltiplos no tempo antes que chegue, para confundi-la. Disporemos de uma margem bem pequena de saltos no tempo para que fique assim, já que seus recursos são imensos. Só disporemos deste breve intervalo para derrotá-la.

- Mas ainda não me disse como o fará, 238.

- Deixe que cuidarei disso General. Sei o que devo fazer para derrotá-la.

- E quando isso acontecer de que forma poderemos ajudá-lo?

- Vou precisar dos melhores VERBERs que puder ceder General. Calculo a necessidade de trinta unidades. Eu lhes darei as instruções assim que chegarmos ao aparelho de Joshua antes de transportá-los pelo tempo. Depois saberei como lidar com ela.

- Mas há realmente alguma chance da criatura se antecipar a este plano V238? – perguntou o General Coyle, respondendo a expectativa dos oficiais e até mesmo da Dra. Katlyn, Ian e Archilbad.

- Não General. Como disse à Dra. Katlyn, apesar de imensos, seus recursos não são infinitos. Há limites. O ataque em tempos diferentes irá confundí-la, pois ficará em dúvida sobre qual deles a ameçará seriamente. A chance de que isto ocorra é de 89.7 % de certeza General. É deste hiato que necessito para poder me aproximar e derrotá-la.

- Repito V238. Ainda não me explicou como fará isso.

- Confie em mim General. Sou o único VERBER que dispõe de conhecimento sobre a criatura. Saberei o que fazer.

- Isto poderá pô-lo em risco V238. – retorquiu o General.- Você é o único trunfo de que disponho para derrotá-la. Se algo acontecer não posso me dar ao luxo de perdê-lo.

- Estou ciente disso, General. Mas não temos alternativas. Não há um plano alternativo. E enquanto conversamos a criatura está cada vez mais próxima de seu objetivo.

O General Coyle mesmo a contragosto tinha de admitir que V238 estava certo e não lhe restavam muitas opções.

- General, - disse Ian, - eu tenho uma outra idéia.

- Diga filho.

- Bem General. Pelo que fui informado até agora, poderemos utilizar a máquina de Joshua como uma espécie de transporte temporal, destruindo a nave da criatura assim que saísse do buraco de minhoca.

- Negativo. - Afirmou V238. - Sem a presença da criatura, Joshua não utilizará o aparelho. Temos que enfrentá-la neste nível temporal, para evitar estes paradoxos.

E prosseguiu. – General. Necessito que ASTARTE utilize o que conseguiu salvar do módulo 25, para programar o dispositivo e enviar-me duas horas após a partida de Joshua. Pouco antes de começar o domínio da criatura nos níveis inferiores.

- Não há mesmo o risco de se encontrar com Joshua e impedir seu ato? – perguntou Katlyn apreensiva.

- Não Doutora. Devemos cruzar os dados registrados para saber o momento exato em que ela partiu e eu devo chegar, assim como os VERBERs que me acompanharão.

- Mas como pretende enfrentar a criatura, sabendo dos recursos que dispõe? Qual a certeza de sucesso? – perguntou mais uma vez Katlyn. – Por que não nos diz?

- A única chance, conforme meu cálculo, contiua em 89,7%, Doutora. É so o que posso adiantar.

Depois ele virou-se na direção do oficial comandante. - General, assim que fui despertado, acessei ASTARTE e fiz uma atualização. Sei que dispomos de vários protótipos. Um deles é um pequeno míssil terra-terra, o modelo Virgo. É o único que dispõe de um campo eletromagnético que restringe o raio de ação da antimatéria, evitando efeitos colaterais. Pretendo usá-lo com a sua concordância.

- É assim que pretende destruí-la? Você sabe que ela ainda está em teste V238. Não é 100 % confiável.

- Corrigindo General. Pelos dados que absorvi, estimo em 77.9 % sua eficiência. Cumprirei a missão.

- Então vamos ao trabalho. – disse o General Coyle.

Enquanto as tropas faziam o que podiam para retardar o avanço do campo e o ataque dos globos, preparativos frenéticos foram feitos para dar início ao ataque por misseis e torpedos lasers, a última arma do arsenal da força aérea. Os ataques deveriam se suceder em vagas sucessivas de forma que o aumento do campo de força ocorresse conforme o planejado permitindo a passagem despercebida do míssel adaptado. Só após a confirmação da penetração, o dispositivo seria acionado. Além disso, seria o único a dispor de uma teia de invisibilidade, de forma a não despertar a atenção, enquanto se sucedessem as explosões no campo de força.

Enquanto o míssil era preparado, Ian, Archibald e sua equipe, juntamente com os técnicos da força aérea, utilizaram todas as informações que puderam obter dos bancos de dados do módulo 25-ASTARTE sobre o dispositivo de Joshua. Esta parte da A.I. fora auto desativada assim que caíra sob o domínio da Trindade, repassando todas as informações que abrigava ao módulo principal, 00. Era a forma que o sistema encontrara para manter-se longe de sua influência, desligando cada um dos módulos, à medida que eram invadidos.

O módulo 00 ASTARTE da sala de comando foi incumbido de planejar todos os vetores da trajetória do míssil para que não fosse abatido pelas ondas de choque dos outros lançamentos. E também todas as coordenadas espaço-temporais que seriam aplicadas no transporte diversionista dos VERBERs e de V238, que teria que impedir de uma vez por todas o nefasto destino que aguardava a Terra caso fosse totalmente dominada pela Trindade. Sinais criptografados emitidos da base para satélites ainda amigos controlariam com grande grau de precisão todo o percurso do míssil e o exato momento que atravessaria o campo de força que envolvia a nave. Era necessário que o dispositivo de antimatéria fosse disparado nas condições préviamente planejadas, já que não haveria tempo para um segundo lançamento.

Aquelas explosões observadas no espaço por naves de outros países, acima do território americano, combinado com a crescente perda de controle de seus satélites, iniciaram uma reação em cadeia nos diversos governos da Terra. Não havia mais dúvidas de que alguma coisa inusitada estava acontecendo acima da América do Norte. O Governo foi obrigado a se explicar através de contatos extra-oficiais com os dirigentes de outras nações, que estavam combatendo uma invasão alienígena e do resultado da luta dependeria o destino do mundo. Quem pudesse ajudar seria bem-vindo. Mas que essa situação por enquanto fosse escondida do público, alegando que tal atividade acima do Estado de Nevada não passava de um teste para a eventual destruição de um asteróide que rumasse na direção da Terra.

Alguns governos prontamente puseram seus arsenais à disposição do americano e com a anuência deste, passaram a dispará-los na direção da nave inimiga, enquanto outros simplesmente esperaram para ver o que aconteceria. Talvez se beneficiando de um eventual colapso americano e acomodação com uma nova força mundial.

Sob constante ataque o campo foi exigido ao máximo, obrigando a Trindade a dividir sua atenção com operações na superfície terrestre e no espaço sideral acima Área 51.

A Força Aérea disponibilizara para V238 o novo míssil secreto, Eagle X-100, que possuía um raio de ação de 12.000 km com telas que desviavam não só a luz como as ondas de rádio, tornando-o aparentemente invisível. Aliava-se a estes recursos um sistema de propulsão que não deixava rastros de calor para revelar sua posição, tanto em terra como no espaço. Em meio a tantos mísseis lançados, a intenção era fazê-lo passar despercebido pela Trindade.

V238, com a ajuda de ASTARTE simulou as diversas respostas da Trindade ao campo e elas confirmaram sua estimativa de que apenas o expandiria como defesa, acreditando ser ele mais do que suficiente para deter os ataques humanos.

O Eagle seria lançado de uma nave da nova geração de jatos Stealth estratosféricos, com o dispositivo adaptado de leitura e pequena carga de antimatéria, suficiente para causar uma reação em cadeia e destruir a nave como as simulações demonstravam. Segundo V238 a Trindade poderia lançar mão de algum recurso ainda desconhecido, mas antes teria que se adaptar a nova situação, hesitação que lhe permitiria usar o dispositivo de Joshua e retornar no tempo com o míssil protótipo Virgo.

As operações teriam que ser coordenadas com grande precisão, pois assim que o campo caísse os VERBERs deveriam participar de um ataque maciço em torno de todo o perímetro contra os globos. Ao mesmo tempo V238 e seu destacamento rumariam diretamente pra o dispositivo de Joshua.

25 – PLANO EM EXECUÇÃO.

Numa corrida contra o tempo para implementar o plano de combate, as unidades ali sediadas que lutavam contra os globos tentavam resistir o máximo que podiam, raramente derrubando alguns, enquanto lentamente cediam espaço acima e abaixo da superfície, para o campo de força que se expandia incessantemente. Veículos aéreos e VERBERs dotados de trajes com propulsores, executavam na superfície da base manobras arriscadas para dispararem mísseis ar-ar contra aqueles artefatos esféricos, saturando o ar com a fumaça das explosões incessantes. Enquanto isso um miSto de VERBERs e tropas blindadas, trazidas de outras áreas do país, organizavam uma nova linha de defesa em torno da base, com o objetivo de usá-la como uma futura frente de ataque, assim que o campo de força entrasse em colapso. A intenção era, devido a maior resistência dos seres artificiais, utilizá-los também numa onda de choque caso a expansão não se revertesse. Apesar de parecer a estratégia básica, aquelas ações nada mais eram do que uma camuflagem para ludibriar a Trindade, passando a ela a impressão de um ato desperado de defesa que não perduraria por muito tempo.

A Dra. Katlyn acompanhou os esforços de Ian e Archibald para compreender o máximo que podiam das potencialidades do protótipo de Joshua. Rápidas simulações efetuadas pelo módulo principal de ASTARTE permitiram calcular as coordenadas espaço-temporais para onde seriam enviados vários membroS de uma unidade escolhida de VERBERs, seguindo o plano traçado por V238. Na verdade as simulações haviam permitido, caso se desejasse, o envio de várias unidades antes que a sala do setor F414 caísse em poder da Trindade. Mas para evitar os possíveis paradoxos temporais, tal idéia fora logo descartada, concentrando-se apenas no envio das unidades artificiais conforme o plano original.

Dentro do apertado cronograma imposto pelas acões que deveriam ser executadas, o míssil Eagle foi preparado o mais rápido que se podia para ser levado à Base Aérea de Edwards na Califórnia, de onde seria trasportado pelo Stealth estratosférico até a altura desejada para disparo. Enquanto que, nas instalações da Área 51, ainda em poder dos humanos, armava-se com toda cautela o missíl protótipo Virgo de antimatéria.

Em coordenação com as nações amigas, foi combinado o horário para várias salvas de mísseis para acobertar o envio do Eagle. Assim que os foguetes fossem disparados contra a nave mãe da Trindade, no meio de um deles, seguiria a única esperança da humanidade para destruir o campo de força.

Durante alguns minutos, a tensão na base e em outras instalações que acompanhavam as salvas, foi aumentando de acordo com a contagem decrescente para o arremesso do míssil com uma ogiva de antimatéria. Muita coisa ainda poderia dar errado e mais uma vez, a Trindade com a particularidade que dispunha, poderia se antecipar e abortar o ousado plano de V238.

Os minutos foram transcorrendo até o momento calculado para o disparo. Quando a contagem terminou, o míssil rumou para o espaço, juntando-se às centenas que se chocariam com o campo de força da nave. A ansiedade atingiu o ápice, à medida que os sensores desenhavam sua trajetória e os módulos em suas características vozes artificiais, que em tudo lembravam as humanas, se repetiam monotonamente. – Um minuto para impacto... Cinquenta e oito segundos para impacto... Quando uma delas informou que o campo fora ultrapassado, todos prenderam a respiração e à medida que nenhuma mudança era registrada, os olhares de desalento começaram a se espalhar entre todos que haviam participado da operação.

A desesperança já começava a tomar conta dos responsáveis pela operação, quando repentinamente os sensores terrestres registraram um novo e breve Sol acima da América do Norte. Entre gritos e aplausos os módulos sem qualquer emoção transmitiram o que todos queriam ouvir. – Nave desintregada... Repetindo. Nave desintegrada. Os que podiam, juntaram-se aos operadores para se certificarem pessoalmente se de fato as imagens transmitidas confirmavam isso. E não havia mais dúvidas, pois em meio a uma pequena névoa que se dispersava, os mísseis cruzavam agora um espaço quase vazio. A Trindade revelara que tinha seus limites.

Como esperado, assim que o campo caiu, os VERBERs partiram em massa da nova linha de defesa, sem demonstrar uma direção aparente. Era o momento de V238 dar prosseguimento ao plano.

Ele e mais um grupo selecionado de companheiros rumaram para o interior da base com a missão de se apoderar do aparelho de Joshua e efetuar ataques ao longo do tempo, entre o momento após a partida de Timberland e as horas seguintes da seção sob o domínio da Trindade. Além de confundi-lá ainda mais, V238 deveria aguardar o momento certo para posicionar-se e disparar o Virgo contra ela.

Apesar da queda do campo, os globos continuavam ativos e apareceram em grande número, tornando a luta mais renhida do que se esperava, mas com a destruição da nave, a energia que alimentava seus próprios campos de força começava a dar sinais de queda, e em pouco tempo, muitos começaram a ser abatidos permitindo o avanço das tropas.

Foi neste instante que V238, utilizando um canal pouco utilizado, entrou em contato com o general Coyle.

- General? General? Está me ouvindo?

- Alto e firme V238. Como vão as coisas por aí?

- Estamos enfrentando forte resistência dos globos, mas agora estamos conseguindo abatê-los em grande número.

- Ótimo V238. Dirija o seu grupo para o setor F414, conforme o planejado.

- Sim General.

- E filho!

- Sim General?

- Boa sorte. Não preciso dizer que nosso futuro depende inteiramente de você.

- Farei o melhor que puder General. A probabilidade de sucesso aumentou com a destruição da nave mãe. Desligando.

Diante de uma missão tão crucial, nenhuma hesitação percorreu aquele arranjo complexo de circuitos que podia reagir logicamente a todas as situações. Mesmo assim podia-se dizer que para os padrões humanos e em vista de tudo que vira ao longo daqueles tantos séculos, se preparando para completar sua missão, há muito que ele deixara de ser uma simples máquina. Se assim ainda podia ser chamado, era a máquina mais humana que até então pisara a Terra.

Ele fez um sinal para o grupo selecionado de VERBERs que começaram a se mover rumo ao objetivo estipulado. Devido ao local que deveriam percorrer, não havia possibilidade de apoio aéreo e nem de blindados. Estavam todos cientes do desafio que representava a missão.

À medida que progrediam, muitas unidades foram atingidas em maior ou menor grau de danos, conforme o local onde se dava o impacto das rajadas dos globos flutuantes, ficando algumas temporariamente inativas. Mesmo com o número crescente de baixas uma boa parte do grupo conseguiu atingir o setor F414. Para a Trindade, sua progressão era apenas mais um contra-tempo provocado por aqueles persistentes humanos e suas obsoletas máquinas. Não se destacavam dentro da base mais que o movimento das outras tropas que avançavam. Ele pressentia uma ameaça latente entre as variáveis temporais, mas não conseguia discernir de qual delas viria o perigo que poderia prejudicar seus objetivos. Eram tantas as probabilidades que podia prever, que subestimara algumas acabando por perder a nave que lhe dava suporte. Com ela se fora também o campo móvel e a energia que supria suas sentinelas esféricas. Ele nunca enfrentara uma situação daquelas, apesar da capacidade tripla de analisar todas as possibilidades. Já se antecipara a várias, mas as consequencias estavam de tal modo se entrelaçando que mesmo a sua capacidade de filtragem estava atingindo um limite insuperável. Começava a tornar-se dificil em qual delas trabalhar para impedir o avanço dos humanos e eliminar a fonte principal de perigo. Além disso, logo as sentinelas precisariam de uma outra fonte de energia para continuar o combate. Sua estratégia consistira em dominar rapidamente a base e obter ali novo suprimento para seus soldados. Mas a situação não o alarmava. Sempre fora assim em outros Universos. Em muitas linhas ele se via como provável vencedor e isto o animava a persistir para dominar a base. A partir dela conquistaria um novo planeta. Um novo lar, que moldaria de acordo com seus caprichos.

Assim que V238 conseguiu penetrar na sala, parte do seu grupo continou do lado de fora, combatendo as incessantes levas de globos, enquanto o restante se dirigia para o dispositivo de Joshua. A barreira que impedia a entrada dos globos na sala foi tão cerrada que muitos dos artefatos enviados pela Trindade para expulsá-los não conseguiu vencer a resistência. Muitas esferas com o campo de força enfraquecido já não conseguiam se defender de múltiplos disparos. Logo o ar e o piso ficaram saturados com pedaços retorcidos fumegantes.

Como planejado, um grupo foi enviado pelo dispositivo às coordenadas pré-estabelecidas, com o objetivo de confundir a criatura. No entato a experiência acumulada de eons da Trindade dava-lhe muita vantagem em quase todas as situações, e as linhas de ameaças potenciais começaram a confluir na figura de um VERBER em especial: V238. A mesma máquina obsoleta que atrapalhara seus planos quando X’Zaar o encontrara. Ela parecia trazer um perigo mais imediato. Eliminaria aquele aborrecimento pessoalmente, vingando-se dela como era seu propósito original. Gastaria apenas um pequeno nada do seu tempo precioso para esmagá-la. Mas seria uma coisa que lhe daria bastante satisfação antes de derrotar definitavamente os humanos.

Utilizando seu sistema de informação, fez uma rápida triagem dos inúmeros grupos que avançavam dentro da base. Aparentemente não havia qualquer objetivo que procurassem alcançar o que lhe dava a falsa ideia da patética investida daquelas formas de vida, que nem ao menos tinham condições de coordenar uma ação. Mas o perigo continuava a se mostrar e não havia dúvidas de que aquele primitivo transporte pelo qual o humano se deslocara contribuia cada vez mais para seu aumento.

Transladando-se rapidamente pelos setores dominados, a Trindade dirigiu-se na direção do setor F414, derrubando todos os VERBERs ou humanos que ousassem lhe opor qualquer resistência. Se todos os homens mecânicos fossem tão fracos como os que derrubava pelo caminho, eliminar V238 seria apenas uma breve interrupção na glória que o esperava. Nem valeria como desafio e não conseguia entender porque ele representava perigo.

Enquanto a Trindade se movia, um enxame de globos a precedia, eliminando ou tentando eliminar qualquer grupo armado de oposição. Quando chegaram ao setor onde estava V238, atacaram como suicidas a linha de defesa formada em volta da porta da sala, obrigando os VERBERs lentamente a retirarem-se. Mas não sem muita luta. Rajadas cortavam o ar, numa troca constante entre as duas forças, atingindo indiscriminidamente os combatentes e as instalações num caos total.

Aquele incremento nas ações da Trindade, só poderia significar que se aproximava. Ciente de que o plano não poderia falhar, V238 acelerou o envio dos VERBERs pelo transportador de Joshua, reforçando as instruções de como deveriam usar o dispositivo que copiara de Leonardo, assim que atingissem às coordenadas pré estabelecidas.

Enquanto os globos iam sucumbindo aos disparos, mas mesmo assim afastando-o do grupo principal, ocorreu o que ele deduzira com alto percentual. Uma figura, bem maior que um humano mediano despontou na porta deixando-os frente a frente. Sua silhueta era inconfundível e o acesso aos registros da sua memória, confirmaram que era a mesma criatura que conhecera numa Terra paralela. Uma, dos infinitos Universos que existiam.

Aquela massa escura que seus sensores conseguiam detectar em vários comprimentos de ondas, parte da qual se perdia em dimensões desconhecidas, revelou pela primeira vez que aquela aparência que infundia terror aos humanos, nada mais era que um segmento funcional parecido ao de Leonardo que lhe permitia interagir neste Universo. Ao contrário da criatura afável que conhecera, este, no entanto, ao invés de adotar uma aparência humana para suavizar sua presença procurara seguir, dentro do possível, seu formato verdadeiro. Seus três pontos vermelhos davam-lhe um aspecto por demais diabólico por falta de uma comparação maior com qualquer outra coisa vivente.

Quando sentiu sua presença a massa disforme como que movida por puro ódio deslocou-se lentamente na sua direção, como se sorvesse cada momento daquela instante. Acima, como leais sentinelas, vários globos flutuavam aguardando suas ordens.

- Homem mecânico, prepare-se para sua destruição. – disse uma das vozes.

- X´Zaar não está aqui para ajudá-lo. – disse outra.

- Desta vez, não irei só desativá-lo. Guardarei seus pedaços como um trófeu. – completaram as três vozes.

V238 não era um VERBER comum e antecipando-e ao disparo de um dos globos, deu um salto agarrando outra esfera. Assim que o fez direcionou seu jato mortal para o outro que tentara atingí-lo, derrubando-o. Mesmo querendo se desvencilhar da carona indesejada, o outro globo não conseguiu impedir que seus jatos atingissem seu mestre várias vezes. Este, repentinamente estendeu um tentáculo de pura energia que agarrou os dois, jogando-os contra a parede da sala.

V238 sabia que naquele combate, a chance de vencer era de meros 11.7 %. Por isso tinha que esperar que os acontecimentos corressem de acordo com o percentual que calculara. Precisava apenas de um pouco de tempo para posicionar-se corretamente. Trouxera para a sala vários lançadores, de forma que nenhum deles chamasse a atenção, até poder utilizar o Virgo no momento certo. A criatura podia antecipar seus movimentos linearmente, mas não em curvas temporais.

Até então ele desconhecia esta propriedade da Trindade de criar tantos apêndices e não pudera acrescentar mais este fator aos em seus planos. Teria que se adaptar.

Daquela massa difusa que constituía seu corpo, materializou-se um outro tentáculo, que o agarrou bruscamente, arremessando-o novamente contra uma das mesas que se espalhavam pela ampla sala.

V238 por mais que tentasse evitar o impacto, calculou que sofrera uma pressão sobre sua estrutura tão intensa que não poderia ser mantida naquele ritmo. Sob efeito daquela força descomunal, chocou-se contra um dos móveis, destruindo tudo que havia em cima. Dezenas de pedaços se juntaram à sua queda no piso. Dez metros o separavam dos lançadores.

Alguns globos rumaram na sua direção dispostos a atáca-lo, mas a fúria que dominava aquela mente tripartida, os afastou bruscamente, jogando-as contra as paredes, como o líder de uma alcatéia que desejasse a presa só para si.

V238 posicionara o lançador de forma que pretendia alcançá-lo para um disparo à queima roupa, com um índice de precisão de 99,7 %, assim que a criatura atingisse uma determinada coordenada espacial dentro da sala. Precisava de tempo para atraí-la para o ponto correto de disparo, sabendo que a presunção de vitória desviaria a criatura das antecipações temporais que os VERBERs remetidos pelo tempo provocariam.

Nem por isso seus companheiros do lado de fora haviam desistido. Muitos conseguiram abater grande número de globos e vez por outra miravam contra a criatura que se voltava furiosamente seus tentáculos contra aquele que ousara fazê-lo, fornecendo segundos preciosos a V238.

Ela estava praticamente cega em seu desejo quase humano de desfrutar da destruição do VERBER, voltando outro tentáculo na direção dele para agarrá-lo e jogá-lo contra as mesas e as paredes da sala. V238 sentia cada impacto, que em sua tela denunciava danos cada vez mais sérios em sua estrutura. Se a situação não se alterasse, em 22.1 segundos estaria desabilitado para acionar o Virgo. Uma não existência o aguardava. Mas a cada gesto de fúria ela se aproximava mais e mais do ponto de onde faria o disparo.

Os avisos de danos em sua tela indicavam que a estrutura já fora danificada em 57.8 % e seus membros corriam o risco de serem destroçados e até seccionados do corpo principal. Mais dois arremessos por parte da Trindade e ele não estaria mais em condições operacionais de acionar o Virgo. Diferente de seus companheiros, pela primeira vez, ele sentiu algo diferente, que não conseguia processar com lógica: receio de falhar.

Mais uma vez a criatura o agarrou e o trouxe para bem perto daqueles pontos vermelhos que lembravam o mítico Cérbero, que guardava as portas do inferno. Depois deste golpe ele não saberia dizer, pelo índice dos danos estruturais, se conseguiria suportar o próximo.

- Creio que já brinquei demais, máquina obsoleta. – disse uma voz. – Vou acabar não só com você como com todos que estão neste lugar. – disse uma voz. - É uma pena, que não estará aqui para ver meu triunfo e... – completaram as três vozes, quando foram interrompidas.

Como planejado, os VERBERs que haviam sido enviados através do tempo pela máquina de Joshua materializaram-se nas coordenadas programadas. Tanto dentro da sala, como próximo à porta, cada um carregava um artefato, que fora duplicado por V238 do original que Leonardo lhe dera. Antes de se despedirem, o amigo lhe dissera que um dia talvez tivesse que usá-lo, mas naquela altura dos acontecimentos ele ainda não sabia se este pudera singrar as malhas do tempo visualizando aquele momento que agora experimentava ou apenas, conhecendo sua própria espécie, dera-lhe condições de lutar em pé de igualdade.

A Trindade fora surpreendida pela repentina aparição dos seres artificiais, cega pela sua própria arrogância, impregnada de ódio. Ela se descuidara das linhas temporais que constantemente lhe indicavam o futuro. À medida que cada um se materializava nas coordenadas espaço-temporais previamente calculadas, acionavam de imediato o mecanismo que lhe fora entregue por V238. Cada um, assim que ligado, emitia não só um feixe de raios gama para enfraquecê-la, como criava um vórtice que a arrastava na direção dele. À medida que iam se sobrepondo reforçavam a abertura rodopiante que aos poucos ia sugando o corpo da Trindade para o seu interior.

Pela primeira vez em sua longa existência ela se via frustrada em seus planos de domínio. Presenciava um fim, bem diferente daquele que havia previsto minutos antes, mas não iria sozinha para onde estava sendo expulsa. Chicoteou o enorme tentáculo, jogando alguns dos VERBERs para longe, desativando alguns artefatos. Mas para cada um que era desligado nesta luta desesperada, outra unidade aparecia para substitur o que fora desativado. V238 calculara com precisão todas estas possibilidades, mas não previra o que viria em seguida. Juntando o restante de suas forças, a criatura envolveu fortemente uma das suas pernas, procurando usá-la como apoio para fugir daquele vórtice que o puxava.

A força da criatura era muito forte e os danos em sua estrutura impediam que V238 conseguisse opor uma resistência mais dura ao lento arrasto.

Os feixes combinados dos artefatos tinham criado próximo ao teto da sala uma enorme abertura transdimensional que mesmo a força da criatura não podia impedir o lento tragar de seu corpo. Era a chance que V238 aguardava. A posição de tiro era a ideal. Utilizando a energia de reserva ele torceu o corpo na direção do lançador. O movimento foi tão brusco que a torção rompeu os ligamentos de sua perna, seccionando-a. A energia acumulada na tensão fez com que o membro fosse arremessado violentamente na direção da criatura, pondo um fim ao seu ponto de apoio. Ele então o pegou, ativou-o, mirando na direção da Trindade. Com um rugido sêco o míssil partiu rumo ao alvo.

Ele não poderia afirmar se foi medo, surpresa ou o quê, que dominou aquela mente tripartida que nada tinha em comum com os humanos. Mas talvez, no cerne de cada criatura viva, sendo lógica ou não, a morte sempre era um enigma, um fim. Pelo menos dentro do mundo material.

A criatura prontamente compreendeu o que ia acontecer e livrou-se da perna que se perdeu dentro do vórtice. Os sensores de V238 puderam registrar aquela abertura negra se fechando e um clarão provocado pela aniquilação da antimatéria com a matéria do corpo da Trindade que ainda tentava lançar novo tentáculo na sua direção. Antes que partículas exóticas vazassem para a sala, todos os artefatos foram sincronicamente desativados, fechando a abertura por completo. O perigo maior havia passado. Imediatamente, como se a vida que os animasse se esvaísse, todos os globos que ainda continuavam lutando se precipitaram ao chão, transformando-se em pedaços fumegantes.

Ainda tentando se manter ativo apesar dos danos, os sensores de V238 varreram todo o local em busca de algum inimigo que houvesse sobrevivido. Mas não havia quaisquer sinais de luta. A missão fora cumprida.

De repente, um sinal surgiu nos seus sensores internos avisando-o de falha iminente em todo o sistema. As imagens começaram a tremeluzir e rapidamente a luz que captava do exterior convergiu para uma estreita faixa e depois um ponto único. Seguiu-se então a escuridão total. Ausência absoluta de qualquer processamento.

EPÍLOGO.

Aos poucos as imagens constituídas por pixels que pareciam não fazer sentido, juntaram-se em formas que podia reconhecer. Ao mesmo tempo o sistema de aúdio captava sinais fragmentados de ondas sonoras, impossibilitando qualquer análise lógica do que representavam.

Repentinamente imagem e aúdio se estabilizaram permitindo a V238 processar as informações de forma lógica. Num rápido diagnóstico, o sistema interno constatou que ocorrera um hiato entre o que fora registrado por último e o que podia visualizar naquele instante da reativação. As últimas informações registradas monstravam a Trindade sendo engolida pelo redemoinho provocado pelos artefatos de Leonardo e a energia proveniente do contato da matéria com a antimatéria. Depois, o aviso da falha iminente, o colapso e a total e súbita escuridão. Ele deduziu que, de alguma maneira, os sistemas de segurança o haviam desligado, reinicializado todos os módulos que compunham a sua grade funcional após os danos estruturais. Tal ação automática evitara a perda dos arquivos, permitindo-lhe agora continuar o processo de recepção de informações. Mas como viera parar ali? A primeira coisa que fez foi sondar onde estava e o que constituiam aquelas imagens e sons. Os rostos foram escaneados e rapidamente reconhecidos pelo sistema de armazenamento de imagens faciais. Bem como a trilha sonora. Ali estavam dois humanos que ela reconhecia, representados por uma fêmea e um macho: o General Coyle e a Dra. Katlyn. O que faziam ali parados?

- Está me entendo V238? – perguntou o homem de meia idade, com as insígnias de General.

- Perfeitamente General Coyle. Não estou acessando meus membros. O que aconteceu a eles?

A Dra. Katlyn se aproximou. – Como vai V238? Lamento informar que só pudemos recuperar a sua cabeça, na verdade parte dela. Os danos foram tão intensos no restante do corpo que temíamos perdê-lo por completo. Graças a ASTARTE plenamente restaurada por Ian, que se conectou com AFRODITE, pudemos utilizar a técnica que criou, para se manter funcional ao longo dos séculos, para transferir o que pudemos recuperar de seus processadores neurais. Foi uma tarefa delicada e arriscada, e as duas I.A. precisaram trabalhar uma semana inteira para recuperá-los e proceder à transferência para este novo recipiente. A Indústria Verber já providenciou um novo corpo e só não o conectamos a ele até que tivéssemos certeza de que havíamos recuperado sua “personalidade” por inteiro.

- Bom trabalho filho. – Disse o General Coyle. - No mesmo instante que destruiu a criatura, os globos foram desativados e recuperamos o controle da base. Tivemos muitas baixas entre seus membros e os nossos. Mas salvamos a base e a Terra. Quando estiver em condições perfeitamente funcionais recomendarei a sua promoção.

- Obrigado, senhor. Só cumpri a missão que me foi designada por V087.

- Fez mais do que isso, filho. Somos todos gratos à sua ação e à tripulação da ARES.

- V238, o que aconteceu exatamente no setor F414? Não temos registros dos momentos finais da criatura. Como conseguiu derrotar uma criatura quase invencível?

- Bem doutora Katlyn, não quis adiantar um dos detalhes do meu plano, que logo explicarei. O único modo de derrotá-la era voltando contra ela o recurso que dispunha de antever várias linhas futuras do tempo. Enviei o maior número possível de meus colegas VERBERs através do dispositivo de Joshua, com essa intenção. Cada um era uma possível variável e a somatória poderia confundí-la. Estimei também a alta probabilidade do seu ego manifestar preferência ao que somente lhe agradasse, descuidando das desagradáveis. Unidades solitárias não lhe despertariam o senso de perigo.

- Muito lógico. – disse Katlyn. - Continue.

- A outra parte, que explicarei agora, baseou-se em um pequeno objeto que me foi entregue por Leonardo quando nos despedimos. Quando isso ocorreu, eu ainda não compreendia as razões que o motivara a entregá-lo.

- Durante os séculos que se seguiram ao meu retorno, tentei analisá-lo sem muito sucesso. Era complexo demais e nestes últimos vinte anos, encarreguei DIANA, uma fiel servidora criada apenas para este propósito, de entender a qual função se destinava. Assim que a Trindade se fez presente no nosso Universo, sua finalidade revelou-se de imediato: avisar-me da sua chegada.

Mas não era só isso. Ela descobriu que após o sinal de alerta, outras partes do mecanismo que até então estavam inativas começaram a funcionar. Analisando-o nessa condição, concluiu que o artefato possuía uma fina barra de controle que ao ser acionada, tinha poder suficiente para criar um vórtice. Dotado de um forte campo de raios gama indicava que o propósito só poderia ser o de abrir uma passagem, talvez por minha própria experiencia, entre as branas dos Universos e aprisionar nela, a criatura.

Só em nosso século havia encontrado as condições para reproduzi-lo sem ainda entender suas funções. Quando Diana me reportou a análise, resolvi utilizá-los como nosso último trunfo. Pelas razões que já expliquei, entreguei todos que possuia para os VERBERs que transportei pelo aparelho do Dr. Joshua, instruindo-os a dispará-los assim que reaparecessem.

- Então enquanto lutava com ele, apenas procurava ganhar tempo para usá-los em grupo, reforçando suas propriedades? – perguntou a Doutora Katlyn.

- Exato. As chances de danos eram de 89,7%. Mas do plano ser praticado com absoluta precisão, 98.7%.

- E quando a criatura foi sugada, utilizou o Virgo?

- Exato Doutora. Apesar dos danos e o aviso de colapso iminente, eu me posicionei onde queria e antes de ser desligado, usei a energia de reserva e disparei o míssil na direção do vórtice. Ela demonstrara possuir muita inteligência e não havia certeza de que não retornaria ao nosso mundo. Tinha que ser uma ação definitiva.

- Só podemos agradecer-lhe V238. – disse o General Coyle, não escondendo um sorriso de satisfação. - Quando as coisas se acomodarem e após sua promoção, se a Força Aérea concordar creio que seu conhecimento acumulado de seiscentos anos de história poderá ser muito útil em nossa academia militar. Não é mesmo doutora Katlyn?

- Creio que sim General. Apesar de que em sua longa existência, muitas pendências foram se acumulando ao longo das personalidades que interpretou e não sei como resolverá isso. Mas da minha parte, é o mínimo que podemos fazer por ele.

Ela se afastou um pouco e virou-se na direção do General e dos demais que estavam presentes ao estranho diálogo. - Se me dão licença, tenho um relatório para completar. – E antes de retirar-se olhou mais uma vez, para aquele conjunto complexo de minúsculas peças e luzes cintilantes, sem um verniz de aparência humana, que salvara a humanidade.

****

O Presidente e seus assessores aguardavam pacientemente a entrada da mulher e do VERBER refeito, trajando o uniforme da Força Aérea. Por sobre sua mesa, uma grande tela translúcida, já o informara de tudo que precisava saber sobre aquelas duas figuras que deveria receber, e não era pouca coisa.

Assim que passaram pelo último grupo de segurança, na ante-sala um pequeno scaner varreu seus corpos em busca de qualquer indício que pudessem representar um perigo para a figura do presidente. Lentamente o fino feixe percorreu suas estruturas por completo e após a liberação pela I.A. presidencial de nome TEIA, as portas foram abertas, permitindo a entrada dos dois na enorme sala.

Assim que os viu, ele se aprumou e ajeitou seu traje. Em sinal de respeito, não esperou que viessem até a sua mesa, cumprimentando-os no meio do trajeto.

- Bem-vida Dra. Katlyn. Benvido V238. A nação deve-lhe muito. Na verdade nosso planeta tem uma dívida de eterna gratidão pelo que fizeram.

A Doutora adiantou-se enquanto V238, perfilado, batia a respeitosa continência.

- Senhor Presidente eu lhe agradeço ter-me permitido entregar-lhe pessoalmente o relatório da NASA sobre o projeto. – disse a Doutora Katlyn, que em seguida ao cumprimento estendendeu-lhe um pequeno objeto triangular que inserido no leitor presidencial, permitiria abrir em sua tela, mais de trezentas páginas sobre as conclusões do desaparecimento da nave protótipo ARES, recheadas com imagens e gráficos explicativos. - A comissão de cientistas da NASA fez um levantamento completo e procurou analisar em profundidade todas as implicações do projeto, senhor Presidente.

- Nosso país é que lhe agradece Doutora. Assim que minha agenda permitir, me inteirarei de todos os detalhes.

- Quero aproveitar senhor Presidente, para ressaltar que os nomes que o compuseram merecem todo o reconhecimento pelo extremo desempenho em esclarecer o que aconteceu com o projeto.

- Estou ciente Doutora e muitos dos nomes citados, entre eles muitos VERBERS, deverão receber homenagens especiais. Não esqueci também daqueles que deram suas vidas para pudéssemos estar aqui conversando. Muitos daqueles homens fizeram mais do que cumprir o seu dever.

- Obrigada Presidente.

- V238, recebi esta manhã o Secretário da Defesa e o general Coyle.

V238, continou perfilado em sinal de respeito.

- Quero pessoalmente agraciá-lo com a nossa mais alta encomenda e dizer-lhe que está livre de seu vínculo com as forças armadas. A partir de agora, será considerado um dos principais cidadãos do nosso país, podendo escolher qualquer cargo que lhe aprouver na administração civil.É um mero reconhecimento do que fez por nós. Agora será lembrado como V000.

- Obrigado senhor.– disse V238, batendo continência. – Só cumpri com o meu dever. E sinto-me horado por ter completado a missão pela qual fui incumbido.

Enquanto o Presidente o condecorava, V.I.N.C.I. 238 acessou a memória e repassou os dados que registrara, numa velocidade impossível de ser acompanhada por olhos humanos, desde os pulsores descontrolados, quem empurrara a ARES para um Universo paralelo até aquele instante. Ao longo daquelas seis centurias, milhares de rostos e situações foram se sobrepondo vertiginosamente diante de seus sensores visuais. Da repentina mudança do século XXI para o século XV. A queda no mar Tirreno. O retorno ao nosso Universo na Florença do século XV, pelas mãos de Leonardo e seu papel como Da Vinci. A França dos séculos XVI e XVII. A Inglaterra do século XVIII. A Alemanha do século XIX e o Novo Mundo dos séculos XX e XXI. A fundação das Indústrias Verbers e o projeto que permitiria a sua própria existência e dos demais VERBERs. O esforço para salvar as informações seguindo sua diretriz básica, e a ordem de entregá-las conforme as instruções de V087 a bordo da ARES, assim que pudesse retornar ao ponto de origem.Por fim, naquela sequencia sem fim de imagens, os rostos familiares de V.I.N.C.I. 087 e V.I.N.C.I. 134 reapareceram na projeção interior à esquerda da tela de dados, numa homenagem particular aos dois companheiros que haviam se sacrificado para que continuasse existindo.

Após a renovação dos cumprimentos, Katlyn e V238 se retiraram para dar prosseguimento ao que seguiria em suas respectivas existências.

O Presidente Jeremy Olsen observou calmamente os dois saírem. Assim que as portas foram fechadas ele pediu aos assessores que o deixassem. Pacientemente esperou que eles o fizessem e depois de certificar-se que estava sozinho, levantou-se e rumou para a sala anexa, onde poderia desfrutar um pouco mais de privacidade.

Com toda a calma, fechou as cortinas e verificou os sensores de segurança. Disfarçadamente procurou por um pequeno artefato do tamanho de uma moeda e pressionando-o à medida que o retirava do bolso, inundou os sensores com as imagens que encobririam o que iria fazer.

Seu movimento seguinte foi estender o braço e apontá-lo numa determinada direção. Um pequeno vórtice surgiu e um som inumano foi ouvido do seu interior. O Presidente sempre tomara a precaução de expor somente seu apêndice aos humanos, de forma que mesmo com toda a tecnologia que os VERBERs da época dispunham não percebessem que ele na verdade era somente uma marionete, um prolongamento interativo por assim dizer, de uma forma de vida que preferia se manter incógnita.

A forma de comunicação seria indistinguivel para ouvidos humanos, mas perfeitamente clara para o mensageiro e o receptor do outro lado do vórtice.

- Os humanos comportaram-se da maneira como esperávamos X´Zaar. X´Clapp não existe mais.

- Exato X´Qlav. Apenas formas de vida primitiva, com um código de conduta pouco avançado fariam o que a lei nos impediu todo este tempo de fazer. Porém o seu modo distorcido de implementar a evolução em civilizações incipientes não podia ser mais tolerado. Lamento que a decisão do comitê tenha sido essa. Mas sua doença foi contida pela sábia decisão que tomaram. Continue me informando sobre o progresso dos humanos neste Universo. Fim das transmissões.

O presidente Jeremy pressionou novamente o artefato, desativando o vórtice. Depois regularizou os sensores e voltou à rotina do presidente de uma das maiores potências da Terra. Se o plano corresse de acordo com o que pretendiam, logo não haveria mais nações e sim um único planeta, unido por ideais mais elevados.

Ele, antes de abrir a porta, ativou outro pequeno dispositivo, que impediria até mesmo as mais sofisticadas máquinas humanas de ver quem ele realmente era: um ser que ocupava várias dimensões além daquelas por onde transitivam os seres daquele Universo. X`Zarr fizera bem em alertá-los para os sensores mais sofisticados de suas máquinas, que poderiam alertá-los de sua presença, demonstrando com isso o potencial que possuíam.

Mesmo triste pela perda do filho, o bem maior da sua raça, continuaria a norteá-los na meta de desenvolver todas as civilizações que tinham encontrado nos mais diversos Universos. Agora, mesmo pesaroso pelo destino de X´Clapp, tinha que voltar ao seu gabinete para honrar aqueles que tinham lutado contra o seu filho doente. Era o preço a pagar quando uma forma de vida chegava quase a se igualar a de um Deus.

PARTE - II

FIM

RONALD RAHAL
rorahalterra.com.br

Contos e Livros Virtuais
de Ficção CIENTÍFICA
e Ficção FANTÁSTICA