A Máquina do Tempo: Retorno ao Futuro.

RONALD RAHAL

- - - - -"Podemos ver o estado presente do universo como o efeito de seu passado e a causa de seu futuro. Um intelecto que em dado momento conhecesse todas as forças que colocam a natureza em movimento, e as posições de tudo aquilo de que a natureza é composta, se tal intelecto também fosse capaz de submeter esses dados à análise, ele abarcaria numa única fórmula tanto os movimentos dos maiores corpos do universo como os do menor átomo; para este intelecto nada seria incerto e o futuro assim como o passado estariam presentes diante de seus olhos".

Pierre-Simon de Laplace

Introdução.

- - - - -Tanto para aqueles que não leram, bem como para aqueles que já o fizeram, o clássico de H.G.Wells, intitulado a Máquina do Tempo, focaliza o deslumbramento do personagem central da trama, apenas conhecido como o Viajante, ao percorrer a quarta dimensão e sua esperança de encontrar uma Utopia no futuro. Surpreso, deparou-se com um planeta diferente daquele que deixara no passado, habitado por dois tipos de seres: os terríveis Morlocks canibais, habitantes dos subterrâneos que não podiam viver sob a luz do Sol e os pacíficos Elois, delicados habitantes da superfície, vegetarianos, que apenas serviam de alimento para os primeiros, como gado. É quando conhece Weena, uma Eloi, por quem se apaixona e a perde, numa noite, raptada pelos monstrengos subterrâneos.
- - - - - Depois de conseguir escapulir de uma armadilha, montada pelos expertos canibais, seguiu em frente até os estertores finais do nosso planeta. Sem encontrar o que procurava, retorna para o último dia de 1899 e no jantar combinado previamente, se apresenta todo ferido e com as roupas rasgadas, relatando aos presentes estupefatos, a sua incrível jornada.
- - - - - Após o jantar, depois da saída dos convidados, refeito e decidido, o Viajante reutiliza a máquina do tempo, sem avisar seu melhor amigo, autor da narrativa, deixando-o sem saber o propósito desta segunda viagem.

Capítulo 1 – O inesperado retorno do Viajante.

- - - - -Minhas mãos tremem e minha visão já não é mais a mesma. Há muito tempo, deixei de ser aquela pessoa mais jovem, que ouviu, e fez várias anotações, sobre os fatos que ocorreram na primeira viagem feita pelo tempo por um membro da raça humana. Não tenho certeza agora se minha saúde me permitirá concluir tudo o que me foi contado, ou se só poderei contar parte, das duas jornadas que envolveram Pai e Filho, o que seria uma perda lamentável de registros que poderiam ser postos à disposição da humanidade. Mesmo com minha idade atual e a memória cansada, tentarei ser o mais fiel possível aos acontecimentos que ocorreram na segunda viagem do Explorador Temporal e a subseqüente, de seu Filho.
- - - - -Estas jornadas ocorreram há mais de trinta anos. As duas, de certa maneira, se complementam, demonstrando como os eventos são mais sutis e entrelaçados, do que podemos a princípio, imaginar.
- - - - -Repito mais uma vez, que me esforçarei ao máximo, para colocar nestas linhas, tudo o que minha memória conseguiu preservar. A intenção não foi apenas de narrar o que aconteceu e sim, mais de refletir sobre certos aspectos da natureza, que ainda mal compreendemos. Principalmente sobre o papel que a humanidade desempenha, neste palco temporal, pensando tolamente, que é a senhora do seu destino e o ápice de seu desenvolvimento, ao invés de ser apenas uma mera peça num tabuleiro de xadrez, movida pelos caprichos do tempo. Que não tente modificá-lo, sem antes se dar conta de que todo efeito provém de uma causa, muitas vezes indesejável.
- - - - -Quase uma década havia transcorrido, desde a partida do Viajante. Ainda me lembro da reação dos convidados, naquela fria noite de dezembro, quando entrou pela sala de jantar, cambaleando. Suas roupas estavam rasgadas, e eram visíveis em sua pele, as dilacerações provocadas por garras afiadas. E depois, o mais fantástico, quando nos descreveu com riquezas de detalhes, ao redor da mesa de jantar, sua viagem pelo tempo, para assombro dos presentes. E o resgate de sua máquina do tempo, que quase lhe ceifara a vida. Por último, sua súbita partida, sem nos deixar à par dos propósitos desta nova viagem.
- - - - -Já começara a conformar-me com o fato de que nunca mais em minha vida, aquela vida que os homens esperam viver pelo tempo mais longo possível, encontrar-me-ia novamente com ele. Esperava que pelo menos, tivesse conseguido satisfazer as necessidades que o haviam levado a realizados a sua segunda jornada pela Quarta Dimensão.
- - - - -Eu, que não tivera a coragem suficiente de acompanhá-lo numa infinidade de futuros, teria agora, que me contentar com aquele, limitado pelas leis naturais das coisas.
- - - - -A minha visão do futuro do Mundo era bem mais otimista do que aquela apresentada pelo relato do Viajante. Imbuído que estava desta sensação, recebi o século XX, como uma época de grandes avanços científicos e sociais. Imaginei que a Ciência, no auge de suas conquistas, com certeza acabaria com todos os males. Seria só uma questão de tempo para que ela conseguisse consertar todas as coisas erradas que tínhamos feito até aquele momento.
- - - - -A Europa tinha atingido o seu ápice em termos de civilização e Vitória dera o seu nome a esta época de ouro. Mas quando morreu em 1901, levou consigo esta ilusão. Eu que acreditava que durante seu governo uma nova luz iluminaria o mundo, vi, desapontado, o ressurgimento de novas rivalidades no continente, com a ascensão de Eduardo VII. Não por culpa dele e sim da mentalidade atrasada dos homens.
- - - - -Sempre tivera uma fé inabalável, na crença de que eles aprenderiam a resolver seus conflitos através da diplomacia e que as guerras, aos poucos, cederiam lugar à paz e a concórdia. Os povos subjugados ascenderiam à liberdade e a barbárie, seria cada vez mais, expulsa do seio das Nações.
- - - - -O Reino Unido, através do seu Império, seria o estandarte destes novos tempos. Estava convicto que era o nosso dever levar a Liberdade, o Progresso e a Ciência, a todos os quatro cantos do mundo. Pensava que nossas guerras coloniais eram apenas o preço a pagar para impor paz e a ordem ao Mundo. Uma espécie de Pax Britânica.
- - - - -Como estava enganado! O horizonte já começava a tingir-se de vermelho. Não por um capricho da natureza e sim pelo sangue derramado nas novas guerras do recém nascido século, que apontavam, não para um futuro de paz e progresso e sim, para um futuro de horrores indescritíveis.
- - - - -Muitas vezes discuti com ele, reprovando seu pessimismo em relação aos dias vindouros deste novo século. Respondia-me sempre que levaria milênios para a civilização atingir este patamar, sobre o qual tinha tanta esperança. Tal Mundo, segundo suas idéias, residia no futuro e era nele que esperava encontrar um tempo de extrema paz social e avanços científicos inimagináveis. Quando voltou, relatando amargurado o que viu, e o que provocou, deixou de ser este homem cheio de esperanças. Eu, junto com ele, também deixei de acreditar na própria Raça Humana e na idéia de dias melhores.
- - - - -Todos, naquele jantar, haviam duvidado de sua história, de um futuro tão tenebroso. Depois que todos se retiraram, achei que para ele, esta decepção teria posto um ponto final neste desejo pela busca de uma civilização avançada. Assim que me despedi do último convidado, ouvi um ruído abafado proveniente de seu laboratório. Corri para sua oficina, na vã tentativa de impedi-lo de retornar sozinho, crente que estava dominado por algum impulso irracional. Sufoquei meu grito, para que me esperasse, quando, atônito, testemunhei o seu desaparecimento naquela névoa escura. Nada mais podia fazer por ele. Durante todos estes anos em que esperei pelo seu regresso, sempre me lamentei de não o ter acompanhado naquela noite. Especulei muito sobre os vários motivos que o fizera singrar o tempo, pela segunda vez. Poderia até ser, algum ideal de criar uma nova humanidade, sem os pecados da nossa. Se tivesse certeza dessas intenções, naquela ocasião, não teria hesitado, jogando-me sobre sua máquina, para que não fosse desacompanhado. Agiria como sua consciência, ajudando-o a tomar decisões e evitado muito dos passos que deu, na tentativa de mudar o curso dos acontecimentos. Mas agora, só me restara o arrependimento de não ter dado aquele passo ou pequeno pulo, sobre a névoa.
- - - - -Com o passar dos anos, às vezes revia as estranhas flores que o Viajante deixara, me perguntando se tudo realmente havia acontecido. O que era afinal o tempo? Que estranha força era esta, que permitia vivermos no mesmo Mundo, em tempos tão afastados, separados por uma barreira intangível, de difícil compreensão? Como gostaria de transpô-la, apenas com a minha vontade. Que maravilhas eu não poderia estar vendo ao seu lado! Quantas civilizações ainda por vir, poderíamos estar visitando! E quem sabe, recriando a história destes mundos, impedindo o nascimento dos repulsivos Morlocks de uma forma diferente da que tentara.
- - - - -Durante a sua ausência, as coisas foram acomodando-se, como é comum nesta vida. Como seu amigo, usei as reservas que deixara, na administração do seu imóvel que entreguei aos cuidados de sua diligente criada, a senhora Watchers e seu fiel empregado, o senhor Hyldary.
- - - - -Com o passar dos anos, ela, que servira grande parte de sua juventude aos pais e se afeiçoara ao Viajante, como a um filho, acabou por ceder às pressões da idade e ao desequilíbrio emocional do seu desaparecimento. Decidiu então se retirar para Gales, para viver, ao lado da única irmã sobrevivente, os anos que lhe restavam.
- - - - -Apesar de meus cuidados e do prestimoso trabalho que exerceu ao mantê-la em ordem, com a sua ausência, tive de entregá-la ao criado restante, que faleceu, no quarto ano de sua ausência.
- - - - -No princípio tentei colocar uma pessoa para, pelo menos vigiá-la, mas, cedo, acabei desistindo da idéia, devido aos outros afazeres que tomavam grande parte de minha vida. Eu, também decidi não despender mais recursos para conservá-la, já que o futuro tornava-se incerto a cada ano. Apenas visitava-a uma ou outra vez, fazendo rodízio com o nosso amigo Filby. Tanto ele como eu, tentávamos, na medida do possível, com nossos criados, limpá-la e consertar alguma coisa de urgente que aparecesse. Apesar de nossos esforços, a deterioração era inevitável e a cada ano os estragos acumulavam-se, a ponto de ter pensando em abandoná-la ou vendê-la.
- - - - -Muitas vezes, nas ocasiões, em que a visitava, sempre parava em frente à mesa coberta com um pano empoeirado, repassando aquele jantar de dezembro de 1899, quando ouvira, pela primeira vez, estupefato, a sua incrível narrativa. Vinha-me logo à lembrança, o estado lastimável com que aparecera. Com as roupas em frangalhos e a pele lacerada por mãos inumanas. E como nos deixara, ao longo daquela noite, entretidos, com detalhes de um mundo futuro, tão diferente de tudo que poderíamos imaginar. Depois, partira, deixando-me em dúvida, quanto ao que fazer.
- - - - -Sempre que me decidia por uma visita a Casa, rumava para lá, na esperança de encontrá-lo na oficina deteriorada. E em todas, voltava desapontado. Sempre me perguntando se nunca mais o veria.
- - - - -Então, foi no oitavo ano deste novo século, após sua segunda partida, que o vi novamente. Mas não da forma como esperava. Era outubro e chovera muito durante o dia, prolongando-se pela noite adentro. Com aquele clima úmido e friorento, resolvi, após uma breve leitura, recolher-me mais cedo, dispensando a senhora Marple.
- - - - -Naqueles momentos em que a inconsciência lentamente oblitera nossos sentidos, eu ainda podia ouvir os pingos da chuva batendo contra a janela do meu quarto, enquanto minha mente apagava-se lentamente. Meus últimos pensamentos, antes de dormir, eram sempre para o Viajante. Perguntava-me sempre, tentando vencer a sonolência, o que estaria ele fazendo, naquele tempo futuro. Assim permanecia por alguns instantes, com a minha mente oscilando entre a vigília e o sono. Mas naquela noite foi diferente. Estava quase adormecendo quando tive a impressão de ouvir sua voz, abafada pelo som da chuva, me chamando. Antes de o torpor apoderar-se totalmente de meu corpo, fiz um último esforço e apurei meus ouvidos. Além do uivo do vento, despejando as gotas de água contra a janela do quarto, consegui escutar outra vez um ruído surdo das pancadas desferidas na porta de entrada. E uma voz insistente chamando pelo meu nome. Era real demais para ser apenas minha imaginação. Prestei mais atenção aos sons e constatei que de fato, havia uma pessoa na entrada da casa.
- - - - -Sentei-me na cama sobressaltado, apalpando a cabeceira da cama, à procura de minha lamparina, até lembrar-me que ela não estava mais lá. Ela fora substituída pelo comutador, que acionava a lâmpada do meu quarto. Eu ainda não me acostumara com a eletricidade. Sempre me esquecia que permitira a instalação de várias lâmpadas em minha casa, iluminando-a de forma rápida e eficiente. Mesmo assim, viciado em antigos hábitos, não era a primeira vez que acordava de noite, procurando pela antiga lamparina.
- - - - -Então, quando o quarto encheu-se de luz, pus-me de pé, imaginando quem seria àquela hora da noite, debaixo de uma grossa tormenta. A primeira coisa em que pensei foi numa emergência. Vesti meu roupão e rapidamente desci até a sala. Lá, liguei as luzes da sala e dirigi-me angustiado à entrada, com mil idéias ruins, perpassando minha mente.
- - - - -Ainda receoso por não saber quem estava por detrás da porta, antes de abri-la, gritei para saber quem era e o que desejava. Levei um choque quando ouvi seu nome, alto e claro. Era ele, o Viajante do Tempo, que retornara mais uma vez.
- - - - -Ainda atônito com a sua chegada, trêmulo, tentei abrir a porta o mais rápido que pude. Assim que o fiz, uma nesga de luz projetou-se sobre ele, mostrando-me um homem um pouco mais velho de quando partira, com estranhas roupas colantes, rasgadas e encharcadas. E havia mais alguém com ele. Segurava as mãos de uma graciosa mulher, pouco maior que uma jovem, com a água correndo pelos seus curtos cabelos loiros. Ela me devolveu o olhar, medindo-me de cima a baixo. Observei que vestia o mesmo tipo de indumentária e seu rosto tinha um aspecto ligeiramente diferente de nossas mulheres. O fato de me ver ali, com os olhos arregalados, vestido só de roupão, não mudou sua expressão. Apenas continuou em silêncio, sem lamúrias, tremendo de frio.
- - - - -Quando me dei conta da situação, fiz um gesto para os dois entrarem, providenciando roupas secas. Depois que se enxugaram, meu amigo pareceu sentir-se mais confortável com o roupão que lhe emprestei, enquanto uma simples camisa, cobria o corpo inteiro da pequena jovem. Mesmo assim, percebendo sua sensibilidade ao frio, ele pousou sobre seus ombros um de meus paletós, para que não se resfriasse. Neste meio tempo, rumei para a cozinha, colocando um pouco de água para esquentar, não acreditando no que estava acontecendo. Minha curiosidade era intensa, mas me contive, como a boa educação mandava.
- - - - -Fiz um gesto para que ficassem confortáveis e servi aos dois, xícaras de chá e alguns pedaços de pão e rosbife, para saciarem a fome.
- - - - -A pequena mulher hesitou em se servir e só o fez com a aquiescência do meu amigo, como se precisasse de sua anuência, deixando o rosbife de lado. Ele retribuiu o olhar com uma expressão de paciência e muito carinho, da mesma forma que os pais demonstram para com os filhos pequenos.
- - - - -Apesar de ansioso para saber das novidades, permaneci calado, esperando que os dois se alimentassem primeiro. Como se apresentavam muito cansados, perguntei-lhe apenas se ele e a pequena mulher não gostariam de dormir. Procurei ser compreensivo, dizendo que após uma boa noite de sono, ele estaria em melhores condições de contar-me tudo o que o tinha acontecido, desde que partira repentinamente.
- - - - -Ele ficou indeciso por alguns segundos e depois insistiu em não dormir. Apenas concordou em acomodar sua companheira, para que ela pudesse descansar. Assim que providenciasse isso, me poria a par dos acontecimentos. Enquanto conversávamos sobre isso, a mulher adormeceu, não resistindo ao cansaço.
- - - - -Como cavalheiro, cedi-lhe a minha cama. Ele gentilmente a carregou nos braços, como um pai atencioso, subindo as escadas e no quarto, depositou-a delicadamente sobre o colchão. Por um breve momento, fiquei observando os cuidados que dedicava a ela. Passou as mãos pela sua alva pele, arrumando seus curtos cabelos. Depois estendeu sobre o seu frágil corpo, o meu pesado cobertor. Era evidente que um elo forte existia entre os dois. Seria amor ou apenas compaixão? Fiquei indeciso quantos aos seus sentimentos. Mas quando beijou seu rosto e afastou-se dela com pesar, um palpite percorreu meu cérebro.
- - - - -Fechamos a porta para não incomodá-la e descemos as escadas rumo às confortáveis poltronas da biblioteca, que ficava num dos cantos da sala. O Viajante acomodou-se em frente à minha e suspirou como se tivesse acordado de um pesadelo. E então começou a contar-me tudo que acontecera, depois que acionara sua máquina.

Capítulo 2 – A segunda viagem.

- - - - -Antes de começar sua narrativa, fez questão de frisar, que muitas das coisas que viu, por serem desconhecidas em nossa época, só podia tentar descrevê-las, numa grosseira aproximação, com aquilo que conhecemos hoje. Pediu-me desculpas, se não conseguisse expressar-se corretamente sobre alguma passagem ou sobre determinados engenhos. Isto se devia à limitação da memória e a uma futura construção de maquinários, impensáveis por nossa geração.
- - - - -A delicada criatura que dormia lá em cima era Weena, uma das Eloi, que habitavam a superfície da Terra da qual já me falara da primeira vez. O que descobriu foi que ela não era descendente direta da raça humana, mas sim de uma espécie que evoluíra a partir de uma criação especial, engendrada por uma antiga raça, esta sim, vinculada à nossa espécie. Lembrei-me perfeitamente do seu relato e como sumira, na noite em que ficou cercado pelos Morlocks. Estes também eram o produto degenerado desta raça antiga, que a evolução forçara para baixo da terra. Ao ouvir o nome dela e o fato de a ter trazido, reforçou o meu palpite. A Paixão motivara sua segunda viagem. Como todos sabem é uma emoção muito forte que inúmeras vezes, suplanta a Razão.
- - - - -O Viajante recapitulou o que fizera na primeira jornada. Depois que avançara até aos confins dos tempos, desesperado pela perda sofrida, ele retornara à nossa época, para descrever vividamente, a um incrédulo grupo de amigos, sua aventura.
- - - - -Foi ali, descrevendo o terror que passara nas mãos dos Morlocks, que se deu conta de que tinha o instrumento necessário para mudar os acontecimentos. Seu plano, que não compartilhou com os convidados, era o de resgatar a mulher, por quem se apaixonara, inconformado com seu terrível destino. E como se fosse um novo Adão, levara alguns livros que pudessem lhe servir de guia para a reconstrução de uma nova humanidade, sem os vícios da antiga. Quão ingênuas eram suas intenções naquele momento.
- - - - -Seu primeiro cuidado depois do jantar, foi o de arrastar a sua máquina do tempo pela Oficina, para impedir que ela se materializasse novamente dentro da Esfinge Branca, onde tivera de lutar para escapar das garras dos Morlocks.
- - - - -Antes de partir, reajustou as coordenadas que seriam ativadas pela barra de cristal. Sempre que se movia no tempo, era necessário que fizesse alguns ajustes na máquina. Além das coordenadas do tempo, era preciso colocar a do espaço, para sincronizá-la com os movimentos de rotação e translação da Terra, em torno do Sol e alguns outros sutis marcos astronômicos relativos à nossa estrela, que somente a sua mente detalhista, levava em consideração.
- - - - -Ele me fez uma confissão, que amainou o remorso que sentia, por não ter me convidado para acompanhá-lo. Ouvira meu grito, sim, e até pensou em parar para me carregar, no exíguo espaço da máquina. Um reforço seria bem vindo naquela ocasião. Mas depois, pensou na responsabilidade e na culpa que sentiria, caso algo me acontecesse. Decidido a resgatar sua amada, estava pronto para tudo e este tudo, não incluía minha vida.
- - - - -Com presteza, manipulou a máquina para retornar algumas horas antes do anoitecer, quando então ela seria então raptada pelos canibais, tomando a precaução de escondê-la para que os Morlocks não a arrastassem de novo para dentro da Esfinge. Era naquela noite que ocorreria o incêndio, provocado pelo seu outro Eu da primeira viagem. Lembrou-se com angustia daqueles momentos terríveis em que tivera de lutar pela vida contra os seus antagonistas e do sentimento de perda, provocado pelo desaparecimento de Weena.
- - - - -Ele estava consciente de que o transporte pelo tempo, confundia a mente de qualquer pessoa que não estivesse habituada à relatividade daquilo que denominamos passado, presente e futuro. Lembrava-se de que a máquina, pertencente à trama da primeira viagem, encontrava-se já arrastada para dentro da construção. Esforçou-se para resistir à grande tentação de mudar seus planos, ajudando o seu duplo do passado. Mas ele viera com um propósito e não tinha idéia muito precisa, das potenciais conseqüências que representava a mudança dos eventos que estava decidido a por em prática. Além disso, se tivesse levando adiante esta idéia de auxílio, sua memória teria guardado o fato surpreendente de vê-lo, ajudando a si mesmo. Isto era um forte sinal, que não interferira, pelo menos não, nesta linha temporal. Portanto, decidiu manter inalterados os acontecimentos da forma como se lembrava deles. Acontecesse o que acontecesse, seu retorno só tinha um objetivo: salvar Weena. A repugnante idéia de que ela não passava de gado, alimentado para abate, pelas obscenas criaturas que jurara destruir, reforçava sua decisão de ir em frente.
- - - - -Ainda era dia e isto o ajudaria a chegar até à floresta, a meio caminho da construção de Porcelana Verde que visitara anteriormente.
- - - - -Seu plano era simples. Enquanto seu duplo estaria se engalfinhando com os Morlocks, numa tentativa desesperada de salvar os dois, ele a resgataria. Isto não significava que não teria de embater-se com as criaturas que ainda lhe causavam arrepios, mas viera preparado. Além da máquina fotográfica, trouxera na sua mochila, muitas caixas de fósforo, uma pequena pistola e balas. Prepara também um archote, que uma vez acesso, pretendia cegar os caçadores noturnos. Além, é claro, de três livros que retirara da estante. Após uma longa caminhada, atingiu o ponto onde grassaria o incêndio. Reconstituiu os passo que deu, para deduzir o local exato onde Weena seria raptada. Fez todos os preparativos e certificou-se que tudo funcionaria como havia planejado. A sua única incerteza era a hora exata em que deveria agir sem chamar a atenção das bestas. Provavelmente, como todo carnívoro, deviam ter um faro apurado. Procurou passar em todo o corpo, e nas roupas, todo tipo de sumos que encontrou na vegetação, para disfarçar o seu cheiro. Mesmo com todo o cuidado, tinha a noção do perigo representado por aquelas criaturas. Não poderia subestimá-las. E para aumentar sua angustia, ele não tinha certeza se teria sangue frio suficiente para adaptar-se a qualquer mudança repentina que ocorresse. Esperou ansiosamente até a noite, verificando a todo instante a pistola e apalpando as balas nos bolsos, para ter certeza de que conseguiria recarregar facilmente a arma, caso precisasse. Além disso, deixou preparado o archote, para ser usado no exato momento em que começasse o salvamento de Weena. Assim que a encontrasse, teria que usar todas as suas forças e agilidade para se desvencilhar dos oponentes, enquanto carregaria o archote numa das mãos e arma engatilhada na outra. Contava que a claridade proveniente dele os deixasse cegos, afastando-os. Se isto não fosse o suficiente, não hesitaria em disparar na direção deles.

Capítulo 3 – A luta por Weena.

- - - - -Quando o breu instalou-se à sua volta, o Viajante sentiu o clima de ansiedade que antecede qualquer ação ousada. O suor de suas mãos banhava o aço frio de sua arma e um certo tremor, agitava seu corpo.
- - - - -Procurou não se movimentar muito entre os arbustos, contando com as precauções que tomara para que os sumos dispersassem seu odor no ar, o que com certeza, não os alertaria, fazendo-o alvo das terríveis criaturas. Aguçou os ouvidos, prestando atenção a qualquer ruído suspeito e preparando o corpo e o espírito para a luta que poderia irromper a qualquer momento.
- - - - -Naquela escuridão, perdeu a noção do tempo, que parecia prolongar-se indefinidamente, como é comum quando a ansiedade nos invade o espírito. Em sua mente, as dúvidas quanto ao resultado continuavam atormentando-o. De repente escutou sons abafados da ramagem caída, sendo triturada pelo pisar de alguma coisa pesada. Sentiu seu coração palpitar e a respiração tornou-se mais intensa. Instintivamente pressionou o gatilho repetidas vezes, voltando o cano na direção de onde vinha o som. Até onde podia se lembrar, não havia animais nesta época. Ou estavam extintos ou não ficara tempo suficiente da primeira vez, para encontrar algum. Então, ou este seria o primeiro ou os ruídos só poderiam ser provocados pelos Morlocks em sua busca por carne fresca.
- - - - -Felizmente nada lhe aconteceu. Como previra, graças aos odores das plantas, não tinham percebido a sua presença e percebeu que caminhavam na direção do seu outro Eu, com o objetivo de cercá-lo. Conseguiu ouvir a luta dele contra os monstros e súbito, apareceu um clarão na floresta. Era o sinal que aguardava, para por em prática seu plano.
- - - - -Ele tinha fresco na memória, que durante a refrega que travara na mata, irrompera o incêndio, cegando os canibais noturnos. Mas, no meio de todo aquela alvoroço, para onde tinha indo Weena?
- - - - -Esperava não chegar atrasado, pois, a fome era tão intensa entre eles, que alguns na sua ânsia por alimentar-se, matavam e devoravam suas vítimas no local.
- - - - -Rodeou o centro das chamas e aflito, deparou com o que temia. Quatro Morlocks, meio cegos pela luz lançada pelas labaredas, continuavam assim mesmo, carregando a presa daquela noite: Weena.
- - - - -Aquela cena o deixou hesitante por alguns segundos, por causa da repulsa que sentia por eles, e da força descomunal que possuíam. Viu outra vez seus cintilantes olhos amarelados, adaptados a captar o menor sinal de luz refletido por suas presas noturnas. Notou o vento que empurrava seus longos cabelos brancos desgrenhados e sujos. E o seu característico andar encurvado como dos símios. A evolução tornara suas bocas enormes, repletas de dentes curvos e afiados, que saltavam para fora dos grossos lábios. Além disso, era arrepiante ouvir o arfar de seus pulmões, excitados pela presa capturada.
- - - - -Cada um segurava um membro da pequena Weeena, como se quisessem esquartejá-la ali mesmo. Aquela cena petrificaria qualquer homem normal, ainda mais pelo nojo provocado pelo odor de carne podre que exalavam. Mas sempre há um momento na vida de todo ser, em que o medo, reforça sua coragem. Decidido mais do que nunca a salvá-la, ele acendeu o fósforo e pos fogo no archote. Segurando-o como uma clava, correu o mais rápido que pode, gritando na direção deles para assustá-los e dar vazão ao seu medo.
- - - - -Mirou no mais próximo e o abateu imediatamente com um tiro certeiro na cabeça. Curiosamente não se lembrava de ter ouvido qualquer disparo quando da primeira viagem, mas possivelmente a tensão daquele momento na primeira viagem, rodeado pelos asquerosos Morlocks, mais o crepitar da floresta em chamas, tivesse desviado sua atenção para coisas mais prementes. Um das bestas, espantada, largou Weena sem entender o que acontecera com o companheiro.
- - - - -O Viajante, reforçado por esta primeira vitória, encostou as chamas do archote na face do que largara Weena, que momentaneamente ficou cego com a intensidade da luz. Mas o efeito foi mais longe do que esperava. Ele começou a urrar, à medida que o fogo se espalhava por seus cabelos, e saiu correndo, tentado apagá-lo com as garras. Mas não foi longe.O Viajante sem misericórdia mirou as suas costas e com mais um tiro pos fim ao seu sofrimento.
- - - - -Os dois sobreviventes, apesar de meio cegos, se recuperaram do susto, e avançaram na sua direção, largando bruscamente a mulher no chão. O mais próximo, ele conseguiu abater com mais dois disparos na face, que se contorceu e caiu feito uma pedra. Mas o sobrevivente foi mais esperto que ele, aproveitando-se da sua atenção centrada nos outros companheiros e partiu para cima dele. Lançou-se com fúria, rebatendo com as garras o seu archote, que foi jogado para longe, subjugando-o com seu peso e prensando sua arma entre os dois corpos. O hálito da criatura era terrível e sua ânsia por carne, desesperada. Por instantes ele imaginou que falhara e tudo acabaria ali, sem poder ajudar a Eloi.
- - - - -As afiadas unhas do Morlock preparam-se para dilacerar sua garganta e num ato de desespero, conseguiu soltar o braço e golpeou-o com o cabo da arma, na cabeça. A criatura, por causa da dor, aliviou um pouco a pressão. Era sua última chance e ele não pensou duas vezes. Enfiou o cano da pistola na boca do agressor e disparou outro tiro que atravessou o seu crânio, espirrando seu fétido sangue no seu rosto.
- - - - -Com a besta, contorcendo-se em espasmos, conseguiu se desvencilhar daquelas garras que lhe apertavam o pescoço. Usou as forças que lhe restavam, e empurrou o pesado corpo para longe de si, que rolou inerte pelo chão.
- - - - -Resfolegando, com a garganta machucada, levantou-se o mais depressa que pode e correu para pegar o archote, cuja chama continuava viva e iniciara um outro incêndio. Com ele, firmemente preso à mão, estendeu-o para ver melhor em torno, em busca de mais alguns daqueles animais. Pelo número de disparos, só lhe restava uma bala.
- - - - -Fincou rapidamente a haste do archote no chão e com as mãos tremulas, retirou a caixa de munição da mochila. O receio de ficar indefeso era tão grande, que algumas balas caíram no chão, mas mesmo assim conseguiu recarregar o tambor da arma.
- - - - -Limpou com o punho o sangue do rosto e dobrou-se sobre a vegetação, pegando apressadamente a preciosa munição que conseguiu ver debaixo da débil luz. E então, com a pistola em punho, preparou-se para lutar, caso fosse preciso.
- - - - -Se havia mais Morlocks, acompanhando aqueles quatro que matara, ou tinham fugido diante de uma reação que desconheciam, ou estavam assustados demais, com o incêndio na floresta. De qualquer forma conseguira o que pretendia.
- - - - -Caminhou na direção de Weena, iluminando sua face. Agachou-se para certificar-se de que estava viva. Para seu alívio, apesar de alguns pequenos ferimentos, estava apenas desmaiada, provavelmente pelo trauma do rapto.
- - - - -A pausa que conseguiu ganhar, na refrega contra os Morlocks, talvez não durasse muito. Seu receio era de que, se eles voltassem em maior número, mesmo armado, não conseguisse repeli-los mais uma vez. A decisão mais sábia que tomou, foi afastar-se o quanto antes daquele lugar. Rapidamente a pegou nos braços, colocando-a sobre os ombros. Até agora, o plano saíra como planejado.
- - - - -Tentando-se equilibrar com o peso extra, procurou andar o mais depressa que pode, segurando o archote e a arma. Estava temeroso, mas a pequena vitória, renovara sua decisão de continuar com o resgate.
- - - - -Assim que começou a afastar-se, deu uma última olhada para o centro das chamas. Pensou, por alguns instantes, em pedir ajuda ao primeiro Viajante, mas, sabia que este já estava ocupado demais, tentando afugentá-los. Teria que se arranjar sozinho. E foi o que fez.
- - - - -Por um bom tempo, conseguiu carregar Weena, com o archote à frente, iluminando o caminho e apontando a arma, para qualquer ruído suspeito que ouvisse. De vez em quando parava, para recuperar o fôlego, trocando a mulher de ombro. Torceu para não encontrar mais Morlocks pela frente, que poderiam se aproveitar de sua atual situação, derrubando-o facilmente.
- - - - -Por fim ela acordou e deu um grito. Ele a desceu, colocando um dedo nos seus lábios para que ficasse quieta. Abraçou-a para acalmá-la, sentindo um grande alívio por tê-la salvo. Livre agora do peso, ele forçou a caminhada, parando poucas vezes, para breves descansos. Assim procedendo, conseguiram chegar às proximidades da máquina, pela madrugada.
- - - - -Sentiu as forças renovarem, quando avistou o vulto da Esfinge. Esperava encontrar a máquina do tempo escondida como a deixara. Estancou os passos quando a viu, descoberta. Como da primeira vez, estavam usando-a como uma isca. Na verdade, a outra, já fora arrastada para o interior do monumento. Provavelmente tinham ficado confusos com a descoberta de uma segunda máquina e decidiram deixá-la ali mesmo, a espera de que seu dono aparecesse.
- - - - -Antes de aproximar-se, girou o corpo, procurando iluminar o ambiente, o máximo que podia, tentando visualizar qualquer sombra, no meio da vegetação. Em seguida, verificou o tambor da pistola, para se certificar de que estava carregada e engatilhou a arma, caminhando devagar até ao aparelho.
- - - - -Com atenção redobrada, entregou o archote para Weena, enquanto desviava o olhar hora para a mata, hora para a delicada operação de fixar a barra de cristal. Seu único desejo era afastar-se o mais rápido possível, daquele tempo de horrores.
- - - - -De súbito, eles apareceram. Por isso não fora incomodado no resto do percurso. Tinham usado sua inteligência para juntarem forças e atacá-lo num único golpe decisivo.
- - - - -Ele não perdeu tempo. Terminou de fixar a barra de cristal e ajeitou Weena no banco da máquina. O Viajante sabia que precisaria de alguns segundos para ajustar as coordenadas. Este pequeno hiato poderia significar a diferença entre a vida e a morte de ambos.
- - - - -Assim que o prato cronotronico começou a zumbir, dois deles saíram correndo da mata, pulando sobre ele. A intenção era derrubá-lo do assento. Disparou e matou o primeiro. O segundo hesitou um instante, o que lhe foi fatal. Apenas tombou à sua frente com um buraco no peito. Ele o empurrou com os pés.
- - - - -Um terceiro avançou sobre Weena, tentando jogar o archote para longe. Ele não teve dúvidas. Pegou a tocha das mãos dela e a enfiou na boca escancarada da besta, fazendo-o urrar de dor. Com outro pontapé, o Viajante o jogou para fora.
- - - - -Antes que o resto do bando pulasse sobre os dois, pressionou a barra. Pode ainda ouvir seus urros de frustração, enquanto eles se confundiam numa névoa leitosa, afastando-os daquela madrugada e das bestas canibais.
- - - - -Ele foi mais cuidadoso desta vez. Assim que se viu vagando na corrente do tempo, manipulou a barra para que a viagem desta vez fosse mais suave. Parou alguns dias depois, em plena luz do Sol, para se recuperar e prestar socorro a Weena.
- - - - -Não permaneceu muito tempo, já que os Morlocks não tinham o hábito de enterrar seus mortos e os cadáveres putrefatos, empestavam o ar com o seu cheiro. Assim moveu-se uma dezena de anos para frente, até que só restassem seus ossos, esfarinhando-se pela ação do clima. Só então pode dar mais atenção a Eloi.

Capítulo 4 – Vagando pelo tempo: a cidade da Redoma.

- - - - -O Viajante fez uma pausa e pediu-me mais um pouco de chá, enquanto procurava em suas memórias, mais lembranças do que acontecera. Respeitei a pausa e levantei-me, colocando mais água para esquentar.
- - - - -Enquanto aguardava o chá, ele levantou-se e aproximou-se da janela, aparentemente observando as gotas de chuva deslizando pelo vidro, mas eu sabia que sua mente irrequieta navegava naquele momento por recordações inescrutáveis para mim.
- - - - -Assim que sentiu o aroma do chá, despertou do seu torpor.
- - - - -- Meu amigo, - ele disse naquela ocasião - é incrível como só agora começo a dar valor ao que deixei. Como a fragrância deste chá, por exemplo. Ao passar por lugares tão longínquos no tempo, muitas vezes, através de curtas lembranças, recordava-me da época que deixei e sentia uma forte nostalgia invadir meu espírito. Nestes momentos passou-me pela mente que talvez os homens, estejam presos ao seu tempo, assim como as criaturas marinhas às águas em que vivem. Como elas, só podemos sobreviver, fora do meio habitual, por breves períodos. Do mesmo modo que nos espasmos que se seguem, os peixes lutam para retornar ao ambiente que lhes permite a vida, sentimos a mesma necessidade de voltarmos ao ambiente temporal que nos é familiar.
- - - - -Depositando o chá em sua xícara perguntei-lhe se fora esta nostalgia e o conforto das pequenas coisas que deixara para trás, o fator preponderante na sua decisão de retornar.
- - - - -- Antes assim fosse. Agora sei que jamais deveria ter partido, mas, o motivo de meu retorno, não foi o do apego de um velho ao seu passado. Foi o de colocar a salvo, transpondo a barreira do tempo, a pessoa amada, após momentos de grandes obstáculos e grande desesperança.
- - - - -Então ele serviu-se de mais um gole do chá, que saboreou por alguns instantes e continuou sua narrativa.
- - - - -Não foram os laços deste século, que o tinham trazido de volta. Poderia tentar encontrar no futuro, um lugar para os dois. Quem sabe, começar tudo de novo. Ele pensou seriamente nisto, mas à medida que assim refletia, percebeu que tinha de repensar tudo o que fizera e o papel de suas ações involuntárias nos eventos do futuro. Citou bem devagar o provérbio latino, ”Propositum capiunt Tartara, facta Polus”. “De boas intenções o inferno está calçado”.
- - - - -Esta citação, dita naquele momento, nada me esclarecia do que se passava na sua mente. Talvez fossem as implicações subjetivas de alguém que viajara pelo tempo, imbuído das melhores das intenções, obtendo o contrário do que pretendia.
- - - - -Deduzi que devia ser muito grande a tempestade que atormentava seu espírito, que dificilmente poderia ser aquilatada por quem não participara diretamente da viagem. Os vincos em seu rosto demonstravam as incertezas que carregaria até o fim de seus dias, quanto ao seu real grau de responsabilidade, nos eventos dos quais participara. Confesso que temi que tal peso fosse demais para ele, e que acabasse abalando sua mente de tal forma, provocando-lhe um colapso nervoso. Mas sua voz continuava serena, e ele nada disse a respeito de suas preocupações. Como uma espécie de confissão pediu-me apenas que continuasse acompanhando o seu relato e que fizesse meu próprio juízo, sobre as decisões que tomara.
- - - - -Comeu mais um dos biscoitos que apanhou na mesa, depois que saiu da frente da janela e voltou a sentar-se na poltrona, prosseguindo o relato de sua aventura.
- - - - -Assim que a ação cedeu lugar à reflexão, ele se deu conta de que concretizara um ato impulsivo, fruto do desespero. Seu desejo de salvar Weena, numa empreitada solitária, fora mais uma ação ousada do que um feito calmamente planejado. Mas agora tendo a Eloi, perto de si, salva de um terrível destino nas mãos dos Morlocks, sentiu-se mais calmo e com o espírito satisfeito pela intrepidez. Assim o desejo irrefreável de continuar em frente, pelo menos naquele momento, o invadiu novamente.
- - - - -Tinha duas razões para prosseguir. Uma delas era tentar descobrir, apesar do pouco tempo que vivera no ano oitocentos mil, a razão da existência de duas espécies. Uma tão humana na aparência e a outra com traços tão grotescos. Nada havia ali, que explicasse isso.
- - - - -Ele perguntou-se se poderia impedir que isto ocorresse, apesar do receio de mudar o futuro mais do que já fizera. A outra, típica do explorador, era motivada por trilhar caminhos que nenhum homem antes dele percorrera, testemunhando em primeira mão, os avanços e retrocessos da humanidade. Sentia-se diante de um livro com muitas páginas em branco, que salvo pelo capítulo dos Morlocks, precisava ser preenchido.
- - - - -Deste modo empurrou a alavanca de cristal, que controlava o fluxo do tempo, na grande bacia atrás de si, para um retorno rápido ao passado mais próximo do nosso século e depois, para um avanço mais lento a partir dele, procurando por eventos que pudessem solucionar as origens dos Elois e dos Morlocks.
- - - - -Ele fez antes um pequeno intróito para explicar que esta circunferência convexa, a maior peça da máquina, é a responsável por captar uma partícula, ainda desconhecida pelo homem, que batizou de “Cronotron”. Tais corpúsculos duais, onda-partícula, permeiam todo o espaço na forma de um campo. A humanidade só conhece um dos seus estados, que se comporta feito uma seta: partindo de um ponto e atingindo outro, sem nunca retornar. Através dela conseguira aprisioná-las, liberando o fluxo destas partículas, reversamente. Deste modo, absorvendo-as ou devolvendo-as ao meio, ela ou o impulsionava para frente no tempo ou o fazia retroceder, como uma espécie de vela estendida ao vento. É claro que a explicação não era tão simples assim e ele procurou não entrar em detalhes comigo sobre a matemática que explicava a física dos cronotrons, pois dificilmente poderia meu raciocínio acompanhá-lo, por não ser esta a minha especialidade.
- - - - -Quanto ao painel, na frente da máquina, este por sua vez, informa todas os movimentos executados, traduzindo-as num prosaico sistema ocidental de datas, adotadas desde a reforma gregoriana.
- - - - -Assim procedendo, o Viajante, retornou ao século XXI rapidamente, sentindo aquele enjôo, característico. Depois, dividindo sua atenção entre as datas e a célere mudança da paisagem do Kent, partiu de uma cena próxima do nosso século, procurando por algum sinal que o motivasse a cessar o movimento. Ora acelerava ora desacelerava, parando à vezes quando alguma alteração ao redor despertava sua curiosidade.
- - - - -Seus olhos quase não podiam acompanhar o rápido desenrolar do cenário. Muitas vezes, matas densas eram substituídas por pequenas construções que logo se deterioravam e voltavam a ser coberta por plantas. Poucas a princípio, multiplicavam-se e se adensavam novamente, numa luta constante entre a natureza e o esforço dos homens para erradicá-las. Os séculos corriam tão rápido que muitas vezes era difícil acompanhar as datas que se alternavam no painel, transformadas numa mancha difusa. Mesmo assim, procurava observar atentamente as transformações que se apresentavam diante dele, de uma forma que nenhum mortal pudera ver antes. Por vezes a paisagem era preenchida por magníficas construções, cuja arquitetura revelava padrões desconhecidos de épocas futuras. Ao seu redor, ora levantava-se uma mescla de edifícios leves e belos, outras vezes, construções estranhas e sombrias, contornadas por jardins bem cuidados, típicos da diligencia humana. Em algumas ocasiões, tais cidades sucumbiam a algum evento destrutivo que as consumiam em terríveis incêndios. O Viajante nunca soube precisar se eram de origem natural ou oriunda dos constantes conflitos que ainda manchavam a nossa civilização de sangue.
- - - - -Revelando a tenacidade da raça humana, as construções retornavam aos poucos, salpicando o terreno. Levantavam-se e caíam, conforme a necessidade dos homens. Ruas e avenidas serpenteavam por entre as casas numa rapidez impressionante, revelando as particularidades das mudanças que as cidades sofriam ao longo da sua existência.
- - - - -Em outras ocasiões, sem a presença humana, o Viajante pode acompanhar as ondulações das pequenas colinas dos arredores. Expostas às vicissitudes do clima, comportavam-se como se estivessem repousadas em cima de um colchão. Por várias vezes ainda, o mar tudo inundava ou retrocedia, preocupando-o quanto à estabilidade da máquina sobre uma superfície líquida, que só o mantinha emerso graças à quarta dimensão. Foi testemunha do nascimento e morte de lagos e rios de uma geografia futura provocados pelos humores do clima e interferência dos homens.
- - - - -Estes eram persistentes e à natureza, sempre se seguia à desordem da raça humana, com construções esparsas que logo se adensavam, revelando a ascensão de uma nova civilização.
- - - - -Num embate sem fim, ela retornava com força e grossas camadas de gelo tudo cobriam, revelando uma nova era glacial que com seu manto branco, expulsava os homens. Como a fênix renascida das cinzas, a humanidade retornava para repovoar a área. Primeiro sobre pântanos e lagos e depois sobre terra firme, roubada do que antes era natural.
- - - - -À medida que este avanço e recuo se sucediam, como o ir e vir das ondas sobre a praia, nosso planeta deixava transparecer o seu esgotamento. A cada evento de mudança, seja pelas mãos dos homens ou da própria Terra, esta, como um doente tomado pela fadiga, se enfraquecia e se tornava cada vez mais estéril. As construções cada vez mais rareavam. Um solo cada vez mais pobre exigia sucessivos canais de irrigação, que tentavam, como na antiga Mesopotâmia, manter a vida das sociedades. Por fim, os jardins sumiram e um deserto repleto de dunas estabeleceu-se ao seu redor. Passaram-se alguns séculos até que uma grossa parede, semelhante ao vidro, levantou-se em direção ao céu, acabando por envolvê-lo por inteiro.
- - - - -Curioso, com aquele evento inédito, que o separava do contato com o Mundo exterior, o Viajante manobrou cuidadosamente a barra de cristal para inteirar-se, com mais detalhes, da estranha parede que não visualizara antes. À medida que desacelerava pode observar melhor que o material translúcido levantado, fazia parte de uma enorme redoma, cujo teto era impossível de discernir. Ela envolvia o local como um enorme telhado de vidro, separando a parte exterior desértica, da interior, em melhores condições. Seus olhos acompanharam aquele oásis, entremeado de canais bem largos, ladeados por pomares bem cuidados. Belos edifícios de uma arquitetura desconhecida se entrelaçavam, constituídos de um material luzidio semelhante à porcelana verde.
- - - - -Aquela cidade perdurou no horizonte por vários séculos e a monotonia das mudanças o fez acelerar a máquina, para chegar a algum marco temporal, que pudesse ajudá-lo nos seus objetivos. Ao passar o marcador temporal pelo ano de seiscentos e trinta mil e duzentos e quatro, sentiu um pequeno solavanco, seguido de um outro mais forte à frente em seiscentos e quarenta e nove mil, novecentos e quarenta e nove, que quase tombou sua máquina. Os dois tremores haviam ocorrido num intervalo de quinze mil anos. Os dois passageiros durante a passagem destes dois fenômenos se seguraram com firmeza no assento, para não cair na zona intermediária que ficava entre a bolha de tempo da máquina e a zona exterior da mesma. Qualquer criatura que por ventura caísse ali, com ela em funcionamento, sofreria uma morte horrível de rápido envelhecimento ou rejuvenescimento descontrolado, presa entre as eras que se sucediam para frente ou para trás no tempo. Durante a viagem, o único local que mantinha um tempo relativo ao do operador, eram os limites da bolha.
- - - - -A maior preocupação do Viajante, era o de evitar quaisquer danos às conexões cristalinas entre o prato receptor dos “cronotrons”, e os controles. Se fossem rompidas, perderia o comando sobre a máquina. Não lhe agradava, de modo algum, ficar vagando na corrente do tempo. Muito menos, tornar-se prisioneiro de uma determinada época, sem chances de qualquer retorno.
- - - - -Uma das coisas que lhe chamou a atenção, foi o fato de não ter sentido os solavancos antes, quando de sua primeira viagem. Talvez se devesse a extrema velocidade com a qual se transportara, impedindo-o de sentir estes efeitos externos, que só seriam percebidos num nível mais lento.
- - - - -A curiosidade sempre foi a mãe da Ciência. Como explorador que era, não poderia deixar de investigar estes fenômenos que não são comuns na Inglaterra. Seria um futuro terremoto de grandes proporções que modificaria a estabilidade da região em que vivia ou algum outro fenômeno de causas desconhecidas?
- - - - -Em busca destas respostas, cautelosamente retrocedeu no tempo, passando novamente pelo segundo tremor, observando atentamente o que acontecia. Sentiu uma forte trepidação e uma grande pressão sobre a bolha temporal. Por sorte, na quarta dimensão, ela comportou-se como um escudo, desviando parte da energia da onda de choque, que passou a alta velocidade, soerguendo muita terra e poeira. A visão daquela catástrofe o deixou horrorizado, ainda mais pelo estrondo que se seguiu. Weena agarrou-se a ele desesperada, forçando-o a manipular a barra, retrocedendo para o “antes”, mais seguro.
- - - - -Era um acontecimento extraordinário, toda vez, que voltava. A mente humana se desenvolveu acostumada a um só tipo de percepção, num processo contínuo de eventos. Às fundações da casa, segue-se a cobertura. O inverso ocorre quando se efetua o retrocesso. A cobertura desmancha-se, seguida das fundações, que “encolhem” de cima para baixo. O cérebro do homem, não habituado a ver os acontecimentos desta forma, torna-se vitima de uma certa confusão, que provoca náuseas. Essa sensação constantemente assolava a mente do Viajante, que procurava evitar o movimento reverso, na medida do possível.
- - - - -Conforme foi retornando, passou pela primeira trepidação, que transcorreu de forma mais “suave”. Este termo, o Viajante utilizou, apenas para efeito de comparação, já que pelo solavanco, continha certo grau de energia. A única coisa que pode observar de seu assento, foi o de uma névoa esverdeada difusa, chocando-se com a bolha temporal.
- - - - -Fez uma rápida leitura dos controles e neles ficou evidente que a névoa ocorrera num espaço de tempo breve, naquele longínquo ano de 634.234 depois de Cristo. A hora exata marcada era 15:25 da tarde daquele dia e de posse desta informação, retrocedeu bem devagar e parou às 15:23.
- - - - -Pelos seus cálculos o segundo evento, apesar de parecer tão próximo, era uma ilusão, provocada pela compressão do tempo. O intervalo, entre os dois, dera-se num período de mais ou menos quinze mil anos, ocorrendo o segundo, às 10:40 da manhã do dia 14 de março do ano 649.949 d.C. Era um espaço de tempo muito longo comparado à vida média de um homem.
- - - - -A parede verde afastou-se, e a visão turva da aceleração, diminuiu, permitindo ver com nitidez a enorme redoma e pela primeira vez a familiar silhueta da Esfinge Branca. Esta construção revelava agora toda a sua magnificência. Era o oposto de como se apresentaria, no futuro, degradada pela pátina das eras. Aparentava ter sido construída há não muito tempo e apresentava-se vistosa, impressionando pelo seu aspecto misterioso. Do seu assento pode apreciar sua face meio leonina, dotada de um sorriso enigmático. Todo o conjunto estava recoberto por um mármore branco, assentado sobre um lustroso piso vermelho e fortes suportes de bronze. Sua construção e propósitos continuavam desconhecidos para o Viajante. Quem sabe, descendo da máquina, poderia conversar com os habitantes e descobrir finalmente o seu significado, mas teria que fazer isto em outra oportunidade. No momento interessava-lhe descobrir o que era aquela luz verde que se chocara com a bolha do tempo. E para isso dispunha de poucos minutos.
- - - - -O que o tempo escondera naquela monótona parede leitosa que envolvera a máquina, agora se apresentava como um vasto conjunto de obras que se estendiam até o horizonte, com torres bem altas, interligadas por túneis de vidro transparentes, com aquele aspecto de porcelana verde luzidia, que vira no museu arruinado. Tirou duas fotos, uma de cada lado da máquina.
- - - - -Foi então que notou no interior destes túneis mais próximos, as silhuetas de seus habitantes, correndo desordenadamente nos dois sentidos, como se fugissem desesperadamente de alguma coisa.
- - - - -Aquela sensação de admiração e curiosidade por esta civilização do futuro que vencera o deserto desfez-se muito rápido, diante da sua reação instintiva ao perigo. Tivera a insensata idéia de descer da máquina junto com Weena, para obter informações dispondo de poucos minutos. Conhecia o pânico generalizado e estava presenciando um agora. Calculara mal a forma de descobrir o que acontecera e a melhor coisa a fazer era voltar para a segurança da máquina.
- - - - -Devido ao clima de perigo que pairava no ar, havia poucos habitantes nas vielas próximas da máquina, com exceção de um grupo que corria aparentemente na sua direção. Apesar do pânico, a comoção causada pela sua presença ali, foi superada pelo instinto de sobrevivência. Da parte do Viajante, o choque de ver aquelas pessoas, diferentes dos Elois e Morlocks, não foi menor.
- - - - -Observou curiosamente suas cabeças, envoltas em escafandros de vidro. Suas estranhas roupas de cor escarlate, que brilhavam feito metal. Com certeza existiam mulheres e crianças naquele grupo, já que os que pareciam adultos, apesar de possuírem baixa estatura, puxavam pela mão, os menores.
- - - - -Quanto às feições daqueles habitantes, o que pode ver através daqueles escafandros foi muito pouco. Suas peles eram alvas, de um branco que jamais vira. Ou não tinham cabelos, ou raspavam todos os pelos do corpo, pois não viu nenhum sinal de sobrancelhas debaixo dos crânios calvos. Foi difícil distinguir os homens das mulheres, já que todos possuíam corpos franzinos, sem as características físicas das mulheres e homens do nosso tempo.
- - - - -Ainda sem saber do que fugiam, de repente aquele grupo estancou a correria e todos olharam para o céu, apontando nervosamente para ele. O Viajante no principio nada viu a não ser uma luz muito forte. Tentou proteger os olhos com uma das mãos e quando o forte brilhou desapareceu, notou nos edifícios mais afastados vários pontos esverdeados.
- - - - -Ambos levaram os dedos aos ouvidos ao sentirem uma leve pressão, que zumbia de forma incômoda. Conhecia já os efeitos produzidos pelos obuses dos canhões do exército britânico, que observados à distância, reluziam antes de se ouvir o estrondo que originavam, bem como, o caso dos relâmpagos, cuja luz caminhava pelo ar mais depressa do que o som. Naquele momento não estava bem certo se o brilho intenso que viu, provocara alguma turbulência no ar. Imaginou uma diferença na pressão pelo avanço de alguma onda de choque. Mas durante todo aquele processo, nenhum ruído de uma explosão chegou-lhe aos ouvidos. O que sentiu, na verdade, foi um silvo que cresceu paulatinamente e parecia vir de todas as direções, confundindo-o por alguns instantes. Logo percebeu que este som, não era ocasionado por algum estrondo e sim pela diferença de pressão entre as duas atmosferas: a interior e a exterior do domo. As duas estavam se compensando, por causa das várias rupturas na parede de vidro que protegia a cidade. O ar exterior era quente e mal cheiroso, o que explicava o fato daqueles habitantes usarem proteções, para a eventualidade de uma ruptura na estrutura. Os dois já começavam a sentir-se mal, expostos aos gases venenosos. Ele se perguntou como a humanidade chegara a este ponto, de ter de se refugiar dentro de campânulas gigantescas para poder sobreviver?
- - - - -Os pontos luminosos que vira ao longe, conforme se expandiam pelo espaço, adquiriram uma cor esverdeada destruindo tudo que tocavam. Mas não era um dano provocado pelo impacto de algum objeto, como a bala de um canhão. Era a dissolução pura das estruturas que desapareciam numa fosforescência esverdeada, até que esta esgotasse o processo ao findar seu potencial energético. Atônito, testemunhou seu terrível efeito sobre os seres vivos.
- - - - -O grupo que corria em sua direção, passou bem próximo da máquina, impelidos pelo puro terror. Mal se afastaram e a um brilho forte, seguiu-se uma outra esfera verde de energia que surgiu diante deles. De onde vinham estas formas mortais, indagou-se o Viajante, sem entender o que estava acontecendo? Quem estaria atacando uma população indefesa? Estava diante de uma guerra do futuro, onde se usavam meios de destruição desconhecidos?
- - - - -Aqueles habitantes voltaram pelo mesmo caminho, procurando fugir dela. Cada um que foi tocado por aquela parede oscilante de energia, foi consumido num fugaz brilho azul-esverdeado, desaparecendo totalmente em poucos segundos. Como era isso possível? A matéria de seus corpos se transformava em energia também, provocando aquele cintilação azul-esverdeada?
- - - - -Deixou estas considerações de lado e procurou salvar quem pudesse. O Viajante ficou em pé na sua máquina, agitando os braços na tentativa de chamar a atenção deles, para que se abrigassem no exíguo espaço de sua máquina. No desespero de fazer algo por aquelas almas, sua mente que procurava ditar suas ações pela lógica, deixou-se dominar pela emoção. Olhou no relógio e viu que marcava 15:24. Por uma ironia do destino, ele não tinha muito tempo. Mas a esfera foi mais rápida e não parava de crescer, ceifando aquelas vidas no seu percurso.
- - - - -Impotente, pode ver o terror nos olhos do último que sobrara, correndo o mais depressa que podia na sua direção. Mas ele já estava condenado. Para desespero do Viajante ele olhou para o relógio e este marcava 15:25. A contragosto foi obrigado a manipular a barra que controlava o fluxo temporal, se não seriam os próximos a experimentar os efeitos mortais daquele campo esverdeado.
- - - - -Quando a expansão da parede mortal passou por onde estavam, cruzou o espaço, quase vazio, sem tirar mais duas vidas. Chocou-se com a bolha temporal e provocou um solavanco. Isto explicava as causas do primeiro tremor.

Capítulo 5 – Nova busca.

- - - - -Enquanto a máquina trepidava ao chocar-se com a esfera esverdeada, ele procurou segurar Weena, para que não caísse, até se estabilizarem. Pensou em voltar no tempo e socorrer ou pelo menos alertá-las do perigo. Sabia que não seria uma tarefa fácil e não poderia sozinho abrigar toda uma cidade. Mal ele e Weena cabiam no espaço que ocupavam.
- - - - -Talvez esta fosse a sina de todos que viajassem pelo tempo. Podia-se testemunhar, mas não se podia interferir. Como saber quem deveria salvar ou não? E que conseqüências isto traria para a trama do tempo? A única exceção fora Weena e até aquele momento ele ainda não tinha certeza das implicações que isto causaria no curso dos acontecimentos, após retirá-la de sua época. Contentava-se com a hipótese de que com a sua eventual morte, a partir daquele instante não haveria futuro para ela, e por tanto não existiriam linhas alternativas que ocupasse ou viesse a ocupar. Esperava que as implicações parassem por ai. Mas também não tinha certeza, se em outra, ela continuaria vivendo, sem sua interferência. Pelos menos, criara uma, em que ela viveria, cujas implicações ele mal poderia adivinhar naquele momento.
- - - - -Por outro lado sentiu um grande peso na consciência por não ter feito mais para salvar aquelas pessoas e refletiu que se tal catástrofe fazia parte da história do mundo, assim como o foi a destruição de Pompéia ou a devastação provocada pelo Krakatoa, um simples Viajante do Tempo não poderia impedir sua eclosão e mudar as conseqüências de tais calamidades.
- - - - -Refletiu que raras vezes um só homem poderia mudar os acontecimentos. Em meio a uma batalha mais um guerreiro não faria diferença. No entanto, se retirasse de uma delas, figuras como Napoleão ou Alexandre, apesar de estarem protegidos por companheiros que, não hesitariam em dar suas vidas para impedir sua morte, conseguiria mudar a história?
- - - - -Se conseguisse impedir que Júlio César, chegasse ao Senado, evitando assim sua morte, não teria o próprio fluxo do tempo, como um rio que teima em voltar ao seu leito, alterado sua ação, provocando o seu assassinato de outra forma ainda não registrada pela história? Ou teria ele causado o curso de uma nova história e retornado ao seu tempo num mundo totalmente diferente do que deixara, alterado pelas ações da vida prolongada de Júlio César? Por mais que detestasse concordar com isso, ele não poderia elucidar este dilema. Poderia ou não, ter salvado aquelas pessoas, mesmo se dispusesse a encontrar e impedir a ação daquilo ou daqueles, que tinham provocado tamanha mortandade. O que testemunhara, mesmo a contragosto, deveria continuar assim, por enquanto.
- - - - -Diante das terríveis imagens, ainda nítida em sua mente, ele deixou a reflexão altruísta de lado e se concentrou no que presenciara. Na verdade ele não sabia ao certo o que tinha acontecido. Que crueldade era aquela? Quem eram os autores daquelas esferas de destruição já que não presenciara nenhum exército inimigo? Ou era algum tipo de fenômeno atmosférico novo, que assolava a Terra periodicamente? Pretendera conhecer as maravilhas do futuro, mas até agora só conhecera os seus horrores.
- - - - -Resignado, acelerou sua máquina e foi observando o que acontecia ao seu redor. Talvez houvesse sobreviventes com quem pudesse tentar um dialogo e descobrir a razão daquelas esferas mortais. Mas como não tinha idéia do tempo que tais armas ou forças, continuavam exercendo seus efeitos nos locais que haviam sido atingidos, foi avançando e desacelerando, parando cautelosamente algumas vezes, para ver se o ar tornara-se respirável. Naqueles anos subseqüentes, procurou também por alguma alma viva, sem muito sucesso.
- - - - -Assim, inconformado com a sua impotência, de mudar o que quisesse, foi afastando-se cada vez mais para o futuro. À medida que avançava, imaginou que talvez aquela última calamidade, deixaria suas marcas no solo. Caso fosse escavado por algum geólogo de um tempo futuro, talvez marcasse a passagem de uma era para outra, assim como no caso das bestas pré-históricas, que haviam deixado de existir e deixado a marca de sua presença entre as camadas do solo. A destruição fora de tal monta que aniquilara aquele resquício de humanidade, impedindo o seu último esforço para impedir o esgotamento da Terra. Isto punha um fim a uma sucessão de civilizações desconhecidas que presenciara, que apenas seriam conhecidas por futuros arqueólogos.
- - - - -Até agora, sempre que expulsa, a raça humana, com tenacidade, retornava aos poucos, reocupando seu lugar. Desta vez a catástrofe fora de tal magnitude que um terreno desértico cobriu todo o horizonte, por milhares de anos. A redoma desabou por completo expondo todos os edifícios que tinham sobrevivido, às vicissitudes do clima, que lembravam a perenidade dos homens na Terra.
- - - - -A Esfinge, poupada do mesmo destino, não ficou incólume à ação do tempo. Seu piso, outrora vermelho e sua cobertura alva, desapareceram, aos poucos, sepultada pelos sedimentos trazidos pela ação dos ventos daquele vasto e persistente deserto.
- - - - -Nestes milhares de anos, o calor daquela terra ressequida que os incomodara com seu hálito quente, foi no final substituído por fortes ventos que no final trouxeram ininterruptas tempestades, que inundaram a terra. A areia, foi levada, por aquela torrente sem fim de água, pondo abaixo as construções expostas que haviam restado. Quando cessou, o solo coberto por uma nova camada fértil de terra permitiu o crescimento de uma luxuriante cobertura vegetal. Teria sido conseqüência de sementes sobreviventes, cobertas pela areia, que carregadas pelas fortes correntes de ar, encontraram condições para medrar? Quem poderia dizer ao certo, quais eram os caprichos da natureza?
- - - - -Rodeado de uma paisagem mais verde, e com a esperança renovada, às vezes, parava a máquina, buscando conforto nas delicadas mãos de Weena. Descia com ela, sem se afastar muito, à procura de sinais de alguma geração futura, que porventura tivesse sobrevivido, ocupando aquela terra mais uma vez virgem.
- - - - -Percebeu nestes recessos, que a vegetação compunha-se agora de muitas formas estranhas, que haviam sofrido mutações. Como um diligente botânico, apanhou algumas, aqui e ali, deixando-as próximas aos seus pés. Mas, este processo de coleta, revelou-se ineficaz, pois mesmo dentro da bolha temporal, logo se deterioravam. Sua idéia era levar alguns exemplares para estudo, quem sabe mostrando novas espécies a Royal Society. Lamentou dispor de tão pouco espaço e de material de acondicionamento adequado para elas.
- - - - -Não presenciou qualquer tipo de vida animal. Mesmo assim em todas as vezes que fez um intervalo no seu movimento pelo tempo, apurou os ouvidos e pode ouvir no ar estranhos guinchos de algum ser desconhecido, mas nenhum sinal dos descendentes da cidade.
- - - - -Até que nível a vida fora afetada por aquela tremenda catástrofe do passado, ele não pode dizer. Lamentou não ter transportado consigo um microscópio para analisar até que ponto a vida microbiana do solo e da água havia sido prejudicado por aquelas manifestações de energia que testemunhara. Sentiu-se de certa forma recompensado pelos sons solitários que ouviu. Isto significava que a vida sobre o planeta não desistira tão fácil e lutava para subsistir aos caprichos de seu maior algoz, reagindo aos ditames das leis evolutivas.
- - - - -Fez mais algumas pausas ao longo dos milênios seguintes, vendo a parte da cidade que sobrevivera a areia e à chuva, desaparecer cada vez mais no meio da paisagem coberta por densa vegetação, até que só restasse uma pequena parte superior da Esfinge. Uma única vez deparou-se com um animal desconhecido de grande estatura. Não soube dizer se era o resultado de alguma mutação, ou se nada mais era, do que os últimos representantes da antiga fauna deste mundo futuro, que viera reclamar a posse daquela terra, tornada selvagem novamente.
- - - - -Darwin sempre insistira que as espécies se modificavam muito lentamente e o período que percorrera fora muito pouco para dar origem a novos animais. Pelo menos assim pensava-se. Provavelmente o esqueleto deteriorado que vira no antigo museu pertencesse a este exemplar.
- - - - -Depois de dez mil anos, conformou-se, desistindo do intento de procurar por sinais de civilização e partiu para o ano 649.949, em busca da causa do segundo tremor que sentira.
- - - - -Estava consciente de que quando iniciara a busca das origens dos Morlocks, sua máquina sacolejara ao ser tocada por um fenômeno intenso. Diante do que viu na Cidade da Redoma, ficou receoso de passar por uma experiência idêntica. Não queria se expor junto com Weena a qualquer forma de energia desconhecida. Mas não tinha certeza se o segundo tremor era conseqüência disto. Se fosse, teria a humanidade se reerguido e engalfinhado novamente em outra guerra? Que horrores teriam de testemunhar agora?
- - - - -Cautelosamente avançou, tentando visualizar na paisagem que cambiava rapidamente, algum indicio que pudesse ser a causa do tremor. Nada viu que pudesse lhe dar alguma explicação para o que procurava. O único marco que restara, era uma pequena parte da Esfinge solitária, quase coberta pela vegetação. Por sorte a máquina sempre se acomodava as reentrâncias e saliências do solo, permanecendo sobre a superfície mutável.

Capítulo 6 – A Torre.

- - - - -Ao se aproximar da data em que ocorreria o segundo tremor, despertou sua curiosidade, ver a Esfinge, aos poucos ser desencavada e restaurada. E não era só isso. Pela primeira vez, ao longe, notava-se alguma coisa negra, nitidamente artificial, ganhar altura.
- - - - -Avançou devagar para o futuro e sentiu novamente a forte trepidação. Cautelosamente manobrou a máquina para retornar ao antes da vibração, passando mais uma vez pelo desconforto que ela causava. Desta vez, manipulou os controles um pouco para frente no tempo, para chegar três dias antes dele se iniciar, conforme seus cálculos, baseados nos mostradores de seu painel. Desta forma, disporia de uma folga segura para examinar o que provocara o fenômeno. Depois que descobrisse suas causas, ainda teria tempo suficiente para retornar e se por a salvo dos seus efeitos, acelerando a máquina do tempo em direção ao futuro. Pelo menos era este o seu plano, naquele momento.
- - - - -Fez mais alguns pequenos ajustes e lentamente a névoa ao seu redor foi se dissipando e o Sol, que corria acima da sua cabeça como uma faixa incandescente, cedeu lugar a um pequeno globo brilhante encoberto por nuvens.
- - - - -O indicador marcava o dia 11 de março de 649.949 e haviam chegado em pleno final de inverno, mas o ar ainda se ressentia dos efeitos do frio que se despedia daquele Mundo. Mas era um frio mais ameno, sem precipitação de neve. Na época dos Morlocks a Terra seria ainda mais quente do que aquela ao qual chegara e demorou um pouco para que se acostumassem à temperatura.
- - - - -O que o preocupava mais era sua companheira que apenas vestia uma roupa leve. Mesmo sentido frio tirou a sua jaqueta e cobriu o delicado corpo de Weena. Ela lhe agradeceu com um olhar de satisfação e enrolou-se em seu casaco.
- - - - -Desta vez ele não saberia dizer quais perigos teria que enfrentar. O temor de que horrores iguais aos dos Morlocks pudessem estar à sua espera fez com que fosse mais cauteloso. Verificou o seu estoque de balas e colocou a pistola carregada na cintura diante dos olhares inocentes da companheira Eloi.
- - - - -Ele olhou em todas as direções, procurando por mais indícios de outras colunas escuras no horizonte. Não havia outras, apenas a que vira de sua máquina. Não era possível ver os detalhes, apenas a parte superior de uma construção. Um facho de luz, na parte mais alta, perfurava as nuvens, desaparecendo em seu interior. Era difícil mensurar até onde, na atmosfera, chegava seu alcance.
- - - - -Ficou em dúvida se tal luz era apenas um tipo de complemento arquitetônico, um tipo de farol ou se servia para algum propósito desconhecido. Devido à distância que se encontrava, não conseguiu ver mais detalhes daquela pilastra de ébano, que se fundia com o céu escuro. Percebeu apenas que além de se afilar, possuía alguns apêndices que se sobressaiam, à medida que subia, mas daquele ponto onde estava não podia exigir mais da sua visão. Apenas um estranho efeito ao redor dela se destacava. Eram pontinhos que se assemelhavam a abelhas movendo-se em torno de uma colméia. Seriam balões utilizados pelos seus habitantes para locomoverem-se de um ponto a outro na Torre? Se assim era, possuíam uma agilidade e velocidade que nunca vira.
- - - - -Calculou que para poder observar a construção de onde estava, esta deveria medir mais de quinze milhas de altura. Para sustentar tal gigante as fundações deveriam ser imensas, e isto era algo que gostaria de ver pessoalmente.
- - - - -A Esfinge Branca, onde passara momentos de terror, foi outra coisa que lhe chamou a atenção. Ela estava agora totalmente restaurada. Tinha recebido um novo revestimento de mármore branco, que refletia a luz solar. Mas aquele dia estava encoberto, por nuvens de chuva. Imaginou o espetáculo que deveria ser, reluzindo bastante e espreitando os visitantes, com suas asas semi-estendidas, como se preparasse para saltar em cima de sua presa. Ainda lhe escapava o motivo de sua construção. Novamente lhe veio à mente, aquele momento em que parara no passado. Pretendera somente indagar aos habitantes, o seu significado. Mas jamais imaginara presenciar todo aquele horror.
- - - - -Os Morlocks apenas a utilizariam no futuro como um local de onde se escondiam da luz. Mas não fora este seu propósito inicial. Era evidente que tinha sido feita sob a supervisão de um arquiteto ou de um engenheiro, amparado pela ciência de uma cultura avançada. Provavelmente era um templo ou um monumento histórico, muito comum nas grandes cidades da sua época. Então talvez tal hábito ainda não fora suprimido, nas civilizações futuras, considerou.
- - - - -Teria ele a ver com a enorme torre que avistara? Não havia dúvidas, que eram os responsáveis pela recuperação dela, mas por que? Seriam os descendentes da Cidade da Redoma?
- - - - -De qualquer forma não viera para fazer explorações arqueológicas, não que quisesse evitá-las, mas aquele solavanco atraíra sua curiosidade, e era sobre isso que concentraria seus esforços. E também, o que tinha se imposto: descobrir mais fatos que o ajudassem a entender o deplorável futuro da espécie humana. Sentira isto na carne e estava disposto a fazer alguma coisa a respeito.
- - - - -Além destas idéias, que não cessavam de passar pela sua cabeça, tinha bem claro na mente, que deveria seguir à risca seu plano, já que, dali a três dias, o inferno desabaria sobre aquela parte do Mundo. Ele não tinha uma idéia exata de como faria isso. Talvez as respostas residissem naquela construção negra. Então deveria começar por ela.
- - - - -Tendo isto em mente, planejou fazer a viagem de ida e retorno até a construção, no máximo em um dia, ou dois. Isto lhe daria margem suficiente de tempo para que, conseguisse descobrir alguma coisa do evento que ocorreria. Depois, só lhe restaria retornar o mais rápido possível para a máquina.
- - - - -Gentilmente ajudou Weena a descer, e assim que a colocou no chão, retirou delicadamente a barra de cristal, enrolando-a em seu lenço. Depois a guardou com cuidado dentro da mochila para que não sofresse nenhum dano. Pegou a arma, verificou o tambor e retirou a caixa de balas, para ver quantas lhe restavam. Gastara um terço da sua munição e prometeu a si mesmo, que só faria uso dela, em caso de extrema necessidade.
- - - - -Procurou esconder o melhor que pode a máquina, arrastando-a poucas jardas para uma pequena cavidade próxima, cobrindo a entrada com galhos, pedras e ramos caídos, de forma que só ele saberia de sua presença. Procurou apagar os sulcos deixados no chão, passando sobre eles um dos ramos, enquanto Weena fazia o mesmo com seus pequenos pés, acreditando ser parte de alguma brincadeira.
- - - - -Dispôs algumas pedras, como um marco, apontando para o esconderijo. Levantou-se batendo a terra das mãos e olhou ao redor, para fixar alguns acidentes geográficos que se estendiam além da grande Esfinge. Esperava que o ajudassem a encontrar o caminho de volta rapidamente, no caso de alguma emergência. Em seguida ajeitou a mochila no corpo e segurou a mão da Eloi para iniciarem a caminhada.
- - - - -Seu objetivo imediato era dirigir-se para a construção negra que estava à sua frente. Quem sabe encontraria no caminho o edifício de porcelana verde que visitara no futuro, em condições melhores do que o encontrara. Torceu para que os construtores daquela Torre dominassem a engenharia em todos os seus aspectos. No seu entender poderia manter um diálogo proveitoso com aquela civilização, na sua busca por respostas. Poderia até ajudá-los a evitar a hecatombe que se aproximava.
- - - - -Assim que se aproximou mais do monumento, viu uma coisa, que não percebera antes. Movimentava-se próxima a ela, como se montasse guarda, tal como um cão guardando fielmente o terreno de seu dono. Era o primeiro sinal daquele estranho Mundo do futuro.
- - - - -O que viu foi uma criatura que lembrava vagamente um homem e a semelhança acabava neste ponto. Seu corpo compunha-se de uma esfera de cristal, do qual se projetavam vários tentáculos. Estes serviam de pernas ou braços, conforme as ações que executava. O que era aquilo? Uma forma nova de vida artificial?
- - - - -Curioso, aproximou-se cautelosamente com a arma em punho, colocando Weena atrás de si. A criatura sentiu a presença de ambos e imobilizou-se, como se aguardasse uma ordem para atacar. Ele caminhou mais alguns passos na sua direção e a criatura levantou dois tentáculos de forma ameaçadora, obrigando-o a retornar vagarosamente. Sem saber o que fazer, e vendo que ela não os atacava, procurou afastar-se, colocando o maior espaço possível entre eles. A coisa sentiu isso e retornou ao que fazia antes, circundando a Esfinge como uma obediente sentinela.
- - - - -Decidiu seguir seu plano original de caminhar até a Torre e voltou-se na direção dela. Guardou a arma na mochila e preparou-se para caminhar. Antes, forçou a vista para se posicionar e decidir sobre o melhor caminho a fazer, quando teve a impressão que aqueles pequenos pontos, que a principio lhe tinham parecido um enxame de abelhas, estavam começando a aumentar de tamanho. Esperou por alguns instantes e constatou que de fato vinham na sua direção e em rápida aceleração.

Capítulo 7 – Capturados.

- - - - -Ele tinha deduzido, assim que os vira pela primeira vez, que aqueles pequeninos pontos, movendo-se no ar, poderiam ser balões. Não estava preparado para a surpresa que foi, mesmo para ele, habituado a acompanhar as novidades de sua época, deparar-se com máquinas que superavam tudo que vira até então.
- - - - -Elas chegaram em grande quantidade, pairando acima de suas cabeças à procura de alguma coisa, próxima de onde estavam.
- - - - -O Viajante procurou não se esconder, apesar de não ter certeza se ia encontrar seres hostis ou amigáveis. O espetáculo daquelas máquinas voadoras era um fato inédito em sua vida, mas ali do solo não conseguiu perceber seus detalhes, devido à posição em que se encontrava. Tentou, por falta de maiores referências, classificá-los como balões dirigíveis, iguais aos fabricados na Alemanha por Ferdinand Von Zepelin. Mas ele estava certo, de que eram mais que isso. Já ouvira falar de tentativas isoladas de intrépidos inventores, que tinham tentado voar com máquinas mais pesadas que o ar. Quase todos os projetos que chegaram ao seu conhecimento, seguiam a engenharia das aves. Estes não seguiam tal desenho. Ele, nessa ocasião, desconhecia um fato novo que ocorrera durante seu desaparecimento. Era o vôo feito em público por dois irmãos residentes na América, como também por um outro homem morando em Paris. Mas tais naves eram bem rudimentares se comparadas às maquinas que viu.
- - - - -De repente uma delas aproximou-se, como uma ave de rapina que tivesse encontrado sua presa. Passou bem rente às suas cabeças, para certificar-se de que estavam ali e disparou para o céu.
- - - - -Foi um sinal combinado previamente. Logo as outras se aproximaram em grande quantidade.
- - - - -Deduziu, que não flutuavam, por serem mais leve que o ar. Poderiam estar cheias de hidrogênio, como os dirigíveis alemães, mas não havia um recipiente para alojar o gás. Era um maquinário engenhoso que o impressionou. Quaisquer que fossem as impossibilidades de sua construção em seu tempo o homem afinal superara tais dificuldades. Agora ele podia vê-las ali, na sua frente, executando manobras impensáveis no seu tempo.
- - - - -Se, eram comandadas por um ou mais tripulantes, foi impossível dizer naquela altura dos acontecimentos, já que do ângulo em que estava, só pode avistar a parte inferior, oblonga.
- - - - -Como num balé, algumas foram planando lentamente, num grande círculo, em torno deles, até atingir o nível do solo, sem jamais tocá-lo. As demais se mantinham acima, como meras espectadoras, aguardando o momento certo para entrarem em ação.
- - - - -Ele girou e contou dez máquinas pairando ao redor. Notou que em todas, havia uma cobertura de proteção por sobre o condutor, mas que não era vidro e mais se parecia com um material transparente como se fosse seda, apesar de saber de que não se tratava disso. Mas era a melhor palavra que podia descrever aquela textura.
- - - - -Através dela podia-se ver a silhueta do provável tripulante. Havia um, em cada carro, e todos estavam imóveis. Como o haviam localizado tão depressa era um fato curioso. Ou fora mera coincidência encontrá-los naquele pedaço de solo ou a máquina, perto da Esfinge os avisara da chegada de alguém, com uma aparência desconhecida para eles.
- - - - -Esta forma de abordagem encheu-o de dúvidas, quanto às suas intenções. Pensou em retirar a arma da mochila, e usá-la, caso tentassem qualquer coisa. Mas achou precipitado de sua parte, já que deveria estar na presença de seres inteligentes, bem diferentes dos bestiais Morlocks. Com certeza, possuiriam também, armas de efeitos desconhecidos. Achou melhor, não se mostrar hostil e aguardar o desenrolar dos acontecimentos.
- - - - -Por alguns instantes, reinou um grande silêncio, sem que tomassem qualquer iniciativa, demonstrando talvez, uma indecisão sobre o modo como deveriam fazer o contato. Por fim ele se decidiu pela ação e dirigiu-se para um dos carros voadores, colocando como sempre, Weena atrás de si, para protegê-la. Assim que o fez, uma daquelas máquinas, que estavam acima, disparou um feixe de luz. Ele imediatamente se transmutou numa girândola, descendo desta forma na direção deles, produzindo um som grave e modulado. Era uma forma de luz controlada, pois ao colocar-se acima de suas cabeças, cessou seu movimento giratório e desceu sobre eles uma parede de energia, que os envolveu por completo. Fosse o que fosse, a intenção era de mantê-los dentro dela, impedindo qualquer deslocamento.
- - - - -O Viajante curiosamente tocou a parede tremeluzente levemente com o dedo, para saber do que consistia. Para sua surpresa, ao fazer isso, uma faísca estalou no ponto onde tocou. Sentiu uma tensão elétrica. Sabiamente retirou-o prontamente. Percebeu com isso, que este campo elétrico, que os envolvia, possuía uma voltagem desconhecida. Um contato brusco do corpo, contra suas paredes eletromagnéticas, poderia causar inconsciência, já que sentia uma leve dormência no dedo. Decidiu ficar parado, até que fosse removido. Mas como era sustentado? E quanto tempo levaria para ser suspenso? E havia mais. Presos dentro dele os níveis de dióxido de carbono começariam a aumentar. Se o oxigênio não pudesse atravessar aquela parede de energia, acabariam asfixiados.
- - - - -Sua companheira não manteve a mesma serenidade. Ao ver a faísca, assustou-se, movendo-se na direção da parede energética, para atravessá-la. Ele a segurou com força, a tempo de evitar que fosse eletrocutada. E manteve-a assim, impedido-a de tentar outra vez.
- - - - -Percebendo que um deles não reagiria e segurava o outro, demonstrando certa inteligência diante do campo elétrico, os ocupantes das máquinas, desligaram suas cortinas de seda que cobriam seus assentos e saíram.
- - - - -Weena, que minutos antes, depois de ser colocada no chão, correra como uma criança, para lá e para cá, arrancando e cheirando as mais diversas plantas, ficara muito assustada com aquela gaiola de pura energia. Sentindo-se presa dentro daquele campo com a forma de um cone, testemunhando um fenômeno desconhecido por sua simples mente, ficou ainda mais agitada, ao ver aqueles seres estranhos, descendo de suas máquinas voadoras, vindos em sua direção. Agarrou-se com força a ele, amassando todas as flores que colhera. O Viajante procurou tranqüilizá-la, agachando-se e encostando seu rosto ao dela. Depois se levantou, decidido a enfrentar o que quer que fosse, encarando resolutamente aquelas figuras que caminhavam para eles. Encostou a mochila no peito, abriu-a e ficou segurando a arma, sem tirá-la. Se tentassem alguma coisa, dispararia, esperando que as balas a atravessassem.
- - - - -À medida que se aproximavam, pode ver com detalhes, o aspecto daquelas formas do futuro. Apesar de serem um pouco maiores que os Elois, possuíam uma estatura menor que a média dos europeus modernos. Ligeira exceção poderia ser feita às pessoas anãs ou aos pigmeus, que habitavam nos dias de hoje, regiões remotas da África Central.
- - - - -Suas feições eram delicadas, quase infantis, na falta de uma melhor classificação, devido aos traços delicados de seus semblantes e seus corpos de constituição frágil. Por causa deste detalhe eles eram quase idênticos e os traços exteriores que poderiam identificar os sexos, eram pouco acentuados. Seus crânios eram um pouco maiores que os nossos e desprovidos de pilosidade.
- - - - -Vestiam roupas estranhas, diferentes das simples indumentárias dos Elois e dos rústicos tecidos dos Morlocks, e é claro da moda a que estava acostumado na sociedade londrina de 1900. A roupa colante terminava numa espécie de bota que se ajustava perfeitamente aos membros inferiores. Por sobre a cabeça, usavam um capacete transparente que só cobria a parte de trás, com dispositivos, que se projetavam até o rosto. Um ficava próximo à boca, outros dois, próximos aos ouvidos e um terceiro, que descia sobre um dos olhos, conforme assim se desejasse. Provavelmente eram dispositivos de comunicação bem sofisticados.
- - - - -Viu também que sobre o traje se fixava uma série de pequenos apetrechos que o Viajante não soube a principio, dizer para que serviam. Todos portavam à mão um objeto ovóide que provavelmente seria uma arma, demonstrando que a sua chegada provocara alguma comoção naquela sociedade, por motivos que ainda desconhecia, mas que gostaria de esclarecer na primeira oportunidade.
- - - - -O que mais chamou a sua atenção, que admirava as particularidades da engenharia, eram as máquinas que os havia transportado pelo ar. Como já ressaltei antes, era um mecanismo que jamais vira ou imaginasse que um dia viesse a ser construído.
- - - - -Era um pouco menor que um cabriolé, um pequeno coche puxado por um cavalo, comum em Londres, que acomodava duas pessoas. Pelos seus cálculos ela devia medir umas quatro jardas de altura por três de comprimento, sendo composta de uma única chapa de liga escura.

Capítulo 8 – O contato.

- - - - -Nesta altura da sua narrativa, o Viajante teceu alguns comentários, que decidi incluir. Na verdade eram elucubrações, sobre o desenvolvimento de futuros engenhos. Ele me recordou que dois anos antes de iniciar sua primeira viagem, em 1897 os ingleses haviam feito furor ao construírem um veículo, chamado pelos jornais de Leicester. Ele dispensava tração animal e utilizava um motor de explosão para movimentar-se. Na época teve-se, a impressão geral que seria apenas um daqueles inventos excêntricos, um modismo, que após uma breve aparição, logo seriam esquecidos.
- - - - -- Teria tal invento evoluído para este veículo – ele me perguntou entusiasmado – superando as expectativas dos londrinos?
- - - - -Respondi-lhe que pelo menos em nossa cidade o seu número começava a crescer, desde que o viajante partira da segunda vez, apesar de ser ainda muito dispendioso e quebrar-se com facilidade. E sua posse era um luxo ainda muito distante das possibilidades da maioria da população.
- - - - -Ele refletiu sobre isto e nada disse, guardando para si o que pensava a respeito.
- - - - -Esperei que rompesse seu silêncio, o que fez em seguida, continuando a narrar-me a sua segunda viagem.
- - - - -Atrás da redoma de energia, onde estavam aprisionados, todos olhavam curiosos, tentando entender de onde surgiram seres tão diferentes de sua raça. Sentiu-se como um homem das cavernas, exposto numa jaula do Zoológico de Londres e desejou que tal situação embaraçosa findasse rapidamente.
- - - - -Se, para estes seres, o Viajante nada mais era do que uma forma de vida que vagamente se parecia com eles, como o seria o já citado homem das cavernas, caso surgisse na capital diante de nossos contemporâneos, demonstraram menos estupor com a Eloi. Foi como se compartilhassem com ela, uma proximidade maior do que sentiam por aquele homem gigante e abrutalhado que se imaginava o símbolo da sociedade mais avançada do planeta. Um destes coches voadores que até então estivera acima, pousou. Seu tripulante caminhou até onde estavam encerrados. Deu uma volta completa em torno do domo e não percebendo nenhum perigo, ordenou algo em sua língua que fez a parede de eletricidade desaparecer imediatamente.
- - - - -Quando isto ocorreu, o Viajante deu um passo à frente para agradecer. Este ato de cortesia provocou o afastamento brusco de todos, que levantaram suas estranhas armas. O único que não se mexeu e ficou impassível, foi o recém chegado, que mandara abaixar a parede. Ele virou a cabeça para os demais e soltou uma estrepitosa gargalhada. Tal feito, o fez lembrar que, apesar do imenso intervalo de tempo, estes seres ainda mantinham alguns traços de personalidade, semelhantes ao dos humanos, como o da coragem e da comédia.
- - - - -Com Weena ainda agarrada a ele, o Viajante abriu um sorriso. Fez uma saudação universal de paz, com o braço direito erguido, tentando se comunicar com ele no nosso idioma sem muito sucesso. Tentou o francês, depois o alemão, grego e latim e por último, tentou a linguagem de sinais. Durante este esforço de dialogar, o corajoso ser esforçou-se para corresponder, emitindo sons incompreensíveis. Por fim chegaram a um consenso. O estranho fez um sinal para que esperassem ali.
- - - - -O que de imediato chamou sua atenção relacionava-se a alguns dispositivos que carregavam. Um deles, cujo óbvio objetivo era o da comunicação, estava disposto na face, próximo aos lábios. Provavelmente utilizava ondas sonoras, iguais ao nosso recente descoberto rádio. O outro, que se projetava à frente do olho direito, segundo soube depois, permitia o recebimento de imagens, através de outro tipo de onda, sobre qualquer outra informação que se necessitasse.
- - - - -Não demorou muito e uma outra carruagem começou a descer. Era um pouco maior que as outras e desta vez, conforme o ângulo de seus movimentos, pode notar que possuía mais assentos e trazia a bordo duas figuras que se vestiam da mesma forma.
- - - - -Desta vez o Viajante não teve dúvidas. Tirou da mochila sua câmera portátil Kodak e a ajustou na direção da fantástica máquina. Bateu uma foto do veículo ainda no ar, sob o olhar condescendente e curioso do responsável por aquelas pequenas criaturas.
- - - - -A máquina voadora fez mais alguns rodeios no ar, procurando por espaço no chão. Assim que encontrou, pousou o mais próximo possível deles.
- - - - -O simpático ser, que desligara a coluna de eletricidade, fez mais sinais para os dois, para que subissem no aparelho. Ele recebeu o convite com muita expectativa por poder desfrutar da nova experiência. A única dificuldade que encontrou, foi a de convencer a pequena Eloi a acompanhá-lo. Seu medo era tanto que precisou carregá-la nos braços.
- - - - -A carruagem voadora dispunha de quatro assentos, sendo que os frontais eram ocupados por outros dois pequenos seres. Um desempenhava o papel de Condutor e o outro, provavelmente ou de Soldado ou de simples Ajudante.
- - - - -Com muita paciência o Condutor, sob os olhares atentos do Companheiro Armado, ajeitou o Viajante no assento. Assim que se sentou, foi envolvido por uma trava metálica que pressionou seu tórax, deixando-o apreensivo a principio, mas depois, fazendo-o rir de sua própria ingenuidade. Raciocinou que qualquer engenheiro de bom senso colocaria naquele dispositivo voador mecanismos de proteção para seus ocupantes. Uma manobra brusca poderia fazer com que um homem sem proteção, caísse e, dependendo da altura e velocidade, fosse vítima de uma morte horrível. Já presenciara algumas vezes, acidentes com condutores de coches que não usavam este tipo de proteção.
- - - - -Ele tomou todo o cuidado com Weena e só se sentiu seguro quando a outra trava metálica a prendeu no assento. Ao sentir-se imobilizada, ficou muita agitada e só se acalmou, depois que lhe mostraram como tirá-la. Mesmo assim sentiu seu coração acelerado. Segurou então suas pequenas mãos, procurando transmitir-lhe confiança.
- - - - -As duas criaturas conversaram em sua língua por alguns segundos, dando a impressão que se certificavam de que tudo estava em ordem. Em seguida, o Condutor não apertou nenhum botão, ou acionou qualquer dispositivo manualmente para fazer com que se movesse. Apenas com sua voz, captada de alguma maneira por ela, foi obedecido prontamente, elevando-se com toda segurança do solo.

Capítulo 9 – Rumo à cidade Torre.

- - - - -Assim que a carruagem se afastou do chão, o Viajante sentiu uma pequena pressão contra o assento, que logo passou. Com o aumento da velocidade, a corrente de ar, cada vez mais forte, chocou-se contra seu rosto, impedido-o de manter os olhos abertos, e desta maneira, ter uma boa visão do solo. O mesmo aconteceu com Weena, que tentava segurar seus cabelos e piscava sem parar. Ele pensou em chamar a atenção dos tripulantes, de alguma forma, para que fizessem alguma coisa para cessar o incomodo, quando, para surpresa de ambos, um envoltório, fino como seda, cobriu a parte superior, como um teto, isolando-os do vento exterior.
- - - - -Imaginando tratar-se de outro campo elétrico, ele cautelosamente tocou-o com o dedo, e não sentiu qualquer tensão. Era um sólido de fina espessura, translúcido como cristal e forte como o aço.
- - - - -Assim, sem a perturbação das correntes aéreas, e como se estivesse na cesta de um balão, ficou admirando a paisagem que passava rapidamente por sob a carruagem.
- - - - -Foi de fato, como disse o Viajante, uma experiência incomum. Nunca tinha sido transportado daquele jeito. Claro que estava a par das narrativas dos tripulantes de balões e de dirigíveis de sua época, mas nunca o fizera pessoalmente. Tinha visto, inclusive, quadros e fotos de exploradores e aventureiros, retratando as alturas. As únicas sensações que realmente experimentara de subida, ocorrera em alguns edifícios de Londres ou pela passagem dos trens, por pontes ferroviárias, em viagens que fizera pela Grã-Bretanha. Aquilo era algo novo em sua vida. Como uma criança extasiada com seu novo brinquedo, aproveitou ao máximo aquele momento. Virou-se e pela primeira vez, pode abarcar toda a extensão da Esfinge Branca, vista de cima. E também a estranha máquina que a rodeava como a um cão, protegendo o território do seu senhor.
- - - - -Lá do alto, à medida que se afastava, passando vertiginosamente pelos campos, sobrevoavam o Palácio de Porcelana Verde, que visitaria no futuro. Provavelmente o edifício servia agora não só como museu, mas também como parte da estrutura administrativa de algum governo que dominava toda a área que seus olhos alcançavam. Mesmo assim, ele, que era enorme pelas suas dimensões, mostrava-se pequeno diante da sombra projetada pela construção em forma de Torre, revelando outros aspectos que não tivera a oportunidade de apreciar na primeira viajem. Dali pode avaliar melhor sua vastidão, repleta de anexos e rodeado de imensos jardins, bem cuidados. Era um quadro bem diferente do abandono e deterioração que encontraria no futuro. Mas mesmo assim, deveria ser um resquício da Cidade da Redoma, pelo tipo de material usado e pela arquitetura, agora totalmente restaurada. Retirou sua Kodak da mochila e bateu algumas fotos, para poder mostrá-las, quando a ocasião fosse oportuna.
- - - - -Pode ver também enormes criaturas de cristais, apanhando com seus tentáculos, grandes quantidades de plantas, que as depositavam em carruagens paradas no chão. À medida que eram cheias, partiam aceleradamente na direção do edifício, desaparecendo em seu interior.
- - - - -Algumas destas carruagens aéreas passavam zunindo pela sua cabeça, provocando um ligeiro deslocamento de ar, balançando momentaneamente o aparelho onde estavam. Por um breve relance, viu o reflexo do Sol, espelhado nas águas de algum rio. Como a paisagem sofrera grandes transformações, ele não teve certeza, se o que viu, era um novo Tâmisa, ou um futuro rio, que se formara percorrendo um novo leito. Mas o que quer que fosse, deveria ser bastante caudaloso, apesar de não poder avaliar suas dimensões, a partir de onde estava.
- - - - -À medida que a distância diminuía em relação a enorme construção, pode observar que a base da grande Torre era imensa, como havia suspeitado. Do ângulo de visão, próximo de sua máquina, conseguira ver apenas a parte superior que pouco revelara da estrutura ciclópica à sua frente.
- - - - -Constatou do ar, que a base compunha-se de quatro estruturas, gravadas bem fundo no solo. Apoiadas nestas bases sólidas se erguiam gigantescas pilastras, que uma ou duas milhas acima, davam sustentação a uma série de terraços circulares superpostos. Estes se sucediam, rumo ao céu, até onde a sua vista podia alcançar. Abaixo das estruturas de sustentação se espraiava uma série de lagos e jardins que talvez a rodeassem por inteiro, mas não teve certeza se assim seria, devido ao fato de não poder enxergá-la por completo.
- - - - -Jamais lhe passara pela mente que o que vira na era dos Morlocks era só parte de um complexo maior. Não notou isto da primeira vez porque a grande estrutura não sobrevivera ao tempo. Ruíra e seus restos seriam encobertos pela luxuriante floresta que a esconderia por completo, muito tempo depois.
- - - - -Na sua concepção, os engenheiros que haviam planejado a enorme construção, tinham feito antes, um trabalho de base, removendo toneladas de terra para criar um terreno perfeitamente plano ao redor dela. Era um feito que por si só, superava a remoção de terra exigida para a construção do canal de Suez, no Egito. Obra esta que encurtara a distancia entre a Inglaterra e sua rica possessão: a Índia.
- - - - -Posteriormente a terra teria sido preparada com o acréscimo de depressões para os lagos e a colocação de todo um sistema hidráulico para mantê-los, através de canos subterrâneos numa extensão impossível de ser medida. Esta água possivelmente fora captada do único grande rio mais próximo, que notara do alto, sendo represada e tratada. Imaginou o grau de complexidade necessário para organizar os recursos em homens e materiais das obras dos jardins, sem levar em conta os desafios que a Torre com certeza tinha apresentado para o seu levantamento. Recordou-se que acompanhara com atenção as dificuldades de edificação da torre Eiffel para a exposição de Paris e imaginou quantas não teriam se apresentado para esta que estava à sua frente, à medida que se erguia, superando em mais de trinta vezes o tamanho da construção francesa. Quem teria sido seus planejadores e que técnicas tinham utilizado para fazê-la? Afinal encontrara um futuro que aparentemente superava em muito as conquistas de engenharia da sua época. Feliz por poder vislumbrar aquele momento único na historia do homem, afagou entusiasmado as mãos de Weena.
- - - - -Daquele ângulo único, proporcionado pela carruagem voadora, a Torre foi cobrindo mais e mais o campo de visão, dificultando cada vez mais abarcá-la por inteiro, à medida que se aproximavam. A sensação que percorreu seu espírito, naquele instante, foi o de aproximar-se de um dos picos dos Alpes, pelo seu gigantismo. Seus detalhes agora eram mais perceptíveis. O que antes, parecia uma massa escura, revelou-se salpicada de muitos pontos de luz, provavelmente as janelas de miríades de residências de seus habitantes. E pela quantidade deveriam ser milhares.
- - - - -O que mais lhe chamou a atenção mais uma vez foi àquela estranha luz no cume da Torre. De longe, a impressão era de um único facho. Na verdade, pode visualizar uma série deles, que não só se impulsionavam para o céu, como retornavam dele em rápida sucessão. Assim que um começava a esmaecer, logo era substituído por outro, num processo sem fim. Era um espetáculo hipnotizante e o Viajante do Tempo perguntou-se qual seria seu real propósito já que, apesar de lembrar-lhe vagamente um farol, com toda certeza, não desempenhava este papel. Tal disposição era única e não hesitou em bater mais uma foto.
- - - - -Outra parte digna de nota eram as esferas, que circundavam o cume. Mesmo daquela distância em que se encontrava, pelo porte, deveriam ser imensas. Estavam todas conectadas por um aro. E eram delas que partiam os feixes de luz.
- - - - -Weena manteve-se calada o tempo todo, segurando-se nele, com os olhos fechados. Afrouxara a trava e gentilmente a envolvera num dos braços. Com a mão mais próxima, alisava seus cabelos para que se mantivesse calma. Compreendia sua reação, natural para quem nunca viajara antes assim. Até ele, que estava acostumado a locomover-se de trem, a sensação de que fosse despencar dali com cada manobra que o Condutor fazia, muitas vezes o obrigava a fechar os olhos, esperando pelo pior. A cada descida ou ascensão da máquina voadora, sentia um vazio no estômago e por vezes pensou que fosse vomitar.
- - - - -O pequeno passeio durou pouco e por fim ele perdeu as dimensões da Torre, vendo agora apenas uma de suas partes. Com uma hábil manobra o Condutor pousou em cima de um pequeno terraço, que permitia uma visão excelente dos arredores onde tinham descido.
- - - - -Assim que o leve zumbido do teto transparente sendo baixada cessou, Weena abriu os olhos e ainda com o coração acelerado deixou-se ajudar pelo Condutor, que mais uma vez, com toda paciência a auxiliou a desvencilhar-se da trava que a prendia, com um simples comando de voz. O Viajante não esperou que o ajudassem. Arrancou com força a trava e com toda a dignidade britânica, ficou em pé e desceu do veículo, segurando a mão da Eloi, olhando fixamente para a enorme plataforma que se estendia à frente de todos. Era imensa.
- - - - -O pequeno Soldado desceu também, apontando sua arma para os dois, revelando pela feição contrariada, que jamais passara por situação semelhante em sua vida. Como em toda sociedade estruturada, seguia ordens e apesar de portar uma arma, não demonstrava hostilidade. Era uma sensação diferente daquela representada pelos Morlocks, que não usavam dispositivo algum a não ser força bruta e garras afiadas.
- - - - -Mas naquele momento sua atenção estava mais voltada para aquela parte da Torre do que por reflexões filosóficas e lembranças do futuro. Imaginou que se estivesse agora, diante da pirâmide de Gisé, no Egito, ou até mesmo em frente à Torre Eiffel a sensação de colosso, diante da dimensão das duas, seria pouco para descrever o que via. Nada se comparava aquele momento de deslumbramento. Era realmente uma obra de engenharia portentosa e se aqueles seres, eram os representantes atuais da raça humana, orgulhava-se por ela ter atingido tal grau de desenvolvimento. Ali, naquele Mundo do futuro, provavelmente estavam ao seu alcance, conhecimentos que seu tempo jamais poderia lhe dar e maravilhas nunca vistas até então.
- - - - -Do ponto privilegiado em que estava, ficou bem claro, o que interpretara erroneamente, devido à distância. O que lhe parecera um enxame de abelhas em torno de uma colméia, eram na verdade, centenas de carruagens voadoras que transitavam entre as diversas plataformas, o Palácio de Porcelana verde e a miríade de lagos. Provavelmente eram parte de um sistema de transporte igual ao nosso, que utiliza as carroças e trens, para suprir as necessidades de uma cidade como Londres.
- - - - -Próximo do beiral do terraço olhou para baixo e sentiu vertigem. Daquela altura pode ver apenas duas bases. Entre elas, estendia-se uma parte pouco iluminada que integrava o subsolo. Deveria ser bastante profundo, já que alguns carros que desciam, desapareciam num enorme abismo escuro sem desacelerar. Calculou que para prosseguirem até aquele ponto, à mesma velocidade, a rés deveria ficar milhares de pés abaixo.
- - - - -Lamentou dispor de tão pouco tempo, para explorar tudo que gostaria de ver. Se não fosse pela hecatombe a caminho, que ocorreria dali a três dias, poderia calmamente excursionar por todas as suas partes, tanto aquelas que se estendiam pelo ar, como aquelas, que seguiam terra adentro. Mas da forma como haviam sido trazidos, tinha certeza de que não poderia dispor da liberdade alguma nos dois dias que calculara permanecer ali.
- - - - -Mesmo diante deste revés, com o qual não contara, o Viajante ficou tão entusiasmado com a magnificência da Torre, que só despertou deste transe quando sentiu alguém puxando seu braço direito. Vários daqueles Pequenos habitantes estavam à sua volta e o mais próximo, tomara esta iniciativa, dizendo-lhe algo num idioma que não conseguiu entender. Ele ficou parado, olhando-o, fazendo um esforço para tentar compreender o que falava. Percebeu que uma palavra aqui e outra ali, soava algo familiar, que já ouvira antes na língua dos Elois. Mas o seu vocabulário era tão exíguo, que por mais que tentasse, não foi adiante no diálogo com aqueles seres que o rodeavam.

Capítulo 10 - Tecendo considerações.

- - - - -O Viajante me pediu desculpas e fez uma pausa no seu relato. A madrugada já estava adiantada e seu corpo, depois de tudo que tinha passado, reclamava por um descanso. Apesar de conhecer sua força de vontade, que muitas vezes ultrapassava a das pessoas comuns, mesmo ele tinha seus limites e estava sucumbindo ao sono e ao cansaço. Agora que não se sentia mais em perigo, os pequenos confortos de um lar, estas pequenas coisas comuns, para as quais não damos às vezes muita importância, estavam agindo como um sedativo sobre suas sensações.
- - - - -Com muita dificuldade consegui levá-lo até à cama do quarto de hóspedes, ajudando-o a deitar-se. O cobri com uma manta pesada, e depois me certifiquei se a pequena Eloi estava confortável em meu quarto. Percebi que dormia um sono pesado, apesar da tempestade.
- - - - -A chuva não parava de cair e vez por outra, um relâmpago, seguido de um forte trovão, mesclava-se ao som aconchegante dos pingos de água, chocando-se contra as janelas e o telhado da casa.
- - - - -Desci e sentei-me na poltrona, tentando mais uma vez absorver todos os acontecimentos fantásticos que o Viajante me relatara e por fim, acabei também, adormecendo. Foi uma noite de sono interrompido. Vi-me dentro de um pesadelo, no qual eu era perseguido pelos horrendos Morlocks. Abri os olhos e imaginei ver, por instantes, num canto escuro da sala vários daqueles olhos cintilantes amarelos pertencentes àquelas criaturas da noite, rumando na minha direção. Meu coração acelerou e passei os dedos sobre os olhos, para certificar-me que estava realmente acordado. Quando os abri de novo, tinham desaparecido. Com alívio, deduzi que isto só poderia ter sido causado, pela vívida narrativa destes canibais, que me impressionara profundamente. Combati tal sensação horripilante, dizendo a mim mesmo, que usasse a razão, já que entre a minha poltrona e estas bestas, se interpunha um vasto período de tempo. Este raciocínio me acalmou, e minha mente como que obedecendo a esta reflexão cedeu finalmente à inconsciência e não acordei mais naquela noite.
- - - - -Despertei com a suave luz da manhã, que transpassava os vidros da minha janela e refletia em meu rosto. Apesar de sentir os músculos de meu corpo reclamarem da noite mal dormida, levantei-me, com a intenção de atender os meus dois hóspedes. Caminhei até uma das janelas e observei o céu que se apresentava cinzento, demonstrando que a chuva dera pelo menos, uma pequena trégua. Para minha surpresa senti o odor característico de chá e rumei para a cozinha. Tinha o hábito de levantar-me cedo e perguntei-me se deixara passar a hora habitual, devido à inusitada noite que passara e a senhora Marple já se adiantara em suas obrigações da casa.
- - - - -Para minha surpresa, vi os ponteiros do relógio da sala e dei-me conta de que não dormira demais. Despertara até antes que o habitual. Quem estava na cozinha, não era minha governanta e sim o Viajante, servindo-se o melhor que podia, sob os olhares atentos da pequena companheira. Quando me viu, cumprimentou-me pelo dia e pediu alegremente que o acompanhasse, desculpando-se por invadir minha cozinha e por todo transtorno que me causara. Mesmo antes de poder responder que me sentia feliz com sua presença ali, e que tal ato era um sinal do retorno à normalidade, não pude continuar.
- - - - -- Peço-lhe em meu nome e no dela, desculpas por chegarmos assim, tão tarde da noite. O estado da máquina me impediu de manobrá-la com a precisão necessária. Gostaria de ter voltado no verão, de dia e pouco antes de iniciar a primeira viagem. Mas não foi possível. Aceita um pouco de chá?
- - - - -Aceitei e lhe disse que era uma honra poder receber tão ilustres visitantes. Como seu amigo, nada fizera além do que ele faria por mim, se estivéssemos em posições opostas. Por isso que fizesse de minha casa a sua casa e ficasse à vontade. Depois sentei e sorvermos cada um, aquela infusão deliciosa, proveniente de minhas plantações na Índia. Após um breve silêncio, interrompi aquele momento com uma pergunta.
- - - - -- Estou curioso, quanto a um aspecto da sua experiência. Sentiu às vezes algum desejo de voltar, durante o transcurso da segunda viagem?
- - - - -- Sim. O que vivenciei em certos momentos chegou a suplantar o desejo de continuar. Tencionei por um fim a esta empreitada, mas algo dentro de mim, que não consigo explicar direito o que é, insistia em continuar a explorar aquela ocasião única na vida de um homem.
- - - - -- Então se arrependeu de tê-la iniciado?
- - - - -Ele sorveu mais um gole e depositou a xícara sobre a mesa. – Sim e não. Se não tivesse me deixado levar pelo impulso, provavelmente teria retornado sem salvar Weena.
- - - - -Por instantes, pensou mais um pouco no que ia dizer, passando delicadamente os dedos pela borda do pires.
- - - - -- O tempo é um dilema. Se não fosse em frente, ficaria satisfeito. Assim não teria quase perdido a vida de novo nas garras daqueles monstros. Muito menos, conhecido a Torre. O lado ruim é que jamais me perdoaria, por não ter conhecido Weena. E é claro, principalmente, por não tê-la resgatado de um terrível fim.
- - - - -Ele refletiu mais um pouco.
- - - - - - E tem mais uma coisa, meu amigo! Se bem que esta seria uma conversa mais para filósofos do que para um simples engenheiro como eu.
- - - - -Achei engraçada a modéstia de um homem, que conseguira sozinho inventar uma máquina que podia viajar através do tempo. E curioso com essa declaração perguntei. – Qual?
- - - - - - Fico pensando, e repensando se o que fiz, nada mais foi do que correr como um vagão por um trilho que já existia, entende? Ou seja, este trilho seria a própria trama do tempo. Assim o meu livre arbítrio, minha decisão de partir, e mudar tudo, não passaria de uma mera ilusão. Por mais que achasse que era a primeira vez que fazia isso ou aquilo, eu meramente só estava seguindo por sobre o trilho, já assentado. O tempo neste caso seria como um livro já pronto, e minha máquina, uma espécie de um aparelho leitor ou de uma locomotiva. Poderia folheá-lo para trás e para frente, mas seu conteúdo, continuaria sempre inalterado, assim como um vagão pode retroceder ou avançar sobre os trilhos. Em qualquer página que caísse só faria o que já estava lá escrito, ou não poderia me desviar da linha já traçada.
- - - - -- Os filósofos se debruçam sobre o que é o tempo, desde o começo do mundo, meu amigo. – disse a ele. – Mas na minha modesta opinião é que seja mais parecido com um livro em branco. Talvez, existam muitos livros. Num deles, você salva a Eloi, no outro, não. Assim existiriam diversos trilhos. Mas todos já prontos. O seu livre arbítrio seria apenas escolher um deles e vagá-lo.
- - - - -Enquanto absorvia minha resposta, perguntei o que o fizera acordar tão cedo.
- - - - -Respondeu-me que o fato de ter retornado a uma época mais tranqüila, sem os sobressaltos do futuro, dava-lhe aquela falsa ilusão de controlar os acontecimentos. Os dias continuariam sendo sempre os mesmos: previsíveis. Além disso, começara a valorizar as pequenas comodidades de nossa época, da qual sentira a falta. Já não tinha tantas saudades do futuro e preferia agora desfrutar o presente. Os amigos, a época, enfim, tudo aquilo que lhe era familiar. Este prazer, com o qual nunca se incomodara antes, o fizera levantar mais cedo. E como hóspede, não quisera me acordar, importunando-me ainda mais.
- - - - -Eu sabia pelo relógio da sala que ainda faltava uma hora para a senhora Marple chegar e começar os seus afazeres domésticos. Pediria a ela que se ocupasse da louça suja que deixaríamos, nos dando mais tempo para a narrativa do Viajante.
- - - - -Algumas reflexões passaram por minha mente, enquanto estávamos reunidos na cozinha. Não deixei de notar, que a pequena mulher, dificilmente seria uma “prova” do futuro. Exceto a estranha indumentária que usavam, quando chegaram, as fotos haviam se perdido na fuga para o passado.
- - - - -Apesar de pequena, imaginei que vestida como uma dama, passaria totalmente despercebida na multidão de Londres.
- - - - -Como disse, as únicas coisas que poderiam, talvez, confirmar isso eram as peças que vestiam quando chegaram e o tradutor. Apesar de pequenos estragos, posteriormente procurei guardá-las cuidadosamente dentro de meu armário. Quando se restabelecessem por completo, poderíamos apresentá-las não só como provas, como também, fazer exames mais acurados em todo o material, caso houvesse as técnicas necessárias para interpretá-lo.
- - - - -Durante nossa conversa, a graciosa criatura ficou um bom tempo olhando a mesa com muita curiosidade. Segundo o Viajante, seus iguais não estavam acostumados a comer alimentos preparados. Os Morlocks, os mantinham com uma dieta de frutas, assim como os nossos criadores, alimentavam seus animais com determinadas rações. Mais uma vez se perguntou como haviam chegado a isso?
- - - - -Quando deixou os dois sobreviventes, nada notou que poderia elucidar esta razão. Estava ciente que era parte da causa, mas o motivo que havia levado os Morlocks ao canibalismo, continuava um mistério. Poderia ter sido um tempo de escassez. Ou haviam restado sobreviventes nas partes mais profundas da Torre que continuaram seguindo suas obrigações de manutenção do que restara, gradualmente se adaptando a uma nova forma de vida sob a escuridão, sem disporem de alimentos adequados. E os Eleitos, sem os equipamentos de que dispunham antes, evoluíram para uma vida mais simples na superfície, esquecendo-se de quem eram. Talvez vivessem no principio do que a terra lhes oferecia e lentamente se formou um sistema de dependência mútua. O resultado deste estado de coisas acabaria da forma como o conheceu na primeira viagem. Fosse o que fosse, não pretendia voltar para saber se sua hipótese estava correta ou não. Conhecera o suficiente para uma vida.
- - - - -Meu amigo estendeu o chá na direção dela e bebeu um pouco do seu, para provar que este era igual ao da noite passada, e, portanto, não lhe faria mal. Assoprou-o um pouco, para que não queimasse seus lábios. Nos olhando, experimentou um pouco, com certa relutância, mas depois aprovou o sabor e o bebeu lentamente, com visível satisfação. Fez a mesma coisa com os biscoitos que ele lhe ofereceu.
- - - - -Enquanto saciávamos a nossa fome, meu amigo sentiu-se bastante descansado para inteirar-se de tudo que sucedera nos oito anos em que estivera ausente. Á medida que eu o fui colocando a par dos acontecimentos, desde a necessidade de fechar sua casa, passando pelos fatos ocorridos na Grã-Bretanha com a morte de Vitória e a ascensão de Eduardo II, e os gastos cada vez maiores com os exércitos e marinhas por causa das colônias dos paises do continente, ele ora empolgava-se com aqueles que contribuíam para a evolução da humanidade com suas descobertas, ora deplorava aqueles que só a atrasavam, em meio a goles de chá e o saboreio dos bolinhos que a minha governanta deixara preparados no dia anterior.
- - - - -Uma das primeiras medidas que teria de tomar era o de proteger a máquina, escondendo-a do público. Pensamos em várias formas de trazê-la sem despertar a curiosidade dos londrinos. Por sorte, um dos meus criados conhecia o proprietário daquele pequeno pedaço de terra, onde se encontravam as ruínas da antiga casa. Sua intenção, já há tempos, era de vendê-la. Tomamos todas as providências para adquiri-la, despachando um dos meus empregados de confiança, para vigiar a máquina e ao mesmo tempo, após o fechamento do negócio, reformá-la para um novo laboratório.
- - - - -Depois nos concentramos no curso dos acontecimentos. Referente a estes, que considerava perniciosos à raça humana, filosofou que se os homens soubessem o que os esperava no futuro, não se entregariam tanto às suas paixões, em vista da efemeridade e da insignificância da sua soberba diante da vastidão do tempo. Um dia todas as suas lutas, toda a sua história, não passariam de meras lembranças, perdidas nas areias do esquecimento, como as pirâmides do Egito.
- - - - -Uma das notícias que despertou sua curiosidade e sobre a qual conversamos, avaliando seu impacto na Ciência, foi o artigo de um físico suíço. Seu trabalho versava a respeito da relatividade do tempo, que a geometria euclidiana e a mecânica clássica de Newton não explicavam corretamente. Sua opinião era de que este físico apenas arranhara a superfície da sua total compreensão. Se continuasse neste caminho, talvez acabasse por descobrir a verdadeira natureza da quarta dimensão, como ele fizera, em suas solitárias pesquisas.
- - - - -Depois que discutimos sobre a efemeridade das coisas, em relação às obras humanas, sentiu-se bastante disposto para prosseguir com a sua narrativa.
- - - - -Assim que a senhora Marple chegou, saciados, saímos da mesa e rumamos então para a biblioteca. O cômodo terminava, numa ampla varanda, com acesso ao jardim. Apesar de molhado, Weena dirigiu-se para lá, maravilhando-se com as flores. Depois, ficou vagando por ele, entregue aos seus próprios pensamentos. O que estaria passando por sua cabeça, naquele momento, eu me perguntei? Haveria entre eles, algum tipo de laço? Um pai e uma mãe, de quem sentia saudades? Deixei estas reflexões de lado e concentrei-me novamente na narrativa.

Capítulo 11 – Dentro da Torre.

- - - - -Como me relatara anteriormente, os dois tinham descido da carruagem voadora sobre um pequeno terraço, anexo àquele nível, do edifício em forma de Torre. Este se localizava acima de uma das vastas plataformas, que se intercalavam nas estruturas da construção. Desceram dela por um pequeno elevador, rumando para o piso maior, onde, aos poucos, foi-se formando uma pequena multidão de curiosos ao seu redor. Dirigiam-lhe palavras, numa tentativa de comunicação, sem muito sucesso. Alguns, pelo ineditismo da cena, até os tocavam, para se certificar de que eram reais. Com muito esforço alguns Soldados conseguiram afastá-los, procurando evitar o tumulto que estava se formando em torno daquela estranha procissão.
- - - - -Sentiu-se um gigante em meio àquela multidão de baixa estatura. Parecia-lhe ouvir um pouco da língua dos Elois, mas nem Weena conseguia entendê-los. Por fim ele escutou um burburinho na multidão que logo abriu espaço para um grupo de indivíduos diferentes dos demais.
- - - - -Com modos rústicos afastaram todos que ainda persistiam em querer vê-los, formando um anel de isolamento ao redor do casal. Compunha-se de uma variante dos seres que já vira até agora e tinham seus rostos cobertos por uma espécie de anteparo escuro. Todos eram mais altos que a média dos habitantes, um pouco até maiores que Weena, mas mesmo assim menores que ele. Possuíam uma compleição mais robusta e à frente deste grupo, liderando-os, postava-se uma figura claramente feminina que os olhou com certo desdém, como se estivesse à frente de algum animal solto de um zoológico, o que angariou sua antipatia imediata.
- - - - -A Mulher parou alguns passos atrás destes recém-chegados, que se adiantaram, ladeando-os. Os pequenos Soldados se afastaram, sendo substituídos por estes, que também carregavam armas. Em seguida, fez um sinal para que a acompanhasse.
- - - - -Ele ficou em dúvida, na ocasião, se a troca, por uma espécie mais robusta, se devia a uma precaução exacerbada de algum personagem importante da Torre, ou se era uma reação normal, de seres que nunca haviam visto criaturas tão diferentes. Não conseguiu entender, que perigo poderia representar. Muito menos, da parte da inofensiva Eloi. O que tinham feito de tão grave, para serem recebidos desta forma? Que leis tinham infringido?
- - - - -Percorreram um longo trajeto, caminhando por edifícios e jardins, em patamares cada vez mais baixos, dispostos como num gigantesco anfiteatro. Nestes espaços, nada havia de obras de arte, como é comum nos nossos espaços públicos. O mais próximo disso, que estava disseminado por todos os locais abertos por onde andaram, eram estátuas estilizadas de cinco criaturas, que em nada se pareciam com os habitantes da cidade. Ele não soube dizer se era a única forma de arte que se permitiam. Mais tarde, quando conseguiu um meio de comunicar-se, ficou sabendo que estas, retratavam os respeitosos Antigos, que ainda governavam a cidade, mas que nunca eram vistos. O objetivo destas representações era apenas de lembrá-los que existiam, que estavam por toda parte e eram os dirigentes supremos, alojados no patamar mais alto da Torre, numa espécie de simbolismo hierárquico.
- - - - -Embora estivessem escoltados por aqueles Soldados mais rústicos, sua caminhada não parava de causar comoção entre os habitantes, que cessavam suas atividades de imediato, para vê-los passar. Teciam comentários ou cochichavam entre si, naquela linguagem desconhecida.
- - - - -Chegaram, por fim, a uma construção, contígua a uma espécie de parede circular, parte de um enorme tubo, que isolava a passagem dos fachos de luz. Ao contrário do que ocorria no cume, estes seguiam outra direção, voltada para as profundezas da Torre. Suas passagens constantes, ininterruptas, por aquele nível, provocavam um zumbido crescente e modulado, completando um quadro bem estranho e exótico do futuro.
- - - - -A edificação estava repleta daqueles mesmos seres rústicos, que imediatamente interromperam suas tarefas, tamanha a surpresa que sua chegada provocara. A líder fez outro sinal para que se sentassem, em cima de pequenos octaedros desconfortáveis, sob as vistas constantes dos Soldados.
- - - - -A Mulher sussurrou algumas palavras no ouvido de uma outra companheira que dirigia aquele grupo, e as duas deixaram o local. Tanto o Viajante, como os outros seres, que também portavam anteparos faciais, examinaram-se mutuamente em silêncio por alguns minutos, numa mescla de curiosidade e de desconfiança, que só terminou quando as mulheres retornaram, acompanhadas por dois Pequenos da outra espécie, que compunham a maior parte dos habitantes. Estes carregavam um objeto desconhecido que despertou sua atenção.

Capítulo 12 – Estabelecendo um diálogo.

- - - - -Tal artefato se compunha de duas partes: uma igual a um capacete, que se prendia na cabeça, terminando em dois pequenos apêndices ovóides de cada lado, com uma pequena haste que se projetava diante dos lábios e a outra, uma caixa, repleta de apêndices, assentada sobre um tripé.
- - - - -Ela foi posta em funcionamento, projetando no ar, uma névoa difusa. Sob o olhar daquela Mulher, um dos Pequenos, que a trouxera, ajustou o seu capacete. Em seguida ela fez um sinal com a mão, imitando os movimentos dos lábios, para que dissesse alguma coisa. Ele assim procedeu, dizendo seu nome, da sua companheira e de onde viera.
- - - - -Para seu espanto, à medida que falava, na névoa à frente, começaram a espocar alguns estalidos, e trechos de sons sem sentido, até que aos poucos foi se estabilizando numa voz inumana, artificial, que se expressou em vários idiomas desconhecidos, até que finalmente, ouviu um som, parecido à língua dos habitantes da Torre.
- - - - -O capacete que acompanhava o aparelho maior foi ajustado e colocado sobre sua cabeça, da mesma forma que era usado pela Mulher e os demais. Em seguida ela aproximou-se dele e em sua língua apontou para si e disse seu nome, que ele entendeu perfeitamente. Ficou claro, que aquela máquina, calibrada pelos dois operadores recém chegados, conseguira redescobrir nosso idioma, que por aquele tempo deveria ter se extinguido. Como realizaram tal proeza, foi uma das coisas que não conseguiu descobrir. Provavelmente, nossa língua deveria estar armazenada como uma mera curiosidade, ao lado de outras há muito desaparecidas.
- - - - -Como no mundo diplomático, muitas vezes os exploradores ao invés de aprenderem o linguajar de paises remotos, recorriam aos serviços de indígenas que dominavam os dois idiomas. Neste caso o aparelho substituía o intérprete. O mais espantoso era que a partir de pequenos fragmentos de um léxico, ele conseguia rapidamente recompor qualquer gramática, permitindo um diálogo, quase que normal, fora um conceito ou outro, devido à diferença cultural.
- - - - -Esta maravilha, somada a outras que já vira, indicavam o grau de evolução que esta sociedade chegara e era difícil aceitar que o futuro que visitara pela primeira vez seria bem mais atrasado do que este em que estava. Como, - se perguntou - uma sociedade tão avançada como esta, degeneraria em criaturas monstruosas, enquanto outras permaneceriam imunes a esta bestialidade?
- - - - -A Mulher, dispondo agora de um instrumento para conversação, perguntou-lhe quem eram eles e de onde provinham? Moravam em alguma cidade subterrânea desconhecida?
- - - - -Neste Mundo futuro, ela explicou que pertenciam à única cidade do planeta da superfície: a Torre. E que podia ser observada do céu, bem como todo o resto. Por isso o espanto de conhecerem seres tão diferentes, que talvez viessem de uma localidade abaixo do solo, nunca antes visitada por eles. Crivou-o com muitas perguntas, com o intuito de saber onde se localizava a cidade e projetou um globo translúcido no ar, pedindo que apontasse o lugar de origem.
- - - - -Apesar de apresentar uma geografia um pouco diferente do século dezenove, a Inglaterra ainda estava lá, mas já não era mais uma ilha. O canal inglês diminuíra a ponto de ter-se transformado num mero lago, ligando-a a uma França, com uma costa maior do que tinha no seu tempo.
- - - - -Sem hesitação apontou para o local onde um dia existira a Londres fundada pelos romanos e o local, quase coincidia com a posição da Torre, deixando-a confusa. Então vinham de uma cidade abaixo de onde viviam, perguntou ingenuamente a Mulher?
- - - - -Não, respondeu ele. Sua cidade existia na superfície, bem naquele ponto em que insistia apontar.
- - - - -Insatisfeita com as respostas mudou de tática, voltando-se para Weena, para tentar com ela, descobrir o que não conseguira com o Viajante, mas diante dos parcos conhecimentos da Eloi, percebeu que não obteria as informações que desejava e concentrou-se nele novamente.
- - - - -O Viajante tentou lhe explicar que a superposição das cidades só era possível porque ela existia num plano diferente da quarta dimensão, ocupando espaços iguais em tempos diferentes. Por isso nunca a tinham visto.
- - - - -Para não relevar de que dispunha de uma máquina do tempo, sem saber primeiro quais eram suas intenções, inventou em parte uma história para escondê-la. Disse-lhe que a sua cidade possuía enormes dispositivos que lhe permitiam conhecer outras épocas através desta quarta dimensão. Nesta última excursão, tinham sofrido a influência de distúrbios desconhecidos, que interrompera abruptamente a viagem que realizavam, deixando-os no local onde haviam sido encontrados.
- - - - -Enquanto contava esta mirabolante história, mais um pequeno grupo daquelas criaturas franzinas, foi introduzido. Provavelmente compunham-se de técnicos, devido aos aparelhos que carregavam, com o propósito de descobrir o que pudessem sobre a veracidade do que dissera. Estes dispositivos projetavam no ar pequenas telas, onde apareciam símbolos e letras desconhecidas que só faziam sentido para quem estivesse a par de seus conceitos. Estes sinais surgiam no que pareciam ser lousas diáfanas, onde eram manuseados da mesma forma com que nossos pesquisadores lidam com os números, na busca da precisão. E de fato assim aconteceu, já que logo começaram a lhe pedir mais detalhes das máquinas que permitiam a viagem pelo tempo.
- - - - -Procurando ser honesto, pelo menos nessa parte, disse ter viajando por um dispositivo, baseado na noção, de que dois objetos sólidos não podem ocupar o mesmo espaço, a não ser em tempos diferentes. Desta forma, utilizavam uma força da natureza, que manipulada corretamente, permitia deslocar-se, tanto para o passado como para o futuro, não interferindo com a matéria espacial, apenas transpassando-a.
- - - - -Neste estágio, sua consistência era imperceptível para as sensações acostumadas a um ritmo de tempo mais lento, devido à aceleração que seus corpos sofriam. Mas quando o dispositivo interrompeu seu deslocamento pela quarta dimensão, seus componentes corpusculares deixaram o campo de ação do tempo e retornaram às leis que regem o espaço. Diante da reação de perplexidade geral, perguntou-lhes se, sendo donos de uma cultura tão avançada, tal feito cientifico já não seria corriqueiro entre eles?
- - - - -Os Pequenos não responderam, apenas se entreolharam, tentando avaliar com seus conhecimentos e suas lousas transparentes, a veracidade das palavras do Viajante, vertidas pelo tradutor. Conversaram entre si animadamente, acabando por formar dois campos opostos entre os que acreditavam que isto era possível e outro, não. Esta civilização deduziu, não diferia muito da sua em alguns aspectos. Nos meios científicos, cansara de ver que as opiniões discordavam, não só em função das teorias, como também por causa de amizades e posição social. Muitas vezes, seus antagonistas chegavam no ponto de apelarem às agressões físicas ou verbais, para defenderem seus pontos de vista. Pelo menos a que presenciou, era mais civilizada, limitando-se ao plano intelectual.
- - - - -Por fim um deles, que se afastara dos dois grupos, tomou a dianteira e pediu silêncio, pondo um fim ao burburinho daquela língua estranha. Através do tradutor, ouviu que sua cultura conhecia tal possibilidade, porém nunca haviam tentado tal feito. Os cálculos da teoria indicavam ser tal deslocamento perigoso para tecido orgânico. Seus experimentos restringiam-se a objetos não-vivos. Queriam saber como a máquina conseguira contornar tal dificuldade. Seguiram-se também, outras perguntas, que se revelaram de difícil compreensão. Sua memória, não conseguiu lembrar-se de todas. A razão é que, apesar de terem uma base comum, teorias e conceitos científicos, tinham mudado ao longo dos séculos, e não havia como preencher este intervalo, em tão pouco tempo, para permitir um diálogo. Mas uma coisa ficou clara, naquele dia. Sua descoberta, sobre as particularidades do tempo, continuava sendo única. Apesar dos avanços, seu trabalho continuava pioneiro e tudo indicava que se perdera no passado. Tal como havia acontecido com muitos tratados gregos da Antiguidade.
- - - - -A Mulher de viseira adiantou-se também, dizendo-se preocupada, com o fato de aparecerem mais viajantes em auxilio dos dois, possivelmente interferindo em seu sistema de transporte novamente.
- - - - -Ele respondeu que até onde sabia, eram os primeiros a sofrerem tal efeito e que, por ser um acontecimento inusitado, desconhecia qual seria a forma utilizada por seu povo, para resgatá-los. Nem estava certo se isto era possível e se o fosse, quanto tempo demoraria, já que isto era bastante relativo. Quanto aos detalhes de como haviam contornado o problema de transportar seres vivos, ele e a companheira eram apenas observadores, não dispondo do conhecimento que pediam.
- - - - -Seguiu-se um silêncio e pela expressão de todos que estavam ali, suas palavras provocaram reações diversas. Na Mulher, uma incontida insatisfação, porque não ter certeza se haveria outros atrás dele, e aos Pequenos, de decepção, por não poderem obter as explicações, que desejavam.
- - - - -Aproveitando-se do momento em que todos o escutavam, ele se viu no direito de pedir explicações também, e começou dizendo que sua chegada fora acidental. Pedia desculpas por qualquer dano ou transtorno que tivesse causado. A interferência que ocorrera no tal sistema de transporte, citado pela Mulher, fora involuntário. Não via razões para ser tratado como um prisioneiro já que não era um inimigo.
- - - - -Novamente houve uma troca de olhares e discussão entre todos, onde cada um apontava para o outro, conforme discutiam e por fim, a conversa permaneceu entre a Mulher e um Pequeno ser da outra espécie, que parecia ser o responsável pelos técnicos.
- - - - -Apesar do dispositivo tradutor, emitir uma cacofonia de sons, alguns inteligíveis e outros não, ele não conseguiu entender muito bem o motivo de tal discussão. Pareceu-lhe que não havia um acordo entre as duas partes, para o colocar a par da situação. A Mulher queria mais provas da sua sinceridade ou pelo menos assim entendeu naquele momento. Com a expressão contrariada, ela não teve alternativa a não ser concordar com o Pequeno. Este assumiu algum tipo de responsabilidade pela sua atitude, encerrando a discussão.
- - - - -Então ele rumou na sua direção, falando pausadamente através de um dos seus apêndices de forma que entendesse do modo mais claro possível, o que dizia.

Capítulo 13 - A anomalia. Causa ou efeito?

- - - - -O Pequeno começou explicando-lhe qual era afinal o propósito do grande facho de luz. Sua função principal era a de encurtar o caminho, de rochas que capturavam no espaço, através de máquinas especializadas, até o subterrâneo da Torre. Estes engenhos, colocados acima do planeta, por métodos ainda desconhecidos por nós, talvez por canhões possantes como os citados na novela de Júlio Verne, diligentemente procuravam por estas pedras do espaço, que às vezes se chocam com o nosso Mundo.
- - - - -A razão de trazê-las não foi lhe informado na ocasião. Apenas ficou a par de que elas eram decompostas no espaço acima da Terra e depois recompostas, por um processo ainda desconhecido pela nossa Ciência, mas já conhecido pelo Viajante. Seus dispositivos que controlavam tal processo tinham assinalado um distúrbio, que afetara momentaneamente o feixe transportador destes corpos. Deduziram que se era de origem natural, era a primeira vez que se manifestava e não havia sido incluído nas projeções dos engenheiros, devendo ser corrigido, para evitar que tal falha viesse ocorrer novamente.
- - - - -Seu sistema de transportes utilizava um sistema parecido com o do Viajante, encurtando a viagem pelo espaço, através do tempo. Por um breve momento, muito preocupante, o sistema falhara, embaralhando o percurso de um dos objetos que capturavam, quando penetrara na quarta dimensão. Isto fez com o corpo do espaço, se desviasse da trajetória calculada, indo para outra, não projetada. Quando isto ocorreu, os dispositivos emergenciais de defesa foram acionados.
- - - - -Estas máquinas de defesa compunham-se de canhões assentados numa série de luas artificiais que disparavam automaticamente, caso tais corpos se desviassem da rota traçada, após voltarem ao espaço normal. Uma nova anomalia surgiu assim que os feixes de energia foram ejetados pelos canhões na direção dele. Ao invés de atingir o alvo, desapareceram no meio do caminho, provavelmente ingressando na quarta dimensão, com destino desconhecido. Por sorte o corpo do espaço desapareceu e reapareceu na rota normal, sem causar nenhum dano. Isto os deixara preocupados e perplexos quanto às causas. Caso tivesse continuado no caminho errado, e passado pelos canhões, poderia ter-se precipitado diretamente sobre a Torre sem ter sido desacelerar pelo facho. A ocorrência de duas falhas consecutivas, em tão pouco tempo, merecia maiores investigações.
- - - - -Com essa explicação, uma conjectura terrível passou pela mente do Viajante, que prudentemente decidiu manter-se calado. Sem demonstrar, o que estava pensando, continuou prestando atenção ao pequeno, sob os olhares atentos da Mulher.
- - - - -Ele deu prosseguimento à sua narrativa, revelando que, após uma busca na aparelhagem para descobrir onde ocorrera o erro, perceberam que a fonte de tais distúrbios não residia nelas e sim, num ponto fora da Torre, próximo da Esfinge. Ela nunca interferira antes e um grupo foi designado para investigar o lugar. Onde imaginavam se deparar com um fenômeno físico desconhecido, para surpresa de todos, tinham encontraram duas formas de vida inusitadas. Por isso tinham sido trazidos até aquele lugar, para tentar descobrir como haviam provocado a interferência.
- - - - -Até aquele momento não tinham conseguido avaliar até que ponto os dois estavam envolvidos nos fenômenos. Necessitavam de mais informações, que só seria obtido através de um intenso interrogatório. Durante esse processo, as ordens eram para que permanecessem num local destinado a esse propósito. Depois, dependendo do resultado, seria decidido o que fazer com eles. No momento, não eram prisioneiros, mas não tinham liberdade de circular, pela cidade, sem autorização e sem a devida escolta.
- - - - -Por último, o Pequeno reafirmou a preocupação de todos, perguntando-lhe se entendera bem o perigo que a cidade corria caso os seus tentassem resgatá-los, através do dispositivo que mencionara.
- - - - -O Viajante procurou responder com a máxima cautela, que entendera a pergunta. Reafirmou que era a primeira vez que isso acontecia e que também não saberia dizer se o seu povo organizaria alguma expedição para resgatá-los. Na verdade procurava ganhar algum tempo até achar uma forma segura de retornar à sua máquina. Não previra uma situação onde seus movimentos seriam limitados. Isto o deixou apreensivo, pois ainda não sabia que ações os moradores daquela cidade iriam tomar e por quanto tempo ficaria como prisioneiro. Não tivera intenção de prejudicá-los, mesmo por que, jamais imaginara que o túnel temporal gerado por sua máquina pudesse interferir com outras do futuro, que usassem o mesmo principio da sua. Por outro lado, esperava tê-la escondido bem, já que ela era o único caminho de fuga de que dispunham. Mesmo que em último caso a achassem, a única peça que poderia acioná-la, continuava em seu poder.
- - - - -Mais uma vez, pediu desculpas por sua chegada inesperada, que afetara a máquina de transporte. Que, se fosse o caso, tentaria ajudá-los no que fosse possível para reparar os transtornos que causara.
- - - - -A Mulher, de forma áspera, lhe disse que tal decisão não dependia mais dela e que aqueles que tudo comandavam, denominados de Antigos, se manifestariam a respeito. Enquanto isso deveriam permanecer num local ainda a ser indicado, para que respondessem a mais perguntas e aguardassem.

Capítulo 14 – Permanência forçada.

- - - - -Ele sentiu um calafrio, ao ouvir estas palavras, pois sabia que não poderia permanecer ali por tempo indefinido, já que uma hecatombe se abateria dali a três dias sobre aquele local, matando provavelmente a todos. Estava numa situação delicada. Não poderia ficar ali parado, esperando isso acontecer e ao mesmo tempo, sentia o dever de alertar seus habitantes, do que estava por vir. Mas ao mesmo tempo não poderia interferir. Viera apenas por curiosidade e o fato de saber o que futuro reservava àquelas almas, o deixava de mãos amarradas.
- - - - -Precisava retornar a maquina, isto era uma certeza, mas tal ato o fazia sentir-se numa situação moral que jamais enfrentara antes. Tinha a obrigação de salvar Weena e ao mesmo tempo estava incerto quanto às conseqüências do que aconteceria, caso acionasse a máquina para sair dali. Poderia ser esta ação o estopim que causaria outra anomalia precipitando a catástrofe que queria evitar?
- - - - -Mas teria sido ele mesmo o causador da destruição da cidade ao fazer isto? Fez alguns cálculos mentais procurando encontrar no campo temporal um efeito colateral que não levara em conta e que pudesse ter reverberado no tempo, afetando a máquina de transporte da Torre. Por mais que se esforçasse, os cálculos mentais não sugeriam tais efeitos colaterais. Mas isto, como depois descobriu, não se devia a algum erro ou a algum fator desconhecido que não considerara. Devia-se, isto sim, há a um acontecimento, conectado a outro pelo tempo, em que não interferira diretamente. De qualquer forma, na primeira oportunidade que aparecesse, ele não poderia se deixar levar pela dúvida. Deveria fugir da Torre com Weena, já que estava literalmente, numa corrida contra o tempo.
- - - - -Nesse ínterim a Mulher foi chamada à frente de um pequeno objeto que com toda certeza era uma forma mais avançada de rádio. Compunha-se de quatro hastes, apoiadas numa pequena base, onde se formava uma imagem, fina como uma folha de papel.
- - - - -Ela postou-se diante dele, olhando com muita atenção àquelas imagens que mais pareciam espectros, de cinco figuras, iguais às estátuas que vira em alguns locais. Mas o som das vozes, não se assemelhava ao tom normal emitido pelas cordas vocálicas de um homem. Parecia-lhe bem artificial, truncada, sem emoção, como se fosse mais uma mera reprodução mecânica da fala humana. As vozes, em alternância, lhe ditaram várias instruções sob um silêncio geral de todos os presentes.
- - - - -Assim que ela recebeu suas ordens, os Pequenos seres prontamente arrumaram seus apetrechos prontos para se locomoverem. A Mulher aproximou-se do Viajante e com o auxilio do tradutor, informou-lhe que seriam levados a um local mais apropriado. Lá, poderiam desfrutar de algumas comodidades, ficando ao mesmo tempo à disposição daqueles Pequenos, designados por seus superiores, para estudá-los melhor e compreender de que forma estavam ligados às últimas anomalias. Demonstrou, pelo tom da voz, certo respeito e temor por estas enigmáticas criaturas que habitavam o cume da Torre. Talvez, fosse pelo fato que tinham vindo diretamente dos responsáveis por aquele Mundo, que raramente se comunicavam com os seus habitantes. Para aquele povo, a raridade de suas aparições e o grau de importância que lhes davam, assemelhava-se naquele momento, à descida de algum deus mitológico do Olimpo. Isto demonstrava que a chegada dos dois, abalara as estruturas daquela sociedade.
- - - - -O Viajante tentou estabelecer um paralelo. Raciocinou que sua chegada deveria se assemelhar à chegada de habitantes de Marte a Terra. Um evento tão único que provocara nestes seres um impacto tão grande quanto ao que seria na Grã-Bretanha, caso a situação fosse oposta. Ainda mais acompanhado de algum distúrbio atmosférico de grande magnitude.
- - - - -A comoção seria de tal monta entre a população, que as forças armadas seriam convocadas pelo alto escalão do governo para manter a ordem e quiçá, motivasse a presença da própria rainha Vitória, atraída pela mera curiosidade humana.
- - - - -Segurando Weena pela mão e rodeados pelo grupo com Viseiras e dos Pequenos, afastaram-se daquele local, próximo do centro, onde tinha sido rapidamente interrogados. Dali foram conduzidos até um dispositivo elevatório que fazia parte de um sistema composto por muitos deles, interligando um nível ao outro ou entre eles. Sendo totalmente translúcido como cristal, à medida que subia, sentiu vertigens, pois não estava acostumado a grandes altitudes e a rapidez do deslocamento. Com a Eloi, a reação não foi diferente. Enquanto procurava dar-lhe confiança, uma certa aflição ocupou-lhe o espírito, já que nem ele, tinha certeza da segurança que o aparelho oferecia.
- - - - -Em compensação, deste ponto móvel privilegiado, conseguiu ter um vislumbre geral de cada pavimento, pelo qual passavam rapidamente.
- - - - -Todos seguiam o mesmo padrão. Os edifícios no interior distribuíam-se na forma geral de anfiteatro, assentados que estavam numa imensa plataforma côncava, com várias praças arborizadas intercaladas. Na parte central, destacava-se a enorme parede de energia, que acompanhava, como um cilindro, o vão que transpassava todo o centro da grande Torre.
- - - - -Em cada plataforma, nas laterais, circulavam máquinas parecidas com trens. Daquele ângulo teve uma visão clara de sua distribuição que compreendiam linhas, que não só se estendiam por todo o perímetro, como ligavam o interior destas às bordas. Devido à distância, foi-lhe impossível quantificar a quantidade de conexões, semelhantes ao seu elevador, que existiam, dirigindo-se nos dois sentidos. Quanto ao número de plataformas foi mais fácil a sua contagem, e exceção feita ao pináculo, compreendiam um total de dez níveis.
- - - - -Rodeando aquele colosso, miríades de veículos se locomoviam nas mais diversas direções e ocupavam variadas altitudes. Para uma pessoa não acostumada à visão de tal quantidade de carros voadores, ocorreria perguntar como seria possível trafegarem sem se colidirem ou não se perderem naquela tremenda confusão. Mas apesar do aparente caos, havia uma inteligência governando aqueles movimentos.
- - - - -A Torre, pelo que pode observar, era densamente povoada e podia-se dizer que era, em si mesma, uma única cidade, diferente das que conhecera no seu tempo. Não contente de expandir-se pela superfície, as criaturas deste tempo, tinham se espraiado para os céus.
- - - - -Poucas horas após sua chegada, uma forte chuva caiu, banhando de densa umidade as bordas das plataformas. Devido à altura, o vento era mais forte nos últimos andares, razão pela qual recebia maior quantidade daqueles turbilhões de água. Mas isto não era de forma alguma, algo que lhes incomodassem.
- - - - -Através de possantes tubos, sugavam o ar, distribuindo-os por canalizações, que não só evitavam a oscilação, como mantinham toda a construção ventilada. Além disso, num prodígio de engenharia, captavam a umidade, armazenando-a em tanques para uso posterior e a força do vento, para ajudar na produção de eletricidade.
- - - - -Para seu alivio, e pondo um fim à vertigem que estava sentido, pararam no penúltimo andar. Mesmo este era vastíssimo. Compunha-se de muitos degraus circulares, com poucas construções. Estas, por sua vez, estavam dispostas como raios de uma roda, partindo do último degrau circular e indo terminar num anteparo, que rodeava o canal, por onde passava a energia transportadora. Várias linhas de trens ligavam uma à outra.
- - - - -O elevador os deixou no último degrau, que ficava no nível das linhas de trem laterais. Para sua surpresa, notou que não havia qualquer conexão com o último andar, acima deste. Os poucos carros que se aproximavam, também, não ultrapassavam este limite. Da parte superior, que formava o teto, pendiam enormes iluminarias que projetavam uma luz quase natural sobre a concavidade, contrastando com a escuridão da forte tempestade que fustigava a Torre.
- - - - -A Mulher, acompanhada por alguns Soldados, conduziram os dois para uma pequena plataforma, sobre a qual se apoiava um tubo imenso, no meio do qual, estava assentado um trilho. Era um daqueles, que vira na subida, por onde circulavam os trens, ladeando todas as plataformas. Este, agora perto de si, permitia apenas uma breve avaliação de sua extensão, visto que seu final confundia-se com a linha do horizonte, por efeito da perspectiva.
- - - - -Próximo, num plano mais baixo, situava-se outro tubo transparente menor, que provavelmente destinava-se a uso especial. Ali estava estacionado um único vagão, que não possuía qualquer acabamento primoroso, objetivando apenas a praticidade. O seu interior continha apenas poltronas laterais para os ocupantes.
- - - - -O Viajante e sua acompanhante foram convidados a entrar e a acomodaram-se. Assim que se ajeitaram no veículo, um dos Soldados passou a mão sobre um pequeno painel à frente dos assentos, acionando o vagão, fazendo-o disparar rumo a um destino desconhecido. Além de não ter uma locomotiva, não produzia qualquer ruído, exceto um leve silvo, provocado pela sua estrutura a alta velocidade, chocando-se com o ar.
- - - - -A plataforma que estava ladeando, por intermédio deste transporte, mesmo naquela velocidade, revelou-se imensa, devido ao tempo que levou para cobrir o percurso. Calculou que se fosse fazer o mesmo caminho, a pé, para qualquer ponto dentro dela, gastaria no mínimo de cinco a seis horas.
- - - - -O transporte era uma forma eficiente de encurtar as distâncias, mas por outro lado, o impediu de conhecer mais detalhes de todo aquele setor, talvez com a descoberta de mais maravilhas. Foi então que lembrou da máquina fotográfica e lamentou a fascinação que tomara conta de si, fazendo-o esquecer-se dela. Rapidamente retirou-a da mochila e voltou a lente para o lado de dentro, retratando o que pudesse. Havia tanta coisa para ser fotografada, que tinha dificuldades em escolher o momento e a coisa exata a ser registrada no filme.
- - - - -A viagem permitiu, pelo menos, que conhecesse outras partes daquele nível. Pelo movimento, pareceu-lhe que o pequeno trem fizera um arco de 180 graus, conduzindo-o para o lado oposto de onde tinham partido.

Capítulo 15 – Cativeiro domiciliar.

- - - - -Assim que se aproximaram do destino, o trem lentamente cessou seu movimento. As portas laterais abriram automaticamente e a Mulher fez um gesto para que os dois saíssem e a seguisse. Desceram então, os grandes degraus circulares, até as portas de uma daquelas edificações que se estendiam em forma de raio, pela plataforma. Vistas de cima, iludiam sobre suas reais proporções.
- - - - -O Viajante parou diante da estrutura que impressionava, já pelo tamanho da entrada, recordando-o de uma reprodução que vira certa vez, do grande templo de Zeus em Olímpia. Estas, ao contrário das portas gregas, não se moveram para frente ou para trás, mas deslizaram suavemente para os lados, permitindo o acesso a uma ampla sala, que poderia acomodar facilmente a estátua daquele Deus grego.
- - - - -Por um breve momento, ele divagou que se as viagens no tempo um dia se tornassem uma rotina, o homem poderia em suas excursões descobrir novos prodígios de civilizações distantes que bem poderiam ser classificados como as sete maravilhas do tempo, do mesmo jeito que Filo de Bizâncio havia feito em sua época. Com certeza, além da Esfinge Branca, o Palácio de Porcelana Verde e a Cidade da Redoma, a Torre que visitava agora, com unanimidade seria considerada mais uma, dentre elas.
- - - - -Neste local o Viajante e sua companheira Eloi foram entregues pela Mulher e os Soldados à disposição dos Pequenos, que assumiram a tarefa com resignação, acumulando-a com outras importantes tarefas que exerciam como engrenagens daquele grande mecanismo.
- - - - -Ele deixou o devaneio para onde havia caminhado seu pensamento e voltou sua atenção para o grande espaço que se estendia a sua frente. Estava repleto dos mais diversos aparelhos dispostos sem uma ordem aparente, cujo propósito lhe era totalmente desconhecido. Alguns eram enormes, com correntes elétricas que fluíam de um dispositivo para outro, em meio ao coruscar de suas faíscas. Outros, aparentemente inativos, estavam rodeados pelos seres de viseira, que exerciam provavelmente tarefas de reparos. Alguns se agrupavam numa maior proximidade, compondo algum sistema de controle, já que eram alternativamente desligados e ligados pelos Pequenos em determinados momentos.
- - - - -Posteriormente, depois de passado o impacto provocado por sua enormidade e complexidade, lhe foi explicado que ali, era o lugar de onde controlavam o grande feixe de energia, que permitia o transporte dos corpos celestes. Foi inteirado pela primeira vez, que estes, após todo um controle meticuloso de suas trajetórias, terminavam sua viagem, nos recessos da Torre, para serem minerados. Uma imagem espectral, projetada em pleno ar, dava-lhes uma idéia de como andava o processo de deslocamento, informando-os a todo instante, a distância entre a Terra e o caminho percorrido por estas rochas, com símbolos coloridos que compunham o sistema de expressões numéricas e geometria daquela civilização.
- - - - -Os equipamentos que tinham alertado sobre as anomalias temporais encontravam-se ali também. Desde que tinham ocorrido, continuavam fornecendo uma série de informações, assim como, a partir dos sismógrafos, os geólogos fazem suas extrapolações dos terremotos que sacodem a Terra.
- - - - -A partir do momento em que foram deixados a sós, os Pequenos conversaram entre si, deixando-os um pouco mais à vontade, demonstrando uma cortesia, maior do que os Portadores de Viseiras. Talvez fosse esta, uma característica típica deste grupo, oposta à aspereza da espécie maior.
- - - - -Com voz calma, esclareceram a razão da transferência dos dois para aquele lugar. Eram duas. A primeira: de examiná-los detalhadamente, para descobrir até onde se confundiam com as origens das anomalias. E a segunda: o que pudessem contribuir para a compreensão dos fenômenos que tinham afetado sua máquina transportadora e o sistema de defesa.
- - - - -Foram, assim, encaminhados para um pequeno anexo da grande sala. Um dos acompanhantes lhe mostrou o caminho e quando chegou diante da porta, apenas estendeu a mão, fazendo-a abrir-se, permitindo visualizar rapidamente um pequeno conjunto de sala, dormitório e instalação sanitária.
- - - - -Ele fez uma mesura em agradecimento para o Pequeno que o acompanhara e pegou a mão de Weena, atravessando a porta, que se fechou rapidamente atrás de si. Fascinado com mais esta porta deslizante que se abria como mágica à aproximação, ele deu um passo para trás e outro para frente, fazendo-a abrir-se e fechar-se várias vezes, provocando sorrisos na delicada companheira. O Pequeno mais próximo veio em seu auxilio e ele fez um gesto com a mão, para que entendesse que não estava precisando de ajuda, e sim, satisfazendo sua curiosidade.
- - - - -Entrou por fim, afastando-se dela e reconheceu os cômodos. Notou que não havia janelas como era hábito nas casas de sua época. E isto lhe causou certa claustrofobia, pois lhe parecia estar num local subterrâneo, o que não era verdade. Apesar de serem o alvo de toda a atenção, não esquecera que estava naquela Torre mais como um prisioneiro do que como um visitante. Mas todo aquele percurso o deixara cansado e seu corpo começava a reclamar do esforço daquele dia.
- - - - -Pousou sua mochila sobre uma pequena reentrância lateral, verificando se sua arma ainda estava ali, bem como sua preciosa barra de cristal. Enquanto fazia isso, a pequena Weena o abraçou gentilmente, dando a entender que apesar de estar exausta, também estava feliz, não demonstrando qualquer outra necessidade, a não ser sua companhia.
- - - - -Não esquecera que ela viera de um tempo onde a curiosidade não era mais uma mola que impulsionava o conhecimento das pessoas. Os Morlocks simplesmente a haviam criado como uma fonte de alimento. O tratamento que lhe tinham dispensado era o mesmo que os fazendeiros de seus dias davam às suas criações. Com isso em mente procurou ensinar-lhe como usar o cômodo reservado para as necessidades pessoais. Muita coisa também lhe era estranha, mas mesmo nestes tempos avançados o essencial permanecera. Havia muitos controles de diversos formatos geométricos sobrepostos a uma plêiade de luzes coloridas, sem quaisquer indicações de serventia e no método de tentativa e erro, precisou de um certo tempo para entender o funcionamento de alguns e passá-los à companheira.
- - - - -O jato de água que vertia de um recipiente no teto era uma invenção interessante e prática, apesar de apreciar os banhos que tomava em sua banheira, permitindo-lhe um relaxamento completo e um local onde medravam suas idéias. Foi num deles que idealizara a sua máquina e ao ver aquela água caindo, esboçou um sorriso irônico ao pensar que agora nada mais restava dela. Na verdade, nem sua casa, seus vizinhos e o Mundo que conhecera. Perguntou-se se aqueles que jamais fariam o percurso que fez, não teriam sido mais felizes do que ele, vivendo suas vidas, da melhor forma possível, enclausurados nos seus ciclos do tempo. Talvez fosse essa a razão de sermos circunscritos a uma determinada faixa dele. A oportunidade de nos esforçarmos para fazer as coisas certas no lento escoar dos anos aos quais estamos limitados.
- - - - -O aparelho que jorrava água utilizava a mesma mecânica que acionava as portas e elevadores bastando apenas um movimento dos braços para ser iniciado. Assim que se colocou abaixo dele, sentiu a água deslizar sobre seu corpo mantendo uma temperatura constante e agradável. Apesar de sentir-se constrangido em despi-la de seus trajes rotos, a dificuldade maior foi colocá-la debaixo dele. Mas a descontração provocada pelo líquido morno a acalmou e por fim ela ficou ali por um bom tempo como se os filetes de água que escorriam pelos seus pequenos pés, removessem todos os seus temores.
- - - - -Novas roupas tinham sido colocadas à sua disposição e ele jogou os trapos de Weena e suas próprias, já meio gastas, num canto da sala. Fez o mesmo com seus sapatos e as sandálias grosseiras da companheira. Para sua surpresa, um pequeno serviçal mecânico saiu de uma das paredes e andando pelo chão como um enorme inseto, pegou os panos e os calçados espalhados no chão, jogando-os num pequeno tubo que se projetou da parede. Em segundos, o ar foi invadido por um leve odor característico de material queimado, denunciando que estavam sendo vaporizado. O ambiente rapidamente foi filtrado, eliminando os gases provenientes da queima. Em seguida, bombeou mais oxigênio misturado a uma suave fragrância.
- - - - -Tentou vestir-se e a Weena, da forma usual, quando se surpreendeu ao sentir as roupas agitaram-se, como se possuíssem vontade própria, ajustando-se perfeitamente aos contornos dos seus corpos. Pareceu-lhe ser algum tipo de tecido inteligente, porque não precisou calçar-se. Ela simplesmente criou, por falta de uma palavra melhor, um pequeno solado embaixo dos pés, permitindo um andar confortável. Como sempre, Weena teve mais dificuldade de se adaptar.
- - - - -Numa pequena mesa foram deixados alimentos que permaneciam numa temperatura constante, provavelmente por efeito de algum dispositivo. Eram pequenas maravilhas que estimulavam sua curiosidade e às vezes o faziam esquecer do cansaço. Mesmo a luz que iluminava o ambiente era um mistério, porque não poderia dizer exatamente de onde provinha. Mas era uma claridade que imitava a luz diurna, numa sofisticação que as lâmpadas incandescentes de nossa época mal conseguiam atingir.
- - - - -Depois que comeram o estranho alimento que mais parecia uma massa vegetal, mas cujo sabor o lembrou da carne, o sono apossou-se dos dois. Apesar de duas camas, Weena não quis ficar na sua, obrigando-o a compartilhar o pequeno espaço com ela. Ele consentiu, pois sabia que assim ela se sentiria mais segura em seus braços. O Viajante, à medida que foi adormecendo, percebeu que a luz diminuía lentamente de intensidade. Era mais um dispositivo que gostaria de pesquisar, mas logo a escuridão o engolfou e os pensamentos se perderam num mar escuro.

Capítulo 16 – Sob ansiedade.

- - - - -Meu amigo mais uma vez, interrompeu sua narrativa, cedendo ao delicioso aroma que provinha da cozinha. Eu ficara tão absorto em acompanhá-lo na vívida descrição que fazia, que não me dei conta, que já passara do meio-dia, e a senhora Marple, estava aguardando o momento de servir o almoço.
- - - - -O dia que começara com algumas nuvens, aos poucos foi escurecendo, prenunciando mais uma tarde tempestuosa. Tive certeza que isto não agradaria Weena, que gostava de ficar horas e horas perambulando entre as plantas do jardim, simplesmente deixando o tempo correr. De certo modo invejei a serenidade que seu semblante refletia. Só o momento presente lhe ocupava a mente. Nenhuma preocupação quanto ao passado ou como seria o amanhã. Como alguém poderia viver assim tão passivamente?
- - - - -- Sei no que está pensando. – disse-me ele, levantando-se da poltrona e caminhando até a janela. – No começo, quando cheguei lá, imaginei que a humanidade alcançara um patamar tão adiantado de civilização que poderia viver neste mundo, como se habitasse o próprio Paraíso. Sem precisar arar a terra, sem horários, sem qualquer tipo de trabalho. Uma humanidade igualitária, onde tudo pertencia a cada um. Acreditei que suas indústrias tinham sido removidas para os recessos da terra, mantendo sobre ela um imenso jardim. Mas fora apenas uma falsa impressão, sem fundamento algum. Penso que jamais chegaremos a este estágio utópico, já que depois que deixei aquela época, não vi outras civilizações. Vi algumas coisas de relance. Mas não tenho certeza se eram obras humanas ou de alguma outra inteligência. Mas estava tão desolado pelo desaparecimento de Weena que perdera grande parte do interesse em explorar, parando poucas vezes, até o fim do nosso Mundo.
- - - - -Balancei a cabeça, em concordância, enquanto ele buscava a Eloi, para almoçarmos.
- - - - -Depois da fausta refeição, regrada a vinho, meu amigo descansou um pouco. Depois continuou a contar-me as suas peripécias em sua nova jornada pelo tempo.
- - - - -Assim que despertou, imaginou por instantes estar em seu quarto, mas quando viu Weena na cama ao seu lado, percebeu que ainda continuava na Torre. Ela permanecia dormindo placidamente o que o deixou mais calmo, apesar de constantemente lembrar-se de que não poderia ficar muito tempo por ali, já que cada minuto que se somasse a outro, suas chances de fugir ao cataclismo, diminuíam na mesma proporção. Como não tinha mais bolso para carregar seu relógio, não sabia dizer por quanto tempo dormira e se era dia ou noite, devido à falta de janelas para um referencial.
- - - - -A cidade, provavelmente deveria possuir um sistema de contagem de tempo, mas não tinha certeza se a mensuração era compatível com o nosso. Revolveu a sua mochila para encontrá-lo e ficou aborrecido, pois deixara de funcionar. Ele, um Viajante do Tempo, esquecera de lhe dar corda e agora, sem ouvir os sinos do Big Ben, ou compará-lo com outros, não podia acertá-lo com a precisão a que estava habituado. Poderia fazê-lo por aproximação com a posição do Sol, mas estava longe da beirada da plataforma para isso. Mesmo que conseguisse, este artifício não lhe daria a hora exata. O único lugar neste Mundo, que ainda marcava o tempo, de forma sexagesimal, era o marcador temporal instalado no seu engenho. Mas no momento, ele estava bem longe e desligado. Lamentou nem ao menos poder carregá-lo, da forma costumeira, já que a indumentária que vestia não dispunha de bolsos. Foi obrigado, a deixá-lo na mochila, que carregava sempre perto de si, por causa da sua preciosa barra de cristal.
- - - - -Olhou para a pequena mesa da sala e notou que tinham deixado mais daquele alimento e novas roupas, enquanto dormiam. Estranhou a falta de frutas ou pães, assim como de um chá. Nada deste tipo havia sobre ela a não ser pequenos tabletes e um recipiente contendo um líquido incolor que imaginou a principio, ser água.
- - - - -Sentia muita fome, particularidade esta que sempre lhe ocorria pelas manhãs. Deduziu que dormira então, muitas horas, avançando em mais um dia. Como costumava pensar melhor com o estômago cheio, provou de ambos. Apesar do gosto indistinto sentiu-se bastante satisfeito. O líquido que bebeu, não era água, mas sim, algum tipo de caldo de alto poder nutritivo, pois saciou sua fome rapidamente.
- - - - -Depois, utilizou o sanitário e o mecanismo de pressão de água, para tomar outro banho, tentando colocar as idéias em ordem. Estava satisfeito fisicamente, mas aflito espiritualmente, pela contradição de querer conhecer tudo o que pudesse sobre aquele povo e aquela cultura, e de querer ao mesmo tempo, fugir antes da catástrofe que se avizinhava. O desenrolar dos acontecimentos, não tinham saído como planejara e já era tempo de pensar numa saída.
- - - - -Tendo em mente sempre a sua companheira, acordou carinhosamente Weena e depois a ajudou a alimentar-se e cuidar da higiene corporal. Estava já habituado à falta de iniciativa dos Elois e a pequena mulher, era como uma criança, necessitando de atenção constante até que começasse a aprender a tomar decisões por si mesma. Enquanto isso não acontecesse, sentia-se na obrigação moral de lhe dar toda a assistência.
- - - - -Uma das idéias que lhe ocorreu, durante o banho, foi a de roubar uma das carruagens voadoras, apesar de desconhecer como manobrá-las, para retornar o mais rápido possível à Esfinge. Ficou contente com sua prudência. Estavam frescos na sua memória, os marcos geográficos que guardara para fazer um retorno seguro, apesar de que neste caso, teria de fazê-lo do ar, vencendo o temor de usar tais máquinas.
- - - - -Trocaram os trajes. O que tiraram, desta vez não foram queimados, e sim, levados, por um daqueles estranhos serviçais aracnídeos, para uma das aberturas.
- - - - -Alimentados e vestidos, ele se preparou para sair com Weena, quando os Pequenos seres que haviam discretamente acompanhado seus movimentos através da parede, que podia ficar translúcida em partes selecionadas, como lhe foi mostrado posteriormente, aproximaram-se dele. Significava que começariam de novo a interrogá-lo para obter mais detalhes de como chegara e sobre o funcionamento do dispositivo que o trouxera. Talvez, houvesse uma chance de concretizar seu plano se colaborasse. Assim poderia conseguir alguma informação que o ajudasse a manipular as máquinas voadoras.
- - - - -Utilizando sempre o dispositivo de tradução, conversaram por um longo tempo, abordando aspectos de uma ciência que desconhecia. Não por ignorância, mas pelo hiato de tempo transcorrido.
- - - - -Procurou cooperar na medida do possível, mantendo a estória que inventara, sobre o aparelho de transporte, sem revelar que possuía uma máquina. Para sua surpresa, teve contato com mais uma das maravilhas daquela civilização quando lhes foi mostrado o registro vocal e de imagens de toda a conversa registrada até aquele momento. Um pequeno aparelho, manipulado por um dos pequenos, permitia o acesso a tudo que tinha sido falado, podendo retornar a algum ponto não esclarecido, quantas vezes fosse necessário, dispensando qualquer tipo de anotação.
- - - - -Durante este período em que permaneceu em contato com eles, seus conhecimentos de engenharia e de mecânica, ganharam o respeito deles. Ele aproveitou este diálogo para satisfazer um pouco mais da curiosidade sobre este Mundo, tanto quanto eles estavam sobre a máquina e a sociedade que inventara o aparelho que o trouxera. Demonstrando muita inteligência e boa vontade, lhe explicaram o funcionamento de muitos aparelhos que despertaram seu interesse. Um dos aspectos que chamara sua atenção relacionava-se aos inúmeros dispositivos da Torre, que de uma forma ou de outra, exigiam energia para funcionar. Começou indagando sobre as pequenas máquinas que vira em algumas plataformas, trabalhando de forma autônoma, sem pararem para recarregar a força consumida. E qual era a razão de todas se apresentarem cobertas por um material translúcido, como cristal, deixando transparecer seus intrigados mecanismos interiores.
- - - - -Responderam que as máquinas eram dotadas de corpos transparentes para absorver a energia do Sol, que chamavam por um outro nome. Não havia como mantê-las funcionando por muito tempo nos diversos trabalhos, subtraindo força da Cidade. Na verdade elas tinham que fabricar a própria e ajudar na produção da que era consumida na Torre.
- - - - -Estas máquinas, além de vários trabalhos que desempenhavam, eram de primordial importância em duas coisas vitais: na colheita e no provimento de água. Dela extraiam um de seus componentes, que poderia ser o hidrogênio ou oxigênio, apesar de não ficar bem claro na ocasião, qual deles. Tais elementos químicos eram submetidos à tremenda pressão, resultando na produção de luz e calor, que supriam as necessidades da cidade.
- - - - -Como engenheiro, não pode deixar de perguntar-lhes de onde retiravam a energia inicial para conseguir as pressões necessárias para produção de luz e calor. A resposta que recebeu, foi uma das mais inusitadas de sua vida voltada para a Ciência. Para conseguirem a pressão suficiente para esmagar os tais corpúsculos da matéria, e mantê-las sob controle, utilizavam-se de dispositivos que capturavam a energia emitida por nossa estrela.
- - - - -O Viajante ficou entusiasmado com este processo desconhecido, que poderia revolucionar a produção de eletricidade das grandes cidades, como Londres e Paris. Lamentou não poder transportar para nossa época esta forma de produzir energia, pela total falta de técnicas e aparelhos adequados. Se conseguisse, seu nome, com certeza, brilharia entre os grandes da Royal Society.
- - - - -Este prodígio da engenharia situava-se nos recessos da Torre. A captação da luz se dava próximo ao cume e era transportada por dutos até às profundezas. Isto, pela razão de que o processo de produzir energia era muito instável, na superfície da Terra, tendo sido necessária a construção de fortes campos eletromagnéticos para contê-la da mesma forma que os diques que represam as águas. Devido à natureza nociva e ao grau de intensidade de energia residual que emanava desta fantástica obra de engenharia futura, só as máquinas tentaculares, detentoras de dispositivos de proteção, podiam operá-la, mesmo assim, em constante substituição.
- - - - -Apesar de demonstrarem sinceridade, o Viajante estava aflito com a situação moral em que se encontrava, pois tinha um plano de fuga em mente e não se sentia muito bem escondendo esta intenção de seres que se portavam com muita sinceridade. Exceção feita à Mulher de Viseira que demonstrara uma certa aversão à sua presença, não percebeu qualquer tipo de comportamento que lembrasse seus contemporâneos. Não notou egoísmo ou qualquer outro sentimento de superioridade, apenas respeito, disciplina e uma certa delicadeza nos modos, que os distinguiam da espécie maior, como já percebera antes.

Capítulo 17 – Lyoman e os Antigos.

- - - - -Nestes poucos dias que permaneceu na Torre, o Viajante fez amizade, nesta troca de conhecimentos, com um dos Pequenos Eleitos, que se destacava pela vivacidade e ponderação. Certamente seria um colega, se ambos vivessem no mesmo século. Seu nome era Lyoman. Sempre respondendo às suas perguntas com amabilidade e bastante clareza, demonstrando agudo raciocínio. Weena logo se sentiu à vontade com ele, que procurava, na medida do possível, corresponder ao seu comportamento infantil com bastante paciência, como fazemos com nossas crianças.
- - - - -Para sua surpresa e oportunidade inesperada, decorrente da mútua admiração, ele o levou até um aparelho que continha armazenada imagens, como num cinetógrafo, sobre qualquer coisa que se precisasse saber. Mas é claro, que era uma aproximação bastante tosca, do que podia oferecer, a quem a solicitasse. Entre elas, estavam os detalhes a respeito das carruagens voadoras, que tanto lhe impressionara e que insistiu em conhecer, justamente para por em prática seu plano.
- - - - -Como ambos compartilhavam o gosto pelo conhecimento, viram e ouviram entusiasticamente, aspectos técnicos das carruagens, através de simples comandos vocálicos. Assim, quando a imagem de uma delas se projetou no ar, foi se inteirando de todas as suas partes e funcionamentos, conforme pedia informações e uma voz artificial lhe respondia o que era questionado. O pouco que conseguiu entender, pelo menos dentro do necessário, que precisava saber, era de que o aparelho movimentava-se através de campos magnéticos, cujos pólos podiam ser alternados, à vontade, criando um campo, ora de repulsão ou de atração, com a Terra. Assim foi-lhe satisfeita a curiosidade de saber, como estas carruagens, possuindo massa razoável, dependendo do modelo, conseguiam mover-se sem o auxílio de um propelente, para não violar a segunda lei de Newton. Com toda certeza a Física avançara muito, utilizando formas inimagináveis de aplicação de forças já conhecidas pelos homens de seu tempo e de outras ainda ignoradas.
- - - - -A reflexão sobre este fato o deixou aborrecido, pois não levara em conta que a Ciência, dinâmica como era, estava sempre se modificando, alterando seus paradigmas, modificando seus conceitos, na tentativa humana de aproximar-se, sempre mais, das verdades da natureza. Quando partiu em 1900, carregava consigo o conhecimento acumulado de séculos. Mas ao chegar a este mundo, deixara para trás, um abismo de milênios.
- - - - -A superação deste hiato, neste exíguo espaço de tempo, seria impossível pela falta de conceitos e uma linguagem comum que pudessem usar como ponto de consenso. Perguntou a si mesmo, quantos novos Newtons e Keplers não haviam surgido, mudando todos os parâmetros de tempo e espaço dentro da Física conhecida? Ele mesmo era um exemplo disto. Como pesquisador solitário que era, descobrira leis ainda desconhecidas pela sociedade cientifica de sua época. Especulou que, se o conhecimento científico, fosse interrompido de uma geração para outra, conforme as quedas de civilizações que presenciara de sua máquina, talvez o homem partisse de novos começos para apreender a realidade, percorrendo caminhos diferentes de cada vez na Física e na Ciência em geral, como neste Mundo, onde estava agora.
- - - - -O Viajante tinha o péssimo hábito de ficar totalmente absorto em suas reflexões e voltou às necessidades mais prementes para a fuga que tinha em mente. Assim, redobrou sua atenção para as imagens explicativas, tentando memorizar as maneiras pelas quais se manobravam os carros aéreos. Tomou conhecimento de que era possível conduzi-lo de duas formas: uma automática, simplesmente lhe dando um comando verbal inicial e a outra, manual, pressionando pequenas saliências, dentro de um quadrilátero vermelho. Neste modo, quatro pequenas barras salientes, à frente do condutor, inseridas no pequeno espaço geométrico mencionado, permitiam a locomoção para os lados, para cima ou para baixo e ainda desacelerar ou acelerar com uma leve pressão dos dedos.
- - - - -Normalmente tudo era controlado automaticamente para evitar acidentes e só em raras ocasiões ele era desligado de um controle central, para vôo manual, o que explicava porque eles nunca se chocavam no ar, apesar da enorme quantidade e direções diversas.
- - - - -Para não tornar clara suas intenções, procurou demonstrar curiosidade sobre outros aspectos daquela cultura de forma que suas perguntas se perdessem no meio de tantas outras, não traindo o plano que tramava. Procedendo desta forma, e também para saciar sua fome por novas coisas, procurou saber porque existia aquela visível diferença física entre eles e a espécie maior. E também qual era a razão deles portarem aquele artefato transparente sobre seus rostos. Perguntou-lhe se era algum tipo de status, ou distintivo que os diferenciava dos demais, como ocorria dentro de um formigueiro.
- - - - -O Pequeno homem não entendeu sua comparação, pois desconhecia estes insetos, e após uma breve explanação do Viajante sobre o que eram, concordou que, de certa forma a analogia servia. Na verdade todos os que a usavam, assim procediam para se proteger de uma parte do espectro solar, aos quais eram sensíveis. A razão disto era devido à finalidade para a qual tinham sido feitos. Eram denominados de Mantenedores. A constituição mais robusta era apropriada para trabalhos de manutenção das estruturas da Torre, principalmente nos subterrâneos desta, onde residiam e as condições de luminosidade eram artificiais o tempo todo. Como haviam sido feitos para esse ambiente, necessitavam de um protetor para seus olhos, quando saiam dele. Devido ao porte físico, eram em ocasiões especiais, utilizados também como soldados e policiais. Mas normalmente, esta última função era exercida por eles. Lyoman incluía-se na classe dos Eleitos, adaptados para trabalhos mais delicados e intelectuais, para viver nas plataformas com luz abundante.
- - - - -No principio, O Viajante não entendeu o sentido da palavra “feitos”. Perguntou-lhe se esta palavra, relacionava-se ao fato de que, desde o nascimento, cada espécie tinha sido condicionada a trabalhar por longos períodos em condições diversas de luminosidade, adaptando seus olhos a tais ambientes. E se tal resultado provinha de passarem de pai para filho, igual aos artesões da Idade Média, suas atividades. Mas quando ele usou a palavra pais e filhos, o Pequeno não entendeu, o que tais coisas significavam. Só depois de muita explicação, principalmente quanto ao papel dos órgãos sexuais, é que compreendeu o conceito da palavra “pai”, “filho” e principalmente “mãe”.
- - - - -Então, ficou chocado, quando lhe foi dito, que esta forma de reprodução não ocorria entre eles. Eram realmente todos “feitos”. Nasciam, se é que se pode assim definir, de “úteros artificiais”. Procediam de uma matriz, que os Antigos, seres que compunham uma forma de governo máximo, acima deles, controlavam, “fazendo-os” conforme as necessidades da comunidade. Existiam claro, os dois sexos, mas até então, desconheciam seu papel. Mas havia algo, no comportamento de Lyoman, durante estas revelações, que o deixara desconfortável e o Viajante não soube definir se era devido ao efeito que suas palavras haviam provocado, ou ao condicionamento que o Pequeno fora submetido uma vida inteira. A natureza é por sua própria qualidade, perseverante e ainda guardava um segredo, que só mais tarde ele descobriria.
- - - - -Para o Viajante, no entanto, o fato de estar diante de criaturas que tinham nascido de forma diferente da sua, o deixou perplexo. Não conseguia imaginar uma sociedade, sem as figuras maternais e paternais, sem os romances, sem a poesia, sem odes ao amor. Que Mundo desumano era aquele em que viera parar? Apesar dos avanços científicos, a humanidade transformara-se em algo totalmente novo. Tornava-se difícil saber se assim desprovida destas qualidades, ela conseguira a harmonia próxima da Utopia, abdicando de paixões que faziam parte de sua própria identidade.
- - - - -Ele aproveitou o momento, para lidar com algo que sempre o intrigara, desde que fizera a primeira viagem. A razão da existência da Esfinge Branca, construída próxima do local onde um dia existira a sua casa. Qual era o seu significado? Era a representação subjetiva de alguma divindade futura? Uma metáfora em pedra de algum conceito desconhecido? Pura Arte?
- - - - -O Pequeno ser, apesar de pertencer a um Mundo onde a Filosofia e a Arte praticamente não eram cultivadas, poderia talvez, lançar alguma luz sobre os motivos da sua construção. Havia, segundo ele, o interesse pelo passado, mas só na medida em que isto atendesse as necessidades da comunidade. Mas não era, como hoje, uma busca para compreender nossas raízes. Não se tratava de uma procura pelo que acontecera antes, de modo a tentar entender os fatos do passado. Não era uma curiosidade voltada para a busca de respostas do por que a humanidade era o que era. Era mais, uma forma de pura comparação com o que existira antes sem qualquer visão filosófica. Dentro deste contexto, Lyoman não soube explicar-lhe, com base no que havia nos registros, o porque da veneração dos Antigos por ela.
- - - - -Este detalhe, somado ao grande respeito pela população da Torre a estas figuras, sempre representadas pelos quintetos de estatuetas, espalhadas por vários locais por onde transitara, lhe fez ver que esta cultura comportava-se de certa maneira como a do antigo Egito. Assim como os faraós reverenciavam Mênfis e Tebas, desde a mais remota antiguidade, os Antigos haviam recuperado e conservado a Esfinge, último resquício da cidade da Redoma, que os Pequenos desconheciam. Mas não enxergara claramente qual era o elo que vinculava estas duas culturas. Sabia que ela existia antes da Torre, mas também não conseguia entender os motivos que os havia levado a restaurá-la. Tal falha nos registros o deixou desapontado, porque o mistério sobre ela se aprofundava, sem que pudesse, mais uma vez, elucidar o seu propósito.
- - - - -No entanto, Lyoman, parecia saber mais do que dizia. Dissera que ela existia há muito tempo, fato que não era novidade para ele. E também, que nunca puderam estudá-la, pelo fato de que o acesso a ela, por razões desconhecidas, sempre fora proibido a todos, pelos Antigos.
- - - - -Ao ouvir estas palavras, ele recordou-se da máquina que encontrara, rodeando-a. Mais uma vez, seus pensamentos se perdessem numa série de conjecturas, sem chegar a conclusão alguma. Qual era afinal, o motivo da proibição? Por que alguns artefatos do passado interessavam aos Antigos e podiam ser compartilhados pelos habitantes da Torre, e a Esfinge não, num paradoxo inexplicável?
- - - - -Outra coisa que lhe chamou a atenção, era a razão das estátuas sempre aparecerem em número de cinco. Porque não só uma ou sete, ou qualquer outro número, ao invés das cinco costumeiras?
- - - - -Sobre este aspecto, também não conseguiu descobrir mais detalhes do Pequeno. Ele apenas sabia que estes números representavam os cincos lendários Fundadores da Torre. Assim eram cultuados, desde que tinham sido feitos. Ele até poderia tentar perguntar para os demais, mas a resposta seria a mesma. Nada mais além do que ele próprio sabia. Mesmo os registros em suas máquinas de informação, silenciavam a respeito.
- - - - -Mas Lyoman, não o decepcionou no final. Disse ele que havia uma crença, muito antiga, que circulava entre poucos habitantes da Torre. Ninguém sabia como ela começara ou se de fato, havia algum fundo de verdade na sua origem. Eram referências muitas vagas. Algumas diziam que a Esfinge, e os Antigos Fundadores pertenciam a uma cidade desaparecida, anterior a Torre. Ela dizia, também, que seu único propósito, naquele passado longínquo era o de reverenciar os espíritos proeminentes daquele Mundo Antigo. Mas nada disto era certeza, pois como já dissera, os próprios Fundadores, por razões desconhecidas, sempre tinham proibido o acesso de todos, à construção, com penas severas para quem transgredisse suas ordens. Seus colegas mais antigos, assim como outros antes deles, diziam que os que haviam tentado descobrir seus segredos tinham desaparecido misteriosamente. O temor de que isto pudesse acontecer a qualquer um, acabara demovendo-os de se ocuparem com ela.
- - - - -O Viajante, até aquele momento, acreditara que no tempo da cidade da Redoma, talvez fosse um templo semelhante às igrejas de nossa época, onde as pessoas se reuniam para celebrar algum culto ou se não fosse esse o caso, uma espécie de Palácio dos Inválidos, como o de Paris, para homenagear postumamente determinada figura importante daquela cidade antiga. Mas um local onde a alma era preservada ia além das suas conjecturas!
- - - - -Lyoman era um dos poucos que ainda preservava tais crenças, cujo número se reduzia a cada geração. Assim, seu relato, apesar de desconhecer o conceito sobre o que era um culto, trouxe um detalhe novo para o Viajante.
- - - - -Então a Esfinge não era um local de culto e sim um depositório da mente dos mortos, que preservava suas memórias, que poderia ser requisitada pelos vivos. Se havia mentes tão prodigiosas em seu interior, o porque da proibição? Mas não havia nenhuma resposta para isso, se realmente fosse verdade o que a crença dizia.
- - - - -Mesmo assim, o Viajante imaginou que se isto um dia foi possível, era como se a alma, o espírito de um Newton, por exemplo, pudesse ser preservado indefinidamente, permitindo o contato de sua mente com todas as gerações posteriores.
- - - - -Que maravilha se isto tivesse existido em seu tempo! Quantos gênios não poderiam ter sido preservados, além da mera existência da matéria transitória! Quanto avanço a humanidade não teria conseguido com esta façanha?
- - - - -Mas logo ele se deu conta que captar e preservar a mente destes escolhidos deveria tratar-se de um processo complicadíssimo. Muito além da Ciência do seu tempo, e até do existente na Torre, envolvendo técnicas e uso de dispositivos totalmente desconhecidos. Por mais que tentasse compreender seus princípios não se sairia melhor do que uma criança que pela primeira vez entrasse em contato com o alfabeto ou os numerais. Mais tarde ele descobriria pessoalmente que havia um fundo de verdade na crença e ela se mostraria mais fantástica do que poderia imaginar naquela altura.
- - - - -Vendo que chegara a um beco sem saída, quanto a real função da Esfinge, voltou sua atenção para outros aspectos desta sociedade, que lhe intrigavam. Um deles era o quase endeusamento dos mais altos dignitários a que todos se referiam como os Antigos. Ouvira várias menções sobre eles, sem entender muito bem, o real significado da palavra. Ele não tinha condições, naquele momento, de saber por quais caminhos políticos a humanidade trilhara. Se haviam surgido novas formas de governo, bem diferentes daqueles que conhecera até o inicio de sua jornada ou se permaneciam os mesmos.
- - - - -Curioso para saber alguma coisa sobre estes Antigos, perguntou-lhe se o nome advinha do fato de comporem alguma dinastia ou dinastias como no Egito Antigo. Se havia um Rei, Imperador ou uma corte de Nobres. Ou se era um Parlamento com vários Ministros ou mesmo um Presidente, com vários Secretários e até mesmo um Ditador. Se eles eram eleitos ou o governo se perpetuava de forma hereditária.
- - - - -Para seu desapontamento mais uma vez, o Pequeno meneou a cabeça diante de tais palavras que o tradutor vertia, demonstrando ignorar completamente o significado de todas.
- - - - -Então perguntou quem planejava o que construir, o que plantar ou como fora construído o edifico onde estavam.
- - - - -Lyoman apontou o dedo, para o teto, dizendo que tudo vinha de cima. Era na parte mais extrema da Torre, que Eles viviam. Era dali que partiam todas as ordens. As metas que deveriam ser atingidas, quando plantar, rotinas do dia, manutenções, etc. Jamais tivera contato com os Antigos e demonstravam ter grande longevidade, já que desde que todos se lembravam, estavam no início de tudo.
- - - - -Eram Deles que partiam todos os detalhes que permitiam a existência organizada da cidade. Daquele ponto vinham as ordens que controlavam todos os aspectos dos habitantes das partes inferiores da Torre. Eram Eles que tinham permitido a existência dele, de todos os Eleitos e Mantenedores.
- - - - -O Viajante tentou interpretar da melhor maneira o que ouviu e concluiu que talvez fosse uma forma de governo, composta talvez de uma terceira espécie, com a qual ainda não travara contato, a não ser por vias indiretas, como no caso das imagens falantes que vira. Constituíam o núcleo daquela sociedade dividida em tipos físicos diferentes e que tinham se imposto às duas outras por milênios? O que não ficara bem claro era o porque de serem chamados de Antigos. Talvez se devesse ao fato de governar a cidade desde o principio. Ou então, de forma semelhante aos senhores do Antigo Egito, ou dos potentados da velha Mesopotâmia, eles mantinham o controle da cidade, como membros de uma família, impedindo o acesso das duas outras linhagens.
- - - - -O que eram afinal e de onde tinham vindo? Na falta de registros que explicassem a razão de serem chamados de Antigos, o Explorador apenas podia se basear no fato de que esta espécie precedera as demais e quanto ao resto, só podia especular, do mesmo modo que os Pequenos haviam feito com suas crendices sobre a Esfinge.

Capítulo 18 – Surge uma esperança.

- - - - -Então, ele voltou sua atenção para outro assunto que lhe interessava mais diretamente e que perseguira a vida toda: o tempo e a sua real natureza. Talvez esta civilização tivesse chegado mais perto da verdade e, uma visão científica ou até filosófica diferentes, poderia elucidar muitos pontos ainda obscuros da sua própria teoria.
- - - - -O conceito de sua existência era unânime entre eles, aproximando-se ligeiramente, da sua textura corpuscular. Mas a sua aplicação prática diferia totalmente da forma como o faziam, de onde dizia ter vindo. Não a utilizavam, para locomover-se através dele, mas tão somente, para encurtar distâncias, já que o espaço fora da Terra é imenso.
- - - - -Na falta de um consenso, sobre a prática, o Pequeno tentou lhe dar um exemplo, através dos controles que a manipulavam, fazendo-lhe um sinal para que o seguisse. Levou-o então, através de vários corredores para uma outra sala próxima.
- - - - -Era um recinto um pouco menor e a exposição dos aparelhos, com a explicação de Lyoman, não esclareceu em nada a forma como o faziam, ou sobre a ciência envolvida. Sua esperança é que deveriam existir paralelos nos métodos empregados na sua máquina e no transportador, mas não havia uma linguagem consensual, pelo hiato cultural. A matemática era diferente, os conceitos diferentes e a única coisa, que se esforçou para entender, foi a maneira como a mensuravam. Talvez pudesse, a partir deste ponto, chegar a uma conclusão. Para seu desapontamento, diferia completamente da nossa.
- - - - -Foi-lhe mostrado uma parede transparente cheia de um gás azulado, que mais o confundiu do que esclareceu qualquer coisa. Dentro dela, como já era de se esperar, não havia símbolos grafados em hindu-arábico, romano ou de qualquer cultura oriental. Eram apenas traços, que se sucediam, emitindo um leve pulso. Foi difícil entender o que significavam, já que não se baseava numa forma sexagesimal e não havia como distinguir os segundos, minutos ou horas.
- - - - -Na parte de baixo da parede de gás estavam localizados pequenos retângulos onde traços menores executavam uma série de movimentos aparentemente caóticos. O abismo entre o seu método e o desta cultura era muito grande e o Viajante olhou estupefato para Lyoman, perguntando-lhe o que significava aquilo.
- - - - -A única coisa que ouviu e não o ajudou muito, foi de que todas as atividades da comunidade eram regidas por aqueles símbolos, a partir do que entendiam por tempo. Existia uma tarefa, uma meta, que todos deveriam cumprir, baseado naquele emaranhado aparentemente ilógico.
- - - - -Impaciente para entender um pouco que fosse, daquele estranho modo de contar o tempo, ele indagou que tarefa ou meta era esta, na vã tentativa de encontrar algum indicio ou referencial que o ajudasse a elaborar algum conceito. Mas, a única coisa que ficou clara, era de que este método de contagem estava relacionado à única tarefa que era de primordial importância para a cidade do futuro: a captura e o transporte dos corpos celestes.
- - - - -A tarefa de retirar os metais necessários para o seu incessante consumo, não de minas, que estavam esgotadas, mas do espaço, mais precisamente de bólidos que perambulavam por ele, era a razão, o referencial daquele estranho relógio.
- - - - -Mas havia uma outra coisa, que se não o ajudou no interesse que tinha pela natureza do tempo, o auxiliou numa importante descoberta que nem os Pequenos desconfiavam, feita mais tarde. Que o nome de Antigos não era devido à longevidade do seu governo e sim à quase imortalidade de seus corpos. Imortalidade esta permitida por um raro mineral que esta espécie havia encontrado nestes objetos do espaço, onde era mais abundante.
- - - - -Se no começo a prioridade era para edificar e manter a Torre, com estes minérios, o tal elemento, tornou-se depois a razão principal da captura constante.
- - - - -O Viajante imaginou que esta busca espacial foi, no principio, a única saída possível para a exaustão dos recursos minerais da Terra, provocada por civilizações anteriores e depois se tornou prioridade pelas razões acima expostas.
- - - - -Apesar de aborrecido, por entender muito pouco sobre o tempo dos Pequenos, admirou esta nova modalidade de mineração, desconhecida por ele e seus contemporâneos. Acompanhou atentamente toda a engenharia envolvida em tais procedimentos. Viu imagens nítidas destes corpos celestes, capturados por máquinas do espaço, controladas à distância, navegando não pela água e sim pelo vácuo. Observou fascinado o desenho elegante de suas naves e as técnicas de movimento com que os capturavam, como o fazem hoje, nossos Baleeiros nos oceanos da Terra.
- - - - -Luas artificiais projetavam teias ou redes de energia que serviam de anteparo a estes gigantes rochosos que eram comuns num cinturão existente entre os planetas Marte e Júpiter. Depois de imobilizados, eram decompostos em pura energia, para encurtar a jornada pelo espaço e enviados desta forma pela quarta dimensão, para as profundezas da Torre. Naqueles recônditos, máquinas restabeleciam sua forma original, iniciando a extração do que lhes interessava.
- - - - -A visão dos subterrâneos foi outra cena que ficou vivida em sua mente. Estendia-se por milhas e estava repleta daquela espécie mais robusta que naquelas profundezas dispensavam suas viseiras protetoras, adaptados que estavam à penumbra eterna que reinava naquele ambiente. Ali, era onde se filtravam os resíduos e se fazia a manutenção do que fosse necessário da Torre. Fabricavam-se também, quaisquer estruturas que porventura os reparos exigissem, a partir das rochas espaciais.
- - - - -Acompanhou atentamente, o espetáculo em si, da chegada de um desses gigantes. Observou as manobras delicadas das máquinas, que impediam que despencasse, assim que se materializava acima do receptáculo apropriado.
- - - - -Este processo de captura, desmaterialização, materialização e mineração, permitiram que formasse um quadro geral e visse os perigos potenciais que poderiam ocorrer, caso alguma etapa falhasse. Talvez, pensou, residisse numa delas a origem do desastre, que fizera sua máquina oscilar perigosamente.
- - - - -Foi quando deparou com um detalhe, que aguçou sua curiosidade. Recordou-se de que na sua primeira excursão pelo tempo, descobrira alguns orifícios por um dos quais descera ao mundo subterrâneo dos Morlocks. Na ocasião, desconhecera seu propósito original. Mas agora, as imagens mostravam que faziam parte da estrutura de dois túneis, cujo acesso iniciava-se no subsolo da Torre. Mas para que serviam? Naquela ocasião, se era este o seu formato original, não de se dera conta, porque estava interrompido por diversos desmoronamentos que impediam a locomoção através dele.
- - - - -Pediu a Lyoman que lhe mostrasse mais detalhes das aberturas dos túneis, indagando-lhe a função dos mesmos. O Pequeno explicou-lhe que dentro deles corriam trens, ligando a Torre à Esfinge. Periodicamente, levavam uma carga de um dos elementos dos bólidos, mas que desconhecia a sua utilidade. Somente as máquinas podiam manobrá-los e seu misterioso carregamento.
- - - - -A primeira coisa que passou por sua cabeça, era de que esta linha até a Esfinge poderia esclarecer muitas coisas sobre as duas construções. Mas para descobrir isto, teria que burlar a vigilância das máquinas e rumar pelo trem até o interior dela, pelo túnel. Como faria isto sozinho? Mas ele estava decidido a escapar dali e não poderia satisfazer sua curiosidade de Explorador. A menos... que juntasse as duas coisas.
- - - - -A única forma de concretizar este intento seria conquistar a confiança de Lyoman. Como poderia conseguir tal intento, sem mudar os hábitos de um ser que fora condicionado desde o nascimento? Haveria algum ponto fraco naquele Pequeno, que pudesse usar como meio para atingir seus objetivos? Naquele momento de dúvidas e de esperanças, ele nem imaginava que esta oportunidade estava mais próxima do que pensava.

Capítulo 19 – As entranhas da Torre.

- - - - -Enquanto meditava sobre esta nova possibilidade de fuga, o novo amigo continuou, através das grandes telas, mostrar-lhe todas as dependências da Torre, com exceção da parte superior, cujo acesso era proibido a todos. Esta parte tinha seus próprios controles e raramente recorria aos Eleitos e Mantenedores. Como é comum à maioria dos homens, essa proibição apenas atiçava ainda mais sua curiosidade para ver qual era a aparência, desta terceira e mais antiga forma humana do futuro. E descobrir por que eram tão arredios?
- - - - -Ver tantas coisas diferentes e maravilhosas, ao mesmo tempo despertara-lhe a vontade de fotografar tudo que pudesse. Mas era difícil escolher o que fotografar por grau de importância. Assim, uma das coisas que o deixou encantado e que foi motivo de riso por parte de muito daqueles seres, foi a reação à sua antiquada máquina fotográfica. Era óbvio que possuíam mecanismos de captura de imagens mais adiantados que o nosso. Sua constante preocupação, sempre fora o número limitado de fotos que podia tirar, protelando esta ou aquela cena. Lyoman mostrou um dispositivo pequeno que dispensava filme. Ele registrava o que se quisesse através de simples comandos verbais. Era uma maravilha que encantaria os cidadãos de Londres e quem sabe manteria os membros da Royal Society ocupados por anos. Pensou em levar um consigo, mas desistiu da idéia, já que só funcionava no idioma dos habitantes da cidade e não tinha certeza, se o tradutor funcionaria fora deste tempo.
- - - - -À medida que foi observando o movimento das plataformas, através dos enormes painéis, percebeu que diferentemente de sua época, não havia comércio ou dinheiro. Tudo se concentrava em torno do cumprimento das diretrizes dos Antigos, exatamente como numa colméia. Não era nem de longe um sistema econômico marxista. Cada membro existia somente para atender as necessidades desta terceira espécie. Só tinha importância ações que mantivesse o sistema funcionando.
- - - - -Ele tentou obter com Lyoman algum tipo de informação sobre como tudo isto começara, mas logo desistiu do intento. Soube que estava perdido no passado, qualquer registro do inicio da construção da Torre. Não existia o que poderia ser classificado como História, não no sentido como a conhecemos. Apenas registros esparsos de determinada fase ou de funções, sem, com isso, esclarecer como tudo se iniciara.
- - - - -Mesmo assim, tentou descobrir alguma informação importante, através de alguns registros que o pequeno Eleito lhe deu. Este sistema, baseados na datação desconhecida, não lançou qualquer luz sobre sua construção, já que ignorava totalmente a maneira como um registro se relacionava aos outros.
- - - - -Como poderia construir uma História, baseado numa medida temporal só compreendida por seus habitantes? Com certeza as noites ainda continuavam se sucedendo aos dias, assim como as estações prosseguiam em sua marcha, independente do calendário que os homens criassem. Mas como compará-lo com este? É claro que se estivesse com sua máquina poderia acompanhar o início da Torre. Dispondo de toda a eternidade, poderia testemunhar cada evento, para entender todo o processo. Mas a cada vez que pensava desta forma, lembrava-se do evento que ocorreria e de que, tais idéias, eram apenas uma distração da sua preocupação principal.
- - - - -As imagens dos painéis permitiram que ele conhecesse partes daquele colosso, que não poderia ter feito a pé, apesar de ter sido esta sua intenção inicial. Tendo em mente que em breve, tudo aquilo sucumbiria a uma catástrofe, não poderia mesmo se dar a este luxo e guardar aquelas cenas, em sua memória, foi uma obrigação.
- - - - -O que viu, o impressionou profundamente. Fez alguns cálculos e chegou à conclusão de que o espaço central, por onde circulava a luz de transporte, era tão imenso, pelos padrões do seu tempo, que acomodaria folgadamente a pirâmide de Queóps. E havia mais. Para impedir qualquer tipo de vazamento, em torno dele, a engenharia tinha erguido uma parede de contenção, como um tubo, composto por um oscilante campo eletro-magnético.
- - - - -Cada nível possuía quatro emissores. Tais aparelhos trabalhavam continuamente, sendo os grandes responsáveis, junto com o feixe, pelo intenso consumo de forças.
- - - - -Quanto ao que já vira daquela sociedade, pode constatar pelas imagens, mais coisas ainda, que nos afastavam desta cultura, tais como a total ausência de hospitais, escolas ou cemitérios. O que por si só, representava algo novo e estranho.
- - - - -Ao tomar ciência, pela primeira vez, de que todos eram “feitos”, visando um propósito dentro daquele formigueiro ou colméia, imaginou que começassem suas existências como crianças. Na verdade não viu uma só delas e quando inquiriu sobre isto, não obteve qualquer explicação. O termo “criança” ou a fase pelas quais todos passamos, até atingir a idade adulta, era um aspecto totalmente desconhecido. Até onde se lembravam, sempre tinham sido assim.
- - - - - Havia, é claro, tratamento para os doentes e quando o caso era muito grave, o enfermo era levado na direção do cume, para tentar-se uma cura. Fazia-se o possível para que se restabelecesse, já que cada um funcionava como uma peça de uma grande engrenagem. Dependendo da enfermidade, alguns voltavam, outros não. Assim como não viu crianças, não viu também, idosos. E esta fase da vida, era outro conceito que desconheciam.
- - - - -Tinham conhecimento da morte e a temiam como qualquer outra criatura inteligente. Quando isto ocorria, seu corpo era levado para o último andar, sem as cerimônias ou sentimentos de perda, com os quais estamos acostumados.
- - - - -O Viajante ficou perplexo com a naturalidade com que aceitavam estes fatos, de forma inversa ao considerado natural em nossa sociedade, com a existência de homens, mulheres e crianças, bem como hospitais e cemitérios. Ninguém sabia o que era feito dos corpos, conforme lhe contaram e nunca tiveram a curiosidade despertada a este respeito. Era como se tivessem nascidos adaptados para atender aos ditames da Torre, sem levar em conta seus interesses particulares.
- - - - -Esta estranha cultura, não cultuava nenhum tipo de religião ou acreditava numa vida após a morte, já que não se debruçavam sobre estes temas. Não havia a idéia de uma alma, de um espírito, animando seus corpos. Mas se a Religião era um freio para os desmandos dos homens, a falta dela nesta sociedade, nada representava e não a impedia de viver na mais estrita harmonia, sob um código moral diferente dos nossos valores.
- - - - -Enquanto acompanhava com muita atenção as explicações de seu amigo, esforçou-se para memorizar tudo que viu, como a única forma de registrar o máximo possível, aquelas excentricidades do futuro.
- - - - -Estava tão compenetrado nesta tarefa, que não percebeu a chegada de um grupo de Soldados da outra espécie. À frente deles, estava aquela Mulher, que os escoltara na chegada.
- - - - -Entraram na sala e ela chamou um dos companheiros de Lyoman. Sussurrou qualquer coisa em seu ouvido. Depois olhou para ele e para Weena. Com um semblante sério perguntou a Lyoman se o aparelho tradutor estava ajustado, para que o estranho pudesse entender as ordens que trouxera.
- - - - -Olhando-o diretamente, disse-lhe que os Antigos estavam curiosos para conhecê-lo pessoalmente, o que era uma aquiescência rara da parte deles. Ao falar sobre isto, suas palavras provocaram uma expressão de incredulidade em todos, já que poucos tinham tido este privilégio.
- - - - -O Viajante fez uma pausa, para ressaltar que a comunicação entre os membros daquela cidade era realizada de forma inimaginável. Não havia jornais ou revistas, mas todos estavam interligados por pequenos aparelhos que traziam presos à altura do tórax e um apêndice acima das orelhas, que não só funcionavam como transmissores de som, como também transmissores de imagens. Conforme houvesse a necessidade de cada um, de se comunicar, acionavam este ou aquele dispositivo, o que explicava a quantidade de apetrechos que carregavam consigo, presos às roupas colantes.
- - - - -Grandes telas como as de um cinematógrafo dos irmãos Lumière, mas muito maiores, existiam em todos os andares, e as imagens que exibiam não se deviam a projetores à sua frente e sim dispositivos colocados atrás das mesmas. Por ali tudo ficava exposto em público, não como forma de algum entretenimento, e sim, seguindo os ditames práticos daquela cultura, que não possuía nada semelhante à Arte. Não havia quadros, estátuas, teatros ou livros e muito menos bibliotecas, exceto as estatuetas dos cincos administradores.
- - - - -Os livros, ao invés de constituírem-se de papel, apresentavam-se como pequenas pastilhas, muita parecida com as nossas moedas. Quem necessitasse de informações detalhada recorria a este meio. Ou então utilizava o dispositivo que Lyoman lhe mostrara, quando quis conhecer o funcionamento das carruagens voadoras. Quem quisesse obter informações, o fazia através de comandos vocálicos, que surgiam em pequenas telas parecidas com o zoopraxinoscópio de Eadweard James Muybridge.

Capítulo 20 – Os Antigos?

- - - - -Então meu amigo retornou à narrativa principal, ressaltando que a chegada de seres tão diferentes, como ele e Weeena, tinha momentaneamente quebrado a rotina dos chamados Antigos. A curiosidade ainda impregnava esta misteriosa terceira espécie do futuro de tal forma, que haviam lhe concedido uma audiência pessoal. Era evidente que já tinham registrado tudo que pudessem sobre os dois estranhos, mas se eram entidades vivas, ainda mantinham esta qualidade.
- - - - -Segundo Lyoman, a notícia dessa audiência com as figuras máximas daquela cidade correra rapidamente. Muitos, não esconderam um certo aborrecimento, coisa inédita, de não poderem desfrutar de tal privilégio em suas vidas. Tal coisa deveria ser algo parecido a um contato pessoal com nossa falecida rainha Vitória.
- - - - -De qualquer forma, mesmo todos não querendo demonstrar tais emoções, havia um clima de ansiedade no ar. Depois que a Mulher lhe transmitiu o convite, foi lhe dado um breve tempo para que se preparasse para o encontro.
- - - - -O Viajante, naquele momento, imaginou que esta seria a oportunidade que esperava para fugir daquela cidade. Mas desistiu da idéia, assim que a Mulher, ao vê-lo aproximar-se de Weeena, declarou que teria de ir sozinho, já que parecia ser o que mais entendia de deslocamento temporal.
- - - - -A situação exigia muita diplomacia da sua parte, pois queria sair dali com a Eloi. Tentou argumentar que sua companheira dependia de seus cuidados e não poderia ficar sozinha. Apesar de seus apelos para levá-la, ela foi insistente e o Viajante viu-se obrigado a aceitar este fato temporariamente para não causar qualquer prejuízo à situação frágil em que os dois se encontravam. Além disso, temia que de alguma forma, seu intento de escapar, o tivesse traído, através de alguma palavra ou gesto descuidado.
- - - - -Ele também não sabia qual seria a reação dos Antigos quando estivessem frente a frente. Talvez, pensou, pudesse convencê-los a permitir a partida dos dois, dando sua palavra de cavalheiro de que honraria qualquer compromisso que acordassem. Relutantemente aquiesceu em ir ao encontro deles, tentando com isso ganhar algum tempo para contornar esta situação inesperada que só atrapalhava seus planos.
- - - - -Voltou para o quarto e olhou para a sua querida companheira de viagem. Ajoelhou-se e beijou seu rosto, esperando que ela não ficasse desesperada sem a sua presença. Depois, bebeu mais um pouco daquele caldo e usou as instalações sanitárias.
- - - - -A tensão do encontro provocou-lhe fome, o que o fez ingerir alguns dos tabletes que lhe eram oferecidos todos os dias, colocando outros dentro da mochila, caso a audiência se prolongasse. Apanhou-a, e antes de jogar os tabletes, certificou-se que o cristal de comando da máquina ainda estava lá dentro, envolto no lenço que trouxera. Retirou dela sua fiel máquina fotográfica e verificou de quantas fotos ainda dispunha antes de completar o rolo de filme. Como não pudera dispor de uma das máquinas mais avançadas que disponham para a obtenção de imagens, ficou satisfeito por pelo menos possuir a sua.
- - - - -Antes de deixar os aposentos, pediu a Lyoman, que cuidasse de Weena na sua ausência e lhe prestasse toda a ajuda de que ela necessitasse.
- - - - -Ele assim o fez de imediato, chamando uma pequena mulher de nome Yla, que se aproximou dela, confortando-a e tentando fazê-la entender por gestos, que seu protetor se afastaria por pouco tempo.
- - - - -Mais tranqüilo por saber que ela não ficaria desamparada, despediu-se de Lyoman e acompanhou a Mulher e sua escolta. No caminho foi imaginando que tipo de seres encontrariam pela frente, que detinham tanto poder e capacidade para gerir a gigantesca construção.
- - - - -Depois de passarem por uma série de elevadores laterais, para chegar ao penúltimo nível, ele se perguntou como fariam para chegar ao topo, já que não havia nenhuma conexão. Caminharam até um certo ponto e ali ficaram esperando, sem que ele entendesse a razão. De repente, para sua surpresa, um pequeno orifício abriu-se no teto e desceu dele um elevador translúcido que assim que chegou ao chão, abriu-se para eles.
- - - - -Para seu espanto, não foram recebidos de imediato pelos Antigos e sim por duas máquinas. Como o acesso desta área era vedado à maioria dos habitantes da Torre, por causa dos dispositivos emissores de luz transportadora, provavelmente tinham sido construídas para executar serviços de manutenção do andar, substituindo os habitantes das duas classes que povoavam a cidade.
- - - - -Possuíam poucos tentáculos. A visão de suas entranhas, através da superfície transparente despertou sua curiosidade de engenheiro. Todos aqueles dispositivos desconhecidos, com trocas constantes de correntes elétricas entre suas partes aguçaram o desejo de levá-los e desmontá-los nos principais laboratórios da Inglaterra, para saber como funcionavam. Mas tinha noção de que era apenas um desejo, impossível de concretizar. Num gesto automático posicionou sua pequena câmera e não hesitou em tirar uma foto, de tais máquinas tão fantásticas.
- - - - -Gentilmente estas criaturas mecânicas aproximaram-se dele, afastando-a da Mulher e dos outros, com suaves movimentos dos tentáculos. Como Explorador seu coração batia ansioso por novas descobertas e sem temor algum, acompanhou aqueles seres artificiais para cima.
- - - - -Assim que lá chegaram, o dispositivo abriu-se novamente e sumiu nas alturas no mesmo tempo que o orifício por onde passara o elevador, fechava-se. O ambiente era escuro e não dava para ver nada. Assim que caminhou um pouco com a escolta de máquinas, uma porta se abriu e uma luz suave, de cor azul, inundou o ambiente.
- - - - -O que seus olhos contemplaram, foi um misto de terror e maravilha. Talvez, para um visitante, sem conhecer os hábitos desta cultura, o comportamento pudesse parecer desumano e desprovido de respeito a tudo que a humanidade valoriza. Aquele andar era uma enorme fábrica, de nascimentos e mortes, onde nada era desperdiçado.
- - - - -O primeiro local para o qual foi conduzido, nada mais era do que um vasto espaço, que o remeteu às fábricas da Inglaterra, com uma infinidade de máquinas cuja função lhe escapava totalmente. Entre elas, circulavam os seres translúcidos que já vira em algumas plataformas.
- - - - -Neste lugar não havia nenhuma dos dois tipos de seres que habitavam a cidade. Ele não soube dizer, se os Antigos assim procediam, por uma simples questão de dispor de dispositivos que lhe obedecessem cegamente, ou se sua manutenção requeresse um cuidadoso conhecimento técnico de dedos delicados. Viu miríades de pequeninas máquinas, semelhantes a aranhas, que se deslocavam para todos os lados. Deslizavam para cima e para baixo, como pequenos diamantes sobre fios invisíveis, executando centenas de operações, sem se atropelarem. Uma força inteligente as guiava, ditando toda a sorte de ordens, num ritmo impossível para seres orgânicos.
- - - - -Foi seguindo em frente e testemunhou um processo jamais imaginado pela mente de qualquer homem. Todos aqueles seres que habitavam a cidade, tanto os Pequenos, como os Mantenedores, eram gerados em enormes úteros artificiais, iguais a campânulas, desprovidos de quaisquer cuidados maternos. Máquinas semelhantes a que o acompanhava, zelosamente dispensavam o que mais próximo poderia ser classificado de amor materno. Mas aquelas pessoas do futuro não passavam por um estágio, como seria normal, da infância para adulto. Vinham já nesta forma, desprovidos de qualquer memória, de qualquer lembrança das brincadeiras infantis, de aniversários ou do carinho transmitidos pelos pais. Nasciam, se este era o termo correto, como cascas vazias, sem conteúdo algum, até o momento, num estágio posterior, em que colocadas em máquinas, suas mentes eram preenchidas com todo o repositório de uma vida, de acordo com as necessidades da comunidade. Nenhuma delas procriava da forma que a natureza se impusera e agora ele entendia que privados do instinto sexual, aqueles seres só tinham obsessão por uma coisa: viver e morrer pela comunidade como um enorme formigueiro. Esta era a parte das maravilhas. Mas havia outra, mais tenebrosa.
- - - - -O Viajante já se referira ao fato de não ter encontrado velhos, crianças, hospitais, cemitérios ou templos para o exercício das religiões. Isto ocorria por duas razões. A primeira por virem ao mundo no estágio adulto, como acabara de descobrir. A segunda, mais aterradora, recaia sobre aqueles que não podiam ser recuperados após alguma enfermidade ou acidente. Se é que se podia classificar tal ato de compaixão, tais corpos eram colocados em sono profundo, para que não sentisse qualquer dor e, em seguida, máquinas os dissolviam para que os seus fluidos fossem reaproveitados nos úteros artificiais.
- - - - -Estarrecido ladeou aquelas máquinas que recebiam os corpos daqueles que tinham falecido ou assim parecia. Comparou estes aparatos, com certa ironia, às forças da natureza das grandes florestas tropicais, onde a massa de vegetais caídos no solo servia de nutrientes para a germinação de novas plantas.
- - - - -Todo o processo decorria longe da vista dos demais habitantes da cidade, seguindo uma estrita lógica fabril, pouco se preocupando com critérios morais. Mas mesmo com aqueles habitantes do futuro, condicionados a viver conforme ditames pré-estabelecidos, as inteligências tinham se preocupado em esconder isto de seus olhos. Não, com o objetivo de evitar quaisquer sentimentos de repugnância ou outros constrangimentos, e sim, estritamente por ordens práticas.
- - - - -Uma terceira e última parte desta monstruosa fábrica, provavelmente para evitar algum tipo de choque, apesar de estarem com a aparência de adultos, mas desprovidos de quaisquer sentimentos a não ser os instintivos, recebiam os recém-nascidos. Este local funcionava como uma maternidade, amparados por mais daqueles seres mecânicos que desempenhavam o papel de médicos ou enfermeiras. Ali chegavam também os doentes que pudessem ser recuperados.
- - - - -Sobre a cabeça destes nascidos eram colocados capacetes, ligados por tubos a uma série de artefatos, que com toda certeza, insuflavam naquelas mentes vazias uma vontade. Refletiu sobre aquele processo engenhoso, porém inumano, onde os Eleitos e Mantenedores eram criados, educados e colocados como peças de uma enorme máquina. Sem os conceitos de uma religião, tais seres desconheciam o que era a esperança, o amor e também desconheciam as mazelas da existência humana, como o ódio e a vingança, como desconheciam também o conceito de guerra, apenas o da segurança, como as formigas guerreiras.
- - - - -Ele não pode ter uma visão geral de todo o andar, devido a estas instalações que toldava sua visão. Como se distribuíam por uma área esférica, deduziu que compartilhavam o espaço com a residência dos Antigos. E não demorou muito para chegar até Eles.
- - - - -Assim que penetrou nesta parte, observou que, por ser o menos extenso de todos, ocupava uma área próxima das gigantescas máquinas que se estendiam até o teto. Viu enormes cilindros, que emitiam um pulso constante, mesclando cada feixe de luz, num facho maior rumo ao céu.
- - - - -Por alguns instantes, tentou proteger os olhos com as mãos, pois passara rapidamente da penumbra para uma luz intensa que emanavam dos cilindros. Na verdade, quando seus olhos se acostumaram com o forte brilho ele se deu conta de que estava no final de um corredor transparente.
- - - - -Esta estrutura cristalina era um enigma. Não sabia se era algum tipo de proteção, ou de isolamento feito pelos Antigos. Apesar da luminosidade, ficou difícil ver dali os detalhes. Conseguiu apenas vislumbrar difusas saliências.
- - - - -Mas acima de sua cabeça, o espetáculo era bem visível. Luzes de formas trapezóides, ora se mesclavam, ora se separavam, em cores semelhantes à de uma bolha de sabão. Revolteavam constantemente, como se movidas por uma inteligência.
- - - - -Enquanto estas luzes lhe causaram o maior estupor, as duas máquinas que o tinham acompanhado se afastaram, provavelmente para cumprir suas tarefas. Ele ficou ali, estático, tentando entender o que era aquilo tudo.
- - - - -A claridade acima, assim que seus olhos se acostumaram, permitiu que observasse melhor o que havia naquele grande recinto, por trás da parede transparente. Até onde sua vista alcançava, pode ver uma série de quadrados translúcidos, que deduziu terem a metade da altura de um homem. Estavam dispostos numa carreira e confundiam-se na linha do horizonte. Estes quadrados estavam conectados à forma difusa acima, por incessantes correntes elétricas, criando uma cacofonia de sons, que se misturavam ao pulsar dos cilindros, do outro lado.
- - - - -Eram estas luzes, os Antigos, perguntou-se? Eram seres de pura energia? A verdadeira humanidade evoluíra tanto, a ponto de abdicar de seus corpos?
- - - - -Afastou-se assustado da parede, quando no meio daquela nuvem, formou-se o espectro de cinco rostos, cujos detalhes faciais não eram nítidos, dificultando distinguir um do outro. Começaram a falar, intercalando-se, como se fosse apenas uma mente distribuída pelos cinco espectros. Mesmo assim era um espetáculo que impressionaria qualquer mortal. Por segundos a cena o fez recordar-se dos gregos antigos, onde provavelmente se um deles estivesse presente, pensaria estar no Olimpo e na presença dos próprios deuses.
- - - - -- O que você é? De onde vem? – perguntaram de uma forma que ouviu perfeitamente em nosso idioma, sem precisar recorrer a qualquer dispositivo tradutor. Isto demonstrava que possuía a faculdade de comunicarem-se, mesclando-se ao próprio engenho, por meios desconhecidos. Já que podiam controlar tudo que vira até agora, falar com ele seria o menos dispendioso.
- - - - -Impressionado por tal manifestação, o Viajante balbuciou algumas palavras, apresentando-se como um Explorador. Que, como leal súdito de sua majestade, a rainha Vitória, do Império Britânico, vinha em missão pacífica, de exploração. Pedia desculpas por qualquer inconveniente que involuntariamente tivesse provocado. E que era uma honra conhecer inteligências responsáveis por tão grandes realizações.
- - - - -- São conceitos estranhos. – disse um deles.- Você é deste mundo ou fora dele?- perguntou outra face.
- - - - -Ele respondeu que era deste, mas de um tempo diferente. Mas que gostaria de saber também, com quem se comunicava e por quais razões fora levado à sua presença.
- - - - -Sem demonstrar nenhum sinal de emoção, apresentaram-se com um nome impronunciável. O que deu a entender que eram uma espécie de “alma” daquela Torre. E que suas existências confundiam-se com ela. Para os habitantes eram conhecidos como os Antigos, aqueles que sempre existiram.
- - - - -Algumas dúvidas assaltaram a mente do Explorador. O abismo entre as duas formas de pensamento era muito grande, nada esclarecendo sobre suas origens. Se tal força nascera junto com a Torre, quem ou o que, era responsável por sua existência? Seriam eles mesmos os tais Antigos ou alguma outra coisa?
- - - - -Criou coragem e perguntou-lhes se estava diante de alguma forma nova de vida, que substituíra as criaturas orgânicas.
- - - - -- O que é vida, no seu entendimento? – um deles lhe perguntou, deixando-o confuso quanto à sua real definição.
- - - - -- Sou limitado para responder a esta questão. Mas na minha concepção, vida pode ser muitas coisas. Mas devo reconhecer que estou diante de uma, apesar de não ser um estudioso da natureza. No entanto, os homens da minha época, chegaram à conclusão que a vida é gerada por outra vida, por isso, humildemente lhes pergunto: quem os gerou?
- - - - -Os espectros ficaram em silêncio, e uma descarga ramificou-se por sobre alguns quadrados, parecendo-lhe uma clara demonstração de que ignoravam a resposta, ou procuravam omiti-la.
- - - - -Pareceu-lhe que os Antigos reagiam mais como máquinas, do que como seres vivos. Não havia emoção em suas vozes, o que era muito suspeito para seres biológicos que se auto-intitulavam como os edificadores da Torre. Um sexto sentido dizia-lhe que procuravam esconder alguma coisa. Sua pergunta, talvez a primeira, em muitos séculos que recebiam, sem se referir a Torre, os deixara confusos. O silêncio, com certeza, devia-se ao fato de não saberem suas origens, o que era uma lacuna estranha em seu vasto conhecimento. Ou se sabiam, decidiram manter-se calados.
- - - - -Diante daquela situação, o Explorador do Tempo, mudou de estratégia e fez-lhe outra pergunta, mais prosaica. - Peço-lhes licença, para indagar o por quê de estarmos sendo tratados como prisioneiros?
- - - - -Um dos Espectros respondeu-lhe que não tinha sido esta a intenção. A chegada dos dois, juntos a anomalias temporais era um acontecimento inusitado, disse o seguinte. Um outro completou, dizendo que, jamais haviam recebido a visita de seres tão diferentes, ainda mais viajando pelo tempo. Um outro ainda revelou ter muita curiosidade para saber de onde vínhamos e como fazíamos para controlar o fluxo temporal. Um último disse que esperavam poder dispor deste conhecimento.
- - - - -- Infelizmente, - disse o Viajante, - como já expliquei aos seus técnicos, somos meros exploradores, enviados, como os seus, para cumprir uma missão. Desconhecemos como ela funciona.
- - - - -Tentou argumentar com aqueles rostos fantasmagóricos, que jamais imaginara que o deslocamento temporal pudesse causar algum prejuízo, a menos que interferisse nos acontecimentos mudando-os. Em nenhum momento procedera assim e pedia desculpas por quaisquer tragédias que porventura tivesse causado. Só fizera a viagem para a glória da Ciência, pela sede de conhecimento e pela curiosidade das realizações humanas. Sem mencionar sua máquina, lhes disse que o defeito no seu deslocador temporal, além de provocar a sua súbita materialização, provavelmente causara os efeitos sentidos no transportador e no sistema de defesa.
- - - - -As faces emudeceram, como se deliberassem.
- - - - -O Viajante dispunha de poucos recursos para avaliar a sua real participação nos eventos. Como homem de Ciência que era, gostaria de não fugir àquele desafio, mas tinha consciência da catástrofe que se abateria sobre a cidade e se ficasse além do tempo necessário, ele e Weena estariam condenados. Além disso, a curiosidade o afastara do que viera procurar. Não se esquecera que viera para tentar impedir o surgimento dos odiados Morlocks, apesar de saber que quaisquer mudanças no fluxo do tempo poderia trazer conseqüências imprevisíveis. No entanto sua curiosidade inata pelos prodígios do futuro ainda o fazia sentir-se às vezes como uma criança, que ao deparar-se com um brinquedo novo, perdia a noção do que se passava em sua volta. Não esquecera do motivo mediato que o fizera parar, relacionado à trepidação pela qual passara e que para ele continuava a ser um grande mistério, já que não notara nem um sinal de guerra naquela enorme cidade. Talvez alguma catástrofe natural estivesse a caminho e se sentira isto na máquina, os efeitos dela, fora do fluxo do tempo, poderiam ser bem maiores.
- - - - -- Decidiremos o que fazer a este respeito. – exclamou uma das vozes. – Por enquanto, ficarão na cidade, para podermos analisar todas as variantes da nova equação, manifestou-se outra.
- - - - -O movimento acima cessou e lentamente as imagens esmaeceram, deixando-o a sós com seus pensamentos, e uma sensação de que havia algo errado com as entidades conhecidas como Antigos.

Capítulo 21 – Dúvidas e mais dúvidas.

- - - - -Após este breve contato, passou-lhe pela mente, até que ponto representava o peso do seu papel, em tudo que até agora acontecera. Perguntou-se se estas ações, motivadas pela busca de Weena e o que se propusera fazer contra os Morlocks, ainda que muitas delas involuntárias, não estariam imbricadas nas causas do que sucedera à cidade da Redoma e o conseqüente surgimento da Torre. Teria ele provocado, mudanças na trama do tempo, sem o perceber, a cada deslocamento para o passado e para o futuro que fizera?
- - - - -Então, de repente, uma idéia despertou em sua mente e algumas coisas começaram a fazer sentido. Não fora uma guerra o que destruíra a cidade da Redoma. O que viu, nada mais era do que o resultado dos disparos das luas artificiais de proteção, acima da Torre. De alguma forma, que ainda não podia explicar totalmente, os feixes de energia, tinham sido capturados por algum túnel aberto no fluxo temporal, e levados involuntariamente até a cidade.
- - - - -Por mais que se esforçasse, não conseguia achar um mecanismo que explicasse a formação deste túnel até o domo da cidade. A única explicação possível seria um arrasto para dentro dele provocado por sua máquina do tempo. Mas como isto teria sido possível, já que até onde sabia, sua máquina não era grande o suficiente para gerar e manter um campo tão potente, a ponto de interconectar as duas cidades, através de um túnel no espaço-tempo? A menos que tivesse ocorrido uma superposição de vários túneis, somando suas energias ou a atuação de uma força ainda desconhecida, dentro da complexidade da quarta dimensão.
- - - - -Para que tivesse uma idéia mais clara destas implicações temporais, o Viajante precisaria de mais informações. As entidades conhecidas como os Antigos, não esclareceram muita coisa. Talvez as forças de transporte das rochas espaciais poderiam ter sido momentaneamente desequilibradas no percurso pela quarta dimensão, provocando o translado dos disparos das luas para outra época, sem envolver sua máquina. Mas restava entender o processo físico temporal que permitira isto. Por mais que tentasse encontrar uma solução, seu raciocínio continuava dando voltas, sem chegar a lugar algum.
- - - - -Os Pequenos possuíam muito conhecimento e muita prática na utilização deste maquinário e quem sabe, trabalhando em conjunto, pudesse encontrar uma explicação para o que ocorrera, eximindo-o de qualquer culpa. Mesmo assim restava o fato curioso, de que tais acontecimentos ocorreram coincidentemente com o período que perambulava pelo tempo. E isto era um dado que ele não podia negar. Seus registros, talvez o ajudassem a entender melhor o que acontecera.
- - - - -Como homem de ciência que era, e se de fato, estava mesmo envolvido, gostaria de fazer alguma coisa para impedir a calamidade que se abatera sobre a cidade da Redoma e o perigo que trouxera à Torre. No entanto, a razão sempre lhe avisava de que não poderia se dar ao luxo de gastar muito tempo nisto, visto que sua prioridade maior era de sair da cidade com Weena, o mais rápido que pudesse.
- - - - -Foi pensando nisso que se lembrou de que sua máquina era ainda a única saída de que dispunha. E precisava chegar até ela, o quanto antes. Só ele sabia do seu paradeiro, não dispondo de proteção alguma a não a ser uma pequena toca, coberta por galhos e ramagens. Apalpou a barra de cristal na mochila apenas para certificar-se de que a conexão com ela ainda existia, assim como a esperança de poder voltar a manobrá-la. Sua ansiedade era tanta que sentiu calafrios apenas só em imaginá-la descoberta e escondida pelo povo da Torre sem o seu conhecimento. Procurou não pensar muito nisso e concentrou-se no que deveria fazer em seguida. Não poderia aguardar uma decisão dos tais Antigos, porque isso significava uma sentença de morte.
- - - - -O Viajante foi conduzido pelo mesmo caminho pelo qual viera, reencontrando a Mulher e a Escolta que permaneciam impacientemente esperando diante da porta vigiada por uma das máquinas que o acompanhara. Todos o olharam como se esperassem ouvir assombrosas palavras sobre o encontro. Preferiu ficar calado. Apesar de ter-se impressionado, sentiu uma certa hostilidade na voz dos Antigos e desconfiava se estivera mesmo na presença dos reais fundadores da Torre.
- - - - -Esperava, pelas suas expectativas, encontrar inteligências acima da mediocridade humana. O que viu, assemelhava-se mais a um grupo de tiranos que governava aquela Torre com mão de ferro. Sentiu alivio ao sair dali e ao mesmo tempo, pena daquelas almas que a habitavam sem disso desconfiar. Talvez nunca despertassem da submissão a que tinham sido colocados.
- - - - -Ficou o tempo todo calado e meditativo, até ser levado ao local onde estava Lyoman e sua delicada companheira, Weena.
- - - - -Apesar do desapontamento, ficou mais do que feliz em revê-la, que correu feita uma criança para seus braços. Pelos menos tinha sido poupada de ver o que tinha testemunhado. Para uma criança assustada que passara por momentos terríveis, vendo a morte de perto, não tinha certeza se sua mente suportaria aquela visão espectral.
- - - - -Assim que se acalmou com a sua presença, ela voltou às distrações, proporcionadas por Yla, sem ao menos demonstrar alguma curiosidade pela sua ausência. Mas este era o comportamento típico dos Eloi que raramente demonstravam interesse pelo que os cercava. Tinham sido condicionados a comportarem-se como gado, sem ter a mínima noção do futuro que os esperava. Pobre ser, que salvara de um destino horrível. Foi com estes pensamentos arrastando-se em sua mente que acabou lhe ocorrendo uma idéia. Mas para que tivesse sucesso nesse plano precisaria contar com a ajuda de Lyoman.

Capítulo 22 – Intervalo para o jantar e mais reflexões.

- - - - -Nesta altura, meu amigo pediu-me licença para interromper sua estória, com o objetivo de recuperar algumas lembranças e dar um prosseguimento coerente à narrativa. Eram muitos os detalhes e não conseguia lembrar-se de todos.
- - - - -Então pedi à senhora Marple que nos servisse uma refeição leve, na noite que avizinhava. Neste momento o Viajante fez questão de frisar que sua companheira não comia carne e se contentaria com uma porção de batatas cozidas e uma salada de ervilhas. Aproveitei então a ocasião para educadamente perguntar-lhe se fora correta a decisão de trazer Weena para o nosso tempo. Sem saber ler e escrever e desconhecedora de nossos costumes sociais, como faria ele para adaptá-la ao nosso mundo?
- - - - -Ele passou carinhosamente as mãos sobre os cabelos claros dela, que aquiesceu com um sorriso inocente. Com o olhar perdido em algum ponto distante disse apenas que “o tempo era o senhor de todas as coisas” e que aos poucos ele se encarregaria de por tudo em seu devido lugar. Nem por um momento, quem quer que tenha visto o que ele viu, deixaria de fazer o que ele fez. Preferiria mil vezes gastar o seu tempo de forma a tornar Weena uma leal súdita de sua majestade, a deixá-la à sanha dos terríveis Morlocks.
- - - - -O Viajante que se afastara por oito anos e ironicamente vira coisas que nenhum homem do seu tempo poderia imaginar, quanto mais se afastara de sua época, mais defasado se tornara em relação a ela. Eu já o colocara a par da morte da rainha um ano depois de sua partida, mas muito pouco do que ocorrera no Continente desde a sua segunda viagem.
- - - - -Nada sabia da hostilidade crescente da Alemanha e da guerra que quase irrompera nos Bálcãs entre a Sérvia e o Império Austro-Húngaro por causa da Bósnia. Mas isto ficaria para um outro dia. Eram apenas notas de rodapé de uma história que o Viajante deixara para trás. Com o suceder dos milênios, estes detalhes de um passado longínquo, acabariam parecendo como nos soa hoje, ecos de uma pré-história. Para quem viajasse para o futuro, estariam talvez à sua espera, acontecimentos cruciais da história da humanidade. Fatos muito mais relevantes do que aqueles com os quais convivêramos até agora.
- - - - -Para quem só tem uma visão parcial da história, como é comum a cada pessoa em sua vida, lhe parece, enganosamente, ter visto todos os momentos chaves da história. E quanto ao futuro? Como seria com uma visão mais ampla, abarcando essa época vindoura? Talvez descobrisse estupefato que tudo que tivesse acontecido até os seus dias, seria irrelevante diante dos grandes acontecimentos da história ainda por acontecer.
- - - - -Após a refeição, enquanto descansávamos um pouco, solicitei à senhora Marple, que no dia seguinte, comprasse roupas mais condizentes com os hábitos de nossa sociedade para a jovem Eloi. Seus trajes, emprestados pela governanta, ainda eram os únicos que possuía, e pelo olhar dela, não estava disposta a ceder mais alguns.
- - - - -Pedi que comprasse algumas roupas para a jovem, que não fossem por demais permissivos. Se os vizinhos a vissem assim, começariam a fazer comentários desajuizados, que queria evitar a todo custo.
- - - - -Aproveitei o intervalo, após a janta, para fazer algumas anotações. Minha esperança era de que a posteridade, através de meu relato, levado ao conhecimento público no momento certo, pudesse evitar alguns dos perigos que enfrentaria em seu percurso, rumo ao futuro. Eu, que tivera no princípio, mais do que o Viajante, uma visão utópica do porvir, percebi pelo seu testemunho, que este patamar, na relação entre os homens e o nosso Mundo, estava mais distante do que qualquer filósofo poderia sonhar. Quantos avanços e quantas quedas, o homem ainda não teria de enfrentar, para chegar a esta sociedade ideal de que todos gostavam de apregoar, mas que sempre era escamoteada mais e mais para o futuro distante?
- - - - -Passei grande parte da noite, corrigindo algumas linhas e tentando dar uma certa coerência à narrativa, que me foi contada de forma truncada e muitas vezes, numa seqüência que nem sempre seguia uma ordem, pois dependia em grande parte da memória do meu amigo. Posteriormente, quando Weena se integrou à nossa sociedade, contribuiu para elucidar algumas dúvidas e resgatar passagens esquecidas. Além disso, é comum se guardar eventos, que nem sempre são uma descrição fiel da realidade, se não mais, a impressão subjetiva do que nos deixaram.
- - - - -Depois, já habituados ao quarto de hóspedes, rumei para o meu, preparando-me para mais um dia que dividiria entre meus afazeres, já atrasados e o registro das palavras do Viajante.
- - - - -No dia seguinte, após o habitual desjejum, dei prosseguimento aos meus negócios e depois reservei um tempo, para dar atenção a ele.
- - - - -Como sempre, o encontrei perdido num mar de idéias e reflexões quando me aproximei dele para continuar ouvir a sua narração, da saga que fizera. A senhora Marple que já havia retornado com as roupas que encomendara, ocupou-se de Weena, enquanto o Viajante, sentando à minha frente, retornava ao exato ponto da história, onde parara.
- - - - -Não pude deixar de mencionar que a pequena mulher olhou admirada para o vestido, que a senhora Marple trouxe, e sem entender, olhou para o Viajante que com um meneio da cabeça, indicou-lhe que deveria aceitar.
- - - - -Num momento de descontração total nos divertimos por alguns segundos com seus gritos ingênuos de satisfação. Passado o momento, seu rosto descontraído pelo comportamento da companheira, crispou-se novamente. Ele fixou seus olhos, num ponto perdido do espaço, para além das paredes da sala. E passou a descrever os acontecimentos, como se os visse à sua frente.

Capítulo 23 – Por fim um aliado!

- - - - -Assim que retornou aos seus aposentos, ele ficou observando Weena, brincando com um pequeno jogo de luzes coloridas que a companheira de Lyoman lhe ofertara. Sua angustia maior, era não poder sair dali naquele momento, pondo os dois a salvos. Precisava achar uma saída, independente da decisão que aquelas identidades tomassem. A idéia fixa em sua mente, no principio, era o de utilizar uma das carruagens voadoras e manobrá-la sem o dispositivo automático, o que talvez não denunciasse sua posição, durante a fuga. Se mesmo assim fosse localizado, esperava que a distância percorrida, fosse suficiente para lhe dar o tempo suficiente para chegar à máquina antes de qualquer um e concretizar a partida.
- - - - -Memorizara alguns marcos geográficos, quando do primeiro vôo para a Torre, com esta intenção. Teria que executar uma rota que sobrevoasse o Palácio de Porcelana Verde e dali, se dirigir para sudoeste em linha reta, passando por dois morros. Além deles, logo veria a Esfinge, perto da qual escondera a máquina. Se precisasse lutar para conseguir isso o faria sem pestanejar, mas tinha certeza de que só obteria sucesso, se pudesse convencer o seu novo amigo a ajudá-lo, ofertando-lhe em troca um lugar na máquina também. Aliás, tanto quantos pudessem carregar, coisa que não fizera na Cidade da Redoma. Amenizaria assim, parte da culpa, que o corroia, caso se confirmasse a sua participação, mesmo que involuntária, nos fenômenos que provocara o desvio do meteorito e os disparos das luas artificiais.
- - - - -Apesar de estar cansando não conseguiu relaxar, pensando num jeito de recuperar seu precioso transporte, ciente de que as horas corriam e com elas, a proximidade cada vez maior da hecatombe.
- - - - -Com várias idéias alternativas, percorrendo sua mente, encostou-se na parede junto da cama para melhor relaxar, enquanto olhava o semblante da companheira Eloi, que repousara sua cabeça em suas pernas.
- - - - -Não percebeu quanto o sono o afastou deste mar de angustias. Só se deu conta desta situação quando sentiu uma leve mão balançando seu ombro. Meio sonolento viu que quem fazia isso era um dos Pequenos, que havia entrado em seu quarto e gentilmente o estava acordando, sem perturbar a companheira. Ele lhe fez um sinal para que se levantasse e saísse, rumando para a sala. Não querendo acordar Weena, delicadamente a afastou de si e a ajeitou na cama, deixando o aposento, acompanhado pela visita inesperada.
- - - - -Ele foi levado à presença de Lyoman, que não escondia a sua curiosidade em saber, através de seu testemunho, como era a aparência dos Antigos, desejo este, compartilhado por muitos do que estavam ali. Decidido a aproveitar esta ocasião, para tentar conquistar a confiança dele, chamou-o a um canto, fingindo que ia confidenciar os detalhes do que presenciara. Teria que contar com isto e esperava que ele não o denunciasse. Mesmo assim tomou a cautela de não mencionar a máquina por enquanto. Seu plano era de, só mostrá-la, quando estivesse diante dela, se possível no último momento antes da partida. Ansiava salvá-lo, levando-o junto consigo, mas como não conseguia descobrir um modo de revelar sua intenção, procurou sondá-lo para que os Antigos não escutassem ou registrassem o que ia dizer.
- - - - -Lyoman, não poderia também, exigir muito, já que a entidade maior, não apreciava, pelo que pode depreender, o contato com seus serviçais. Procurando não cometer qualquer deslize, perguntou ao amigo, se todas as conversas, em qualquer circunstâncias, eram registradas e levadas ao conhecimento dos Antigos.
- - - - -Lyoman respondeu que dependia. Normalmente era feita uma seleção do que falavam, sendo registrado somente aquilo que fosse relevante. E que podia utilizar o aparelho, por onde se comunicavam, de forma autônoma, sem registro algum, caso assim o desejasse.
- - - - -Então ele olhou fixamente para os olhos do Pequeno e pediu-lhe que utilizasse desta maneira, pois tinha uma coisa muito importante para lhe dizer, que só interessava a ele.
- - - - -Esperando que fosse alguma coisa reveladora sobre os Antigos, não escondeu a curiosidade e regulou o aparelho, para que pudessem dialogar a sós. Assim procedendo, ouviu atentamente o que o Viajante lhe contou.
- - - - -Ele lamentou que o assunto não fosse sobre os governantes da cidade, decepcionando-o. Nem ia perder seu tempo com isso. Sentia que havia alguma coisa de errada com eles, e era seu dever, não só alertar sobre isso, como também, salvar sua vida.
- - - - -O Pequeno arregalou os olhos, numa expressão facial de total incompreensão, imaginando que o seu aparelho receptor não estivesse funcionando bem.
- - - - -O Viajante lhe disse que tinha algo muito importante para revelar. Em suas viagem pelo tempo, uma das razões por que tinham passado pela cidade várias vezes, devia-se ao fato de que ela seria destruída em um, no máximo dos dias, ou para que entendesse melhor, depois de uma ou duas voltas da Terra, em torno de seu eixo. Sua sociedade o enviara para obter mais informações sobre este acontecimento. Se pudesse contar com sua ajuda, para sair dali, utilizando as carruagens voadoras, apesar de não poder carregar muita gente, ele estava disposto a levá-lo junto.
- - - - -As palavras do Viajante provocaram um grande impacto sobre Lyoman que se afastou dele, chocado com o que acabara de ouvir. Depois se recompôs, manipulando o aparelho para que aquela conversa fosse apagada dos registros. Era um fato tão terrível que não queria que por enquanto alguém, a não ser ele, soubesse. Em seguida, olhou para trás, recompondo-se, de forma que parecesse mais uma reação de surpresa a fatos novos sobre os Antigos do que ao choque da revelação do Viajante. Ficou mais calmo quando notou que todos continuavam aguardando suas impressões, imaginando que a sua reação nada mais era do que a tão esperada descrição de seus governantes.
- - - - -Mesmo assim a curiosidade deles pelos Antigos era intensa, e ele utilizou isto como uma vantagem para conquistar a confiança de Lyoman. O Viajante até entendia, que a visita que fizera era algo inédito em suas vidas e uma chance única de saber mais sobre eles, mas não havia muita coisa de agradável para lhe dizer. Decidiu lhe contar alguns detalhes, sem trauma, omitindo os horrores que testemunhara, para que não chocasse os demais.
- - - - -Na verdade não havia muita coisa de maravilhoso para lhe dizer. Ele segredou-lhe que tinha plena certeza, de que os que habitavam a parte superior da Torre não eram os Antigos, e sim provavelmente, uma inteligência mecânica, sofisticada, que usurpara o governo em nome deles. Por isso explicava-se o fato de proibirem qualquer contato. Queriam manter esta impressão, mas não o enganara. As razões que justificavam tal embuste eram totalmente ignoradas. Talvez, e ele fez questão de enfatizar este talvez, as respostas poderiam ser encontradas no interior da Esfinge, cujo acesso também era proibido. Fato este que corroborava ainda mais suas suspeitas.
- - - - -Ele sentia muito, se tal descrição não correspondia às suas expectativas, mas era só o que tinha pra lhe contar. Mas isto agora era irrelevante. A preocupação maior era salvar a vida de todos que pudessem.
- - - - -O Pequeno, apesar de procurar manter as aparências, não conseguiu esconder sua decepção e o horror sobre o que ia acontecer. Suas feições mostraram que tudo em que acreditara, até aquele momento, fugia de si, como a areia entre os dedos.
- - - - -Com extrema cautela, certificou-se mais uma vez que a conversa só ficara entre os dois. O Viajante perguntou-lhe se tinha entendido corretamente o que lhe falara e ele apenas balançou a cabeça, confirmando afirmativamente. Ficou em silêncio por alguns instantes e depois, demonstrando ainda uma certa desconfiança, normal nestas circunstâncias, fez uma série de indagações, que no final nada mais eram do que uma diversão de seu real propósito: levar mais alguém, com ele. O Viajante fez alguns cálculos mentais antes de responder e depois lhe disse que só poderia garantir o resgate de apenas mais um, talvez dois. Não mais que isso. Ele não tinha a menor idéia de como poderia salvar o restante dos habitantes.
- - - - -Ele absorveu a resposta e depois questionou, o que seria também natural, de que forma faria isso, se estava, como dissera, preso naquela parte do tempo, sem poder ser resgatado. Se não podia contar com os seus, como poderia ter certeza de que poderia fugir. Que provas ele tinha, para confirmar que a cidade seria destruída, além de suas palavras.
- - - - -O Explorador, disse-lhe que a prova era ele mesmo. Sua aparição, sua forma física, já não era prova suficiente? Tanto, que aqueles que se diziam os Antigos não tinham saído do seu recesso, para vê-lo pessoalmente? Era a única prova que poderia dar. Quanto ao resgate, não contara tudo e por uma questão de segurança, só podia lhe ofertar a chance de escapar. Ainda estava disposto a lhe estender a mão. Mas que a decisão de fugir, cabia a ele. Caso acreditasse em seu relato e não concordasse, tentaria por si mesmo, e agradeceria se não contasse a ninguém. Mas, se acreditasse nele e tencionava salvar mais alguém, que escolhesse bem e que agisse com discrição. Se não procedesse assim, poderia provocar o pânico na cidade e muito provavelmente acabariam presos na Torre, por ordem dos tais Antigos, o que, com certeza, acarretaria suas mortes.
- - - - -Lyoman pensou mais um pouco e depois perguntou, como pretendia fugir da Torre.
- - - - -Disse-lhe que originalmente pretendera roubar uma das carruagens voadoras. Mas uma outra idéia lhe ocorrera, talvez com mais chances de sucesso. Fez ver ao Pequeno, que a melhor maneira seria a de seguir uma rota pelo túnel, que ligava a Torre à Esfinge. Assim seus movimentos se confundiriam com as atividades da cidade, passando despercebidos pela vigilância, que sabia existir. Se pudessem usar aquele caminho, primeiro: não chamariam a atenção. Segundo: seria a forma mais rápida de alcançar o ponto, onde imaginava, ser resgatado pelos seus. Caberia a ele, conseguir um jeito de alcançarem o túnel, sem que os usurpadores dessem conta da sua ausência.
- - - - -Lyoman consentiu em ajudá-lo, mas antes pediu para refletir. Tomou o cuidado de apagar o restante da conversa e dirigiu-se na direção dos companheiros, afastando-se da sua presença.

Capítulo 24 – Uma estonteante surpresa!

- - - - -O Viajante ficou parado, olhando, enquanto o Pequeno se retirava com os seus. Refletiu por alguns instantes se de fato poderia contar mesmo com a ajuda dele. Tinha dúvidas se seu condicionamento, não o impediria de tomar decisões por conta própria. Perguntou-se se o instinto de sobrevivência ainda era um sentimento dormente neste seres ou se estava obliterado pela Rainha daquela colméia. Por outro lado, mesmo sabendo da catástrofe que se avizinhava, viu uma oportunidade, que poderia adicionar à sua fuga, caso pudesse por em prática seu plano. Ainda sentia no espírito o desejo de explorar. Seria a última chance de descobrir o que a Esfinge realmente era. Somava-se a isso, desvendar a misteriosa proibição do acesso ao seu interior. Por que era assim? Residia ali, algo que os tais Antigos não queriam que seus serviçais descobrissem? Algo, que de alguma forma lhes oferecesse perigo? Talvez ali, repousassem todas as respostas que procurava. Desde a razão da construção da Esfinge até a o surgimento da Torre. Mais ainda. O quê, afinal, era transportado por aquele túnel até o âmago daquela construção?
- - - - -Tivera muita sorte, quando foi aprisionado, por não terem lhe retirado a mochila. Provavelmente tinham-na achado irrelevante. Ali ainda estavam guardados sua arma, o relógio, a câmera com as fotos, a preciosa barra de cristal, os fósforos, a caixa de munição e os livros que trouxera, entre eles, Utopia de Thomas More. Eram as únicas coisas que ainda permaneciam com ele, conectando-o ao seu passado. Receava ter que usar sua pistola para chegar até a máquina e a idéia de ferir, ou ter que matar alguém, para conseguir isso, o deixava desconsolado. Uma coisa eram os bestiais Morlocks, outra, os seres que habitavam a Torre. Não simpatizara com os Mantenedores, mas não lhes desejava nenhum mal.
- - - - -Ele voltou para seu aposento, dividido entre a ansiedade de concretizar sua fuga o quanto antes e amaldiçoando sua insaciável curiosidade, que o trouxera a esta situação. Caso não pudesse contar com Lyoman, teria de roubar uma carruagem voadora e tentar chegar ao local da máquina por sua própria conta. Se isto acontecesse, lamentavelmente, perderia a chance de ir pelo subterrâneo até a Esfinge, para tentar obter algumas das respostas que pretendia. De qualquer modo teria que agir logo. Já esperara demais.
- - - - -Dentro do aposento, procurou disfarçar seus movimentos, com aparente calma apalpando a arma dentro da mochila para se certificar de que o tambor estava carregado, caso precisasse utilizá-la. Retirou seu relógio e deitou-se de lado, observando seus ponteiros parados, refletindo mais uma vez sobre o tempo e as dificuldades que encontrara até aquele momento, perguntando-se se tudo valera a pena. Olhou para Weena que continuava dormindo placidamente e fez um sinal com a cabeça, dizendo a si mesmo que valera todo o esforço. Se não encontrara a sociedade perfeita que procurava, pelo menos achara a mulher que romperia a sua solidão.
- - - - -Para afastar aquela ansiedade, normal, quando se pretende passar-se a ação, retirou um dos livros que trouxera e tentou lê-lo. Não conseguiu se concentrar, deixando-o de lado. Ficou um bom tempo, caminhando para lá e para cá, a espera de algum sinal. Pensava em quais seriam suas opções de fuga, caso não pudesse contar com a anuência do Pequeno. Por fim, a espera chegou ao fim quando ele o chamou novamente, como se lhe fosse mostrar alguma coisa nas telas, que visualizavam as plataformas da Torre. Disfarçando e apontando para as máquinas na sala, regulou o tradutor. Certo de não ser ouvido, pediu que o acompanhasse para onde ele fosse, como se estivesse recebendo alguma explicação. Disse-lhe que queria mostrar uma coisa, que influenciara na sua decisão.
- - - - -O Viajante acompanhou o Pequeno, até um pequeno anexo da grande sala. Era um pequeno cubículo que provavelmente servia como depósito. Ele afastou algumas chapas encostadas e pressionou um ponto na parede. Com algum rangido, uma parte deslizou para o lado, revelando uma espécie de túnel escuro, onde reinava um ar pesado característico de locais mal ventilado.
- - - - -Passou por vários corredores estreitos, escuros e empoeirados, que deveriam ter sido usados no principio para manutenção, e que aparentemente estavam esquecidos, pela maioria. Era um ambiente claustrofóbico, que se ramificava numa série de outros corredores e só alguém experiente, poderia trilhar por eles, sem se perder. O mal-estar logo passou, quando saíram daquele labirinto estreito, por outra porta, entrando num aposento, onde os aguardava um pequeno número de Eleitos, entre eles, a delicada Yla.
- - - - -Ele não entendeu, na hora, a razão de ter sido levado até aquele local e aguardou uma explicação de Lyoman. Este lhe disse, com uma expressão preocupada que nunca vira antes em sua face, que estava diante de algo desconhecido e pedia a sua ajuda. Nada havia nos aparelhos de informação que indicasse o que estava acontecendo com ela.
- - - - -O Viajante surpreendido pelas palavras do Pequeno prometeu-lhe que o auxiliaria no que fosse possível e perguntou qual era o problema.
- - - - -Lyoman apenas olhou para Yla, revelando que a sua preocupação era com ela. Havia alguma coisa errada com a sua saúde e nenhum deles conseguira ajudá-la. Não queriam que ela fosse removida para o cume da Torre, e estavam tentando esconder o seu estado dos Antigos. Imaginavam que pelo fato de ser um estranho, soubesse de alguma coisa, que poderia vir em seu socorro.
- - - - -Depois do que presenciara no ápice da Torre, não lhe agradava a idéia de Yla ser transferida para lá. Não havia certeza, quanto ao seu retorno. Estranhou o fato daquela sociedade avançada, não dispor de meios que pudessem socorrê-los em casos de saúde. Seria mais uma manobra dos Antigos, suprimindo informações dos aparelhos?
- - - - -Apesar de não ser médico, talvez pudesse fazer algo para auxiliá-la, desde que soubesse encontrar o que estava errado com ela. Dirigiu-se na sua direção, que se afastou, um pouco assustada. Pediu a ela calma em seu idioma, agachando-se. Afastou o tradutor e encostou o ouvido em seu abdômen, apalpando-o bem devagar. Depois, pediu que ela descrevesse alguns dos sintomas. O Viajante percebeu que a pequena mulher não estava doente. Era uma outra coisa, que o deixou surpreso. Um dos seus amigos em Londres, que exercia a medicina, constantemente lhe falava sobre as mazelas das mulheres. Lembrou-se dos conhecimentos que adquirira ao longo de várias conversas com ele e logo chegou a uma conclusão. Não havia mais dúvidas. Yla não estava doente. Olhou para os dois e não conseguiu sufocar uma risada.
- - - - -A reação de todos foi de perplexidade e o Explorador procurou tranqüilizar seu amigo e a pequena Yla. Apesar de desconhecerem o conceito, a natureza, com o passar das gerações, exercera seu domínio e a fêmea, para sua surpresa, estava grávida! Então podiam se reproduzir! Era algo que os Antigos não haviam planejado. A menos que as fêmeas grávidas fossem sacrificadas, o que o deixou temeroso quanto ao destino dela. Por isso a ausência de informações.
- - - - -Com muita dificuldade, explicou o que estava acontecendo com ela, para assombro de todos os presentes. Agora ele não tinha outra opção, a não ser de levá-los juntos, antes que a gravidez de Yla se tornasse visível. Não tinha desejado esta situação, mas ela viera a calhar e agora tinha certeza de que poderia contar com a ajuda do Pequeno, para fugirem todos da Torre. Curioso, perguntou-lhe se reunira o grupo por esta razão.
- - - - -O Pequeno apontou para os que estavam ali, dizendo-lhe que eram os em quem mais confiava. Algo parecido a uma família, conforme aprendera com ele. Trouxera-os, porque também desejava que ouvissem o perigo que os aguardava. E queria salvá-los.
- - - - -Contrariado com a atitude de Lyoman, que apesar de ser nobre, poderia fazer a noticia se espalhar rapidamente, abortando seu plano fez um sinal para que se aproximassem, pedindo a mais absoluta discrição sobre o que ouviriam. Contou-lhes a mesma história que contara ao amigo sem mencionar sua máquina. Por mais que almejasse, não poderia carregar a todos. Mas se tomassem cuidado, poderiam salvar-se, desde que agissem com cautela.
- - - - -Explicou-lhe em breves pinceladas o quadro cataclísmico que se aproximava. Fora mandado por seu povo, para testemunhar o evento. Que acreditassem nele, pois se não fizessem isso, seria tarde demais para agirem. Caso acreditassem, não entrassem em pânico. Esta demonstração poderia frustrar qualquer tentativa de fuga que por ventura planejassem. Solicitou a todos que ajudassem no que pudessem e que arranjassem desculpas para sair do local, o mais breve possível. Não podia precisar o acontecimento com exatidão, por desconhecer o calendário da cidade e usou a rotação da Terra para dar alguma referência. Pelos seus cálculos, o evento ocorreria dali a uma ou duas Estrelas, que viam nascer todas as manhãs.
- - - - -O alvoroço foi grande, e ele sabia que seria uma questão de tempo, até que mais ficassem sabendo. Apesar de tentar acalmá-los, tinha agora absoluta certeza que deveria agir rápido, para que qualquer plano de fuga desse certo.
- - - - -Lyoman e Yla conseguiram sossegar aquela pequena multidão, convencendo-a a fazer o que Viajante pedia para o bem de todos. Após uma breve discussão, foram todos se retirando, convictos de que deveriam se aprontar para o que viria, pondo-se a salvos.
- - - - -Depois que todos se retiraram, ele perguntou ao Pequeno, se haveria um jeito de chegarem ao túnel, sem despertar suspeitas. Ele pensou um pouco e respondeu que precisaria de uma Estrela, para encontrar um meio. Além disso, teriam que desativar uma das máquinas, que constantemente auxiliavam na carga e descarga dos trens que o percorriam. Todas estavam conectadas aos Antigos, que os informavam a todo instante sobre seus movimentos. Mas pensaria, junto com os seus, em algo para contornar estes obstáculos.
- - - - -Satisfeito, por saber, que poderia contar com a experiência mútua para fugirem, os dois voltaram pelo mesmo caminho, tomando o cuidado para não despertar suspeitas, quando reentrassem na grande sala das máquinas.

Capítulo 25 – Concretizando a fuga.

- - - - -O Viajante passou rapidamente por ela e retornou ao aposento que considerava nada mais do que uma pequena prisão domiciliar. Sentou-se na cama, sentindo-se impotente, por não dar inicio imediato à fuga. Agora, teria que contar com o Pequeno Lyoman em seus planos, e não gostava de depender de estranhos. Mas por mais que detestasse admitir, sem ele e os demais Pequenos que tinham se disposto a ajudar, já não tinha tanta certeza se conseguiria fazê-la sozinho. O que mais o incomodava era o fato de que seu precioso tempo diminuía a cada minuto. Estava incerto, quanto ao exato número de dias que já transcorrera e não tinha certeza quantos lhe restavam, dos quatro que calculara gastar, para conhecer a Torre. Se tudo corresse bem, teria que apertar a todos no assento da máquina. E esperava revelá-la só no último instante. Ele olhou para a Eloi, que continuava adormecida, prometendo-lhe mentalmente que a salvaria, assim como o faria com os dois Pequenos. Se pudesse levaria tantos quanto conseguisse, mas sabia que tal vontade estava longe de suas possibilidades.
- - - - -O sono demorou a chegar. Muitos pensamentos percorriam seu cérebro, dificultando aquele estado de relaxamento propício à inconsciência. Tentou lembrar-se de sua casa, tão longe no tempo. Nas conversas com os amigos. No Mundo que deixara, que apesar de não ser perfeito era o seu. O único onde poderia viver. E foi com idéias assim que acabou adormecendo.
- - - - -Ele despertou com um leve balançar provocado por um dos Eleitos. Assim que abriu os olhos, este, sem cerimônias, o avisou de que Lyoman o esperava do lado de fora do alojamento.
- - - - -Sentindo-se cansado, passou as mãos pelo rosto para recompor-se. Seu instinto lhe dizia que era chegada a hora e não esperou muito. Pegou suavemente na mão de Weena, acordando-a. Lavou o rosto e pegou a mochila com seus pertences, decidido a não retornar mais àquele lugar. Apalpou sua arma, torcendo para que não precisasse usá-la já que era um pacifista por natureza, mas nas atuais circunstâncias, como no resgate de sua companheira, não hesitaria em usar a força.
- - - - -Lyoman estava com Yla, esperando por ele. Seus amigos haviam simulado uma pane num dos trens do túnel, que estava naquele momento sendo reparado pelos Mantenedores. Para não chamar a atenção dos Antigos, quanto à saída de Weena e do Viajante, imagens falsas, da continuação do interrogatório, seriam colocadas por cima das reais, para esconder o movimento de ambos. E isto se aplicava também aos dois Pequenos.
- - - - -O plano em si era simples. Demoraria um pouco, mas havia um velho elevador de serviço, usado para reparos na estrutura da Torre, que estava naquele momento desativado. Ele ia até as proximidades do túnel. Chegando lá, as três máquinas que sempre acompanhavam o trem, seriam condicionadas, de modo a não perceberem a presença deles. Subiriam num dos vagões e ficariam escondidos até chegarem à Esfinge. Uma vez dentro dela, estariam todos por suas contas.
- - - - -Ciente disso, ele girou em torno, não conseguindo definir o que sentia. Olhou pela última vez aquela plataforma; para aquele Mundo do futuro que deixava. Tão diferente do seu, tão assustador. Em suas veias, ainda corria a tentação por mais aventura. Só que nas condições atuais, teria que dispensá-las. Da primeira vez, viera sozinho e pudera correr qualquer risco. Ma agora era responsável por várias vidas, inclusive a sua. Não podia mais se dar ao luxo de arriscá-las.
- - - - -Ainda havia tanta coisa para ver. Sentiu alívio e tristeza, ao ter que deixar aquela cidade. Talvez tivesse sido ingenuidade excessiva, ter-se imaginado como um embaixador de sua época. Em suas fantasias, via-se sendo recebido com todas as honras e festas. Nada o havia preparado para os acontecimentos que se seguiram, após tantas vezes que estacionara a máquina.
- - - - -Acompanhando o casal, passou por todos naquela imensa sala, que continuavam em suas atividades, sem a menor desconfiança da hecatombe que ocorreria brevemente, com exceção dos participantes da reunião noturna. De qualquer forma, o tempo, pregava seus paradoxos. Como alguém que nem havia nascido poderia morrer? Ou como alguém que já estava morto há muito tempo, poderia estar vivo?
- - - - -Os quatros rumaram para uma lateral daquele andar, chegando a uma pequena estrutura em forma de ferradura. Dali pode ver o Sol nascendo, igual ao que sempre vira a vida toda, indiferente ao destino dos homens e das civilizações. Se havia uma coisa na natureza que se confundia com a própria eternidade era este astro. Mas na sua primeira viagem, quando avançara para o futuro, viu estarrecido que até ele sucumbiria aos caprichos do tempo.
- - - - -O lugar parecia sem uso há bastante tempo, quase encoberto por pilhas de máquinas destroçadas, que tinham sido deixadas ali, para um provável reaproveitamento, Esgueiram-se por elas, até que chegaram a uma pequena porta. Com muito esforço conseguiram movê-la para o lado, provocando alguns rangidos, devido ao pouco uso.
- - - - -Assim que entraram, um vento canalizado desarrumou seus cabelos. O ar era forçado pela canalização até aquela andar. A única coisa que podiam ver da pequena plataforma onde estavam, era um longo e profundo poço escuro.
- - - - -Mas Lyoman sabia o que fazia. Ele pressionou um pequeno painel, próximo da porta e pôs o mecanismo para funcionar, em meio à crepitação de seus velhos componentes. O próprio Explorador ficou inseguro quanto às condições precárias do elevador, hesitando em usá-lo. Mas a cada minuto transcorrido naquela Torre, era uma chance a mais de serem descobertos e não havia tempo parar tentar outra via de escape. Por mais insatisfatório que fosse, era o único meio de saírem dali, sem serem descobertos.
- - - - -Depois do que pareceu uma eternidade, o elevador parou no andar onde estavam e iniciaram a longa descida até as profundezas, onde estava localizado o túnel.

Capítulo 26 – Mais reflexões.

- - - - -Em determinado momento, o Viajante pediu-me desculpas e resolveu interromper o seu relato mais uma vez. Sentia-se desgastado em tentar se recordar de tantos detalhes, que exigiam cada vez mais da sua mente cansada.
- - - - -Seu intento, conforme me confessou, naquele momento, era o de fazer uma pausa e apreciar um pouco os aromas daquela noite, para poder caminhar pelas ruas próximas, sem o temor de sentir-se ameaçado por criaturas noturnas iguais aos Morlorlocks. Conhecia é claro, o perigo representado pelos oportunistas noturnos, das noites de Londres, mas perto do que já vira, isso era uma de suas menores preocupações. Queria na verdade dar uma pequena caminhada pelas redondezas, para poder relaxar e buscar mais impressões ainda guardadas em sua memória, para dar prosseguimento à narrativa. Agradeceu a atenção que eu estava lhe dispensando, que o fazia sentir-se como alguém que estivesse de volta ao lar, depois de um longo cruzeiro pelos mares da Terra.
- - - - -Considerei aquele momento também, uma pausa necessária, assim como a calmaria que se segue à tempestade. Talvez todos que tivessem trilhando os mesmos caminhos se sentissem assim. Quem, perguntei-me, depois de ter visitado outras partes do Mundo, ter contatado outras culturas e ter arriscado a vida várias vezes, não gostaria de desfrutar da tranqüilidade própria somente encontrada em nosso lar?
- - - - -Notei isso através dos sentimentos que expressava. Agora dava uma tremenda importância ao simples hábito de poder andar pelas ruas, sem chamara a atenção de quem quer que fosse. Misturar-se às pessoas como igual. Poder interagir com elas, dentro dos padrões de uma cultura civilizada. Tais detalhes da vida social que antes eram irrelevantes diante das suas solitárias pesquisas, mostravam-se agora necessários e indispensáveis. Assim que se refizesse, após um pequeno passeio, voltaria a narrar sua incrível aventura, mas não sem antes saborear o jantar da senhora Marple, e se colocar à par dos fatos que tinham acorrido, desde que deixara o século XIX.
- - - - -Mesmo depois do passeio, o desejo de esquecer a terrível angustia pela qual passara, o fato de quase ter perdido a vida, junto com sua companheira, protelaram a sua vontade de continuar a narrativa e gastamos a noite, conversando sobre outros assuntos. Discutimos sobre uma infinidade de temas, entremeados por algumas doses do bom e velho Whisky escocês que guardara justamente para um momento como aquele.
- - - - -Comentamos a sensação que se sentia no ar de uma grande guerra por vir, que acabaria estourando novamente entre a França e a Prússia. Talvez, pelo nível do armamento e dos engenhos colocados à disposição destes grandes exércitos, seria mais rápida, do que a que ocorrera entre os dois países em 1870. Rápida e decisiva. Com certeza, seria tão breve, que se restringiria ao continente e a veríamos de camarote.
- - - - -Mas talvez, nem isso acontecesse. Era crença que a humanidade chegara a um nível tal de excelência cultural, que logo abdicaria desta última guerra, para um entendimento geral.
- - - - -A civilização européia que dominava o mundo agora, em todos os aspectos, atingira seu ápice. Com seu poder estendo-se por vastas áreas, como o nosso, apresentava-se bem diferente das condições existentes nas guerras napoleônicas. Com certeza, tal poder exerceria um freio natural á agressividade dos homens, evitando qualquer grande conflito, que provavelmente seria acertado através de justos acordos diplomáticos. Mesmo o Império Prussiano com toda a sua bravata, procurava no meu entender, dar mais satisfação aos seus cidadãos do que realmente provocar uma guerra. Suas disputas com a França e com o nosso império, com certeza acabariam numa forma de consenso geral e num compromisso elegante de povos civilizados. O enterro da rainha Vitória e a grande comitiva de príncipes e reis, que lhe prestaram a última homenagem, demonstrara a força da vida civilizada. Este seria sem dúvida, o século da paz, prenuncio de uma idade de ouro para a humanidade.
- - - - -Deixei o Viajante à vontade para que se recuperasse das vicissitudes pelas quais passara e ficasse livre para se dedicar à aclimatação de sua companheira, aos nossos hábitos culturais.
- - - - -Durante alguns dias, esperei pacientemente, como o fizera pelos oitos anos, para que desse vazão a essa súbita necessidade de contato social, visitando e tomando chá com alguns membros do nosso círculo mais próximo de amigos, até que naturalmente, se sentisse compelido a continuar a sua narrativa para a posteridade. Filby, que nos fez várias visitas, foi quem mais nos ajudou neste sentido, convencendo o Viajante, que tal experiência não poderia ser escondida da humanidade para sempre. Talvez ela fosse um alerta para o futuro e o Explorador, um escolhido pelo destino para cumprir este papel.
- - - - -Mas por enquanto, foi pedido a todos o maior sigilo sobre onde estivera e o que fizera, com o intuito de manter segredo, até o momento em que a humanidade estivesse preparada para receber o testemunho da incrível aventura que vivenciara.
- - - - -Alguns que no inicio se demonstraram céticos à sua conversa informal, na sua maioria acabaram por acreditar no que dizia, ao verem pela primeira vez aquela mulher do futuro que atendia pelo gracioso nome de Weena e as estranhas roupas, cheias de dispositivos desconhecidos que guardara como uma jóia preciosa do futuro. Apesar de sua compleição única e delicada, fruto não da evolução, e sim da ciência futura, ela ainda mantinha traços caucasóides. Com roupas ocidentais passava quase despercebida às pessoas leigas da população. Somente os olhos treinados de nossos amigos, que desempenhavam as mais diversas profissões cientificas na nossa sociedade, podiam perceber sutis diferenças, sem conseguiam classificá-la em qualquer grupo étnico europeu ou de qualquer outro, do resto do nosso planeta. Mas como disse, eram tais diferenças tão poucas, que Weena pode misturar-se aos leais súditos de sua majestade, o rei Eduardo II, como qualquer mulher inglesa comum.
- - - - -O problema maior era justificar o seu aparecimento em minha casa e para evitar que tal fato se tornasse alvo de demasiada atenção, o Viajante pediu aos amigos a maior discrição, no que todos concordaram, quanto à sua origem. A senhora Marple foi encarregada de continuar a vesti-la com roupas modernas e de educá-la nos nossos costumes, apresentando-a como sua sobrinha, proveniente de Glasgow. Trajada como uma pequena dama, a visitante do futuro conseguiu passar despercebida pela maioria das nossas vizinhas, sempre atentas a detalhes com os quais os homens pouco se preocupam, chegando até a criar um círculo de amizades femininas.
- - - - -Um dos nossos, que ensinava inglês, prontificou-se em alfabetizá-la, conseguindo grandes progressos em muito pouco tempo. Tal fato foi de grande valia, já que muito dos detalhes que o Viajante esquecera, Weena ajudou a completar posteriormente, alem é claro de contribuir para a sua total integração social.
- - - - -E assim as coisas seguiram seu curso normal, como deveria ser, até que numa determinada manhã, após ter caminhado com a graciosa mulher pelos bosques próximos da minha casa e ter desfrutado um leve desjejum, sentiu-se disposto a continuar a narrativa da sua jornada através do tempo. Nos sentamos próximos a uma pequena mesa, assistidos por aquele dia frio de outono que prenunciava um inverno rigoroso. Ele sentou-se ao lado de Weena, segurando uma de suas pequenas mãos e olhou para o céu púmbleo, sem nuvens e já ia retomar o fio da estória, quando me ocorreu perguntar-lhe algo que mantinha em curiosidade. Por que resolvera viver tão incrível aventura pela quarta dimensão, já que ainda existiam no nosso tempo muitas regiões da terra inexploradas, como as grandes florestas tropicais?
- - - - -Para o Viajante, o nosso Mundo já fora todo explorado, pelo menos já não existiam mais terras desconhecidas a serem descobertas, como o tinha feito os europeus nos séculos XV e XVI. A Terra atual já não reservava tantas surpresas assim para um explorador como ele. Talvez algum aventureiro intrépido algum dia resolvesse, como no conto de Julio Verne, ir aos abismos dos mares, ao centro da terra ou até mesmo ao espaço infinito, percursos ainda a serem trilhados. Mas esta honra estava reservada para outros homens e não a ele.
- - - - -Navegar pelos mares desconhecidos da quarta dimensão e aportar em mundos que jamais seriam pisados pelos homens de hoje, o atraia mais do que uma mariposa, pela luz. Ali estava um caminho a ser percorrido por alguém que possuísse no sangue, a fibra de um desbravador.
- - - - -Porém, tinha se esquecido, nesta visão romântica que tinha das expedições de Magalhães, Cortez e Cook, que a sua exploração, além do deslumbramento da descoberta, estava sempre acompanhada pelo perigo à espreita e os desdobramentos não planejados. Por isso decidira continuar descrevendo o que testemunhara como um lembrete para aqueles que porventura, algum dia, resolvessem fazer o mesmo caminho. Que o fizessem, não através de seu invento, e sim por esforço próprio, ciente das mudanças no fluxo temporal que o explorador poderia provocar. Por isso, exceto por mecanismos paralelos que usassem o mesmo principio, deveria ter sido o seu invento uma descoberta única, pois jamais encontrou outra igual redescoberta pelas sociedades humanas do futuro que visitou.
- - - - -Então, naquele momento, já bastante refeito, deixou de lado as divagações e concentrou-se em contar-me a parte final de sua aventura pelo tempo. E também, a razão que o levaria a abandoná-la, reconhecendo que era melhor viver cada momento do presente do que vivenciar um futuro para o qual não se está preparado.

Capítulo 27 – Dando prosseguimento à fuga.


- - - - -A narrativa do Viajante fora interrompida, quando haviam chegado à frente do velho elevador. As condições do mesmo eram tão precárias que não existia certeza, se conseguiriam chegar até o nível em que precisavam chegar. Em alguns momentos ele emperrava, obrigando Lyoman a usar toda a sua experiência para fazê-lo funcionar. De parada em parada, numa descida angustiante, conseguiram por fim chegar ao subterrâneo da Torre, onde se encontrava o inicio do túnel.
- - - - -Nesta altura dos acontecimentos, ele não estava mais interessado pelo cenário. Havia, é claro, muita coisa que gostaria de examinar com calma, mas no momento, sua preocupação maior, era chegar o mais rápido possível à sua máquina, sem ter que se envolver em refregas pessoais, cujo final era sempre incerto. Se isto acontecesse, não estava certo se sairia vitorioso ou se alguém do grupo ainda poderia morrer. Era um temor que o acompanhou desde então e que só terminou quando se sentiu salvo de volta à Inglaterra que deixara.
- - - - -Com cautela, o casal de Eleitos abriu a velha porta do elevador. Ele olhou para fora e deparou-se com um local de baixa luminosidade, muito parecido com o nosso Metropolitan Railway. Mas esta era uma pálida comparação, com o que viu. Daquele local eles tinham acesso a uma rampa, que se projetava por sobre um abismo. Estava já bastante desgastada e tiveram que andar cautelosamente por ela, equilibrando-se numa parede que a ladeava com receio de despencarem.
- - - - -Daquela altura, ao ver-se suspenso sobre a escuridão, sentiu vertigens, algo que constantemente o atacava, quando se via em locais altos. Pode ver vários andares se estendo para baixo tantos quantos havia para cima, até confundir-se num breu total. Desses níveis inferiores, subia um odor difícil de identificar, tornando o ar mais pesado e dificultando um pouco a respiração. Deveria existir alguma forma de ventilação, que ou estava quebrada ou não agia com eficiência, pois sentiu um leve mal estar.
- - - - -A essas sensações somava-se uma cacofonia de ruídos diversos, originários de centenas, talvez milhares de máquinas, trabalhando ao mesmo tempo, suprindo aquele gigante dos materiais necessários a sua existência, como a um coração bombeando o sangue vital para as mais diversas partes do corpo.
- - - - -A luz era fraca e demorou um tempo para acostumar-se a ela. Essa tênue luminosidade explicava agora a dificuldade dos Mantenedores em se adaptar à luz solar. Por sorte não teriam que descer mais ainda, já que o túnel não estava muito longe dali.
- - - - -Conseguiram chegar até aquela parte da Torre, não pela displicência das máquinas de observação e sim pela ajuda fornecida por alguns companheiros de Lyoman, que encobriram seus passos. Como relatara, antes de fugirem dali, estes haviam colocado nos aparelhos, imagens e sinais falsos de todos, de modo a mascarar as informações que chegavam constantemente aos Antigos. Este estratagema os ajudou por um bom tempo, até chegarem até o trem.
- - - - -Assim que saíram da rampa subiram um pequeno lance de escada, que dava acesso a um pequeno terraço. Agachados puderam ver o trem parado, sendo reabastecido por vários daquelas máquinas translúcidas. Ainda era um mistério para ele, a razão de fazerem isso com tanta assiduidade. Mas como sempre acontecia, lamentaria esta característica do seu caráter, iniciando uma série de eventos involuntários, que alterariam drasticamente a trama do tempo, provocando justamente o que sempre tentava evitar.
- - - - -Lyoman viera preparado para guiar-se naquele labirinto, utilizando um dispositivo, que colocado à frente do olho direito, permitia enxergar com bastante nitidez, naquela ambiente quase escuro, quaisquer formas de vida orgânica ou artificial, pelo calor emitido por seus corpos. Desta forma, com ele à frente, evitando o máximo de contato, sorrateiramente se aproximaram do trem estacionado. Tinham conseguido chegar sem atropelos, próximos à abertura do vasto duto, que se comunicava com a Esfinge.
- - - - -Pisar naquele pavimento era como andar sobre raízes retorcidas. Qualquer falta de atenção no caminhar, poderia provocar uma queda. Isto se devia ao fato do chão estar coberto por um emaranhado de mangueiras, fios, trilhos e tubos diversos. Weena ficou bastante assustada, ao ver pela primeira vez o grande exército de pequenas criaturas mecânicas, parecidas com aranhas, semelhantes àquelas que encontrara no último andar da Torre.
- - - - -Lyoman explicou que estas máquinas eram fabricadas desta forma, para melhor desempenhar suas funções nos subterrâneos ou qualquer outro lugar necessário. Para nos acalmar, afirmou que eram inofensivas, já que tinham instruções para ignorar tanto os Eleitos quanto os Mantenedores. Mesmo assim, o Explorador, teve que abafar um grito da Eloi, quando dois deles, subiram por suas costas, confundindo-a com alguma parte saliente do ambiente por onde circulavam.
- - - - -Ele os retirou, em meio à agitação de suas hastes locomotoras, pondo um fim ao desespero da companheira. Apesar de aparentarem serem constituídos de um metal frio, sentiu um leve calor ao agarrá-los. Talvez isso de devesse a algum aquecimento do mecanismo interno, sobrecarregado pelo ininterrupto trabalho. Assim que os colocou no chão, continuaram suas trilhas, sem se importarem com suas presenças.
- - - - -Escondendo-se aqui, abaixando-se ali, chegaram por fim ao último vagão. Ele já estava quase cheio de objetos semelhantes a tambores, que as máquinas não paravam de colocar. Os demais à frente já estavam com a carga máxima e isto os fez ver que teriam que se apressar, já que a partida da composição parecia iminente.
- - - - -A máquina que estava atarefada, com o último vagão, ao sentir suas presenças, parou o que fazia por alguns instantes, o que fez o Explorador, puxar sua arma, por precaução. Mas foi uma ação muita mais instintiva do que necessária. Os amigos do Pequeno tinham burlando seus dispositivos de vigilância e logo em seguida ela voltou ao que estava fazendo, ignorando a presença deles.
- - - - -O Viajante ajudou a todos subirem e foi o último a pular para o seu interior. Com certo desconforto, se esconderam no meio dos tambores, para não serem vistos, aguardando, não sem certa angustia, a partida.
- - - - -Assim que a tarefa foi completada, as máquinas se afastaram e ele começou a movimentar-se. O Viajante fechou os olhos e encostou a cabeça num dos tambores, procurando relaxar um pouco. Até ali, tudo tinha corrido bem e sentiu aliviado por ter conseguindo fugir do destino que aguardava a Torre. Mas sua mente, nunca descansava, e a primeira coisa em que pensou, foi sobre o conteúdo daqueles recipientes, sobre os quais repousava. A sua curiosidade não tinha fim.
- - - - -Na verdade os objetos não se tratavam de tambores, mas sim de algo parecido com isso. Não tinha qualquer tipo de tampa, e só possuía um pequeno orifício lacrado, por onde o conteúdo entrava e saia. Lamentou não estar com uma faca, para poder perfurá-lo e saber o que continha. Apenas passou o dedo, pelo que parecia ser uma válvula e cheirou a mistura cautelosamente. Não conseguiu reconhecer o odor e seu dedo ficou com uma pequena mancha ocre. Seria aquele minério extraído das rochas do espaço, ainda desconhecido pelos homens de seu tempo? Qual era sua utilidade, no interior da Esfinge?
- - - - -Abandonou estas reflexões quando o trem começou a ganhar velocidade, passando velozmente pelos dutos de ventilação acima, que permitiam iluminar precariamente o túnel. Ele não viu nenhum dispositivo de iluminação artificial e ficou sem saber se isto se devia ao fato de não ser usado pelos habitantes da cidade e só por máquinas autônomas, que a dispensavam. A velocidade era estonteante, bem mais rápida do que os trens que estava acostumado a utilizar na Inglaterra.
- - - - -A espessura do túnel, por um efeito da perspectiva, criava uma falsa idéia de afinar-se à medida que se afastavam da Torre e não parecia ter fim. Pelos menos ficou aliviado em saber que nesta era os vagões não eram puxados por uma locomotiva a carvão, o que com certeza, sufocaria a todos.
- - - - -Enquanto o trem percorria aquela linha, de vez em quando, passavam por uma ligação lateral, que se conectava com outro túnel paralelo. Uma única vez vislumbrou por instantes a silhueta de outros vagões trafegando em sentido inverso, no outro túnel. Recordou-se, por mais paradoxal que isso pudesse soar, das imagens do futuro, quando penetraria num deles, moradia dos Morlocks. Jamais poderia imaginar naquela ocasião, que o visitaria de novo em circunstâncias totalmente diferentes, no passado. Estas definições sempre confundiam sua mente, dada a relatividade do tempo, em função de marcos arbitrários que o cotidiano impunha.
- - - - -De vez em quando, levantava a cabeça, para ver os vagões que iam à frente, tentando visualizar algum sinal do fim do túnel. A única imagem constante era a ilusão do seu alargamento, provocada pela perspectiva, à medida que corriam na direção da Esfinge. Tentou várias vezes, discernir alguma coisa, além daquela imagem do túnel infindável, que se confundia com um ponto escuro no horizonte.
- - - - -Depois do que calculou ter-se passado mais de meia hora, o trem começou a desacelerar, até se posicionar em baixo de uma estrutura que obviamente, só poderia ser a Esfinge. Agora, estavam por conta própria, já que a partir dali, teriam que improvisar para chegarem até a superfície.
- - - - -O trem estacionara entre duas plataformas e com a ajuda do Viajante todos desceram do vagão, contornando os demais, até uma reentrância, que prolongava o túnel por mais umas trezentas jardas, para o interior da parede.
- - - - -Ali, naquele vão sob a proteção da penumbra, ficaram observando o movimento para decidirem o próximo passo. Estavam num recinto fechado e aparentemente não havia saídas. Ou tentavam, depois da partida do trem, subirem pelo duto de ar mais próximo ou esperavam para ver se, com a retirada dos recipientes, surgisse uma rota de fuga nova.
- - - - -O sistema de ventilação, a princípio poderia parecer a solução mais prática para saírem dali. Mas havia um problema. Poucos possuíam escadas de acesso e as únicas que vira, que poderiam utilizar, estavam bem afastadas dali. Teriam que caminhar pelo túnel, correndo o risco de serem surpreendidos por outro trem. Além disso, a caminhada até um duto que possuísse uma escada que pudesse ser alcançada, os atrasaria ainda mais. A opção mais prática era de evitar isso, porque o sucesso da fuga dependia de serem rápidos. Assim decidiram procurar um meio para saírem dali, o mais próximo possível.
- - - - -Enquanto deliberavam sobre isso, de repente, duas partes do teto, estrepitosamente, correram para as laterais, permitindo a projeção de duas rampas, que se fixaram sobre o primeiro vagão. Provocando um novo rangido, uma esteira, de cada lado, acoplou-se às rampas e começaram a movimentar-se. Por elas, desceram duas pequenas máquinas, repletas de tentáculos, que iniciaram a remoção dos tambores, colocando-os sobre as esteiras. Deveriam possuir um fundo imantado, já que as rampas tinham uma inclinação de mais de 40 graus, impedindo que a gravidade os puxasse para baixo.
- - - - -Isto significava outra coisa também. À medida que cada vagão fosse sendo esvaziado, a composição se moveria para frente, justamente para o lugar onde estavam escondidos. Isto explicava a razão daquele espaço e os obrigava a deixar a proteção do local, caso não quisessem ser esmagados contra a parede. Não lhes restava muitas opções e teriam que agir rapidamente se quisessem sair dali. Mas como fariam isso?
- - - - -O Viajante percebeu que o único meio de sair, seria através das rampas. Desta vez não poderiam contar com a ajuda dos amigos de Lyoman para desativar as máquinas que estavam em cima delas. Mas os Pequenos, não tinham vindo despreparados. Como conheciam todas as particularidades da Torre, sacaram do cinto que utilizavam, uma pequena esfera. Soube depois, que elas emitiam um pulso de energia eletromagnético, que projetada sobre os dois carregadores artificiais, simularia uma pane, não traindo suas presenças. E foi o que fizeram.
- - - - -Cada um, Lyoman e Yla, pressionaram alguns botões das esferas, que ao serem ativadas começaram a flutuar emitindo um leve zumbido. Como se tivessem sido animadas de uma vontade própria, voaram velozmente na direção das máquinas. Os dois serviçais mecânicos foram surpreendidos, sem poderem esboçar qualquer reação. As pequenas esferas grudaram em suas superfícies de vidro metálico, emitindo uma série de raios que queimaram instantaneamente seus delicados mecanismos internos.
- - - - -Soltando faíscas e fumaça, seus dispositivos de antigravidade foram desativados e as duas caíram inertes sobre os recipientes, como se fossem rochas soltas. Nesta queda, derrubaram e amassaram alguns dos tambores no caminho. Era a chance que esperavam.
- - - - -O Viajante por ser o mais alto ajudou-os a se fixarem nas rampas e foi o ultimo a subir, rumo a uma das aberturas no teto.
- - - - -Assim que atingiram a parte superior, se viram num amplo salão. A esteira onde estavam, se conectava a outra que ainda transportava os primeiros tambores descarregados. Ela continuava seu percurso, onde braços enormes retiravam os recipientes, colocando-os cuidadosamente numa outra esteira circular. Nesta, outras mãos mecânicas, os retiravam, depositando-os cuidadosamente, próximos a várias estruturas ovóides, fixadas à parede. No momento que chegaram, somente um dos tambores, era retirado de uma das pilhas, por mais um braço, já que acima de cada estrutura ovalar, pendia um tentáculo, imobilizado no momento.
- - - - -Todos pularam da esteira maior, e o Explorador auxiliou Weena a sair, para não ser pega pelos braços mecânicos, que poderiam confundi-la com aqueles invólucros ou machucá-la na tentativa de removê-la.
- - - - -Curiosos, acompanhando o Viajante, caminharam atrás dele até uma daquelas coisas estranhas presas à parede, como um casulo, observando o braço mecânico pendente animar-se. Com rápidos movimentos perfeitos, tirou um dos tambores, dispostos lateralmente, na parte oval, trocando-o por outro retirado da pilha. Em seguida, o tambor removido foi colocado sobre a mesma esteira que os trazia, sumindo através de um pequeno vão na parede.
- - - - -Assim que o recipiente acabou de ser trocado, todos escutaram um som como de um gás sendo pressurizado, vindo do interior da estrutura ovóide, indicando que algum tipo de atividade ainda animava o dispositivo. Pararam em frente a ele, procurando entender para que serviam e o que estava acontecendo no seu interior, que provocava aquele som sibilante.
- - - - -Não passou despercebido para o Viajante o detalhe de que eram cinco os dispositivos e se perguntou se era mera coincidência este número. Ansioso para ver o que continha tomou a iniciativa, ato que lamentaria depois, e passou as mãos sobre a superfície lisa, para remover a grossa camada de pó, acumulada ao longo do tempo. Assim que o fez, vislumbrou com certa dificuldade um corpo, conectado a uma série de tubos e um vapor ocre que o envolvia. Passou as mãos novamente, tentando afastar o que podia do restante da poeira, para melhor observar. Depois encostou o rosto, e espantou-se com o que viu lá dentro, afastando-se incrédulo. O casal de Eleitos, sem entender, repetiram seu gesto, encostando os rostos, para poderem ver melhor também e entender o que havia de tão espantoso no interior do receptáculo ovóide, para provocar aquela reação. Constataram como ele, um corpo desconhecido e se voltaram na sua direção, em busca de uma resposta.

Capítulo 28 – Os verdadeiros Antigos.


- - - - -O Viajante não podia acreditar nos seus próprios olhos. Aquela pequena parte da superfície, aberta no meio do pó, revelara um pequeno corpo e uma face. E não havia dúvidas a quem pertencia. Em sua memória ainda eram vívidas as imagens que guardara, quando iniciara a segunda viagem. Quem ali estava, era nada mais, nada menos do que um dos habitantes da Cidade da Redoma. Seu corpo encontrava-se perfeitamente conservado, apesar dos milênios que o separava do instante que vira o último com vida.
- - - - -Caminhou para os demais e em cada um, fez a mesma coisa, impregnando o ar com uma grossa poeira, à medida que a removia dos receptáculos com frenéticos movimentos dos braços e das mãos. Constatou surpreso, que os outros quatros estavam ocupados por corpos também, pertencentes àquele mesmo povo franzino, desprovido de pêlos e possuidores de uma enorme cabeça.
- - - - -Lembrava-se perfeitamente deles, cobertos com seus trajes de textura metálica, quando fizera uma parada na sua busca por respostas ao primeiro dos dois tremores que sentira na máquina. Seria uma espécie de reverência a preservação destes corpos? Não, segundo Lyoman, que desconhecia o que havia no interior da Esfinge até aquele momento. Ninguém da Torre sabia da existência deles. Então por que estavam ali? Haveria uma conexão entre as duas cidades?
- - - - -Ele caminhou para lá e para cá, procurando algum detalhe relevante em todos eles.
- - - - -Yla, enquanto isso, procurava por outras pistas também e de repente, ao se posicionar numa determinada parte do compartimento, acionou um fino feixe de luz, vindo da parede, onde estavam os receptáculos ovóides. Ele passou rapidamente por ela dos pés à cabeça, transformando-se numa luz avermelhada que preencheu toda a sua silhueta. Como se movido por vontade própria, fez o mesmo com cada um, pulsando numa cor diferente no caso de Weena e do Viajante. Depois se voltou novamente para o casal e repetiu o processo, como se procurasse confirmar quem realmente eram eles. Depois o feixe, recolheu-se ao mesmo ponto de onde viera. Todos ficaram aguardando para ver o que aconteceria em seguida.
- - - - -E não demorou muito. Ao lado de um dos receptáculos começou a brilhar uma pequena luz vermelha, quase indiscernível pelo acumulo de pó de tantos séculos. Dela saiu um outro feixe, que se dirigiu para o chão, fazendo-o abrir-se e projetar uma pequena esfera, presa a uma haste. Todos se voltaram para ela, rodeando-a bem devagar.
- - - - -Repentinamente um outro feixe de luz, saiu do objeto esférico, produzindo um som modulado enquanto percorria as paredes e o teto, como se buscasse alguma coisa. Quando passou pelos corpos dos dois Eleitos, cessou o movimento, diminuindo em tamanho até ajustar-se às dimensões de ambos. Imediatamente uma imagem de um rosto formou-se, acima dela, pairando no ar. Uma voz começou a falar num dialeto desconhecido. Por sorte era um que Lyoman entendia, pois grande parte de sua língua estava baseada nele. Desta forma foi traduzindo o que conseguia entender.
- - - - -Em primeiro lugar, o rosto fantasmagórico agradecia a visita dos dois Eleitos. Disse que se estavam ali era porque havia chegado o tempo de saber quem eram seus criadores. Junto com a voz, e a tradução simultânea de Lyoman, foram informados que os cinco receptáculos ali presentes, abrigavam os últimos moradores da Cidade da Redoma, cujo nome era impronunciável. O Pequeno disse que soava como algo parecido à Última das cidades da Terra. Então, o Viajante concluiu que afinal, as lendas tinham um fundo de verdade: eles estavam ali desde o inicio.
- - - - -E mais uma revelação foi feita, explicando finalmente a razão da Esfinge. Ela fora construída, não por eles, mas pelo povo ao qual pertenciam. Era o último resquício da sua cidade, que tinham conseguido preservar. Originalmente destinava-se à função de abrigar as mentes mais brilhantes daquela civilização. Mas diante do desastre que os atingira, seus aparelhos, utilizados para separar a mente dos corpos moribundos, foram adaptados às pressas, para salvar os últimos cinco habitantes que estavam no seu interior. Eram eles os sacerdotes deste templo que presidiam um cerimonial destinado a ativar as memórias, daqueles que já tinham falecido, quando necessário.
- - - - -Então compreenderam que o destino os escolhera com um propósito: fazer renascer das cinzas, sua civilização. Viam-se na obrigação de dar prosseguimento a ela ou recomeçar uma nova, como herdeira da última raça humana.
- - - - -A tradução continuou, acompanhada por imagens que mostravam um planeta definhando lentamente pelo cupidez das civilizações. Pouco a pouco, todas as cidades desapareceram, sendo que a humanidade decidira resistir, construindo uma vasta proteção, na última que restava, permitindo mantê-la em condições habitáveis. Quando o seu domo protetor foi atingido, inexplicavelmente, deixando penetrar enormes volumes do ar insalubre do exterior, mais as repentinas esferas de energias verdes que tudo decompunham, imaginaram que seu fim havia chegado, bem como sua civilização, de modo inexplicável.
- - - - -A única coisa que podiam fazer era colocar seus corpos numa espécie de animação suspensa, assim como o fazem certos animais no nosso inverno, à espera de melhores condições externas.
- - - - -Assim, aconselhados pelas mentes da Esfinge, antes de se colocarem neste estado letárgico, instruíram as máquinas ao seu redor para que os despertassem, assim que o perigo tivesse passado. As máquinas ciosamente seguiram os desejos de seus senhores e os reanimaram quando o momento chegou. Com a ajuda das mentes dos seus melhores espíritos, decidiram planejar uma nova cidade, de forma a manter as tradições de sua civilização.
- - - - -Com este propósito deram inicio a construção da Torre, cultivando e alterando seus gametas para povoá-la, com seres mais brutos adaptados não só ás condições atmosféricas ainda adversas, como ao esforço exigido para levantá-la. Tais seres não se reproduziam sexualmente e conforme morriam eram substituídos por uma nova cepa, criada em úteros mecânicos.
- - - - -No inicio foi grande também o uso de máquinas, que podiam trabalhar no ar irrespirável, que começou a ser tratado para permitir o plantio das mais diversas espécies vegetais resistentes. Mas esta era uma tarefa para muitas gerações, e seus frágeis corpos, periodicamente precisavam retornar aos aparelhos, conseguindo que prolongassem suas vidas, para além do tempo normal que poderiam viver. Com o passar dos milênios, nestes intervalos, as próprias máquinas foram tomando cada vez mais o lugar dos Mantenedores, reproduzindo-se automaticamente para dar prosseguimento às diretrizes iniciais.
- - - - -As próprias mentes que haviam ajudado no planejamento da Torre foram desaparecendo gradualmente, pois nem elas eram infinitas. Os cincos restantes habitantes da Cidade da Redoma tiveram que criar por sua vez, uma forma de continuar a prolongar suas vidas, já que a animação suspensa exigia períodos cada vez mais longos. Precisavam encontrar um meio de retardar a velhice que se apossava de seus corpos, e prosseguia depois de cada reanimação. Após muitos experimentos, descobriram que um elemento, comum nos corpos celestes, podia exercer este papel, depois de refinado e tratado. Isto explicava agora, a captura constante destas rochas extraterrestres. E também os trens, com a remessa constante do elemento que necessitavam. Mas o Viajante atento a detalhes, não ouviu nenhuma explicação que esclarecesse o porque da Inteligência que dominava a Torre, de esconder as suas existências dos demais e proibir o acesso à Esfinge.
- - - - -Lyoman continuou a tradução e o que disse em seguida respondeu pelo menos como ela viera a existir. Devido às hibernações cada vez mais necessárias, tiveram que criar uma mente artificial que exercesse os seus papéis nestes intervalos, possuidora de grande autonomia. E assim foi durante muitos séculos, até que decidiram criar os Eleitos, seres mais delicados, que aos poucos os substituiriam no controle da cidade e assumiriam o controle da inteligência mecânica. Eles seriam a razão da construção da Torre e os guardiões da herança de todas as gerações que os havia antecedido. A Inteligência fora instruída para agir desta forma e assim que o momento chegasse os Eleitos, os acordariam pela última vez, pondo um fim ao seu ciclópico trabalho. A mensagem terminava neste ponto.
- - - - -O Viajante concluiu que a partir daí, alguma coisa dera errado. Eles não haviam sido acordados e estavam neste estado, difícil de definir. Pela poeira acumulada, provavelmente já passara do momento e se não aparecesse ninguém permaneceriam desta forma indefinidamente até morrerem. Era evidente que a tal inteligência que se passava pelos Antigos, fora além de suas funções, e como um ser corrompido pelo poder, não pretendia abdicar de suas prerrogativas. O que fazer então?
- - - - -Lyoman, bastante conhecedor das máquinas da sua sociedade, tomou para si esta tarefa. Olhou atentamente para os receptáculos e perguntou-se se desconectasse um dos tambores, o que aconteceria? Seus corpos se desintegrariam?
- - - - -Com força, retirou cada um, do primeiro receptáculo, e aguardou para ver o que acontecia. Não demorou muito e uma tampa translúcida coberta de poeira, subiu lentamente, deixando escapar um odor forte, que logo se dissipou. O corpo no seu interior, aos poucos foi dando sinal de vida, executando pequenos movimentos. Seu tórax ao mesmo tempo iniciou vagarosas flexões respiratórias. Por fim, mas não sem certa dificuldade abriu os olhos, como se despertasse de um longo sono. Tinha dificuldade em falar e Lyoman e o Explorador, ajudaram-no, levantando gentilmente sua cabeça.
- - - - -Ao ver o Viajante, seus olhos não conseguiram esconder a surpresa com a sua presença, balbuciando alguma coisa para o Pequeno. Lyoman se esforçou para ouvir o fraco som de sua voz. Ao perceber que um de suas criações o amparava, ficou mais calmo, parecendo demonstrar certa felicidade ao vê-lo.
- - - - -O frágil ser, disse mais algumas palavras e o Eleito olhou para o Explorador. Não havia dúvidas, como confirmou depois. Estava ouvindo o mesmo dialeto antigo, idêntico ao da mensagem. Assim Lyoman começou traduzir partes do que ele falava. Suas palavras denotavam certa preocupação e insistia em saber por quanto tempo estivera desacordado.
- - - - -Os dois não sabiam o que responder. Mas com toda certeza, deveria estar neste estado há muito tempo. Mais do que planejaram. E foi o que seu amigo Eleito tentou fazê-lo compreender, dizendo-lhe que não tinham a menor idéia do tempo transcorrido desde a última hibernação.
- - - - -A primeira coisa que o Pequeno ser fez, depois disso, foi apontar para um pequeno painel em frente ao receptáculo. Lyoman caminhou até lá e soprou o pó acumulado. Voltou e pediu instruções, que lhe foram passadas rapidamente.
- - - - -O Eleito pressionou uma pequena protuberância e o painel iluminou-se, mostrando a mesma coisa que vira, na Torre. Se o seu significado lhe parecera totalmente estranho no principio, agora pelo menos, ele deduzia que deveria representar uma espécie de contagem regressiva, cessando no momento em que eles fossem despertados pelos Eleitos para que assumissem o controle total da Torre. Mas pela expressão dele, não foi difícil adivinhar que os mostradores já tinham passado daquele ponto, há muito tempo, sem entenderem, no seu mundo planejado, porque isto ocorrera.
- - - - -Yla e Lyoman explicaram a situação e traduziram parte da conversa. Como o Explorador desconfiava, a razão do atraso se devia ao fato de que a Inteligência resolvera assumir por si mesmo, o controle da cidade, mas ficara indecisa quanto ao que fazer aos seres que o haviam construído. Enquanto não chegara a uma decisão, protelara a reanimação. Ou fizera isto intencionalmente, até se sentir forte o suficiente, para eliminá-los e escravizar os habitantes da Torre.
- - - - -Conforme lhe foi pedido, o Pequeno, acordou os demais, para corrigir esta situação. Mas um sexto sentido, dizia ao Explorador que o usurpador não cederia assim tão facilmente à vontade de seus construtores.

Capítulo 29 - Lutando pela vida.

- - - - -E realmente não foi uma tarefa fácil, já que naquele instante, como alertaram os verdadeiros Antigos, ela já tomara conhecimento de que seus Criadores já haviam despertado, sem o seu consentimento. Com certeza reagiria rapidamente, sem medir as conseqüências, para corrigir esta ação indesejada. Conhecendo-a melhor, do que todos ali presentes, foram sinceros em declarar que se não agissem rápidos, para neutralizá-la, entre uma série de opções que ela poderia tomar, não descartavam a completa eliminação física de todos.
- - - - -Tais palavras infundiram uma grande angústia na mente do Viajante. Como sempre, sua curiosidade o colocara mais uma vez em apuros. E desta vez não só a ele. Se tivesse seguido seu plano original, não teria parado para examinar os receptáculos, e muito menos deixado que Lyoman despertasse os ocupantes, chamando assim a atenção da mente que dominava a Torre. O que mais temia, acabara acontecendo, sempre por causa desse defeito de sua personalidade. É certo que teriam tido muito mais chances de fugir sem chamar a atenção. Agora, só lhe restava lutar ao lado dos Criadores daquela força maligna, para não serem eliminados.
- - - - -Esperava que ao menos estes dispusessem de recursos sofisticados para dominá-la, já que ele e seus amigos, pouco poderiam fazer, a não ser tentar fugir, no caso de fracassarem. Mas mesmo que eles assim procedessem, refletiu que talvez não fosse tão fácil, já que ela tivera muito tempo para se antecipar a qualquer situação. Portanto podia-se esperar qualquer atitude inesperada da parte dela, cujas proporções ele não tinha condições de aquilatar.
- - - - -Depois que os Cincos verdadeiros Antigos, se sentiram recuperados o suficiente da longa letargia em que haviam permanecido, caminharam decididos para uma outra parte do interior da Esfinge. Quando lá chegaram, com apenas um simples movimento de braço, clarearam todo o ambiente. Em seguida, com outro gesto semelhante fizeram surgir um sofisticado painel, que por falta de melhores palavras para descrevê-lo, parecia-se mais a imagens diáfanas flutuando no ar. Com toques rápidos de seus dedos, numa habilidade difícil de acompanhar, foram manipulando aquelas imagens, cujo significado e função lhe eram totalmente desconhecidos.
- - - - -O compartimento não era muito grande, já que não precisava de espaço para muitas máquinas, concentradas que estavam naquela forma espectral inusitada. O Viajante apenas desejou que tais dispositivos pudessem desligá-la por completo rapidamente, antes que executasse qualquer ação hostil. Mas não era uma operação tão simples assim. Do mesmo modo que acontecia com a sua Máquina do Tempo, existiam diversos controles, e alguns poderiam permitir que ela permanecesse ativa, outros não. E existia também um grande problema. Aquela Inteligência se estendia como uma enorme raiz, controlando tudo e a todos na Torre e se fosse simplesmente desativada repentinamente, provocaria um enorme caos, que a levaria a um colapso. Para contornar estes efeitos colaterais, tinham que ir por partes. A idéia geral, conforme traduziu Lyoman era o de manter somente os sistemas autônomos ligados.
- - - - -Assim como o cérebro humano que possui dispositivos semelhantes permitindo ao corpo humano funcionar, sem que precisemos lembrá-lo a toda hora de certas funções, como respirar, por exemplo, o mesmo poderia ser feito com aquela entidade, só que com num grau maior de complexidade. Isto exigia uma delicada operação seqüencial de ajustes, fato que naquelas circunstâncias, trabalhava mais a favor da Inteligência.
- - - - -Para ganhar tempo, o que na verdade, ambos os lados o faziam, os Antigos tentaram impor seu comando àquela máquina, utilizando todo o seu conhecimento e artifícios possíveis, tentando na medida do possível tirar-lhe, certas funções cognitivas.
- - - - -As vozes que ouvira no topo da Torre, logo se manifestou naquele exíguo espaço, fazendo-o ver que a Entidade ainda estava muita próxima do que desejaria.
- - - - -Os Criadores retrucaram com palavras de comando, sem muito efeito. Pode-se dizer que naquele bizarro diálogo, que testemunhou impotente, ambas as partes, procuravam impedir recíprocas ações, utilizando-se da lógica, como elemento de distração, enquanto executavam suas mútuas operações de impedir um ao outro. Era uma luta de vontades e habilidades.
- - - - -Os argumentos se sucediam, como se fossem os próprios Antigos, alegando que tinham tanto direito à vida, como qualquer outro ser vivo. Que o plano dos Verdadeiros apresentava falhas e eles, por sua vez alegavam mais sabedoria para cuidar da cidade do que eles. A Inteligência frisava que como não eram orgânicos, não eram passiveis de morte, deixando a Torre sem um propósito, situação que os verdadeiros Antigos não conseguiriam evitar, cedo ou tarde. Citavam como exemplo as mentes de origem orgânica que não tinham resistido à passagem do tempo.
- - - - -Em contrapartida os Criadores, alegavam que eles não eram vida, e sim uma série de instruções que o faziam sentir-se assim, se é que este conceito de difícil definição poderia se aplicar a eles. Que haviam se excedido, esquecendo o objetivo maior de servir aos seus Mestres e acima de tudo, à sociedade a que pertenciam. E eram tão falhos como os orgânicos, já que sua falsa idéia de resistir ao tempo, não impedira a corrupção de suas próprias diretrizes.
- - - - -Enquanto persistiam neste diálogo, cada lado tentava neutralizar as tentativas de supressão de comandos do outro. De repente, ouviu-se um estrondo e várias máquinas iguais a que vira no cume da Torre, conseguiram entrar por um rombo na parede da pequena sala. Agitando seus tentáculos como aranhas furiosas, não escondiam suas intenções hostis. Desta vez, teriam que deixar o argumento de lado e partir para a luta em defesa das próprias vidas.
- - - - -Eram ao todo quatro máquinas, que deveriam executar algum tipo de trabalho dentro da Esfinge e tinham sido redirecionadas secretamente para onde estavam. Duas rumaram na direção dos Antigos e as duas restantes, seguiram para a onde estavam.
- - - - -Weena foi a primeira a ser pega por uma delas. Assim que foi envolvida pelos tentáculos, começou a gritar e a máquina ergueu-a, como se fosse uma pena, com a intenção de parti-la em dois pedaços. Lyoman não podia com todas ao mesmo tempo e correu na direção dos Antigos, mas não pode salvar o primeiro que foi arrancado dos controles e jogando contra a parede oposta com toda força. Ela avançou para o segundo Antigo, que não esperou o ataque. Com um movimento da mão, fez descer uma descarga elétrica do teto que se abateu sobre ela, chamuscando o invólucro vítreo e torrando seu delicado mecanismo interno. Inerte, tombou fumegante no chão. Uma fora vencida.
- - - - -Yla agiu rapidamente, e retirou mais uma de suas esferas do seu cinto, apertando alguns controles rapidamente. Assim que a preparou, ela disparou na direção da máquina que pegara a Eloi. Numa fração de segundos, a esfera cortou o espaço, atravessando sua pele de vidro e disparando uma descarga eletromagnética em seu interior. Ela agitou-se e tombou de lado, com a Eloi ainda presa em seus braços mecânicos. O Viajante, por sua vez disparou várias vezes, na direção da outra, cujas balas apenas arranharam sua superfície. A máquina continuou sua marcha como se nada tivesse acontecido. Ele preparou-se para agarrar seus tentáculos, quando um forte brilho em seu interior, seguido de um forte cheiro de queimado, a paralisou. Yla a acertara em cheio com outra esfera, evitando que fosse ferido. Menos duas para se preocuparem.
- - - - -Livre daquele perigo, o Viajante correu para a sua companheira desmaiada, retirando-a o mais rápido que podia dos braços inertes da máquina que ainda a segurava. Lyoman por sua vez se posicionou entre a última que faltava e os Antigos, decidido a defendê-los com a própria vida. Procurou desviar a atenção dela enquanto estes iam pouco a pouco vencendo as ordens contrárias da Inteligência, neutralizando seus comandos, e enfraquecendo-a. Ele fez malabarismos para esquivar-se de seus tentáculos na tentativa de atrapalhar suas intenções de chegar até aos controles vitais.
- - - - -O Explorador, depois de verificar o estado de Weena e deixá-la com Yla, correu para auxiliá-lo. Desesperado, carregou o tambor o mais rápido que pode, disparando sobre aquela máquina para atrair sua atenção. Uma das balas conseguiu trincar parte da delicada estrutura vítrea, fazendo-a virar-se na sua direção, com o claro objetivo de revidar. Pelos menos conseguira atrair sua atenção. Mais o que faria agora?
- - - - -Seu Pequeno amigo que não dispunha mais das esferas gritou para a companheira, pedindo-lhe que jogasse mais uma das suas. Numa demonstração incrível de agilidade por parte dela, Yla executou a manobra com perfeição, de modo que o Explorador conseguiu se desviar no último instante, antes da esfera acertar em cheio a máquina restante.
- - - - -Parecia que o pesadelo havia acabado. Lyoman correu para ver quais eram as condições do Antigo atingido e o que viu o deixou sem saber o que fazer. O corpo parecia estar inteiro, mas quando viu seus lábios cheios de sangue, tentou estancá-lo, receando uma hemorragia interna. O Explorador percebeu que se não recebesse socorro dificilmente sobreviveria. Como não era médico, não tinha condições de avaliar o grau de seus ferimentos. Não sabia qual órgão interno havia sido afetado, o que poderia provocar mais sangramento interno, levando-o rapidamente à morte. Por enquanto o melhor a fazer era deixá-lo o mais confortável possível. Talvez seus companheiros mais tarde pudessem ajudá-lo a se recuperar, mas não podiam dar assistência a ele já que estavam ocupados, tentando desligar partes da terrível criatura que haviam criado.
- - - - -Procurando dar conforto ao Antigo atingido, pediu a Lyoman que perguntasse se ainda faltava muito para desativar as partes que permitiam aquela forma de vida artificial tomar decisões de vida e de morte.
- - - - -A resposta que recebeu de volta foi de que o processo era lento e requeria exatidão. Agora com um dos seus feridos, o tempo necessário se alongaria mais um pouco. Mas era evidente e previsível que ela não se entregaria assim tão fácil.
- - - - -Mal haviam se recuperado da luta, e todos escutaram um ruído surdo, de milhares de pés metálicos chocando-se contra as paredes do túnel.
- - - - -Os três se olharam, estupefatos, compartilhando a mesma idéia. Não poderiam sair vencedores na luta corporal contra a imensa quantidade de máquinas auxiliares, semelhantes a aranhas, que os cobriria como uma onda. De repente uma das paredes se rompeu, demonstrando a decisão do adversário.
- - - - -Antes dos insetos mecânicos chegarem, mandara à frente uma enorme máquina, utilizada nos campos, que mal cabia ali, devido ao seu enorme tamanho. Imobilizado pelas dimensões do recinto, agitando seus inúmeros tentáculos, parecia-se com um polvo gigante da famosa cena descrita por Júlio Verne em 20.000 Léguas Submarinas.
- - - - -Mas se seu tamanho era uma vantagem e naquele espaço exíguo uma deficiência, usaram isto como uma vantagem. Sem mais esferas para poderem se defender, os três resolutos, jogaram-se sobre ela, para vencer ou morrer tentando. Yla foi empurrada, caindo no chão, desviando-se a tempo de um golpe fatal de uma das garras. O Viajante galgou a máquina assassina, enfiando o cano do revólver, num pequeno orifício superior, disparando as balas restantes do tambor. Sem querer, encontrara um ponto fraco naquela imensa estrutura.
- - - - -Os projéteis em seu percurso estilhaçaram o delicado mecanismo interno que irrompeu em fagulhas. O mostrengo se agitou e antes de entrar em pane, seus braços começaram a disparar descontroladamente descargas elétricas em todas as direções. Para seu desespero uma delas atingiu os quatros Antigos, que tombaram ao mesmo tempo. A grande máquina cessou seus espasmos caindo para frente, quase arrastando os três para o chão em meio a uma chuva de detritos e poeira da parede derrubada. O Viajante rolou para o lado a tempo de evitar o pesado corpo da máquina, que o esmagaria, mas que cumprira na morte o desejo de seu Mestre.
- - - - -Yla foi a primeira a correr na direção dos Antigos. Três deles haviam morrido com a descarga elétrica, e só um ainda mantinha a consciência. Ele ainda sentido os efeitos do choque pediu-lhe ajuda para terminar o que haviam começado antes que fosse tarde demais.
- - - - -No mesmo instante alguns dos insetóides, conseguiram subir pela rampa, correndo velozmente na direção de todos. Lyoman sem saber o que fazer pegou os tambores e começou a jogar sobre as aranhas mecânicas, tentando detê-las. Weena, pela primeira vez, tomou a iniciativa, fazendo o mesmo. Enquanto isso, o Explorador carregou o tambor da arma várias vezes, disparando as últimas balas que lhe restavam, conseguindo danificar algumas que logo eram substituídas por outras. Por segundos, vendo aquela corrente incessante de máquinas, ele imaginou que seu fim chegara. Súbito, elas pararam por um momento devido à reação inédita de um dos oponentes. O primeiro Antigo atingido, num supremo esforço, utilizando sua sofisticada maquinaria, conseguiu disparar vários feixes de energia, dizimando dezenas daquelas pequenas criaturas. Depois, caiu morto.
- - - - -O efeito retardou o avanço delas, mas não cessou sua agressividade. Como que ouvindo uma ordem para mudar de estratégia, as aranhas mecânicas se reagruparam para o golpe final.
- - - - -De repente ouviu-se um som agudo, como um sinal de alerta. O Viajante os olhou sem entender seu significado, procurando por uma resposta.
- - - - -O Pequeno conversou rapidamente com o Antigo que o fez saber, que num ato extremo de vingança, a Inteligência, como um moribundo apego à sua obsessão, desligara a tela de proteção da Torre, remetendo um meteoro na sua direção. Mas se dependesse dele, não concretizaria sua crueldade. Ele já tinha ativado os canhões de defesa.
- - - - -Ao ouvir isto, o Viajante por fim juntou as peças do quebra-cabeça, entendendo como tudo começara. Gritou para o seu Pequeno amigo para que não deixasse o Antigo fazer isso, mas era tarde demais. Os canhões começaram a disparar com carga máxima, inutilmente. Suas salvas mortais foram desviadas pelos usurpadores para a quarta dimensão, perdendo-se no tempo. Em seguida, em outra manobra, as luas artificiais explodiram, pela ação da Inteligência, deixando a Torre desguarnecida.
- - - - -Com um aperto no coração o Viajante viu todo o quadro, claramente. Não fora ele, afinal, que destruíra a Cidade da Redoma, mas o ato de defesa do último Criador, em conjunto com a resposta de seus adversários. O ciclo se completara.
- - - - -É certo que sua máquina criara as anomalias que haviam anunciado sua chegada, mas como suspeitara, ela não tivera força suficiente para criar um túnel que conectasse os dois períodos de tempo, transportando a energia mortal. Só a poderosa fonte da Torre poderia fazê-lo. O consolo da descoberta viera tarde demais.
- - - - -Apesar deste fatídico contratempo, o Antigo sobrevivente conseguiu acionar o último controle que faltava e assim que o fez, dobrou-se e caiu de lado. Ele fizera o quase impossível, graças à ajuda de Yla. Na verdade era uma vitória de todos.
- - - - -As pequenas aranhas metálicas sem uma vontade para comandá-las, cessaram totalmente seus movimentos. Seu último arranjo em colunas, formadas por centenas de máquinas, esparramaram-se pelo chão com grande estrondo. Depois se seguiu uma pausa. Estavam todos cansados, olhando os destroços das máquinas e o entulho das paredes destruídas. Tinham vencido esta batalha e respiraram aliviados, apesar do som de alarme que continuava ecoando, lembrando-lhes que o fim ainda estava longe.
- - - - -Então todos se voltaram para ajudar o pequeno herói, mas quase nada mais podiam fazer por ele. Yla e Lyoman seguraram sua cabeça, para lhe dar um pouco de conforto, e na sua linguagem ele sussurrou aos ouvidos do Pequeno algumas frases e cerrou as pálpebras. Inconformados, todos olharam ao redor, jamais imaginando que um dia seriam as testemunhas que presenciariam a morte do último membro da última raça humana verdadeira sobre a Terra. Mas não puderam desfrutar daquele momento de paz para reverenciar aqueles seres do passado, conhecidos como os Antigos. Os verdadeiros construtores da Torre e da Inteligência, que se revoltara contra os próprios Criadores.
- - - - -Aquela força diabólica, num último alento, decidira antes de ir-se, decretar a morte de todos na Torre. Lyoman reconheceu imediatamente o perigo. Como um daqueles que manipulavam o facho transportador, reconheceu que não dispunham de muito tempo. Se o sistema de transporte estava desgovernado e os sistemas de defesa, destruídos, nada poderia ser feito para evitar que o bólido se chocasse com a Torre. Pelos menos, os habitantes tinham escutado o alarme também e tentariam se salvar. Quantos de fato o conseguiriam, era uma incógnita.
- - - - -Talvez os Criadores, se tivessem tido mais tempo, poderiam ter evitado a catástrofe. Mas o Explorador sabia que mesmo assim seria quase impossível, pois tudo estava ligado pelas leis de causa e efeito. Um efeito que começara no futuro e terminaria no passado, destruindo a Cidade da Redoma e dando inicio à Torre.
- - - - -Surpresos, viram impotentes os seres desintegraram-se em meio a uma tênue névoa. Nenhuma criatura poderia ter vivido tanto tempo como estes, em condições naturais. O tempo cobrara seu preço. Mesmo sabendo que sem o irídio, o tempo retomaria seu curso, tinham se sacrificado para destruir a Inteligência, que era parte deles mesmo. Era um exemplo vivo da velha luta entre o bem e o mal, retratado magistralmente por Stevenson, em seu livro o Dr Jekill e Mr. Hyde.
- - - - -Agora, ficara claro, que todo aquele esforço de capturas de pedras do espaço, só servira para o único propósito de conservá-los vivos. Um capricho que a Inteligência mantivera.
- - - - -Se não tivesse acordado os Antigos, estes não teriam sido mortos e com isto teria evitado a destruição da Torre. Mas por outro lado, havia um se, como é comum em todos os acontecimentos que fazem parte da história, quando resolveu pesquisar os tremores que estremecera sua máquina. O mais irônico, é que sem o saber, tinha se tornado o agente desta série de eventos que pretendera evitar. Não que não tivesse noção de que poderia intervir nos fatos, modificando-os. Procedera assim para salvar Weena. Mas não se deslocara pelo tempo com esta intenção, quando resolvera examinar as causas dos tremores, sem naquele momento saber, que ele era a fonte de origem dos mesmos. Enquanto pensava estar usando o seu livro arbítrio, na verdade estava cumprindo o seu papel na ação exigida pela própria trama do tempo.
- - - - -Quem poderia afirmar se, em sua longa existência, os Antigos já não tinham percebido que estavam encerrados num ciclo temporal eterno? Talvez já soubessem que sua jornada rumo ao passado começaria no mesmo instante em que se deparassem com um estranho, Viajante do Tempo. E decidiram participar deste destino, cientes de que todas as coisas neste Universo possuem um fim e um começo.
- - - - -Para confirmar suas suspeitas, perguntou a Lyoman, o que o Antigo moribundo lhe dissera. A resposta foi esclarecedora. Este lhe segredara que seu tempo chegara ao fim e se reiniciaria no passado. De certa forma tinham se tornado imortais.
- - - - -Desejou até interferir novamente, voltando mais uma vez ao passado, mudando mais uma vez a linha do tempo, ou tentando pelo menos, fazer isso. Impediria o acionamento dos canhões de energia, rompendo desta forma o ciclo. Mas depois raciocinou que, se assim procedesse, criaria novos desdobramentos na linha do tempo, cujo resultado não poderia aceitar por uma razão. Razão esta, que me contou, após findar sua narrativa.
- - - - -O Viajante desviou sua atenção destas ponderações e fixou-a na urgência da situação, que exigia saírem dali, o mais rápido que pudessem, antes do impacto. Antes de deixaram os subterrâneos da Esfinge, fizeram uma última coisa, a pedido do Antigo. O Pequeno, seguindo instrução que este lhe passara, ativara um dispositivo, que agiria como uma couraça, quando a onda de choque caminhasse na direção deles, salvando pelo menos a Esfinge e o Palácio de Porcelana verde da destruição certa. Era a vontade dele que permanecessem incólumes, como uma lembrança de suas existências e da civilização que representavam. Tal proteção explicava como os dois edifícios sobreviveriam até aos dias dos Morlocks.
- - - - -Então se concentraram nas coisas mais prementes. Tinham que sair rápido dali para salvarem suas vidas. Não tinham condições de saber quanto tempo exatamente lhe restavam antes de sentirem os efeitos da catástrofe que se avizinhava.

Capítulo 30 – Uma corrida contra o tempo.

- - - - -Deram uma última olhada na cinza que restara dos corpos, lamentando o fim ingrato de serem tão maravilhosos, que tinham se sacrificado por seus princípios. O destino pelo menos os poupara de verem a destruição de uma obra que lhes era muito cara. Grande perda para a raça humana e para o esforço devotado na construção do último grande projeto dos homens.
- - - - -Pelo menos o altruísmo que tinham demonstrado, não fora em vão. Com seu ato extremo tinham lhes dado uma chance de sobrevivência. E queriam aproveitá-la.
- - - - -A grande máquina entalada, em meio às paredes, provocara um enorme rombo na estrutura, deixando exposto, vários níveis. O rombo criara um caminho que podia levá-los diretamente à superfície. Mas havia muito entulho, e as escadas que conectavam cada nível estavam destruídas. Pelo menos, naquela parte. Se procurassem por outra via de escape, perderiam tempo precioso. Decidiram então aproveitar a trilha aberta pela máquina tentacular.
- - - - -Subindo por ela, após um árduo esforço, encontraram em meio aos escombros, vários aberturas que davam para corredores laterais. Um deles, provavelmente levaria à saída.
- - - - -O Viajante procurou mentalizar o formato da Esfinge, para encontrá-la, com um certo grau de incerteza, pois lá dentro não sabia se estavam na parte anterior ou posterior da construção. Se estivesse na parte posterior, poderiam tentar chegar à porta de entrada que existia entre suas garras.
- - - - -Seguindo somente o instinto, percorreram rapidamente um deles, e chegaram a uma entrada. Com o esforço de todos, conseguiram mover a porta que estava emperrada e viram-se finalmente na parte central da Esfinge, que expunha as escadarias para os diversos níveis do subsolo até a grande porta externa.
- - - - -Conforme corriam, passaram por enormes globos fixados a máquinas, que um dia abrigaram a mente dos mais brilhantes representantes daquela civilização. O Viajante imaginou que espetáculo não deveriam ter sido no passado aquele cenário. Todo aquele espaço repleto de esferas resplandecentes com as quais os habitantes da cidade mantinham contato, eternizando o saber. Mas agora tudo isto ficara no passado. Estavam todas escuras, esquecidas, do mesmo jeito que logo a Torre ficaria.
- - - - -Por fim atingiram a grande porta entreaberta e deixaram o seu interior. A súbita claridade deixou-os momentaneamente cegos. Assim que seus olhos começaram a se acostumar à forte luz do dia, Weena deu um grito ao chocar-se com o vulto escuro da máquina que vigiava o monumento. Num ato reflexivo o Viajante preparou-se para se defender e quando se aproximou percebeu que alguma coisa estava errada. Cautelosamente bateu no metal e nada aconteceu. Aliviado, deu uma volta em torno dela. Provavelmente tinha sido desativada no mesmo instante em que os Antigos haviam desligado a Inteligência.
- - - - -O céu, antes calmo, estava agora repleto de carruagens voadoras, que cruzavam por cima em todas as direções, procurando afastar-se o mais longe possível da Torre. Como todos os ocupantes estavam preocupados em salvar suas próprias vidas, a presença deles, não lhes despertava o mínimo interesse.
- - - - -O objetivo do Viajante e dos demais, também não era diferente. Ele pegou a mão de Weena e correu na direção da pequena cavidade, onde escondera a Máquina do Tempo, gesticulando para o casal os acompanhar. Mas a fuga, que parecia tão próxima, para o seu desespero, transformou-se num inesperado pesadelo.
- - - - -Ele chegara até as pedras dispostas no chão, que apontavam na direção da máquina escondida. Com a ajuda da Eloi, começou freneticamente a retirar a camuflagem composta de galhos, ramos e rochas cuidadosamente empilhadas, para arrastá-la para fora, sob os olhares curiosos dos dois Eleitos. Seu maior desejo naquele momento era o de conectar a barra de cristal, que trazia consigo na mochila, e pô-la para funcionar, deixando aquele Mundo o mais rápido que pudesse.
- - - - -Estava tão absorto nesta tarefa que não viu a pequena Mulher de Viseira, disparar um feixe de energia contra ele. Surpreendido por aquele ataque inesperado, não pode esboçar qualquer reação. Sem o controle dos braços e pernas, caiu de forma desajeitada ao lado da máquina. Weena gritou desesperada, abaixando-se para ajudá-lo. Foi afastada bruscamente por um dos Soldados, debatendo-se furiosamente para livrar-se dele e voltar para o Viajante. Yla e Lyoman surpresos e impotentes, nada podiam fazer, sob a mira da arma de outro Soldado de Viseira.
- - - - -A Mulher jocosamente aproximou-se do Viajante e ficou observando seu rosto, demonstrando um misto de desprezo e curiosidade. Certificando-se de que estava bem imóvel no chão, ativou os controles que permitiam a comunicação instantânea para entrar em contanto com alguém desconhecido. Mesmo imobilizado, o Viajante não perdera a consciência e lamentou o descuido. Mas jamais poderia imaginar que aqueles habitantes, em vez de se porem a salvos, ainda estavam obedecendo aos desejos dos Antigos, na verdade dos pretensos Antigos. Mas o que podia se esperar de seres condicionados a vida toda.
- - - - -Os dois Pequenos tentaram argumentar, que todos deveriam se afastar dali para não serem mortos. Que seus Mestres não existiam mais e o que mais sensato a fazer era fugirem dali.
- - - - -Estavam completamente equivocados. A Inteligência ainda não perecera. Já não dispunha de tanto poder, mas estava viva. Se de fato fosse esta a expressão correta para definir o seu estado de existência.
- - - - -Depois que a Mulher utilizou seu aparelho de comunicação, elevou-se uma carruagem que estivera até então escondida pela vegetação. Possuía um tamanho avantajado. Provavelmente sua função era idêntica a de uma grande carroça adaptada para o transporte de volumes pesados.
- - - - -O Viajante, sem poder reagir, viu desesperado o mecanismo voador posicionar-se sobre a máquina. Três dispositivos semelhantes a bacias, fixadas na parte de baixo, dispararam cada uma, colunas de energia, levantando-a como se estivesse presa por fortes correntes. Se a intenção era a de carregarem todos de volta para a Torre, inclusive seu engenho, concretizava-se o pior de seus pesadelos. Estavam todos condenados.
- - - - -Ela deu ordens para os Soldados, que os arrastaram para uma carruagem menor, jogando-os de qualquer jeito nos bancos traseiros. A Mulher subiu no banco da frente e fez sinal para o Piloto subir. Este fez uma manobra e emparelhou com a maior, que continuava esperando. Nesta posição, ela transferiu-se para o banco dianteiro da outra.
- - - - -Foi nesta posição, imobilizado, que pode ver um dos ocupantes do outro carro, carregando com todo o cuidado, uma esfera apoiada numa pequena base quadrada. Uma névoa esverdeada revolvia-se no seu interior e ele não teve dúvidas do que era. De forma inexplicável, parecia sentir a presença deles. Os Antigos, ou melhor, a Inteligência, tinha encontrado uma forma de sobreviver. Provavelmente em sua longa existência prepara-se para qualquer eventualidade. Inclusive de abandonar a Torre. O que pretendia agora? Vingança? E se a tinham deixado, para onde os estavam levando?
- - - - -Ele tinha que fazer alguma coisa, já que permanecer ali, mesmo àquela distância seria morte certa. Agradeceu a sorte de não ter sido atingido com muita força, percebendo que estava recobrando os movimentos mais cedo do que imaginara.
- - - - -A carruagem subiu e ele viu uma chance, no fato das travas e da redoma de proteção não estarem ligadas. Aproveitou um descuido do Soldado mais próximo, que por instantes olhou para fora. Num movimento brusco, chutou sua arma e atracou-se com ele. Sua intenção não era de matá-lo e sim apenas desarmá-lo. O outro, vendo-o em luta corporal, apontou a arma na direção dos dois, hesitante, devido à dificuldade de acertar o alvo. Quando decidiu disparar, acertou sem querer o companheiro, que despencou da carruagem sem um grito.
- - - - -Surpreso, com seu erro, ficou sem ação por segundos. Lyoman e Yla aproveitaram o momento de indecisão e se jogaram sobre o Condutor, que subitamente perdeu o controle da carruagem, fazendo-a inclinar.
- - - - -O Soldado foi o primeiro a perder o equilíbrio. No desespero agarrou-se ao Explorador, quase o levando junto. Ele tentou ajudá-lo, mas estava tão agitado que não conseguiu se apoiar, caindo em seguida, emitindo um grito de terror. O Piloto recuperou o controle do carro, empurrando os dois Pequenos para o lado. Com extrema agilidade pegou sua arma e apontou na direção do Explorador, para disparar. Sua arma foi agarrada pelo Viajante, que a jogou no banco de trás. Weena logo a pegou, entregando-a para o casal à frente, que ficou apontando-a para o Piloto.
- - - - -Neste meio tempo, a Mulher que estava mais à frente, percebeu a luta e ordenou uma meia volta para abordá-los, com a Máquina do Tempo oscilando perigosamente de baixo das colunas de energia.
- - - - -Além do Condutor, a carruagem maior transportava a Mulher e mais dois Soldados. Enquanto um segurava a esfera com a essência da maligna força, o outro estava livre para auxiliá-la. A poucas jardas, eles começaram a disparar contra o Explorador e seus amigos. Alguns dos jatos atingiram a estrutura da carruagem, fazendo-a estremecer a cada impacto.
- - - - -Não havia como se abrigar, ainda mais pelo fato, da redoma, não ter sido ativada. De repente um dos feixes atingiu o Condutor, que envergou o corpo por cima dos controles. Sem ninguém para guiá-la, a carruagem mergulhou rumo ao solo.
- - - - -Com esta queda brusca, Weena gritou e rolou para frente, sendo segura pelo Explorador, antes que caísse para fora do carro. Lyoman mais uma vez, num movimento ágil, pulou para o assento do Piloto, afastando-o para o lado e retomando o domínio da carruagem. Ao subir, por pouco não atingiu o outro carro, que desviou bruscamente, desequilibrando seus ocupantes.
- - - - -O Viajante viu nesta manobra improvisada a chance de recuperar a sua máquina, antes que se recompusessem. Ele gritou para Lyoman para que emparelhasse com o carro onde estava a Mulher.
- - - - -Era uma manobra arriscada, fruto do desespero. Apesar de estarem numa rota paralela à Torre, ele queria abandonar esta época a qualquer custo e afastar-se do epicentro do choque, o máximo que pudesse.
- - - - -Numa ação brusca, Lyoman emparelhou a carruagem chocando-se de lado com a outra, numa tentativa de manter as duas o mais próximo possível. Este movimento pegou a Mulher e o Soldado de surpresa, tirando-lhes o equilíbrio. O coração do Explorador parecia que ia explodir com todo aquele esforço e o receio da máquina despencar a qualquer instante e se espatifar lá embaixo, deixava-o cada vez mais angustiado.
- - - - -Ele retirou a mochila, e num impulso que beirava entre a audácia e o desespero pulou no meio dos dois. Assim que caiu sobre eles, atracou-se com o Soldado e empurrou a Mulher para o lado. O outro Soldado que segurava a esfera procurou afastar-se o máximo que podia da luta, dando prioridade à proteção da esfera. Mas mesmo este posicionamento não dava nenhuma vantagem para o Viajante, já que seu Pequeno amigo, no controle do outro carro não podia ajudá-lo. Lyoman estava totalmente entretido em manter a carruagem sob controle, num esforço para deixá-la o mais paralelo possível com a outra, já que seu oponente procurava afastar-se a todo instante. Deste modo os dois aparelhos, chocavam-se repetidamente, arrancado partes de cada um, devido ao impacto provocado pela alta velocidade. Cada vez que isto acontecia o Viajante se exasperava temendo pelo pior.
- - - - -Yla, enquanto isso, tentava acompanhar com a arma a luta entre os dois para no momento oportuno atirar contra o Soldado. Mas naquela luta corpo-a-corpo que os dois travavam, não podia disparar, sem correr o risco de acertar o alvo errado.
- - - - -Enquanto isso, o Condutor da outra carruagem, por sua vez, não ficara inativo. Além de tentar se afastar de Lyoman, através de várias manobras arriscadas, disparava às vezes, procurando acertá-lo. O Pequeno Eleito tinha uma tarefa dupla pela frente. Fazia manobras evasivas para evitar os disparos e quando cessavam, voltava a emparelhar as carruagens. Yla, nestes momentos, desviava sua atenção da luta que ocorria no outro aparelho, respondendo aos disparos e aguardando o momento oportuno para acertar o Soldado que lutava contra o Viajante.
- - - - -Nesta troca, um dos feixes atingiu seu ombro de raspão. Ferida, tombou no banco, largando a arma.
- - - - -Lyoman desesperado jogou a carruagem com toda a força contra a outra, desequilibrando o oponente do Viajante. Este ainda tentou segurá-lo para evitar sua queda, mas foi impedido pela Mulher, que o acertou na cabeça. O golpe o deixou desorientado e ele tombou para o lado de fora.
- - - - -Felizmente o seu instinto de sobrevivência foi mais forte e ele agarrou-se precariamente na borda da carruagem para não despencar também. Sentindo muita dor, por causa da pancada, tentou voltar para o interior. Mais uma vez, sentiu as garras da morte se aproximando.
- - - - -A Mulher assim que o viu nesta posição, sentiu-se vitoriosa. Pegou a esfera do outro Soldado e não escondeu a satisfação de vê-lo quase caindo. Totalmente descontrolada, saboreava aquele momento, dizendo-lhe que a Inteligência sobreviveria a todos, graças à sua engenhosidade e superioridade.
- - - - -Ela sempre mantivera a certeza de que o que trouxera o Viajante a seu Mundo era algum tipo de dispositivo temporal. Sempre desconfiara de sua história. Agora rumavam para um local próximo, escondido no subsolo, que a protegeria do impacto. Ali, a Inteligência descobriria os segredos de sua máquina, voltando no tempo, para mudar o curso dos acontecimentos, impedindo que acordasse os Antigos.
- - - - -Estas palavras o deixaram desesperado, pois sabia dos riscos de se alterar os eventos e não lhe agradava a idéia de que a Entidade pudesse voltar a escravizar os habitantes da Torre ou quem sabe, de alguma outra época da história, talvez até da sua. Naquele momento com a vida por um fio, sabia exatamente o perigo que isto significava e estava disposto a qualquer medida extrema e assim, deu um impulso e agarrou as pernas da Mulher.
- - - - -Aquela figura sinistra segurando aquele receptáculo num dos braços, e com a arma na outra, depois do movimento inesperado do Viajante, decidiu disparar a rajada de misericórdia no seu rosto. Ele ficou indeciso, sem saber se arriscava a puxá-la ou não. Como todo mortal, imaginou ter chegado sua hora e a única coisa sensata a fazer, era resignar-se, puxando-a consigo numa queda mortal, matando os dois e destruindo a esfera. Pelo menos na morte faria um último favor à humanidade.
- - - - -Pareceu-lhe uma eternidade vê-la mirar na sua direção, com um sorriso na face. Para sua surpresa, quando se preparava para dar o impulso ao corpo para arrastá-la, um jato de energia, atravessou seu tórax e o rosto se transformou numa expressão de dor. Não teve mais forças para segurar a esfera, que com horror, viu precipitar-se para o chão, pondo um fim àquela força malévola. Depois, sem vida, tombou para frente, despencando no vazio, no mesmo tempo em que o Viajante, com outro impulso se agarrava à borda da carruagem outra vez.
- - - - -Weena, a Eloi, que tantas vezes salvara da morte, agora resgatava a sua. Num ato inusitado, salvara a vida do Viajante, pegando a arma de Yla e sem saber manipulá-la, a apontara nas costas da mulher, disparando uma rajada fatal.
- - - - -O Viajante agora ajudado pelo outro Soldado, que estava sob a mira de Weena voltou para dentro da carruagem e pulou na direção do Condutor, que nesta altura ainda segurava sua arma, escondida de suas vistas. Quando ele se virou na sua direção e ergueu a arma, uma rajada, partindo de Yla, que recobrara a consciência e tomara a arma de Weena, o pôs fora de ação.
- - - - -Assim que desmaiou, vergou-se sobre os controles, e a carruagem começou a descer, desgovernada. A inclinação súbita fez os dois perderem o equilíbrio mais uma vez. O Viajante foi jogado contra o corpo do Condutor e o outro Soldado, não teve muita sorte. Rolou por cima dele, e foi jogado para fora da carruagem, com uma expressão de puro horror.
- - - - -Afoitamente, o Explorador afastou o corpo do Piloto dos controles e os assumiu, procurando lembrar-se do que aprendera na Torre. Suas manobras desajeitadas balançaram perigosamente a máquina suspensa. Se caísse, daquela altura, não haveria mais um futuro e muito menos um passado. Com a ajuda de Lyoman, que se pôs à frente dele, apoiando-o, conseguiram aprumá-la.
- - - - -O que eles não sabiam, era que aquela troca de disparos tinha atingido as bacias que projetavam as colunas de atração. Elas tremeluziram, dando sinais de que começavam a falhar, fazendo a máquina inclinar-se perigosamente. Sua única saída era descer o mais rápido possível até o solo, antes que elas se apagassem.
- - - - -Ele fez isso com a maior velocidade que podia imprimir e quando estava a pouca distância do solo, a luz cintilante de duas colunas cessaram por completo, deixando a máquina suspensa por uma só. Suando frio, ele conseguiu aproximar-se a pouca distância do chão, evitando o quanto podia, pequenas moitas e arvoredos. Quando viu à frente um pequeno campo, apertou todos os botões, fazendo o último facho que sustentava a máquina apagar-se, soltando-a em cima da vegetação macia, que absorveu a pequena queda.
- - - - -Mesmo assim ele não conseguia desligar a carruagem e com a falta da prática, executou uma manobra errada inclinando-a num ângulo muito agudo. Ela estrepitosamente sulcou o solo, arrastando consigo muita terra e um emaranhado de folhas e ramos arrancados. Num ato puramente instintivo, pulou e rolou pelo chão, enquanto a carruagem continuava seu percurso inercial, só parando, quando foi barrada por um rochedo próximo.
- - - - -Cansado pelo tremendo esforço físico e com o corpo todo dolorido, com muito custo conseguiu se levantar. Esfregou as mãos sobre si, tentando retirar a poeira e os restos de plantas presos ao traje. Ao fazer isso, ficou espantado com o estado em que se encontrava. Sua indumentária estava rasgada em muitos pontos, revelando toda sorte de escoriações. Apesar da dor e da calosidade na cabeça, não sentiu nenhum membro quebrado. Para ele, era o suficiente. Satisfeito, voltou sua atenção para a Máquina.
- - - - -Correu na sua direção ansioso, temendo o que ia encontrar. Afoitamente, como é comum em situações de extremo perigo, conseguiu colocá-la na posição correta e a circulou, tocando aqui e ali, para ver se havia alguma parte quebrada. Após esta breve vistoria, ficou mais tranqüilo. Aparentemente não sofrera nenhum dano.
- - - - -Nesse ínterim, Lyoman desceu a carruagem, pousando-a ao seu lado. Ele ajudou Yla a descer da carruagem, prestando a mesma gentileza a Weena. Depois, sentaram-se todos no chão, incrédulos por terem sobrevivido a tantas acrobacias aéreas.
- - - - -O Viajante caminhou até eles e verificou as condições físicas de todos. Com exceção do pequeno ferimento da Eleita, atingida de raspão, não tinham sofrido maiores danos, além dos sustos ocorridos na perseguição.
- - - - -Ele olhou para o céu e viu que as carruagens continuavam saindo da Torre, cruzando o ar, às dezenas. Sem um controle para coordenar seus movimentos, assistiu algumas colisões, sem nada poder fazer por seus ocupantes. À sua frente, estendiam-se pedaços do aparelho caído. Lembrou-se do Condutor ferido e correu até a massa retorcida no rochedo. Para sua tristeza, ele quebrara o pescoço no impacto.
- - - - -Não lhe agradava a idéia de causar qualquer sofrimento e entristeceu com tantas mortes. Mas não poderia ser de outra maneira. Os falsos Antigos tinham corrompido muitas mentes e agradecia ter encontrado, figuras como Yla e Lyoman. Seus oponentes tinham morrido por nada, ou assim pensava. Esta mente coletiva parecia saber sobreviver e lamentou, não dispor de mais tempo, para examinar o que restara da esfera, para ter certeza de que não oferecia mais perigo. No momento, a sua preocupação maior, era retirar todos dali, antes da eclosão do cataclismo, que geraria a tremenda onda de choque que sentira da primeira vez e que nunca deveria ter parado para investigar.

Capítulo 31 – O minuto mais longo.

- - - - -Ele fez sinais, para que os três se dirigissem na direção da máquina, indo logo atrás. No meio do caminho, retirou da carruagem pousada por Lyoman, sua mochila. Abriu-a e com todo o cuidado, desembrulhou o lenço que envolvia a frágil barra de cristal. Examinou-a em detalhes, suspirando de alívio por vê-la intacta, apesar dos solavancos que havia sofrido nas alturas, ou assim lhe pareceu à primeira vista.
- - - - -Com ela na mão, deixou por instantes a mochila no carro, com a idéia de pegá-la depois. O mais importante era testar a Máquina. Assim correu para onde estavam os três, à sua espera.
- - - - -Todos ficaram olhando enquanto ele, delicadamente, a fixava no painel. Depois fez todos subirem. Ajeitando-se o melhor que podia e pressionou a barra. Ela ativou imediatamente o painel de datas. De imediato, ele começou a movimentar-se, assinalando 10:39 horas, do dia 14 de março de 649.949. Ele tinha apenas de um a dois minutos para se deslocar no espaço-tempo, colocando-se a salvos.
- - - - -De repente, o painel apagou-se, mesmo com a barra fixada. O suor começou a descer pelo seu rosto. Isto nunca acontecera antes. Para complicar a situação, todos se voltaram para o céu, quando uma labareda cruzou o céu. Espantados, viram uma enorme bola de fogo despencando em cima da Torre. Assim que colidisse, a energia chegaria até o solo, provocando tremores violentos. No ar, uma onda de choque que se estenderia por uma área muito grande, derrubaria tudo à sua frente. Pelo menos a Esfinge e o Palácio agüentariam o impacto, graças ao dispositivo instalado pelos Antigos.
- - - - -Ou voltavam para ela, para tentar se salvarem, ficando presos naquela época para sempre, ou tentava fazer a Máquina funcionar a qualquer preço. Passou a mão pelo rosto úmido amaldiçoando a má sorte. Voltou várias vezes a barra de cristal, à posição inicial, numa tentativa desesperada de fazê-la funcionar, sem muito sucesso.
- - - - -Weena e o pequeno casal se abraçaram, assustados com aquela visão apocalíptica, enquanto o Viajante procurou manter o sangue-frio. Ele retirou a barra e a olhou à procura de algum defeito. Sentiu um frio no estomago, quando notou uma leve trinca, que na pressa não notara anteriormente. Estavam todos condenados. A única chance era a de correrem para a Esfinge, em busca de proteção. Mesmo que quisesse, não conseguiria arrastar a Máquina a tempo, para dentro dela, devido ao peso. Resignou-se com a destruição dela, sabendo que pelo menos, Weena e o casal poderiam se salvar. Mas ficariam presos para sempre naquele Mundo.
- - - - -Já estava quase fazendo isso quando, para a surpresa de todos, uma segunda Máquina do Tempo se materializou ao seu lado. No assento estava um jovem, que imediatamente pulou, trazendo consigo uma outra barra.
- - - - -De repente todos tiveram que proteger os olhos de uma luz fortíssima. Assim que ela desapareceu, ouviram um estrondo pavoroso. Em seguida notaram a formação de uma grossa parede negra que corria velozmente em todas as direções, enquanto o solo começava a vibrar.
- - - - -Sem entender quem era aquele jovem, que estava salvando a vida de todos, não hesitou. Com as mãos trêmulas, retirou a barra danificada, e rapidamente fixou a outra, enquanto o rapaz, sem lhe dizer uma única palavra, voltava para a sua Máquina e desaparecia.
- - - - -Respirou fundo, fechou os olhos e a pressionou delicadamente, respirando aliviado quando o painel voltou a funcionar. Eram 10:40.
- - - - -Levou alguns segundos, para o prato cronotrônico começar a se movimentar, permitindo que pudessem se deslocar pelo tempo. Mas ainda não era o rápido suficiente para se afastarem, para as novas coordenadas, inseridas pelo Viajante. A morosidade na partida, ainda os fez sentiram o tremor de terra provocado pelo impacto. Viram também, os efeitos da onda de choque, que ao viajar velozmente, revolvia tudo à sua passagem, aproximando-se do ponto onde estavam. Apesar da bolha temporal, ela conseguiu alcançá-los, turvando todo o ar ao redor, sacudindo bastante a Máquina.
- - - - -A catástrofe pusera fim a mais uma civilização. Lyoman e Yla se abraçaram, impotentes, enquanto o marcador pulava para 10:41, 10:50, cada vez mais rápido, até se transformar numa mancha impossível de se ler, afastando-os do perigo.
- - - - -Foi quando se lembrou da mochila, de seus livros e da máquina com as fotos. Esquecera-a no chão e provavelmente fora pulverizada com a onda de choque. Mais uma vez, retornaria ao passado sem provas do que vira.
- - - - -Resignado, ele controlou o seu Engenho e fez uma viagem mais suave para o futuro. Não podia trazer os novos amigos para o seu tempo e nem para o deles. Com tristeza despediu-se dos dois, um século depois da catástrofe, acompanhando-os até os restos retorcidos da Torre, que se espalhavam por uma vasta região. A Esfinge sobrevivera à hecatombe, graças a algum dispositivo de proteção que a envolvera. Mas o que quer que fosse, já não surtia mais efeito, e já começava a dar sinais de desgaste.
- - - - -Quanto à outrora imponente construção de ébano, um olhar mais atento permitiu ver que grande parte espalhara-se em milhares de pedaços retorcidos por uma grande área. Muito já estava começando a ser coberta pela vegetação, demonstrando que mais uma vez a natureza retomava o seu espaço. Ali medraria uma enorme selva, território de caçada dos futuros Morlocks.
- - - - -Um grupo de descendentes dos Pequenos receberam o casal com alegria, compartilhando seus parcos recursos. Viviam em míseras cabanas, construídas com os restos do que encontravam, da antiga Torre. A natureza retomara seu curso, e entre eles misturavam-se velhos e crianças. O que mais o deixou impressionado era o grau de regressão a que haviam chegado em tão pouco tempo. Sem poderem usar as máquinas dos antepassados, tinham regredido para uma vida mais simples e primitiva. Não viu nenhum sinal da outra espécie mais robusta. Mas através do pouco que conversaram, com aqueles habitantes, ficaram sabendo que o outro grupo, habitava o que restara dos subterrâneos, coexistindo, naquele tempo de forma pacífica. Estes trocavam os restos aproveitáveis de máquinas, ou pedaços do que interessavam aos Pequenos, por alimentos que os habitantes da superfície recolhiam.
- - - - -Pelo menos agora ele estava em paz com sua consciência. Dera aos dois pequenos Eleitos e ao filho, uma segunda chance. E quando os deixou ali, com os sobreviventes, não quis lhes dizer, que com o passar dos milênios a regressão seria tão intensa que os Eleitos da superfície se transformariam nos indefesos Elois e os Mantenedores, que habitavam os subterrâneos, nos odiados Morlocks. Por alguma razão, haveria no futuro uma ruptura neste sistema de troca, levando ao resultado que já conhecia. Era este o Mundo que ajudara criar.
- - - - -Ficou naquele local apenas por algumas horas e depois se despediu dos dois, abraçando-os. Talvez devesse voltar mais tarde, apenas alguns anos mais à frente deste futuro e tentar reconstruir com as duas espécies, um novo Mundo, bem diferente daquele que encontrara da primeira vez. Quem sabe, ainda teria a chance de evitar a origem dos Morlocks. Mas quando refletiu no que já causara, talvez só piorasse as coisas. Decidiu que o melhor a fazer era retornar e não interferir mais no fluxo dos acontecimentos. Mais uma tentativa de impedir isso poderia acelerar mais ainda o processo nesta direção, satisfazendo a trama do Tempo.

Capítulo 32 – Melancólica resignação.

- - - - -O Viajante procurou voltar o mais depressa que podia, sem passar de novo pelo desconforto dos dois tremores, que tanto haviam chamado sua atenção. Os outros frágeis cristais da máquina, após terem sofrido sucessivos golpes, começavam a apresentar defeitos, o que o deixou preocupado de ficar preso em alguma outra época. Eles necessitavam de um conserto urgente que não poderia fazer, a não ser em sua oficina. Apesar de coordenar o retorno para 1.900, o melhor que conseguiu da máquina, foi chegar em 1.908.
- - - - -Por sorte, chegaram no anoitecer daquele dia de outono, e fazia muito frio. Mas contrariamente à vez anterior, obviamente não voltou ao seu laboratório e sim à região ao norte de Londres, cobertas de colinas e bosques, devido ao que acontecera. Mas este detalhe não o desanimou. O retorno à sua época, ao conhecido, revigorou suas forças. Conseguiram arrastar a máquina para o interior dos restos de uma casa em ruínas, escondendo-a, provisoriamente, até poder resgatá-la.
- - - - -Depois, pediu ajuda a um cocheiro, que transportava mercadorias para a cidade. Apesar do espanto em vê-los naqueles trajes, foi bastante gentil, concordando em levá-los. No caminho, para não despertar muitas suspeitas, desculpou-se pela indumentária estranha, inventando a estória de que ele e a jovem pertenciam a uma sociedade praticante de vôos de balão. O feitio das suas roupas devia-se à precaução de proteger o corpo humano, da baixa pressão e do frio, existentes nas altas camadas da atmosfera. Infelizmente seu balão perdera altitude, caindo próximo de onde os encontrara.
- - - - -A viagem foi lenta e arrastou-se por quase duas horas, debaixo de uma chuva intermitente.
- - - - -Por fim, chegaram perto do seu destino, agradecendo a ajuda do bom homem. Como chovia muito, cruzou com poucas pessoas, o que os poupou de perguntas e olhares curiosos. Já estava pensando num bom banho e numa sopa feita pela senhora Watchers, quando se deparou com sua casa, às escuras, completamente vazia. Poderia ter-se arranjado sozinho, mas ficou com pena de Weena e decidiu procurar outro abrigo. Como morava perto da minha residência, decidiu fazer o restante do caminho a pé, sem se importar com a forte chuva. Depois de tudo que passara, era o menor dos incômodos.
- - - - -Só uma coisa o perturbava. O contato que tivera com um outro Viajante do tempo. Quem seria ele? E como soubera do momento exato para ajudá-lo? Este era um mistério que só muito tempo depois o Viajante conseguiria elucidar.
- - - - -- Isto é tudo? - perguntei-lhe.
- - - - -- Sim. – respondeu ele, levantando-se da mesa. Olhou para o horizonte, onde grossas nuvens cinzas começavam a avolumar-se, prenunciando talvez a prematura queda de neve daquele ano.
- - - - -Depois pegou o seu novo relógio, e começou a olhá-lo, pensativo. Demorou-se um pouco, observando o movimento dos ponteiros, como se ali residissem todas as respostas para os mistérios do tempo.
- - - - -- Não exatamente tudo.
- - - - -- Há muito mais coisas, então? – perguntei.
- - - - -Ele parou um pouco, e pesou bem o que ia dizer. – Não tenho mais vontade de conhecer o futuro. Até onde fui, tornou-se igual ao passado. Já sei agora, o que acontecerá.
- - - - -- Não era este seu objetivo, quando partiu da primeira vez?
- - - - -- Da primeira vez, sim. Da segunda vez, não.
- - - - -Os primeiros flocos de neve começaram a salpicar nossos rostos trazidos pelo vento. A manhã que se iniciara com um pouco de Sol transmutara para uma tarde cinzenta e triste, como se acompanhasse a mudança de humor do meu amigo.
- - - - -Mudamo-nos para a sala, e ficamos os dois, observando a neve cair. Weena acompanhou a senhora Marple, para ajudá-la na cozinha.
- - - - -- O que o incomoda? – perguntei-lhe.
- - - - -- Meu amigo. - disse ele – O que me incomoda é o fato de não ter conseguido mudar o futuro como o desejava.
- - - - -- Mas você não salvou Weena?
- - - - -- Sim. De fato foi a única coisa que consegui concretizar.
- - - - -- Já não é o suficiente?
- - - - -Ele levantou-se incomodado e foi até a lareira, apoiando-se numa de suas laterais.
- - - - -- Recorda-se de quando lhe falei, que me sentia culpado pela destruição da Cidade da Redoma?
- - - - -- Sim! Recordo-me sim! Mas já me explicaste que não foi culpa sua.
- - - - - - Entenda deste modo, - falou. – procurando reforçar seus argumentos com gestos. –Não fui o causador direto de tal evento, e sim, o maquinário dos Antigos, mas de qualquer forma, se não tivesse feito a viagem, tal coisa não teria acontecido. Meu único consolo é especular que no inicio da construção da Torre, eles não sabiam o que tinha acontecido. Mas com o passar dos milênios, tiveram muito tempo para refletir a respeito e chegaram à conclusão de que as máquinas de defesa que tinham construído eram as mesmas que tinham destruído sua cidade natal. Só não sabiam o por quê, ou o como.
- - - - -- Continue.
- - - - -- Pois bem. De fato eu iniciei as perturbações no seu sistema de transporte. Mas não com força suficiente. Assim, o porque deveria ter sido causado por uma força interna mais forte que a minha. E isto só ocorreu quando as duas partes criaram um túnel superposto, naquele momento único em que ativaram e desativaram os canhões das luas artificiais.
- - - - -Sabendo que isto um dia aconteceria, mesmo desconhecendo as razões exatas, nada podiam fazer para alterar este acontecimento, pois se o mudasse a Torre deixaria de existir. Mas pelo menos, tinham encontrado as causas da destruição da Cidade da Redoma. Só não poderiam prever, quando isto aconteceria e esperaram. Mas a espera foi tão longa, que acabaram por esquecê-la. E entre tantas prioridades, não passaram este conhecimento para a Inteligência que construíram. Foi só, nos últimos minutos de vida dentro da Esfinge, ao me verem, que se deram conta de que a espera havia terminado. Concluíram que seu passado estava ligado de forma intrínseca ao seu futuro, e que eu exercia papel importante na sua existência. Tinham plena consciência de que estavam forçosamente presos dentro de um ciclo eterno. Por isso, as palavras do último Antigo, que morrera nos braços de Lyoman.
- - - - --Entendo. Foi por isso que desistiu de retornar e mudar estes fatos?
- - - - --Exatamente. Se assim procedesse, impediria a construção da Torre e a partir dela, a destruição da cidade da Redoma. Então, a primeira também não seria destruída e os sobreviventes não teriam dado origem aos Elois e aos Morlocks, o que me agradaria bastante. Por outro lado, Weena, minha querida Weena, deixaria de existir.
- - - - -- E o que pretende fazer agora?
- - - - -Ele sentou-se, como se isto fosse o fim de nossa conversa. Pelo menos sobre esta viagem.
- - - - -- Ainda não sei. Tudo isto, que lhe contei, acontecerá muito, mas muito tempo mesmo no futuro. Quem sabe alguém mais sábio do que eu consiga domá-lo, não fracassando onde fracassei. Uma coisa é certa. Não pretendo mais viajar. Estou contente em ter salvado Weena.
- - - - -- Então vai desistir de explorar o tempo?
- - - - -- Sim e não. Pretendo mais aperfeiçoar minha máquina, no novo laboratório que pretendo construir. Mas viajar? Nunca mais meu amigo.
- - - - -- Então a visão do futuro, não correspondeu às suas expectativas?
- - - - -- Não. Nada vi ali, que já não tivesse visto no passado. Os mesmos dilemas, as mesmas destruições, os mesmos defeitos, apesar dos avanços das técnicas e dos aparelhos.
- - - - -Ele parou de falar e afastou-se um pouco do encosto, como se quisesse que aquela conversa ficasse só entre nós.
- - - - -- Quem era aquele jovem, que salvou minha vida?
- - - - -Olhei bem para ele. Poderia lhe responder um monte de coisas, mas nenhuma delas, com certeza o contentaria. Ao invés de tentar, apenas balancei a cabeça, negativamente.
- - - - -Weena retornou da cozinha, estendo-lhe a mão, no que ele correspondeu. Abraçaram-se e ficaram ali parados, na sala, observando a neve, enquanto eu, discretamente, me retirava para a biblioteca.
- - - - -Apesar de ter esquecido muito do que me contou, ao escrever estas linhas, tudo isto ficou no passado. E ainda me confundo com o uso correto destes termos, que possuem um valor muito relativo. Passado, presente, futuro, o que são afinal?
- - - - -Quando me dispus a escrever, pelo menos, esta parte, da minha perspectiva, já tinham transcorridos trinta anos desde que me narrara sua aventura. Se naquela tarde de outono, pudesse ter viajando pelo tempo, até os dias atuais, poderia ter respondido à sua última pergunta, sem pestanejar.
- - - - -Agora espero o retorno de seu filho, fruto do amor com Weena, que se lançou pelas sendas do tempo, com um duplo objetivo. Salvar o seu pai, levando-lhe uma nova barra de cristal e depois procurá-lo, após ter sido misteriosamente raptado do seu do laboratório, e levado para milhões de anos no futuro, sem sua Máquina do Tempo.

Fim da primeira parte.

RONALD RAHAL
r o r a h a l @ t e r r a . c o m . b r

Contos e Livros Virtuais
de Ficção CIENTÍFICA
e Ficção FANTÁSTICA