OS CRONONAUTAS
A Versão EXERIANA de
"A Máquina do Tempo" de H.G.Wells
CAPÍTULO XXV
A gravidade sumiu sob seus pés e enquanto George se mantinha ereto e inabalável, seus amigos ameaçavam rodopiar no ar.
Bem humorado, ele os puxou para baixo e a gravidade voltou apenas o suficiente para que eles se estabilizassem. Só então
puderam reparar no que estava a sua volta. Podiam ver o laboratório
através de um avanço temporal muito mais rápido do que o que já haviam experimentado antes. Em breve se viram em céu aberto,
numa luminosidade e cor constante. A mudança era rápida demais sequer para ser descrita e subitamente a velocidade do avanço
diminuiu, e quando menos esperavam, já estavam diante da época em que haviam visitado antes.
- Lá embaixo vivem os Eloi que conhecemos. - Disse George, e apontou uma clareira - E ali, vejam.
- Somos nós! - Disse Wells, empolgado. O sorriso de George confirmou, e então ele acrescentou. - Mas vamos
deixá-los em paz.
- Eles podem nos ver? - Perguntou Herbert, o balançar de cabeça de George o negou, e então a máquina voltou a
acelerar no tempo. Por breves instantes os amigos contemplaram desertos glaciais, mares infinitos e os enigmáticos
monolitos, que apareceram e sumiram tão rápido que uma leve distração teria impedido de serem vistos.
Subitamente, surgiu a cidade, quando a velocidade do avanço do tempo novamente diminuiu. - Olhem. - Apontou George,
e os amigos puderam ver a antiga máquina do tempo flutuando sobre um impressionante edifício dourado, quando de repente,
uma forma cristalina a envolveu. Uma pirâmide rodopiante que logo escureceu e sumiu.
- George! Por favor! Vá mais devagar! - Interrompeu Wells. - Queremos ver com mais calma estas maravilhas.
George assentiu, e admitiu. - Desculpem. É que estou mesmo empolgado para mostrar a vocês algo... Muito mais
maravilhoso.
- Não podemos mesmo voltar? - Insistiu o amigo, mas George fez uma expressão enigmática, como se dissesse que podiam,
mas não era tão simples. Porém, coisas ainda mais impressionantes fizeram os caronas esquecerem tudo o que tinham visto.
Sob um avanço temporal novamente vertiginoso, viram a cidade sumir e se transformar num imenso vale de canyons rochoso, e
depois novamente voltar a ser uma cidade, de aspecto completamente diferente.
Diversas trilhas luminosas sutis começaram a surgir no céu, e George explicou que eram as órbitas de imensas estações
espaciais que começaram a inundar o espaço como irmãs mais novas da Lua, que ainda era mais gigantesca do que a
que haviam presenciado no tempo dos Eloi.
Avançando mais lentamente, viram um novo tipo de estrutura. Poderia ser considerada uma cidade, não fosse o fato de
que mais parecia uma nova superfície para o planeta, totalmente lisa, de aparência metálica, que tomava uma área tão
grande que parecia infinita.
De fato, com a subida progressiva daquela estupenda máquina do tempo, todos podiam ver o planeta mais e mais do alto,
e notaram que aquela superfície, que então passou a ser salpicada com vários hemisférios cristalinos, parecia ter tomado
uma porcentagem do globo maior que a de um continente. Então, a superfície artificial foi inundada de formações aparentemente
naturais, como se montanhas, árvores, praias e rios tivessem sido construídos sob o interminável metal. Mais e mais
transformações ocorreram, algumas sutis, outras notáveis, mas George teve que chamar a atenção deles para o fato de que
o Sol ficava mais e mais alaranjado, até se tornar maior e avermelhado. Finalmente, a velocidade da viagem no tempo
reduziu ainda mais, até parar por completo, e eles ficaram a flutuar sob a imensa superfície do planeta, testemunhando um
imenso Sol brasil que avermelhava metade do hemisfério visível.
Um silêncio tomou conta de todos. O espetáculo era por demais arrebatador para ser maculado por qualquer palavra.
As estrelas cintilavam com incrível vivacidade. A Lua, mais gigantesca do que nunca, também estava parcialmente avermelhada,
e parcialmente branca, porque seu lado escuro estava repleto de luzes tanto na superfície, quanto flutuando em órbitas
fixas em seu entorno, como minúsculos sóis artificiais.
Diversos outros astros também se destacavam no espaço. Muito maiores que as estrelas, e pareciam mini luas, o que de fato
eram, porém artificiais. Algumas pareciam recém construídas, outras abandonadas, mas todas contribuíam para iluminar
mais a Terra, em geral com luzes claras que tornavam o lado escuro repleto de luminâncias misteriosas e magníficas.
Finalmente, George quebrou o silêncio.
- Estamos 4 bilhões de anos e meio de nosso... Tempo original, podemos assim dizer. A Terra agora tem o dobro da idade,
e o Sol começou a morrer. Os remanescentes da humanidade estariam totalmente extintos, não fosse pelas viagens no tempo.
A civilizações que vivem aqui, são tão, diferentes, que até hoje me são incompreensíveis. Eu realmente não devo mostrar
muito mais a vocês.
- E... Mas... Como vamos voltar, se não existe viagem ao passado? - Perguntou Herbert.
- Indo para o futuro. - Respondeu George. - Não existe viagem ao passado, porque não existe passado! Mas vai existir.
Iremos agora para o fim do Sol.
Então a nave acelerou ainda mais, e desta vez não mais estava presa ao planeta, pois a Terra pôde ser vista girando
a velocidade alucinante, enquanto todas as estrelas à volta se moviam suavemente devido ao movimento da nave do tempo
acompanhando o deslocamento da Terra em torno do Sol, que agora era o ponto de
referência, permanecia fixo à frente deles, porém crescendo, e avermelhando cada vez mais, até que subitamente,
passou a encolher, ficando mais e mais pálido. Por um momento, brilhou minúscula e intensamente, numa luz branca
que foi o prelúdio de seu derradeiro desaparecimento.
Então, uma a uma, as estrelas foram desaparecendo, e o universo ficando cada vez mais escuro. George anunciou que
mais de 30 bilhões de anos haviam transcorrido, e então, mergulhados na escuridão total, ficaram ofuscados quando
tudo se tornou branco e intenso, como numa explosão de luz.
CAPÍTULO XXVI
- Nós vimos o fim do universo. Não foi? - Perguntou Wells.
- Deste universo. - Respondeu George. - De um universo que não era mais o universo original onde nascemos.
- ...???... Como? - Fizeram os amigos.
- Nós nunca voltamos ao passado, meus amigos, porque é impossível. Observaram que quando viajamos ao futuro, pudemos
contemplar o avanço nitidamente, com nossos próprios olhos? Mas notaram que quando "voltamos ao passado", vimos apenas
um jorro de luz? É porque não voltamos, fomos ainda mais para o futuro, além do fim do universo de onde saímos, até
emergir num outro universo, totalmente, novo, mas que repetiu a quase totalidade dos eventos do nosso universo anterior.
Ao viajarmos para o que parecia ser o passado, fomos ainda mais para o futuro rumo a uma cópia de nosso universo antigo,
substituindo a porção dele que avançou para o futuro.
Não que os seus companheiros já não fossem capazes de tirar suas próprias conclusões, mas pareciam tão surpresos que
permaneceram em silêncio, esperando mais explicações.
- Estamos agora parados numa espécie de limiar entre dois universos, um que morreu, e um que acaba de nascer.
Não sei se um nasceu logo após o outro, ou se milhares de universos surgiram e morreram entre o de onde saímos, e o para
onde vamos entrar. Mas agora, é que usaremos todo o poderoso engenho desta máquina. Não para avançar rapidamente no
tempo, mas para conseguirmos avançar mais lentamente, e ver o que acontece.
Então a luz diminuiu, e o espaço foi preenchido por milhares de esferas luminosas de todas as cores. Por uns instantes,
eles pareciam voar desordenadamente por um caos de formas multicoloridas e disformes, sem qualquer ponto de referência,
até que novamente voltaram a ficar mais e mais esféricas.
De súbito, uma imensa nuvem foi diminuindo de tamanho e se condensando, até dar origem a um novo Sol em torno do qual
orbitavam planetas. Um destes novos planetas passou a ser o foco, e simplesmente atraía a nave do tempo violentamente,
até que adentraram sua atmosfera enquanto tudo mudava em velocidade impressionante.
Durante breves segundos puderam ver a Terra passar de uma massa incandescente avermelhada para um planeta cada vez mais
azul, até que a geografia, em nítido movimento sobre os mares, começasse a se parecer com a que todos estavam acostumados,
e conseguiram distinguir o continente em que viviam, sendo bruscamente atraídos para ele ao mesmo tempo que
viram uma cidade emergir nas selvas.
Finalmente, adentraram um prédio que mal acabara de aparecer, e estavam finalmente dentro do laboratório, que ainda
mudava numa velocidade suficientemente rápida para que pudessem ser notadas diversas transformações. O avanço no
tempo foi diminuindo bruscamente, e a imagem passada da nova máquina do tempo, surgindo no laboratório onde antes apenas
Herbert e Wells estavam, irrompeu de súbito, logo em seguida sumindo.
Então tudo parou, e haviam voltado ao ponto de partida. Ou assim parecia. E toda a viagem não parecera durar sequer um minuto.
- A energia despendida para conseguir frear esse avanço no tempo desde o surgimento do universo até este momento presente,
foi muitíssimo maior do que a usada para avançar daquele antigo presente para o fim daquele universo.
- Quer dizer então... Que nós não estamos no mesmo tempo de onde saímos? Que isto é um outro universo? Uma cópia
idêntica!? - Perguntava Wells, espantado. Herbert não tinha palavras, e deixava Wells falar por ele.
A nave se tornou mais transparente, e então todos se viram de novo do lado de fora.
- Não totalmente idêntica, mas praticamente, para ser quase impossível notar a diferença.
- Mas então... Você também não é o mesmo George que vimos partir para o futuro pela primeira vez!
- Difícil dizer... Não sou? É, de certa forma não.
- George... - Interveio Herbert. - Estamos muito confusos. Existe ou não viagem ao passado? Por que... Se é
assim, então dá no mesmo. Não é?
- Não. - Respondeu George. - Quero dizer... Literalmente não. O Universo de onde saí pela primeira vez, morreu
há trilhões de anos atrás, teve seu fim num colapso quântico da qual a ciência de meu tempo original nem desconfia.
Mas então, outro foi criado, uma cópia quase idêntica, a não ser em algumas partículas, e onde a similaridade
molecular atraiu a máquina do tempo pra preencher o espaço deixado pela outra máquina que partiu. Essa atração é uma forma do
universo compensar a matéria que se deslocou, e é tão forte que é quase impossível sair da linha do tempo original sem ser sugada
obrigatoriamente por ela. Isto é, pelo vácuo existencial do universo similar mais próximo.
Nós não viajamos ao passado Herbert, mas sim esperamos o universo se repetir e voltamos ao ponto de onde saímos.
- Mas essa repetição do universo... - Interveio Wells. - É o mito do Eterno Retorno!
- Mais ou menos, e é aí que entra o motivo pelo qual fui considerado o libertador do universo. Segundo aqueles Pesquisadores
do Tempo, o universo era determinista, se repetindo frequentemente, fazendo tudo acontecer novamente sempre e sempre.
Frederico da Prússia foi assassinato incontáveis vezes, os americanos explodiram a Bomba Atômica sobre Hiroshima
incontáveis vezes, e nós 3 nos conhecemos na universidade incontáveis vezes repetidamente, a cada vez que o universo era
destruído e recriado. Eu inventei a máquina do tempo incontáveis vezes, mas... O universo nunca foi absolutamente idêntico,
ele tinha variações sutis, imperceptíveis para qualquer um, durante incontáveis vezes minha máquina do tempo não funcionou,
até que após milhões, bilhões, talvez sextilhões de vezes, as sutis diferenças acumuladas permitiram uma variação
que fez a máquina funcionar. Vejam bem, embora tenham se repetido incontáveis, vezes, com o tempo, após milhares e milhares
de universos, vai havendo sutis e progressivas diferenças. Ninguém jamais notaria qualquer diferença entre um universo e o
próximo, talvez nem entre dois universos separados por milhares de outros, mas chega um ponto, trilhões, quatrilhões,
em que os universos separados por tal intervalo de tempo são diferentes. Só que essas diferenças nunca conseguiram causar
um aceleração na velocidade de variação, até que a viagem no tempo deu certo.
- E você quer dizer... Interrompeu Herbert. - Que ao inventar a máquina do tempo você quebrou esse determinismo?
- Esse quase determinismo. Sim! Após essa variação, os universos passaram a variar cada vez mais, e por isso os
Pesquisadores do Tempo acham que eu os libertei, que eu libertei todo o universo!
- Mas tem que haver um momento inicial! Um no qual você foi ao futuro pela primeira vez, e nunca mais voltou!
- Creio que sim Wells. Mas como ter certeza? Só sei que se pensarmos num universo cíclico, é como sair de um ponto x
em um, e voltar ao ponto x do próximo, então, é possível que no universo 1 eu tenha saído e nunca voltado, mas de
certa forma, no universo 2 eu apenas voltei. Nunca sai.
- Mas então teria que existir milhões de você por aí, milhões de universos!
- Creio que sim Herbert. Sempre desconfiei que a única explicação possível para a Viagem no Tempo para o passado era a
de que existissem infinitos universos paralelos. Só que eles não precisam ser exatamente paralelos, podem ser também
sequenciais.
- Mas continuam tendo que ser infinitos! - Finalizou Wells, como que inaugurando um breve descanso em silêncio,
logo em seguida interrompido por Herbert.
- Então... De destruidor da liberdade, de repente você se tornou o criador dela.
- É o que parece. Se o que os Discípulos do Tempo dizem é verdade, e não tenho motivos para achar que não seja...
O universo era praticamente determinista, e então a viagem no tempo destruiu esse determinismo. Existem infinitos
universos, mas não são paralelos, e assim, de certa forma, temos a possibilidade de viajar para qualquer um deles.
- Essa nova máquina do tempo... - Interveio Herbert e George logo respondeu. - Sim. É deles, ou melhor dizendo
foi construída por uma outra raça de viajantes do tempo, e estava em poder deles. Nem sei exatamente de quando são os
construtores originais. Ainda estou querendo descobrir.
- E você está tentando, não está George? Ou eu não me chamo Wells!
- Sim. Estou. Mas o universo é tão vasto, tão imenso, que cada vez que viajo me deparo com coisas ainda mais incríveis.
E não tenho mais medo de voltar ao passado.
- Então... - Iniciou Herbert. - Os temíveis paradoxos das viagens ao passado não são um problema.
- Por que não existem! Se não tenho como voltar a meu tempo original, então não tenho como alterar o meu passado, posso apenas
alterar o passado equivalente de um outro universo, o que não vai me afetar. Aliás isso nem faria sentido. Eu, cada um de nós,
é o resultado de uma história pessoal, qualquer mudança nessa história alteraria o que somos hoje. Individualmente, o passado
é imutável, porque nós o somos. Isto é, não podemos ser mudados por forças externas, temporais, por crononautas que violem nossa
história. Só nós mesmos, no presente, podemos mudar o que nós somos.
- Só nós mesmos... - Disse Wells. - Temos que mudar o que nós somos, não é George? Então não somos joguetes nas mãos de
forças transtemporais que a qualquer momento voltem ao passado e destruam nossa existência.
- E isso realmente é liberdade? - Perguntou Herbert, um tanto fleumático. E um notável silêncio produziu em cada um dos homens
uma série de rápidas reflexões, até que enfim, o mesmo Herbert continuou. - Será que isso faz tanta diferença? Você descobriu que
não existem múltiplos universos paralelos co-existindo ao mesmo tempo, mas... Existem em tempos diferentes. De qualquer forma, existem.
Assim, se você descobriu que o universo era determinista devido a estarmos presos em uma linha de tempo, mas então criou a máquina e
rompeu a linha, mas...
- Entendi. - Interrompeu Wells. - E se essa grande linha do tempo, que inclui as viagens, for determinada?
- E o que é ser livre afinal? - Concluiu George, um pouco desanimado, mas não exatamente surpreso. - E isso importa?
- Ocorre que eu... - Continuou o primeiro crononauta. - Realmente não sei. Podemos responder às grandes questões físicas,
mas não às grandes questões filosóficas. Se somos livres ou determinados, não parece possível descobrir. Mas não importa. Eu
prefiro ser livre. Por isso, eu escolho acreditar na liberdade!
- Ou você é determinado a acreditar. - Concluiu Herbert, com uma certa malícia em ser um estraga prazeres, mas George, tranquilamente,
apenas respondeu.
- O importante, é não ter medo.
CAPÍTULO XXVII
Após um tempo, os amigos caminharam pelo laboratório, e pelas "velhas" instalações onde antes vivia George, relembrando os momentos
passados. Entraram no quarto onde George, após seu primeiro "retorno do passado", moribundo, repousou antes de contar sua
impressionante aventura com os Eloi.
Apesar de toda a versatilidade da nova máquina do tempo, ainda era impossível voltar a um tempo anterior ao da primeira viagem. Assim,
teoricamente, George só poderia parar em 3.009, e após os períodos que começavam em 82.701, e terminava em seus retornos ao passado,
de modo que jamais poderia haver dois Georges no mesmo "local" temporal. Ele só poderia, então, retornar ao ano 82.708, visto que vivera
7 anos entre os Eloi, e depois partira para o futuro.
Dos anos 212.198, 607.910 e 8.000.000, que eram os pontos de parada de sua viagem posterior, não foram construídas as pontes temporais
que poderiam levá-lo ao passado, e deste novamente para o futuro. No entanto, a nova máquina do tempo permitia "ver" todos os instantes
ao longo da infinita e cíclica história do universo, embora sem garantir a possibilidade de realmente adentrar em cada época e interagir com
ela.
Então, como explicou o primeiro crononauta aos amigos, esse era seu novo projeto. Era preciso descobrir um modo de romper as últimas amarras
do tempo, que ainda impediam desfrutar uma perfeita liberdade transtemporal.
- E se bem conheço você... - Disse Wells. - Não descansará enquanto não descobrir um meio. Não é mesmo Herbert!
- Claro! - Respondeu o amigo. - Você vai nos deixar de novo George?
- Sim meus amigos. Infelizmente sim. Mas somente por algum tempo.
- Não podemos ir com você? Ou quem sabe, além de eu e Herbert, levar mais alguém?
- Por enquanto não. Vocês ainda não estão preparados. Testemunharam um dos maiores, talvez o maior, espetáculo que o universo pode
oferecer, mas por ainda não estarem prontos, vocês não mudaram. Não como eu.
- É... Olhando bem para você, temos que admitir isso. - Disse Herbert.
Voltaram para o laboratório, onde a nova e estupenda máquina do tempo, brilhava, imponente, mas ao mesmo tempo etérea, como se fosse
um sonho. Na mesa onde os amigos estavam quando foram surpreendidos pelo surgimento da máquina, ainda jazia a enigmática caixinha
cúbica.
- Eu devo partir novamente meus amigos. Eu tenho que estudar mais, contemplar mais, pensar mais. Depois que encontrei os Pesquisadores
do Tempo, eles me levaram para viajar com eles. Vi novas civilizações, formas completamente diferentes de pensar. Criaturas que jamais foram
sonhadas por qualquer autor de ficção científica. Máquinas que desafiam todas as leis não só da física, mas da própria lógica.
Bilhões de anos de evolução biológica e cultural, de mudanças cósmicas e reviravoltas caóticas. É muita coisa. É preciso tempo para se
acostumar com tudo isso, ou ao menos para conseguir se acalmar, e encarar as novas questões científicas que surgem, os novos desafios.
Ainda há muita coisa a pesquisar, a investigar. E nós o faremos juntos, se quiserem, mas eu tenho que dar tempo a vocês. É preciso,
sobretudo, de mais tempo de vida, para que possamos viajar por intermináveis séculos da perpetuidade. Quanto a saber o que é nossa
existência, se somos livres ou não, isso é um outro desafio que não ouso agora tentar reapresentar a vocês, pois bilhões de anos
de pensamento podem não ter eliminado grandes questões universais, mas há muita coisa que tem que ser reconsiderada.
Que importa se tudo é um eterno retorno, um ciclo infinito de existências repetindo o mesmo drama? E se mesmo eu, após morrer,
pois não sou imortal, viver tudo isso novamente? Será isso um problema? Não gostamos de, por vezes, rever o mesmo filme, ou ler o
mesmo livro mesmo sabendo o que acontecerá?
E se não for assim? E se for como um jogo interativo, onde cada vez que jogamos, as coisas são diferentes? O que devemos esperar?
E sobretudo, porque devemos nos inquietar com o que quer que seja? Por isso digo novamente, é preciso não ter medo, e não falo desse
sentimento mais comum ao qual qualquer ser humano, de qualquer época, está acostumado. Falo de um temor mais sutil, do desconhecido.
De descobrirmos coisas que vão contra nossas convicções.
Um certo autor disse, uma vez, que a mais intensa sensação é o medo do desconhecido. Mas eu não tenho certeza disso. Penso que não
tememos exatamente o desconhecido, pois este nada pode nos fazer sentir. O que tememos é o que já conhecemos, e que curiosamente
projetamos no vazio que é o desconhecido, por algum tipo de mau hábito. É preciso se desvencilhar das estranhas expectativas que
lançamos ao futuro, toda vez que sentimos a força do desconhecido. Pois só se livrando deste temor, poderemos encarar com firmeza
e esperança o incognoscível. O que não pode ser conhecido.
Eu devo partir agora, mas deixo aquilo com vocês. Ali, em cima da mesa. É um pequeno presente. Uma breve introdução à tudo o que vocês,
se quiserem, poderão passar em nossas futuras aventuras para o futuro.
Não tenham medo. E nunca percam a esperança.
Até logo, meus amigos.
E então, George desapareceu para o interior da máquina do tempo, que desvaneceu subitamente, como se jamais tivesse existido, deixando
para trás o laboratório, num presente pacato, que parecia jamais ser capaz de perspectivar as maravilhas das épocas vindouras.
Herbert e Wells se entreolharam, e não precisaram dizer nada. Muitas questões haviam ficado sem resposta, mas eles esperariam.
Voltaram para a mesa e se depararam com a pequena e graciosa caixa. Respiraram fundo e esperaram alguns instantes, como numa silenciosa
reverência.
Então Herbert a pegou, e a pôs nas mãos do amigo, que após alguma hesitação teve coragem de abrí-la. E mesmo antes que o fizesse
totalmente, a incipiente luminosidade violácea e um aroma indescritivelmente maravilhoso denunciaram o que seria.
Era o presente de George. O mesmo que ele recebera dos Pesquisadores do Tempo. E na verdade eram duas. Iriam aquelas exóticas maravilhas
lhes dar a quase imortalidade? Eram meras drogas, capazes de lhes dar imediatamente sensação de paz e receptividade? Ou meras
e justas correções de uma natureza imprevisível, que finalmente recompensava bilhões de anos de mutações caóticas e evolução tortuosa?
E ficaram ali, contemplando em suas mãos aquelas exóticas flores do futuro.
Marcus Valerio XR
22 de Fevereiro de 2007
Contos de FC & FF
Em tempo...
Muito obrigado a você, leitor, que me acompanhou até aqui. Demorei ao todo 6 meses para concluir a publicação deste texto, e ao menos uns dois anos,
creio eu, para escrevê-lo. Tendo-o começado há tempos, abandonado-o durante outros tempos, e finalmente me decidindo a finalizá-lo. Quero
frisar antes de tudo minha admiração pelo grande H.G.Wells e suas idéias à frente de seu tempo, e gosto de pensar que os mais detalhistas
vão perceber que o livro original termina de forma similar, se referindo a flores do futuro. Também quero pedir desculpas a todos aqueles
que tiveram que esperar, alguns ansiosamente, para ver o final desta estória. Um período de um semestre desde a publicação dos primeiros capítulos
até este capítulo final. Quero dedicar especial agradecimento aos amigos Eduardo Ismael Sampaio Martins de Barros e
Jurandir de Jesus Ferreira, pelo incentivo e paciência.
Marcus Valerio XR
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