OS CRONONAUTAS
A Versão EXERIANA de
"A Máquina do Tempo" de H.G.Wells
CAPÍTULO XXII
Escolhi uma noite de lua nova para partir. Um cenário menos belo facilitaria minha saída de um lugar tão
maravilhoso. Estar de novo dentro da máquina, após tanto tempo, para novamente desafiar as linhas ou malhas do destino
foi, naquele momento, uma sensação mais forte do que eu esperava. Vi meus amigos sumirem, e o Sol nascer e se por
quase instantaneamente. Via a Lua passar seguidamente pelo céu se tornando cheia, e novamente esvaziando, cada vez mais
rápido, até que enfim, atingi aquele estado de luminosidade constante cortado por duas linhas luminosas, as trajetórias
do Sol e da Lua, variando sutilmente ao longo do horizonte.
Vi então a floresta rarear, num claro sinal de desmatamento, e no crescimento rápido da civilização dos Eloi. Embora já
estivesse avançando a cerca de 3 dias por segundo, me parecia que aquela nova cidade crescia com tranquilidade, conservando
boa parte da floresta, e de fato se harmonizando a ela num belo exemplo de simbiose urbano florestal. No entanto, quando
cheguei a cerca de 80 anos no futuro, um clarão alaranjado intenso varreu tudo. Um incêndio destruiu totalmente
floresta e cidade, que no entanto, aos poucos, foi crescendo de novo, mais devagar, até que em menos de 10 anos se recuperou
totalmente.
Mesmo isso não durou muito tempo, quase um século mais adiante outro clarão devastou tudo, ainda mais dramaticamente, e desta
vez não houve recuperação. A paisagem se tornou um deserto lunar, tristonho e abandonado, até que, quase no ano 90 mil,
tudo congelou.
Uma brancura acizentada insuportável tomou conta do cenário. Sol e Lua não eram mais visíveis naquele imenso universo branco.
Acelerei então a viagem no tempo, entediado daquela monotonia visual, e quase 20 mil anos depois todo o gelo deu lugar a
uma planície desértica, que foi se transformando lentamente numa sequência de cânions interminável. Sobrevoei aquele
espetacular cenário por mais de 50 mil anos, até que de repente ele começou a baixar, como se fosse mais e mais desgastado
pela erosão.
Uma súbita e brevíssima escuridão, que deve ter demorado algumas décadas, fez a transição para uma nova transformação.
Agora tudo era oceano, mar interminável, em todas as direções. Subindo vertiginosamente, a uma razão de, supus, um metro
por século. Agora Sol e Lua eram não somente visíveis, como o eram duplamente, visto que refletiam radiantes no espelho
de água.
Eu já havia passado do ano 150 mil quando a água começou a baixar ainda mais rapidamente, revelando então um arquipélago
que resistiu com belas variações por 10 mil anos, até ser novamente tragado pelas águas.
Veio então outra era glacial, que solidificou o oceano, e se extendeu por uns 30 mil anos interrompida brevemente por
estranhas luminâncias vermelhas. Até que os mares imperaram novamente ante um novo fulgor do Sol.
Então, repentinamente, algo extraordinário começou a acontecer. Surgiam lentamente, e em toda parte, imensos blocos escuros.
Como prédios que nascessem das águas, porém opacos, sólidos e simples, em forma homogêna e paralelepipédica.
Diminuí o avanço no tempo para observar melhor, e os vi subindo mais lentamente. Eram rápidos demais para ser um
fenômeno natural, e lentos demais para qualquer propósito prático concebível. Além de que sua forma não sugeriria nada
mais do que um topo plano e quadrado de centenas de metros para apoio ou pouso, no que se referia a um uso pensável.
Os mares estavam agora repletos daqueles monolitos sólidos, até que notei também algumas formações rochosas irregulares,
mas de cor e aparência que sugeriam ser do mesmo material, que circundavam a parte de baixo dos paralelepípedos, onde
tocavam na água.
Notei também, mais e mais, vultos luminosos em pontos distintos, e a curiosidade me venceu. Eu tinha que pousar e observar
melhor tudo aquilo. Fui reduzindo a velocidade de avanço no tempo até estar a meros dois dias por segundo, onde tudo
jazia quieto. Reduzi mais, e pude notar variações sensíveis de dias e noites, até que, posicionando a máquina do tempo
sobre o topo de um dos monolitos mais altos, estacionei e desativei o avanço temporal.
A primeira coisa que me chamou a atenção foi o som do vento, que dava um tom lúgubre e solitário ao lugar. Ativei o
rastreador de rádio, e nada captei, mas não por que nada houvesse a captar, pensei eu, e sim porque parecia haver algum
tipo de forte interferência.
Os sensores indicavam atmosfera respirável, mas pressão muito alta. Mesmo assim, fui aos poucos deixando aquele ar,
com forte cheio de maresia, entrar. Protegi meus ouvidos e nariz com uma máscara que havia desenvolvido há algum tempo.
E fiz alguns testes bacteriológicos e químicos bem simples, apenas para garantir que não seria supreendido por algo
fácil de se evitar.
Ainda assim o risco era muito grande, mas nada poderia deter minha curiosidade. Saí da máquina com cuidado, como se não
quisesse chamar a atenção! Notando os fortes ventos, que poderiam me derrubar quando eu estivesse na beirada, tomei a
precaução de amarrar um corda em minha cintura e prendê-la na máquina do tempo, e com cuidado fui me afastando rumo à
borda do monolito.
Além do silêncio e do vento, chamava a atenção também a total ausência de animais. Por que um local como aquele, aparentemente
abandonado a julgar pela poeira que se acumulava ao chão, parecia estéril de vida?
O Sol se aproximava do horizonte, e ardia com luz intensa mas pouco quente. Fui pouco a pouco me aproximando da borda,
checando excessivamente a segurança da corda, pois uma rajada brusca de vento já me supreendera. Finalmente cheguei.
Me abaixei e pude contemplar o mar a mais de 100m abaixo, se chocando contra as rochas que, fixas às paredes baixas do
incrivelmente reto e liso monolito, geravam quebradeiras de água produzindo espuma.
Parecia ainda mais evidente que aqueles imensos paralelepípedos, de base perfeitamente quadrangular, haviam sido
costruídos com aquelas rochas, mesmo assim o modo como isso teria sido feito era assustadoramente misterioso.
Acabei me sentando na beirada, com as pernas cruzadas mantendo ainda uns 2m de margem de segurança, e pus-me a apreciar
o belo cenário.
Era o ano 212.198, e
havia algo de relaxante naquele lugar, por mais estranho que fosse. Nuvens distantes pareciam acolhedoras, o mar calmo
refletia tranquilamente a luz solar, e aqueles imensos monolitos, espalhados por toda parte cerca de 1km uns dos
outros, desafiavam minha imaginação. Que espécie de civilização construiria aquilo? Chegou a me ocorrer que tudo parecia
mais uma obra monumental de um colossal e muito poderoso artista plástico de estilo geométrico e abstrato.
Não se pareciam com prédios, pois eram maciços e sólidos. A total ausência de marcas visíveis e estruturas mais elaboradas
desaprovava a idéia de que fosse um tipo de aeroporto, e a ausência de vida mostrava não ser um viveiro.
Perdido nestes pensamentos, vi o horizonte se avermelhar e o Sol se por. E quando já estava escuro, finalmente decidi me
levantar, de súbito, como se tivesse saído de um transe.
De repente, uma rajada violenta de vento me surpreendeu e me lançou no abismo. O susto foi exponenciado pelo súbito detimento
da queda, quando a corda retesou e me jogou contra a parede, a uns 3m abaixo da borda. Agarrado firmemente à corda, o som
das águas se chocando contra as rochas pareceu, de repente, se tornar ensurdercedor, ao menos até que outra corrente
fortíssima de vento se tornasse um constante açoite.
Mesmo assim, consegui ir escalando de volta, por as mãos na borda e me projetar para cima. Mas assim que rolei olhando
para as estrelas que despontavam, um susto ainda maior me aguardava. Havia um estranho objeto flutuando em minha direção.
Lenta, mas ameaçadoramente. Era como uma esfera metálica escura, com diversas pequeninas luzes brancas em sua circunferência
vertical. Me levantei e me afastei bastante da borda, afim de não ser derrubado de novo pelo vento, e então as antes
discretas luzes aumentaram de intensidade como se uma estrela explodisse.
Holofotes terrivelmente ofuscantes clarearam tudo, e fui tomado de um repentino e inexplicável pânico. Corri de volta para
a nave, entrei e me tranquei, enquanto a estranha coisa se aproximava, focando suas luzes na máquina. Ativei o avanço
temporal e vi a coisa acelerar em minha direção até que passou como um borrão e sumiu, e o dia amanheceu.
O avanço no tempo, embora lento, me colocava em segurança, e pude ver surgirem diversas outras luzes que esquadrinharam
todo o local dos monolitos por dias seguidos. Então, ainda me questionando se havia mesmo motivos para tanto medo,
acelerei ainda mais o avanço no tempo, e logo estava novamente cruzando séculos em poucos minutos.
Na ocasião, nem me apercebi o quanto aquele incidente se assemelhava ao que que ocorrera no ano de 3009, e meio entorpecido
pelos acontecimentos, olhava com desinteresse a tediosa constância daqueles mesmos monolitos ao longo dos séculos, embora
a velocidade do avanço temporal, agora, me impedisse de perceber qualquer detalhe significativo. Eventos de semanas de
duração me passariam desapercebidos, mas evidentemente não pude deixar de perceber quando os imensos blocos repentinamente
sumiram, total e completamente.
Logo em seguida o mar subiu novamente, e depois, subitamente, congelou, e aquela era glacial perdurou por no mínimo uns 40
mil anos. Por volta do ano 400 mil, algo muito estranho aconteceu ao planeta, e imensas nuvens escuras cobriram todo
o céu abrigando imensas tempestades aparentemente constantes, que açoitaram os mares por milhares de anos.
De súbito o céu se abriu, o mar ficou novamente calmo. Cem mil anos de calmaria, até que, então, surgiu terra novamente,
e florestas vertiginosas cobriram todas as direções até começarem a rarear.
Não demorei a perceber que o padrão que surgia rapidamente sob mim era produto de inteligência, e decidi diminuir o avanço
temporal.
Foi espantoso, o que vi superava todas as minhas expectativas. Uma colossal civilização surgiu, com prédios gigantescos
e belíssimos. Megalópoles se sucederam e antes que eu pudesse deter mais o avanço temporal, a cidade, por uns momentos,
ficou mais baixa, mas logo em seguida se expandiu de novo.
Havia acabado de cruzar o ano 607.910, e avançava a menos de um dia por segundo, e fui reduzindo cada vez mais.
De modo inesperado, um alto prédio surgiu abaixo de mim, com ampla área para pouso, e tomado por uma súbita euforia, talvez
como compensação pelo meu pânico anterior, detive a máquina do tempo, pousando sobre aquele edifício de uma cidade magnífica.
CAPÍTULO XXIII
Foi como adentrar num sonho juvenil. A cidade que se descortinava à minha volta fazia jus à imaginação dos futuristas
de nosso tempo. Era como a Coruscant de George Lucas. Uma ultra megalópole com prédios quilométricos, interminável
para todos os lados, nas mais diversas cores, embora houvesse uma notável predominânica do dourado tanto no metal dos
prédios como em diversas luzes, algumas das quais varriam o céu em feixes radiantes.
Passarelas infinitas ligavam os prédios, e diversas pessoas caminhavam sobre elas. Veículos voadores de diversos tamanhos,
formas e cores, enfeitavam o céu voando de modo aparentemente desordenado e caótico, ao invés de em filas regulares, como
nossas noções de trânsito terrestre nos levariam a pensar. Aquela cidade certamente poderia abrigar centenas de milhões
de pessoas, talvez até mesmo um bilhão, no entanto, eu notava que a quantidade de pessoas por área não era tão grande
quanto a que estamos acostumados em cidades do nosso tempo. Talvez aquela civilização tivesse aprendido os benefícios
de uma baixa densidade populacional.
Por todo o horizonte, o céu era violáceo, escurecendo rumo ao zênite, deixando entrevar inúmeras e pequeninas estrelas
que se confundiam com miríades de corpos celestes móveis. Possivelmente veículos aéreos em grande altitudes, e, ou,
satélites, estações e naves espaciais. No entanto era noite, não havia sinal do Sol, mas o céu parecia claro, como se
atmosfera circundante tivesse alguma luminosidade própria perceptível homogeneamente à grandes distâncias.
Talvez uma versão monocromática e calma de aurora boreal.
O local onde eu estava jazia certamente a mais de um km de altura, deduzi isso ainda que me fosse possível distinguir o solo,
visto que parecia haver cidades em cima de cidades, num sistema de plataformas que sugeria vários andares de solo.
Não demorou para que pessoas, pois assim me pareciam, começassem a se aproximar. Eu estava num terraço aberto, muito amplo
e livremente acessível. Não senti absolutamente medo algum. Pelo contrário, tive não somente uma impressão, mas uma certeza
de que não só seria bem recebido, como era de fato esperado. O curioso semblante daqueles humanóides que se aproximavam
denotavam isso.
Ao que tudo indicava, a humanidade havia tido sua estatura aumentada de novo. Aqueles seres tinham em média um tamanho pouco
inferior ao meu, e alguns eram de fato mais altos, e esbeltos. Podia considerá-los humanos, exóticos, mas humanos. Suas
feições, em alguns casos, eram muitíssimo finas, e sua pele em geral bronzeada ou amarelada, mas nada que não pudesse
passar como uma pessoa normal em nosso tempo, ainda que neste caso, certamente chamaria atenção.
Muitos eram bem magros, e eram ou totalmente calvos, ou possuidores de espalhafatosos cabelos de todas as formas e cores.
Não havia um meio termo. Suas roupas também eram bastante coloridas, contrastantes e em geral metalizadas. Usavam vestidos
longos, mas alguns tinham os braços nus, adornados por todo o tipo de acessório.
Não consegui distinguir os sexos, supondo que houvesse. Todos pareciam andróginos, graciosos mas firmes. Tinham expressões
que sugeriam curiosidade e fascínio, por meio de suas sobrancelhas muito finas, por vezes inexistentes, e dentes minúsculos
e por vezes ausentes. Os olhos também exibiam as mais variadas cores, e alguns tinham viseiras coloridas.
Alguns já estavam bem próximos de mim, quase à distância de um toque, e mais cantavam do que falavam. Parecia ser um tipo
de idioma que dava mais importância a entonação do que aos fonemas. Notei que certas melodias eram estruturais em suas
frases, e mais uma vez, sua androginia não era diminuída por suas vozes.
Eu estava prestes a dizer alguma coisa, quando, de repente, um tremor ocorreu. Pela expressão de espanto deles, seguramente
aquilo não era normal. Percebi que ocorrera somente em nosso prédio, pois os demais, ao longe, até onde eu podia ver,
pareciam normais, e as pessoas se mantinham calmas, o que já não ocorria onde eu estava. Muitos dos que haviam se aproximado
começaram a se afastar a medida em que mais tremores voltaram a ocorrer, com sons ameaçadores.
Então, a gravidade começou a falhar sob meus pés, tudo foi ficando mais leve, e aos poucos comecei a flutuar. Por sorte,
a maioria das pessoas à minha volta já estava fora do alcance daquele efeito, e outras pareciam habituadas a situações
como aquela, flutuando habilmente para longe. A máquina do tempo começou a flutuar também, e de repente algo começou a surgir,
abaixo de mim.
Lentamente, uma estrutura antes invisível foi se tornando transparente, e aumentado de opacidade. Era, a princípio, um grande
quadrado escuro, de aparência parte rochosa parte metálica. Então, a medida que ficava mais e mais opaco, quatro triângulos,
que dividiam sua base com os lados do quadrados, foram se erguendo. Era como uma pirâmida que se abre como uma flor,
girando seus triângulos para baixo como se fossem pétalas, só que, no caso, subiam, e ficavam cada vez mais escuras até
que, quando se fundiram no topo, estavam completamente opacas.
Embora a imponderabilidade persistisse, parecia haver uma atração magnética que passou a puxar a máquina do tempo para
baixo até tocar na chapa sólida. Eu também, graças a várias partes de metal que eu trazia no corpo, fui puxado e toquei
a lisa e morna superfície, e com isso consegui me arrastar até à máquina, que era agora a única fonte de luz.
Me senti num dilema, ativaria o avanço da máquina, gastando o pouco de energia que me restava? E se algo desse errado?
E se eu acabasse parando longe demais? Era muito desagradável a idéia de abandonar aquela cidade e me aventurar nos
duvidosos caminhos do futuro. Mas, por outro lado, seria sensato arriscar e ver no que afinal resultaria aquele fenômeno
que me envolvia?
Mal terminei de pensar isso e de repente notei que, mais uma vez flutuando solto dentro da pirâmide, esta começou a girar,
enquanto a máquina, comigo dentro, permanecia imóvel. A medida que a estrutura rodopiava ao redor da máquina do tempo, ia novamente,
se tornando transparente, até o ponto de ser novamente quase invisível ao mesmo tempo que já era impossível distinguir seus
vértices. Naquele momento, eu estava como que no interior de um cone de vidro.
Então percebi que avançar no tempo não me seria uma escolha, pois era exatamente o que acontecia. A máquina do tempo
continuava desativada, mas a cidade a minha volta se acelerou rapidamente, variando o tom do céu, cada vez mais rápido.
Muitíssimo mais rápido que o avanço normal de minha própria máquina.
Menos de um minuto depois toda a cidade desapareceu, restando um vasto horizonte desértico. Supus que já devíamos ter
avançado uns 50 mil anos. Bem além do que minha máquina ainda teria sido capaz! Ao que tudo indicava, eu estava sendo
sequestrado para o futuro, por uma tecnologia de viagem no tempo muitíssimo superior à minha.
A variação do cenário à minha volta se tornou tão rápida que em pouco tempo só restava uma mancha luminosa homogênea, que
foi ficando mais e mais vermelha. Eu não mais distinguia sequer céu e terra, estava num redemoinho luminoso vertiginoso.
Até que, de repente, uma luz branca intensa irrompeu, com um chiado eletrizante, e então, senti a gravidade voltar.
A máquina tocou num solo firme, e tudo se acalmou.
Quando minha visão se livrou da ofuscação, eu estava num cenário difícil de descrever. Era claro, com um chão
ligeiramente luminoso. Ao meu lado havia um pequeno "rio" artificial, geométrico e regular demais para ser natural.
Então notei que estava sob uma cúpula, hemisférica, geodésica, com faces triangulares, opacas mas claras e luminosas.
Era como um jardim dentro de uma estufa. Foi o que conclui quando, ao longe notei alguns estranhos vegetais. Então
mais ao longe ainda, percebi seres se aproximando. Humanóides. Não muito diferentes dos que eu havia acabado de
conhecer, e tão afáveis quanto. Porém, desta vez se vestiam de modo bem mais modesto. Eram todos calvos, com túnicas
acinzentadas com ligeiras luminâncias verdes, e mais altos.
Dominado por uma súbita e incompreensível tranquilidade. Saí da máquina, e calmamente fui ao encontro daquelas criaturas.
CAPÍTULO XXIV
George interrompeu a narração e se levantou, com o pequeno cubo nas mãos, convidando com gestos seus amigos a se
aproximarem mais da máquina.
- Eu seria muito injusto meus amigos, se negasse a vocês o que eu pude contemplar quando conheci os Discípulos do
Tempo. Eu não tenho registros de tudo o que contei até agora, porque não pude gravá-las, por uma série de motivos.
Mas... Essa última parte, embora eu tenha vontade de descrevê-la a vocês da mesma forma como fiz antes... Essa,
vocês merecem ver.
E antes que os amigos pudessem balbuciar alguma coisa, todo o cenário à volta deles mudou, e logo estavam no interior
de uma notável cúpula geodésica, similar à descrição de George. Similar porque, naturalmente, Herbert e Wells haviam
imaginado o cenário cada qual conforma sua própria versão.
Parecia que George ocultara os detalhes mais interessantes. Apesar de opaca, havia um pequeno raio de transparência na
cúpula, que descia do topo até a base, deixando entrever um enigmático céu de azul violeta sem paralelo. O pequeno
riacho que cortava todo o cenário era na verdade ladrilhado, com pequenas partes hexagonais dispostas de modo irregular
como numa imitação de um traçado natural, mas ao mesmo tempo sofrendo a interferência da intenção do projetista.
Tal como uma imagem digital de um cenário natural é, quando olhada de perto, flagrantemente reduzida a quadrados
ordenados.
A antiga máquina do tempo de George agora constrastava com a visão da surreal máquina com a qual o amigo irrompera
há pouco no laboratório, e estava, além de ligeiramente modificada, envolvida como que num tênuo brilho violeta.
Mas os seres que se aproximavam não demoraram a roubar a atenção. Como George dissera, eram graciosos, mas Wells e Herbert
não concordaram que eles fossem tão tranquilizadores. Apesar da aparência amistosa, o quê de mistério e inesperado da
situação parecia suficiente para deixar qualquer um apreensivo.
Olhando melhor o cenário, porém, conjecturaram em separado, embora em sincronia, que haveria outros motivos para a
tranquilidade de George, talvez na fragância exalada por enigmáticas flores que logo o crononauta se pôs a aspirar, quando
os seres estavam quase próximos à distância de um toque. Pela aparência das flores, e pelo modo como George as aspirou,
aos amigos não foi difícil concluir que deveriam ter um efeito inebriante e felicitante.
De fato, a simples aparência delas sugeria isso, visto que era ligeiramente transparentes, quase vítreas, e luminosas, de
um modo não muito diferente do halo violeta das luzes "negras" de nosso tempo. Mas logo os amigos voltaram sua atenção
às criaturas que se aproximavam.
Era difícil dizer se eles, ou elas, eram de fato cinza esverdeados, ou se o verdor era consequência do tom fosfórico de
suas vestes. Eram magros e altos, totalmente calvos, olhos de tamanho equivalentes aos dos humanos atuais, no entanto,
de uma profundidade negra maior, quase suplicantes e sem cílios. Também não tinham sobrancelhas, e seus narizes eram pequenos
e finos, enquanto suas bocas eram finas, mas largas.
Possuíam 6 dedos em cada mão, sendo que o sexto possuia uma articulação a mais, ficando entre um polegar diminuído, e um
mínimo, sua unhas eram minúsculas e seus gestos suaves e graciosos. Quando então, se depararam perante o hipnotizado
George, um deles então falou, e para a surpresa de todos, não se tratava de um idioma enigmático e desconhecido, mas
simplesmente do mais puro e sonoro idioma natural dos primeiros crononautas. Claro e perfeito.
- George, seja bem-vindo. É uma dádiva conhecer o primeiro de todos os crononautas.
Os amigos puderam ver a reação surpresa de George, e se este pudesse vê-los, notaria a mesma reação espantada. Como aqueles
seres podiam falar seu idioma tão claramente? Antes que pudesse sequer se mover, outro dos anfitriões, ou outra,
visto que parecia mais feminino, se antecipou.
- Nós estudamos sua cultura, seu tempo, e seu idioma, e passamos a maior parte de nossas vidas nos preparando para
este momento. Nós somos Pesquisadores do Tempo, dedicamos nossas vidas a compreender os mistérios dos deslocamentos
cronológicos, e temos satisfação em poder conhecer o primeiro de todos nós.
Antes que pudesse reagir, outro deles interveio. - Oito Milhões de anos separam este momento de seu tempo original
George. Tivemos que trazer você aqui em uma de nossas máquinas, pois sabemos que você procura algumas respostas
para o mistério da viagem no tempo, e pretendemos ajudar em tudo o que pudermos, mas também precisamos de respostas
para outras questões, e acreditamos que você poderá nos ajudar.
- Portanto, George... O que você tem para nos perguntar?
Quando o último deles falou, George ficou pensativo. Por algum motivo, parecia subitamente ambientado àquela estranha
situação. Sua primeira pergunta foi vaga, ele nem sequer sabia o que queria dizer. - Onde eu... Onde nós estamos?
- Estamos 22 graus de latitude do Polo Sul do planeta, num continente que não existia no tempo em que você acabou
de visitar. Toda a geografia do planeta está completamente alterada, mas estamos sobre uma massa de terras num local
equivalente ao que era a Austrália em seu tempo.
Por estar no interior de um domo praticamente fechado, George não podia sequer conjecturar a respeito, mas ao verem
que ele olhava ao redor, outro dos anfitriões olhou para cima, e um parte do domo começou a se abrir, como um olho
cujas pálpebras opacas revelavam mais e mais uma camada cristalina.
-Estamos numa redoma protetora porque atualmente a atmosfera não é mais compatível com suas necessidades,
as transformações que o planeta sofreu o tornam hoje praticamente inabitável para seres do seu tempo.
Apesar disso, o céu era lindo, num gradiente violeta interceptado por pequenas e intensas estrelas e nuvens que também
pareciam emitir brilho próprio. Wells contemplava acima, enquanto Herbert preferia dar atenção às enigmáticas flores
violetas do jardim, na mesma hora que a imagem registrada de George fez o mesmo.
Então um dos anfitriões andou suavemente até o jardim e apanhou uma das flores. Com graça feminina, se aproximou de George
e lhe ofertou a flor, que ele pegou de bom grado, não resistindo a tentação de cheirá-la. Parecia que uma nova e intensa
energia se apossou dele com aquela aspiração, os amigos podiam jurar que ele absorveu uma suave névoa luminosa, ficando
logo em seguida mais calmo, sorridente e confiante.
- É uma droga... Não?
- Depende do que você considera uma droga. Essa substância ativa diversas células adormecidas em seu corpo,
que você compartilha com quase todos os seres vivos de seu tempo, mas que praticamente não é utilizada por falta desse
material ativador. Essas células são responsáveis por diversos processos metabólicos restauradores, que foram interrompidos
quando, numa época anterior ao surgimento dos humanos, eventos astronômicos impediram que uma série de raios cósmicos
específicos atingissem o planeta. Neste tempo aqui, esses fenômenos naturais foram novamente liberados, e parte desta
cadeia vital ancestral recebeu novo salto evolutivo. Dando origem a uma onda de transformação adaptativas.
Outro deles, ou outra, continuou. - É por isso que nós podemos respirar sua atmosfera embora você ainda não possa
respirar a nossa, mas poderá, se a substância que acaba de experimentar for cada vez mais absorvida pelo seu corpo.
Quase rindo, George não teve motivos para duvidar. A sensação era de fato diferente de estar drogado, era como se, de repente,
diversas antigas doenças houvessem desaparecido. Sua respiração ficou mais intensa e livre, os pensamentos se tornaram
claros, os sentimentos intensos e alegres, e essa alegria contagiou sua própria racionalidade, e logo ele sabia o que
dizer. - Então... Eu não consegui entender como é possível a viagem ao passado. E se isso viola a liberdade.
Eu acho que cada vez que voltei ao passado, destruí um pouco da capacidade de escolha da humanidade, e tornei o universo
mais determinado. Eu não sei mais o que fazer.
Numa voz muito calma, um dos anfitriões disse.
- George, acho que a resposta para a pergunta que nós temos, talvez seja útil para você também.- E então, num tom
ainda mais paternal, outro perguntou: - George... Por que criou a máquina do tempo?
Embora não tenha perdido a calma, George hesitou. Sabia que aqueles seres tinham uma expectativa em relação à sua resposta,
e ele não gostaria de decepcioná-los. Então, pensando bem, descobriu que nunca havia se feito esta pergunta, e que no
fundo, embora soubesse, nunca havia se justificado consigo mesmo. Não havia em sua mente, uma frase do tipo:
- Criei a máquina do tempo... Porque... - E ficou a pensar. Em seu tempo original, a resposta seria fácil. Bastaria
justificar a verba para pesquisa, usar lugares comuns sobre o progresso da ciência ou os benefícios práticos da tecnologia,
direta ou derivada. Mas aquilo era outra coisa, e se viu então em um breve dilema, seria autêntico, ou tentaria dar a
seus anfitriões uma resposta que provavelmente gostariam?
Então, tomando um fôlego, subitamente descobriu que não havia como as respostas serem diferentes.
- Criei a máquina do tempo para ser livre. Porque queria sair dos limites da quarta dimensão da mesma forma que podemos
sair dos limites das outras 3. Fiz isso, porque no fundo, nunca aceitei a prisão cósmica, os limites que o universo nos
impõem. Se isso é arrogância ou não, não sei. Mas foi o motivo. Infelizmente, depois parece que talvez eu tenha feito
o contrário, e aumentei ainda mais a grossura dos grilhões do tempo e do cosmos.
Herbert e Wells não ficaram menos surpresos ante a reação dos anfitriões, que abriram largo sorriso, e pareciam radiantes.
- Sim George. Era o que pensávamos, e estamos felizes em poder dizer que você na verdade conseguiu sim seu intento.
Você realmente libertou não só a si próprio, mas a todo o universo.
- O quê?! - Embora esperasse uma resposta simpática, George realmente não esperava aquilo, e por um momento pensou
que os pesquisadores do tempo podiam estar brincando. - Mas e quanto a viagem ao passado?! Se eu tivesse ido somente
para o futuro, eu poderia até concordar com vocês, mas quando voltei ao passado, eu defini o futuro... Não foi isso?
- Não George. Você nunca definiu o futuro, pelo simples fato de que jamais viajou para o passado.
Tão surpresos quanto George, Herbert e Wells também não sabiam o que dizer, e enquanto o George virtual expressava
total incredulidade, o George real sorria de satisfação, e cochichou para os amigos - Eles tem razão. - E
então o som sumiu do registro, restando somente o diálogo silencioso entre os anfitriões e o primeiro crononauta.
Então, aquele George diferente, cheio de energia, se aproximou mais de seus amigos, e disse, - Isso, é uma coisa
que eles me mostraram, e eu tenho que mostrar a vocês. Por isso nós vamos agora viajar novamente no tempo, pois eu
tenho que compartilhar isso.
Os amigos ainda contemplaram algumas cenas do encontro com os pesquisadores do tempo, viram George caminhar com eles pelo
jardim à medida que imagem desvanecia, enquanto o George atual depositava a estranha caixinha cúbica em cima da mesa e
voltava com um entusiasmo radiante.
- E então? Estão prontos?
Os amigos se entreolharam.
- Agora?
- Para onde vamos?
E conduzindo-os para perto da máquina, George dizia - Não precisam levar nada, não há necessidade. -
E então, antes que chegassem de fato a tocar a maravilhosa máquina, foram todos envolvidos por uma luz, que quando
desvaneceu, os deixou no interior de um local tão mais amplo que custaram a entender que estavam no interior
da nave do tempo.
Era, de fato, maior por dentro do que por fora, havia imensas janelas por onde se podia ver amplamente o laboratório,
e além de alguns discretos painéis flutuantes e dispersos cilindros transparentes pelo chão, não havia sinal algum
de coisas que remetessem a controles ou computadores.
- Prontos para ir aos confins do tempo?
Wells hesitou, e respondeu. - Não! Claro que não estamos prontos. Mas vamos assim mesmo.
Apresentação
Contos de FC & FF
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