OS CRONONAUTAS
A Versão EXERIANA de
"A Máquina do Tempo" de H.G.Wells

Segunda Parte

Terceira Parte
OS ELOI
[aproximadamente 18.300 caracteres]

Quarta Parte

CAPÍTULO VII

A entrevista deixara George cansado, e seus amigos estavam divididos em saber até que ponto podiam acreditar nele. Era certo que ele de fato havia ido dezenas de milhares de anos para o futuro. Os registros da máquina, bem como diversos sinais de desgaste, confirmavam isso. Também não podiam duvidar das demais evidências materiais, suas roupas, os ornamentos de couro e osso. Mas até que ponto sua estória era confiável? E se os eventos traumáticos tivessem desencadeado nele uma série de alucinações?

Enquanto ele descansava, concluíram afinal que era melhor ouvir toda a estória que ele contava com tanta emoção e paciência. À tarde, após o almoço, eles se reuniram de novo para ouvir, e gravar, novos e intrigantes relatos do primeiro de todos os Crononautas.

Logo se estabeleceu uma rotina. Acordava cedo e após um período na aldeia, me dirigia para máquina. Não demorei a perceber a sorte que tive ao ser tão bem acolhido. As dificuldades da manutenção começavam a se tornar muitíssimo mais complexas, meus mantimentos não seriam suficientes nem para um décimo do tempo necessário para colocar todo o equipamento para funcionar. Eu estaria em maus lençóis se não tivesse abrigo e comida de tão satisfatória qualidade, pois ao dia o calor era bem intenso, mas esfriava muito à noite, e permanecer dentro da máquina seria não só desconfortável, mas quase insuportável sob o sol intenso.

Paralelamente fui registrando tudo o que podia, e me integrando com aquele povo. Eles falavam uma língua inicialmente simples, porém de sutilezas difíceis de dominar. Eles chamavam a si próprios de "Eloi", e não demorei a aprender seus nomes, em geral, todos simples. Minha companheira favorita, Uiina, foi de grande valia, pois era inteligente e paciente, logo se tornando minha professora.

Com isso, fui pouco a pouco penetrando na cultura daqueles dóceis seres. Elas tinham uma visão de mundo bem primitiva, sequer sabiam que viviam num mundo esférico, embora tivessem mitos que de fato correspondiam com algumas das realidades que presenciei. Acreditavam que outrora só havia água, e que desta tudo emergira. Falavam sobre um tempo onde a Lua era pequena, e quando as noites escuras eram muitas e longas. Falavam também de quando deuses e grandes máquinas andavam sobre a terra, a incontáveis eras atrás. Na realidade, eu era considerado um remanescente destes deuses antigos.

Não possuíam qualquer escrita ou matemática sofisticada, mas algo neles me intrigava, pois apesar de se comportarem como índios de nosso tempo, tinham alguns comportamentos, por vezes, refinados demais. Eram muito cuidadosos no trato uns com os outros e com a floresta, que era respeitada, amada e temida. Às vezes se comportavam à mesa de refeição de um modo quase grã-fino, e embora cantassem e gritassem quando felizes, por vezes eram silenciosos e comedidos.

Apresentavam uma característica marcante, e um tanto comum entre os silvícolas do nosso tempo, ainda que aparentemente exagerada. Veneravam a Lua, e eram muito ativos nas noites claras, mas ocorria uma verdadeira depressão social na noite de Lua Nova, a noite escura, que ocorria a cada 7 dias. Se recolhiam ao interior de suas casas desde antes do anoitecer, sempre em grupos. Mesmo eu, nestas noites, dormia acompanhado de diversos outros, incluindo os rapazes mais fortes que pareciam dispostos a me proteger.

No início fiquei assustado, talvez devessem haver animais terríveis que eram ativos na escuridão, mas com o tempo fui ficando cada vez mais convencido de que se tratava de temores supersticiosos, visto que jamais vi qualquer indício de criaturas perigosas por ali, salvo alguns tipos de cães e gatos selvagens. Na realidade não havia qualquer sinal de grandes predadores como felinos, lobos ou ursos, e esses poucos cães avantajados me pareciam, em sua maioria, descendentes de cães domésticos. Mesmo assim, desisti de insistir em me aventurar nas noites escuras, devido ao pânico que essa simples idéia infringia neles.

Como eu previra, a Lua completava uma volta em torno da Terra a cada 7,5 dias, isto é, cerca de 4 vezes mais rápido do que em nosso tempo, e isto, é claro, explicava como ela poderia estar duas vezes mais perto. Assim, os dias eram facilmente classificados em algo traduzível como dia da Lua Cheia, Cheia-Minguante, Minguante, Minguante-Negra, Negra, Negra-Crescente, Crescente, Crenscente-Cheia.

Era evidente que esse ciclo não coincidia exatamente com 7 ou 8 dias, era irregular, mas os Eloi não pareciam notar essa irregularidade, ainda que soubessem que por vezes a Cheia não era tão Cheia. Os dias também eram 19 minutos mais longos que os atuais, e isso tornava o calendário bem difícil de organizar, pois me parecia evidente que o ano também não deveria ser igual ao do nosso tempo. Que processos fantásticos teriam levado à Lua a se aproximar tanto da Terra, eu não podia suspeitar, mas isso explicava também os curiosos arroubos de ventos súbitos que aconteciam as vezes, por sorte detidos pela florestas, bem como justificavam as crenças deles de que os distantes rios e mares subiam e desciam dezenas de metros. Eram as marés, elevadas pela proximidade da Lua.

Mas de todas as peculiaridades daquele novo mundo, por mais interessantes que fossem, eram completamente obscurecidas pela constatação que só o tempo me permitiu fazer.

CAPÍTULO VIII

Nos menos de 4 meses iniciais que convivi com os Eloi, não demorei a notar algo espantoso. Vi, neste período de tempo, crianças nascerem, passarem a engatinhar, andar e falar! Os Eloi tinham um crescimento muitíssimo acelerado! Quando me convenci definitivamente disso não pude deixar de supor que essa brevidade se estendia a toda a sua vida, e não demorei a passar a confirmar isso.

Nesse tempo vi também adolescentes se tornarem adultos, meninos engrossarem a voz quase do dia para a noite e meninas desenvolverem seios do zero ao farto em cerca de uma semana. A conclusão era inevitável, todo o ciclo de vida deles era acelerado. A medida que dominei o idioma fui entendendo que eu não havia entendido mal quando me diziam suas idades. Sempre de poucos anos. Na verdade, muito poucos chegavam aos 10 anos!

No começo pensei que minhas medidas estavam incorretas, e que o que entendi como "ano" em questão não poderia ser comparado ao nosso, ou mesmo que um período de translação da Terra fosse de fato maior, mas era bastante claro para os Eloi que seus anciãos tinham no máximo 10 anos, isto é, períodos que envolviam estações climáticas cíclicas razoavelmente definidas.

Com isso, era totalmente espantoso que conseguissem atingir a inteligência em tempo tão curto, conservá-la e aperfeiçoá-la a ponto de gerar uma cultura. Uiina, tinha nada mais que 3 anos! Era uma moça para a idade deles e ainda não tivera filhos. Fiquei então muito preocupado com que tipo de resultado poderia advir caso ela ficasse grávida de mim. E devo então explicar quer embora eu tenha tido várias outras companheiras nos meus primeiros dias, Uiina, de certa forma, logo se "apossou" de mim.

Os Eloi, como eu já disse, eram pequenos. Os maiores mal atingiam 1,70, e a média era por volta de 1,60. Eram também, sempre, magros, com no máximo gordurinhas abdominais localizadas. Sua pele era morena escura, variando bem pouco de tonalidade, e seus olhos sempre negros, bem como todos os pelos do corpo.

Tanto homens quanto mulheres usavam cabelos compridos, em geral encaracolados, mas que eles costumavam alisar com cremes ou indumentárias. Por vezes pintavam o rosto e os braços com tintas coloridas e vestiam-se de acordo com seu clima, ou seja, quase nus nos momentos mais quentes, mas agasalhados com roupas rústicas de material semelhante a couro, que não demoraram a me intrigar.

Onde conseguiam aquele material? Era em geral de cor marrom escura, por vezes peludo, mas não havia rebanhos naquela aldeia, tão pouco animais silvestres com características compatíveis. Muitas vezes, também, vestiam roupas feitas com um trançado de tecidos obtidos de árvores, de aparência mais rústica, porém mais confortável, mas uma minoria usava tais vestimentas.

Alguns também usavam adereços de osso ou madeira, mas não costumavam perfurar o corpo. As mulheres se enfeitavam mais, mas a diferença não era muito grande, aliás, salvo quando estavam seminus, eram inicialmente difícil diferenciá-los. Devo dizer que, no começo, demorei a me acostumar com os odores, visto que embora fossem asseados, não tinham hábitos muito similares aos nossos.

Se o crescimento em si era rápido, as gestações também eram, e muito. Em pouco mais de um mês a moça passava por uma gravidez completa, e, curiosamente, não voltava a engravidar em menos de meio ano. Na verdade não demorei também a perceber que aquele povo crescia a uma taxa muito discreta, se é que crescia. Mesmo tendo uma vida sexual bastante ativa e livre, as reproduções eram pouco frequentes, caso contrário, é obvio, se multiplicariam a uma razão estupenda, entendi que isso não acontecia.

Socialmente, eram também bastante simples. A noção de família não era nada clara, não havia casamentos, e toda a ordem social era administrada pelos mais velhos, que eram um tipo de casta religiosa. Estranhamente, era exatamente com esta casta que eu tinha menos contado. Esses "anciãos", de menos de 10 anos, eram bastante respeitados, mas também muito distantes. Havia uma discreta hierarquia claramente baseada por idade, e com notável predominância de mulheres nos níveis intermediários, mas de homens no nível mais alto.

Comigo, só se comunicavam os mais jovens. Era como se servissem de intermediários entre mim e os mais idosos. Bom observar que eles também não demoraram a entender que eu era muito mais velho que qualquer um deles, fato que não acharam estranho, visto que a idéia de que as divindades são imortais parece ser universal. Fato era que eu tinha mais que o triplo da idade do mais velho deles, e isso parecia inspirar um certo temor nos idosos, mas curiosamente não nos mais novos.

E esse era só um dos mistérios que começariam a me incomodar.

O motivo de tamanho pânico com as noites escuras ainda me era misterioso, talvez, e principalmente, devido ao silêncio sobre o assunto. Eles recusavam-se sistematicamente a comentar qualquer coisa, e a noite de Lua Nova continuava a ser um momento de total angústia. Nas noites imediatamente anterior e posterior, que já eram bem escuras apesar de uma fina e ainda forte Lua, podia-se notar uma baixa no ânimo. E isso porque o luar destas noites era próximo a uma de nossas atuais noites de Lua Cheia.

Depois de muita insistência, consegui extrair a confissão de que já havia ocorrido desaparecimentos de membros da tribo em noites escuras, mas há muitos anos atrás, quando a maioria deles ainda não eram nascidos. Desde então tem sido uma regra inflexível daquela sociedade a reclusão nestas ocasiões.

Antes mesmo do sol se por, eles acendiam enormes tochas e fogueiras por toda a parte, deixando a aldeia mais iluminada do que nunca, e muito aquecida, mesmo assim eles não saiam de suas cabanas em hipótese alguma, e muitos se alojavam nos ponto mais altos, em torno das árvores.

Já nas noites de Lua Cheia, a alegria noturna era total, eles corriam livremente pelas florestas, e não era sem motivo, visto que a incrível luminosidade era difícil de acreditar. Devo informar também, o que até agora não comentei, foi que até aquele momento eu não vira grandes nuvens, capazes de escurecer o céu. Mesmo quando o céu estava nublado, as noites de lua mais intensa continuavam claras, e mesmo as nuvens de chuva que eu presenciara até então não eram muito densas, sempre trazendo chuvas finas, suaves e longas, ou mais grossas, porém tão rápidas que mal tinham tempo de diminuir a claridade.

Mas comecei a compreender melhor meus anfitriões ao notar que não era apenas das noites escuras que eles tinham medo, mas de toda e qualquer forma de escuridão. Conhecendo melhor a floresta, pude encontrar algumas pequenas cavernas, na verdade aglomerados de rochas. Nenhuma delas era de fato longa ou profunda, e sim pouco mais que suficiente para apresentar pequenas áreas onde a luz não penetrava. Os Eloi não se aproximavam delas de modo algum, e eram muito reticentes quanto a idéia de que eu o fizesse.

Visando poupar minhas últimas baterias, que podiam ser recarregadas na nave, usei tochas para examinar estas cavernas, e qual não foi minha surpresa ao descobrir que várias delas possuíam restos de utensílios e objetos em geral, muitos de tecnologias antigas e sofisticadas, que permaneciam intocados devido ao fato dos Eloi nunca se aproximarem delas. Recuperei muitos objetos tidos como perdidos, conquistando ainda mais a admiração de todos, embora eu pudesse notar que as preocupações de alguns começaram a se fazer visíveis.

Foi também ficando mais evidente para mim, a medida em que eu compreendia melhor seu idioma, que muitas coisas eram assunto tabu. Onde enterravam os mortos por exemplo. Bem como o que significava as estranhas cicatrizes que alguns deles possuiam, por sinal, os menos acessíveis e felizes.

Sim, isso foi o que começou a me perturbar cada vez mais. Havia naquela sociedade um pequeno grupo de pessoas marcadas, ao que tudo indicava, com ferro em brasa, numa espécie de "x", pequeno mas perceptível, em geral num dos antebraços. Não demorei a perceber que estas pessoas eram algum tipo de renegados, em geral que haviam apresentado mal comportamento, e desde que acima de cerca de 3 anos. Eu não havia visto nada digno de ser considerado um crime naquela sociedade, ao menos que me parecesse, mas conheci alguns exemplos de pessoas problemáticas. Algumas delas portavam essa marca.

Indaguei diversas vezes sobre o que aquilo significava, mas tudo o que obtive foi mais dúvidas. Era evidente que não havia outra punição maior, mas tão somente a marca, e se o comportamento deles mudava em relação aos outros, não era sempre para pior. Embora fossem tratados com menor calor por alguns, era alvo de maior carinho e compaixão por outros. Mesmo assim o motivo de porque apresentavam acessos de melancolia ainda me escapava. Acessos estes que estavam se tornando mais frequentes.

Mais recentes também, estavam se tornando certas reuniões entre os mais velhos, sempre num tom misterioso e tristonho, e era logo após tais reuniões, que sempre aconteciam longe de mim, que a angústia aumentava. Até que descobri que um jovem, bastante agitado que num certo dia havia brigado com uma das moças, voltara marcado e choroso de uma dessas reuniões.

Nesta noite, insisti muito no assunto com Uiina, e consegui, a muito custo, extrair a informação de que eles estavam marcados para sofrerem algum tipo de punição severa num dia especial, onde todos eram de fato punidos. Ou ao menos foi o que entendi. Parecia que todos os tipos de desvios eram punidos de uma única forma, e de uma única vez. A marca apenas determinava quem seria o alvo da futura punição.

E eu sentia que este temido dia estava se aproximando.

CAPÍTULO IX

Enquanto vivia tudo isso, eu ia trabalhando na minha nave do tempo. Os problemas haviam se multiplicado recentemente, e houve ocasiões em que pensei que seria afinal, impossível consertar, o que em certas ocasiões não me parecia mais tão trágico, visto que estava num mundo belo e tranquilo, a menos que aqueles estranhos mistérios escondessem coisas mais sérias do que eu pensava.

Além de fazer uma troca extensiva na fiação, remendando de modo precário, tive que reparar circuitos até o fim de meus recursos de solda. Foi necessário abrir mão de vários dispositivos auxiliares, inclusive de segurança, e conseguir driblar o computador para fazê-lo aceitar que certos sistemas funcionassem sem recursos preventivos.

Eu não podia me dar ao luxo de testar o reator. Quando o ativasse, teria que ser para valer. Por isso testei até a exaustão a condutividade e refrigeração dos sistemas que o integrava, isoladamente. O maior problema era certas placas que haviam queimado, e para o qual eu não possuía sobressalentes. Tive que realizar vários improvisos, utilizando pedaços de placas de minhas câmeras, a fim de conseguir ao menos um sistema que permitisse ativação.

Lancei mão de qualquer material que tivesse, inclusive roupas, e mais e mais fui me parecendo com um Eloi, vestindo as curiosas roupas trançadas e de couro que eles utilizavam. Ganhei também muitos adereços, os quais por vezes eram muito úteis como ferramentas, visto que muitas de minhas ferramentas originais viraram peças de reposição. Fui obrigado a derreter algumas para remendar partes sensíveis da fuselagem da máquina.

Ter levado um pequeno gerador manual foi providencial, pois somente assim, pedalando, pude recarregar minhas baterias, pois evidentemente não poderia me dar ao luxo de gastar o combustível dos motores de hélices, que já estava reduzido a menos de 30% dado a minha viagem para o futuro ter sido ser muito mais longa do que o esperado. Outra grande ajuda foi um curioso tubo de metal que achei numa daquelas pequenas cavernas onde os eloi não entravam. Estava muito bem conservado apenas de ser evidentemente parte de alguma estrutura maior. Possuía grande resistência e alto ponto de fusão. Com ele pude reconstruir os suportes para alguns dos tubos de refrigeração da máquina.

Enfim, acabei concluindo que a situação estava melhor do que eu antes pensava, bastava apenas terminar de limpar os circuitos, que haviam adquirido muita poeira e fuligem, e terminar de polir alguns condutores. Feito isso, bastaria iniciar o teste, que dando certo, eu aproveitaria imediatamente para voltar ao passado.

Um dia, satisfeito com o progresso, decidi sair mais cedo, pois seria uma noite escura e os eloi estavam ainda mais nervosos do que de costume. Cobri a máquina como sempre fazia, com uma trama de folhas improvisada, e algumas placas de trançado de madeira que os eloi haviam gentilmente construído para mim.

Naquela noite, porém, algo diferente aconteceu. Uiina estava especialmente abalada, bem como as outras duas moças e os 3 rapazes que estavam conosco na cabana. O que ocorreu foi um som, diferente de tudo o que eu já ouvira. Não era canto de um dos exóticos pássaros, ou uivos de cães selvagens, foi algo que eu podia jurar ser um tipo de grito, um resmungo, uma voz agastada e rasgada, que se por um lado expressava alguma propriedade linguística definitivamente não animal, também era definitivamente não eloi.

Ao ouvir aquele som levantei de súbito, e percebi que meus companheiros ficaram totalmente petrificados. Abri a rústica mas pesada porta de madeira e olhei para a direção do som, na floresta, iluminada pela luz das tochas que já iam enfraquecendo por volta de metade da madrugada. Talvez a imaginação tivesse me pregado peças, mas pensei ter visto vultos vagamente antropomórficos ao longe.

Mesmo duvidando de minhas percepções, fiquei intrigado. Não podiam ser elois, eles jamais se aventurariam tão longe numa noite como aquela. Com a consciência pesada por estar infligindo autêntico desespero em meus companheiros, decidi voltar à cabana e me deitar, sem porém conseguir dormir. No dia seguinte, todos os meus interrogatórios foram em vão, deparando com silêncio ainda mais temeroso e constrangido.

Mas a grande surpresa veio mesmo quando cheguei à máquina. Pela primeira vez ela fora violada. Não pelos cães que algumas vezes arranharam sua cobertura, mas por uma iniciativa claramente inteligente. Painéis de madeira foram retirados e partes da lataria foram claramente arranhadas por algum instrumento de pedra. Fiquei abismado! Embora nenhum dano tivesse acontecido, a simples idéia de que havia algo inteligente a vagar pelas noites escuras que fosse evidentemente hostil aos eloi me encheu de inquietação

Evidentemente eu já aprendera que tal criatura não deveria voltar a aparecer até a próxima noite escura, e por isso somente quando este dia chegou decidi tomar providências especiais. Voltei a instalar câmeras em pontos estratégicos para vigiar a nave, ativando o modo de visão noturna e gastando preciosas baterias que eu preferia antes economizar.

Naquela noite nada nos perturbou o sono a não ser o nervosismo típico dos eloi, mas ao voltar à nave, qual não foi meu espanto ao ver que mais uma vez ela havia sido violada. Não perdi tempo, recuperei as câmeras e passei a investigar cuidadosamente todas a imagens, e não demorei a contemplar a sinistra cena de pequenos humanóides em volta da máquina, alguns em cima, e mexendo em toda parte.

Era muito difícil distinguir com nitidez devido a fraquíssima iluminação, mas pude contar uns 7 ou 8 pigmeus, ainda menores que os eloi, embora atarracados e aparentemente ágeis e fortes. Além deles, havia algo que ao longe me encheu de arrepios. Era uma criatura bem maior, do tamanho de um gorila, mas com a silhueta típica de seus companheiros menores.

Avancei e retrocedi as gravações várias vezes até obter uma imagem mais nítida, quando um deles ficou mais perto de uma das câmeras e foi iluminado mais fortemente pela luz das estrelas, então obtive uma única mas reveladora sequência de alguns segundos que me fez ter uma noção melhor das criaturas.

Os eloi já haviam se acostumado a ver minhas gravações com grande curiosidade, e Uiina viera com a mesma curiosidade, embora uma certa desconfiança, talvez prevendo o desespero que se abateria nela. O resultado com todos os que viram a gravação foi o mesmo. Um choque tão violento que uns desmaiavam, e outros se encolhiam trêmulos. Somente alguns dos mais jovens manifestavam uma reação menos inútil, ficando em pânico mas em posição de que ainda poderiam, pelo menos, correr e gritar.

Insistindo muito em maiores explicações, pela primeira vez obtive uma palavra, pois em resposta a o quê era afinal aquela criatura, recebi umas poucas vezes uma estranha palavra que só pude entender como: Morlok!

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