OS CRONONAUTAS
A Versão EXERIANA de
"A Máquina do Tempo" de H.G.Wells

Sexta Parte

Sétima Parte
10 ANOS POR 1
[aproximadamente 19.400 caracteres]

Oitava Parte

CAPÍTULO XIX

Wells e Herbert sempre souberam que algo assim poderia acontecer, e de fato, já tinham visto George partir e poucos segundos depois voltar completamente diferente. Mas se antes a mudança fora para pior, no sentido de retornar um tanto maltrapilho e com a máquina seriamente avariada, agora tudo indicava o contrário, e o nível da diferença era mesmo surpreendente.

George parecia mais jovem, e mais saudável do que nunca. Pequeninos defeitos e cicatrizes na pele de seu rosto e braços, daqueles que quase todos tem e que ajudam a nos identificar, haviam agora desaparecido, como se ele houvesse passado por uma sofisticada plástica, e ou estivesse muito bem maquiado. Mas suas roupas roubavam a atenção. Eram de um tecido leve, ligeiramente luminoso e translúcido, numa coloração por vezes branco amarelada, por vezes dourada, e pareciam flutuar.

E ainda mais impressionante, atrás dele estava uma inteiramente nova máquina do tempo. Completamente diferente, parecendo feita de vidro luminoso em tons azulados, e tinha-se a nítida impressão que a cada reflexo e brilho que emitia, ouvia-se belas notas musicais. E efeito final era mais próximo à idéia de magia do que de tecnologia. A mesma impressão tinha-se da pequena caixa, um cubo, que ele trazia nas mãos.

Enquanto os amigos ainda se recuperavam do susto, George mantinha um sorriso sereno, até que finalmente interrompeu as gaguejantes tentativas de perguntas.

- É muito bom ver vocês de novo. - E deu então um suave abraço simultâneo nos amigos.

- Jesus Cristo! - Exclamou Wells. - O quê... Quanto tempo passou desde...

- Calma. - Respondeu George. - A história que eu tenho para lhes contar é longa, e boa parte dela eu poderei mostrar a vocês. Mas antes, eu preciso desabafar... Preciso contar uma coisa com minhas próprias palavras. Por isso, mais uma vez, peço sua paciência e atenção. Se foram pacientes comigo quando eu estava sofrendo, depois de meu primeiro retorno do futuro, então agora podem ser ainda mais pacientes, pois tenho coisas fantásticas para falar.

Tenho muitas coisas pra mostrar a vocês, que explicarão sobre minha nova aparência, minha voz, esta nova máquina, e este presente que vos trago. Mas a primeira parte desta história não está registrada como as outras, por isso só posso contá-la à moda antiga, que é exatamente o que mais tenho vontade de fazer.

Vocês perceberam que mesmo com o advento dos livros e dos vídeos, que são ótimas formas de contar histórias, ainda assim as pessoas gostam de narrá-las com a própria voz? Eu realmente gostaria, agora, de contar isso em volta de uma fogueira. É engraçado dizer isso, pois foi assim, em volta de fogueiras com os Eloi, que contei muitas histórias, e que fui, descobrindo pouco a pouco, coisas que no princípio foram difíceis de entender e de aceitar.

Quando cheguei no futuro, havia passado alguns dias sem grandes percalços, então voltei para a convivência com os Eloi, que se sentiam mais seguros com minha presença. Mas com o tempo eles foram ficando mais corajosos, e cerca de um mês depois fui com um grupo deles, aqueles mesmos que nos acompanharam, de volta à cidade em ruínas. Com certa relutância ensinei um deles a atirar e lhe entreguei uma pistola. Sim, aquele mesmo, o único em que eu confiava. Os outros levaram arcos e flechas e estilingues. Tudo correu bem, e eu trouxe alguns livros, painéis e outros artefatos que estudei com atenção.

Então eles insistiram em ir de novo, mas eu estava por mais demais entretido em algumas... Consequências teóricas da viagem no tempo. Para minha surpresa, eles decidiram ir sozinhos. Era uma noite de Lua Cheia para minguante. Passou um dia inteiro e não voltaram, veio a outra noite, e nada, e somente quando a noite de lua quase nova começava a cair, um único deles voltou, desesperado. Disse que quando estavam prestes a retornar, tinham avistado os Morlok, se esconderam e ficaram encurralados, e somente ele conseguiu fugir sem ser visto.

Eu não tinha tempo a perder. Pensei em voltar para cá e chamar vocês novamente, mas logo percebi que tinha uma opção mais rápida, voar até lá, com a própria máquina. Com o novo reator nuclear e o sistema de impulsão otimizado, pude ativar um breve avanço no tempo suficiente para diminuir a gravidade e fazer a máquina voar, e com isso rumei para a cidade, pousando num daqueles enormes palcos similares ao de um anfiteatro.

Minha chegada foi suficiente para encorajar os Eloi a sair do esconderijo, e vieram ao meu encontro berrando que havia Morloks se concentrando no subterrâneo. Pequei lanternas, armas e munição e fomos investigar, e apesar de inicialmente não ter encontrado nem um deles, não demorei a perceber que era verdade, havia vários sinais de sua presença recente, a começar pelo cheiro.

Investigamos mais e percebemos que eles haviam batido em retirada com minha chegada, rumo ao túnel por um amplo acesso que nos passou totalmente desapercebido em nossa primeira expedição. Os demais acessos que encontráramos permaneciam bloqueados, o que me fez pensar imediatemente em desmoronar mais aquele, porém, uma intuição me deteve.

Esperamos o dia raiar, e então descemos ao subterrâneo para investigar. Encontramos ainda mais acessos para o imenso túnel que sumia de vista, e logo ficou claro que alguns Morlok haviam perambulado por ali. Examinando melhor, pude concluir que haviam tentado voltar ao seu domínio subterrâneo, bem poucos a julgar pelas pegadas, e haviam então voltado para o local por onde se dera seu êxodo. Decidimos então avançar pelo interior do túnel, e andamos alguns kms em completa escuridão, até que começamos a ouvir ruídos.

Desligamos as lanternas e avançamos um pouco mais, silenciosos, e então nos escondemos e esperamos por um breve tempo, e então notamos que havia um grupo grande vindo pelo túnel. Os sons eram inconfundíveis. Meus companheiros estavam inesperadamente corajosos, e isso me animou a tomar uma atitude. Tivemos sorte que estávamos contra a suave corrente de vento, de modo que nem mesmo um dos enormes cães que veio à frente percebeu nossa presença. Quando os Morlok estavam próximos, nós nos revelamos, pegando-os de surpresa.

Paralisados pelo susto, e pelas luzes das lanternas, exigi saber porque estavam voltando. Não tive uma resposta clara, mas ficou evidente que aqueles eram, ou outros Morlok mais corajosos e que não me conheciam, ou que haviam tomado uma nova dose de ânimo, pois tudo o que consegui saber é que eles pretendiam sim, voltar. Sem ter certeza se fui entendido ou não, gritei em alta voz que se eles se atrevessem a ameaçar os Eloi, eu usaria um poder terrível, jamais visto, que arrasaria com eles. E eu sabia do que estava falando.

Realmente espero estar certo, mas pelos resmungos, eles fugiram dando a entender que voltariam com força muito maior. E quando sumiram de vista, vi que não tinha outra opção. Voltei à máquina com apenas uma intenção, pegar o pequeno reator nuclear auxiliar e tranformá-lo numa bomba. Era a única forma de conseguir bloquear totalmente aquele túnel, sem dar qualquer chance de acesso à cidade antiga.

Não me foi, tecnicamente, difícil fazer a adaptação, apenas adicionei uma quantidade maior de plutônio e alterei a configuração do detonador. A explosão estaria longe de ser uma autêntica arma nuclear militar, mas certamente seria suficiente para o que tinha em mente. De volta ao túnel, avançamos até muito além do início dos acessos à superfície, antes do início da cidade, e mais uma vez notamos a aproximação de um número muito maior dos Morlok.

Armei e bomba, e alguns outros explosivos comuns auxiliares em pontos estratégicos, e ativei um contador que nos permitiu debandar até estarmos seguros na superfície. De lá, só ouvimos o estrondo, e vimos um grande pedaço do chão afundar. Adverti a todos que devíamos nos manter sempre afastados daquele lugar, devido à radiação, mas eu colocara uma pequena câmera, bem distante, onde pude registrar a espantosa imagem de uma multidão de Morlok observando a bomba, e então mais nada. O clarão desativou a filmadora por uns instantes, e então tudo o que foi filmado foram ruínas. Capturei a imagem por transmissão, pois não era prudente buscar a câmera, e por alguns dias pude notar o quão quietos ficaram aqueles escombros.

Com isso, coloquei um capítulo final e derradeiro na ameaça Morlok. Voltamos para casa em segurança, mas assim que pousei a máquina próximo a aldeia, percebi que havia cometido um erro terrível. Ao contrário do que eu pensava, o reator principal não estava conseguindo gerar a energia necessária para o salto no tempo para o passado.

Devo, porém, confessar uma coisa. Eu estava um tanto ambientado àquele mundo. Eu... Sinceramente, não tinha a menor vontade de voltar para cá e... Enfrentar todas as complicações de nossa sociedade, todas as consequências científicas da viagem no tempo. Não fosse por vocês, meus amigos, acho que jamais teria voltato. Por tudo isso, devo admitir que talvez tenha sido um "ato falho", um erro proposital, inconsciente, que me fez sabotar minha própria máquina do tempo.

Mas de qualquer modo, a única coisa que naquele momento eu sabia, é que não poderia mais voltar enquanto não conseguisse produzir um novo reator nuclear auxiliar. E minhas esperanças nesse sentido eram nulas.

CAPÍTULO XX

Não abandonei totalmente minha pretensão de voltar para revê-los, meus amigos, mas tive que adiá-la enquanto cuidava de outras prioridades, mais acessíveis. A principal delas, as minhas dúvidas cada vez maiores a respeito de certas consequências teóricas da viagem no tempo, e alguns problemas específicos em minhas equações.

Num modesto mas agradável laboratório que construí com os Eloi, fiz aquela que talvez seja a mais impressionante descoberta de toda a minha vida. A viagem no tempo, só foi possível graças a um erro! Vi e revi minhas equações, e não havia a menor dúvida, eu jamais teria conseguido a façanha que consegui se não tivesse errado uma delas, numa única variável, e de apenas uma única maneira específica! Ao entrar essa equação errônea no computador, obtive um resultado anormal que me levou a procurar a anormalidade onde jamais procuraria, e por pura sorte desvendei o segredo necessário.

É por isso que jamais nenhum outro laboratório de nossa era conseguiu reproduzir o feito, e sim senhores, eu sei disso. Daqui a muitos séculos no futuro ninguém jamais repetirá o meu feito, pois estarão perseguindo um resultado que eu mesmo perseguia inutilmente, e somente por pura e altamente improvável sorte, cometeriam o mesmo equívoco que me permitiu levar para o futuro contingentes de matéria maiores do que os das pequenas máquinas automáticas de testes, que avançam no máximo umas poucas horas no tempo, e na verdade nem voltam, mas sim, reemergem quando se passa o tempo em que viajaram.

Fui tomado pela idéia de que minha descoberta não se dera por um mero acaso, é como se fosse um tipo de... Destino, algo que tinha que acontecer comigo. E é estranho falar nisso, eu sei, pois essa idéia do destino era outra coisa que mais e mais me atormentava. Sim, a velha discussão entre um universo com infinitas possibilidades, e que possibilita a liberdade, e um universo determinista, onde tudo só pode ocorrer de uma única forma.

Se o universo for apenas uma única linha de eventos, imutável, impossível de ser mudada, então somos todos seres determinados desde sempre a ser o que somos, nesse caso, eu estava destinado a descobrir a viagem no tempo, e todas as novas idas e voltas ao passado e futuro já estariam programadas num... Tipo de plano cósmico.

Mas, fisicamente, isso tem um problema. Poderia haver uma única linha de eventos, uma sucessão regular de causas e efeitos contíguas perfeitamente ordenadas. Mas sendo a viagem no tempo possível, haveria um rompimento nessa lineariedade, pois a nave que sai daqui, do presente, abandona as relações de causa e efeito, se livrando da continuidade causal. Isso, por si só, já seria uma violação da segunda lei termodinâmica. E mais, ao emergir no futuro, uma nova descontinunidade causal ocorre, pois é como se uma série de efeitos, a máquina do tempo, irrompesse sem causa alguma! E não é uma solução achar que uma coisa compense a outra, pois pelo período entre a saída e reentrada no tempo normal, a matéria se torna o equivalente a ser destruída.

Isso não seria um problema caso o universo não seja determinado, pois a subtração material da máquina do tempo, bem como sua adição, seria causalmente compensada como uma abertura maior no leque de possibilidades. O hiato nas relações causais seria compensado com uma ligação com uma realidade paralela, em um universo virtualmente infinito e, como tal, isento dos problemas de limitação causal.

O universo determinista, além de ser uma idéia que agride nossa sensibilidade, tem sérias dificuldades com os paradigmas desta época, em especial da Física Quântica, mas o maior problema ainda não expliquei. Se a viagem no tempo é possível, então todos os rompimentos de continuidade deveriam estar previstos, e sendo assim, não haveria uma linha do tempo, mas sim uma malha do tempo, ou uma linha muito tortuosa. Porém, para que tal linha fosse fixa, teria que estar inserida num plano muito maior. Ora, eu já tinha muita dificuldade em entender o tempo com os pressupostos de minha época, quando adiciono a viagem no tempo, todos os paradigmas aos quais me baseiei tem que ser remodelados. Com relação aos saltos irreversíveis para o futuro, não foi tão difícil criar um novo modelo teórico razoável, o problema, é que teoria alguma conseguia dar conta de explicar o retorno ao passado! Não num universo determinista.

Os confusos laços causais que vão e vem no tempo me pareciam impossíveis de ser encaixados em qualquer modelo teórico consistente, e para todos os efeitos, a viagem no tempo me parecia cada vez mais impossível, num universo determinista, pois, entre outras coisas, somente uma reversão de processos de transformação seria capaz de explicar o retorno, e como os senhores mesmo puderam notar, quando vamos ao futuro podemos ver as transformações acontecendo, mas quando voltamos não vemos nada! Só um borrão!

Entendem! Isso se encaixa com a idéia de que voltar no tempo é impossível, pois teria que se inverter todas as leis termodinâmicas, e sabemos que isso sequer faz sentido.

Sim... Eu sei. De fato pode parecer estranho insistir tanto num modelo de universo determinista quando eu mesmo sempre disse que nunca aceitei tal conceito. Sim, trabalhando com um universo não determinado, a viagem no tempo se torna sim, compreensível. Os deslocamentos no tempo nada mais são do que mudanças na estrutura maleável do universo, que se reconfigura para acomodar qualquer anomalia, possivelmente até mesmo com uma geração espontânea de universos paralelos.

É verdade, nessa concepção, não há dificuldades em entender como a viagem no tempo de volta ao passado é possível, pois ao retornar, nada mais acontece do que a criação de uma nova linha de possibilidades, e num universo infinito, a segunda lei termodinâmica se torna contornável. Mas é exatamente aí que está o grande problema, pois tudo o que eu pesquisava, quanto mais eu avançava em minhas pesquisas, mais e mais ficava claro que a grande e terrível consequência da viagem no tempo é exatamente destruir essa flexibilidade no universo. Ou seja, cada vez que executo um retorno ao passado, o universo perde possibilidades, sofre uma restrição de liberdade, e se torna parcialmente determinista!

Vejam bem, digamos que nunca houve uma viagem no tempo, então agora, temos uma infinidade de possibilidades pela frente. A humanidade pode prosperar ou pode se destruir, pode ser que se divida em Morlok e Eloi, ou se manter unida, ou evoluir em outras espécies completamente diferentes. Não sabemos. Mas todas as possibilidades estão abertas. Então constrói-se uma máquina do tempo e se vai para o futuro. Até aí, nada demais, pois o viajante apenas avançou por uma linha de possibilidades. No meu caso, fui para a possibilidade que desenvolveu aquele mundo que conhecemos, mas para os que permanecem aqui, as possibilidades continuam abertas. Pode ser que o mundo chegue a 82.701 com uma situação totalmente diferente, seguindo uma outra linha de possibilidades, enquanto eu, que fiquei no futuro, fiquei numa certa linha, num tipo de universo paralelo.

Mas eis que, de repente, viajei de volta ao passado, e o que aconteceu? Volto a estar em meu tempo original, porém o meu passado pessoal envolve o futuro específico onde todas aquelas coisas aconteceram. Mas se eu estou aqui, o universo não pode mais ser livre, pois se aquelas coisas não vierem a obrigatoriamente acontecer, seria impossível que eu as tivesse vivido e me lembrasse delas. Elas terão que acontecer! A assim, eu teria destruído a liberdade do universo vir a ser qualquer outra coisa, e o teria determinado a necessariamente seguir a linha de eventos que virá a resultar naquele mundo que conhecemos!

Se isso for verdade, então a viagem no tempo é algo terrível! Significa a destruição da liberdade universal, ou ao menos a do viajante. E é claro, quanto mais pessoas forem levadas, quanto mais viagens forem feitas, mais e mais o universo teria seu leque de possibilidades reduzido, até que a partir de um certo ponto, toda liberdade desapareceria.

Diante destes terríveis pensamentos, fiquei por muito tempo convencido de que fora providencial que eu não pudesse mais regressar ao passado. Era possível que com apenas as poucas viagens feitas, o dano no universo fosse reversível. Mas mesmo assim uma dúvida me atormentava: Não seria melhor voltar e nunca mais viajar ao futuro outra vez? Ou seria melhor manter o segredo da viagem no tempo para sempre escondido no futuro?

Essas não eram, meus amigos, nem de longe, as únicas preocupações que me afligiam, pois após um certo tempo, o motivo mais forte pelo qual eu permanecia no futuro, os Eloi, começou a ser seriamente abalado.

CAPÍTULO XXI

Sim. Minha vida com os Eloi começou a ter problemas. Não por culpa deles, nem minha, exatamente, mas pela diferença de nossa natureza. Com o tempo, todos os anciãos morreram, e então os novos anciãos eram da geração que me admirava. A sociedade mudou muito, adquirindo hábitos totalmente inéditos. Alguns deles foram maravilhosos.

Viajamos muito por vários locais adjacentes. Exploramos florestas profundas e chegamos aos limites marítimos, onde precipícios altíssimos separavam a terra dos mares, cujas marés variavam dezenas de metros.

Os Eloi se tornaram independentes, corajosos e altivos, e não mais temiam a escuridão. Além da grande cidade em ruínas, visitamos algumas construções menores e mais distantes. Nunca achamos nada tão vasto e interessante quanto aquela megalópole moribunda, mas econtramos vários lugarejos ainda mais misteriosos onde obtivemos toda sorte de artefatos.

Depois de muito tempo e esforço, fui capaz de decifrar o idioma daqueles livros e escritos antigos, graças a um manual, muito bem conservado, que associava os movimentos labiais com os caracteres. Não foi fácil, mas foi possível descobrir que o idioma antigo tinha elementos Eloi, Morlok, e juro, até mesmo algumas incríveis reminiscências de nosso tempo. Com o conhecimento deste idioma, pude reconstruir boa parte da história, e devo dizer que nossas reflexões originais não foram grandemente equivocadas, embora sem dúvida tenham grandes doses de imaginação.

Descobrimos que a humanidade evolui de modo a se tornar gigante. Houveram, creio que por volta de 10 a 20 mil anos a partir de hoje, humanos de estatura média de mais de 2m de altura. No entanto uma terrível catástrofe, associada a novos valores estéticos, passou a exigir uma diminuição na estatura da raça. Os menores precisavam de menos alimentos, e menos material para se vestirem, ou construírem suas casas. As populações de menor estatura cresciam mais, e se dedicavam a desenvolver mais o cérebro, enquanto os gigantes degeneraram para a força bruta, até por fim poderem ser dominados pela razão superior dos novos pigmeus.

Com o tempo, a raça humana foi se tornando cada vez menor, e durante períodos de crise, passou a se reproduzir e se desenvolver cada vez mais rápido, diminuindo o espaço entre as gerações e acelerando grandemente a evolução cultural.

É bom informar também que grande parte desta evolução biológica foi resultado de manipulação genética direta, e outra parte de catástrofes que aceleravam as mutações. Mas de qualquer modo, chegou uma época que a média de vida da humanidade era de cerca de 30 anos, lá por volta de 50 a 70 mil anos a partir de hoje. Só então viriam suceder aqueles eventos cujas representações iconográficas contemplamos na cidade em ruínas.

Essa evolução, senhores, a que reduziu ainda mais o tempo de vida dos Eloi, foi a grande responsável por tornar minha convivência com eles quase insuportável.

Eu vi as gerações passarem como páginas ao vento. Vi bebês se tornarem adultos em 2 anos, e adultos envelhecerem e morrerem em 3. Eles passavam, e eu ficava! Até que um dia, morreu Uiina. Precocemente, com 5 anos de idade, pois as mulheres Eloi que não se reproduziam desenvolviam alguma doença que abreviava sua vida, e ela sempre foi minha fiel companheira, apesar de ser impossível que tivéssemos filhos.

A morte dela me arrasou, mesmo assim, fiquei entre eles, pois tinha muitos amigos. No entanto, chegou uma época em que nenhum daqueles que viveu todas aquelas aventuras conosco poderia se lembrar do acontecido, pois estavam mortos, ou eram jovens demais, e então fiquei eu, uma relíquia do passado, tal qual seria um homem de idade pré-diluviana entre as pessoas desta época.

Perdi a intimidade com as novas gerações, eu passei a ser visto não mais como um amigo, mas como um tipo de deus, o imortal, pois, para eles, eu nunca envelhecia, pois minhas mudanças eram impossíveis de ser percebidas. A solidão mais e mais me dominou, e embora eu tenha resistido a tentação, cada vez mais me convencia que o modo como eu influenciava a sociedade deles terminava por ser mais e mais nocivo.

É certo que ensinei-lhes muita coisa, e me orgulho disso. Saíram de um estado tribal para o de uma civilização letrada, contemplativa, artística e tecnológica. Mas era preciso que eu os deixasse seguir seu próprio caminho. Era preciso que os anciãos de 10 anos se tornassem os guias daquele povo.

Vivi 7 anos entre os Eloi, e então descobri que não mais podia ficar entre eles, e nem queria. Eu tinha que partir. E então, atormentado pelas questões científicas e filosóficas, pela sensação de deslocamento, e pela impossibilidade de voltar ao passado, só me restava uma coisa: Fugir para o futuro, onde, quem sabe, eu poderia encontrar com as futuras gerações algumas respostas.

E foi assim que um dia me despedi dos Eloi, antes que o último ancião que ainda me conheceu naquela época viesse a morrer. Dei-lhes muitas recomendações, na esperança que construíssem uma grande civilização, então adentrei a máquina do tempo, na qual eu fizera algumas modificações. E então, avancei rumo ao desconhecido, sem perspectivas concretas de poder retornar.

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