OS CRONONAUTAS
A Versão EXERIANA de
"A Máquina do Tempo" de H.G.Wells

Terceira Parte
Quarta Parte
OS MORLOK
[aproximadamente 25.150 caracteres]
Quinta Parte

CAPÍTULO X

George estava agora, no terceiro dia, bem mais recuperado. Apresentava total lucidez, e seus amigos não conseguiam mais deixar de ser capturados pela sua impressionante narrativa. Desta vez porém, ele não os deixou apenas nos relatos orais, mostrou todas as suas gravações. A dos Eloi, da Lua Cheia, e as poucas e difusas imagens dos Morlok.

Arrebatados por aquele acontecimento estupendo, Wells e Herbert ficaram entusiasmados. Queriam viajar com George o mais rápido possível, e conhecerem este misterioso e fascinante mundo. Wells estava ansioso por escrever uma matéria e chocar o mundo com tão espetacular descoberta, George porém, tinha outros planos.

- Por favor, meus amigos, ouçam o resto da história, eu pretendo colocar vocês a par da situação, e na realidade estou antes de tudo para pedir ajuda, pois os pobres Eloi estão submetidos a algo terrível! Antes de pensarmos em revelar tudo isso ao mundo, primeiro temos que fazer algo. Mas antes, ouçam com atenção:

Finalmente eu começava a entender melhor. Era disso que os Eloi tinham tanto medo. Os Morlok. A simples menção no nome deles causava pânico em qualquer um. Somente os muito novos não apresentavam uma reação imediatamente afetada, ou os muito velhos, que embora não se desesperassem, me olhavam com ainda mais assombro.

Eu não estava num paraíso afinal. Se os Eloi foram os anjos que me acolheram, os Morlok deveriam ser os demônios. E eu pensava isso devido não só a aparência grotesca e ameaçadora daquelas criaturas, mas devido ao fato de que eles mesmos evidentemente não temiam os Eloi, ou não se aproximariam do acampamento deles. Evidentemente que eram os responsáveis por todo o medo que meus anfitriãos tinham do escuro, pois esses seres, incrivelmente pálidos, de certo não podiam suportar a luz do Sol e provavelmente nenhuma outra claridade forte, visto o tamanho desproporcional de seus olhos.

Comecei a juntar também peças de um quebra-cabeças. Os Morlok fatalmente deviam viver num subterrâneo, e só se expunham em noites escuras. No entanto, numa dada época do ano eles pareciam ser mais ousados, passando a sair, talvez, até mesmo nas noites semi-escuras, o que explicava o medo crescente dos Eloi sobre uma fatídica data que se aproximava.

Já até desconfiava de qual direção levaria a essa morada dos Morlok, pois dos muitos caminhos que percorremos pela floresta, alguns os Eloi evitavam ou resistiam a ir, mas um deles claramente sofria uma resistência especial. Antes eu não dera muita importância porque se tratava de um caminho desinteressante, e havia muitos locais mais convidativos na floresta, mas o pouco que avancei no mesmo me fez perceber um declive que ia até uma área mais pedregosa.

Logo desconfiei também que havia algo relativo aos Morlok nos Eloi marcados, pois estes ficavam ainda mais chocados quando eu pronunciava o nome, e eram ainda mais temerosos das noites escuras ou das localidades da floresta que mais pareciam se relacionar aos Morlok.

Era evidente que os Morlok provavelmente me seriam hostis também, não só pelos Eloi terem me acolhido, mas por ser eu uma criatura da claridade. Incapaz de conviver na escuridão confortável a estes habitantes do subterrâneo. Além disso eu temia ainda mais pela minha nave a partir de agora, pois na última investida os Morlok foram ainda mais invasivos.

Mas eu mal tive tempo para pensar nisso, pois numa triste noite de Lua minguante, presenciei a pior coisa que os Eloi poderiam me mostrar. Subitamente Uiina e alguns outros mais chegados queriam me levar para a floresta, sem um motivo claro. Fui contemplando a forte luminosidade branco amarelada que o imenso sorriso no céu oferecia. No entanto desconfiei de algo. Nunca antes eles haviam agido assim, era como se tivessem decidido me retirar da aldeia.

Contra a vontade deles, decidi voltar, e incapazes de me deter preferiram me seguir, também de modo discreto. Ao chegar na aldeia, o conselho de anciãos estava todo reunido em círculo, e alguns dos Eloi mais fortes vestiam uma estranha e desagradável máscara. Ao centro do círculo estavam todo os marcados, um total de 17, e estava havendo uma deliberação sobre quais deles iriam partir ou não. Mesmo ainda tendo alguma dificuldade para entender algumas expressões dos anciãos da tribo, logo percebi que aqueles marcados finalmente receberiam sua punição, e esta era um exílio definitivo, irrevogável e do qual parecia impossível escapar.

Logo percebi que na noite seguinte, que era a última antes da Lua Nova, eles seriam levados até a entrada da caverna, onde seriam ofertados aos Morlok, como um tipo de escravos. Finalmente então entendi! Havia um ritual anual no qual um contingente dos Eloi era selecionado para ser enviado para o domínio dos Morlok, para nunca mais voltar! Isso fazia parte de um pacto, sem o qual os Morlok levantariam sua fúria contra o Eloi de modo devastador.

Chocado com a simples idéia de ver aquelas assustadas pessoas serem entregues a algozes que tanto temiam, não pude deixar de me indignar. Havia algo errado! Muito errado! Mas o que deveria eu fazer? Deveria eu interromper em hábitos tão tradicionais e aparentemente sagrados daquele povo?

Sim. Achei que deveria. Como ainda havia tempo, no dia seguinte decidi falar com os anciãos, e pela primeira vez tive que ser suficientemente agressivo para exigir uma resposta. Foi um erro. Pela primeira vez também os Eloi se tornaram hostis. Vários dos mais fortes, e que eu conhecia pouco, me agarraram e me retiraram à força do local. Mesmo sendo eu maior e mais forte que qualquer um deles, percebi que não conseguiria impor minha vontade sem lançar mão de um nível de violência ao qual não estava disposto a usar de modo algum.

Talvez os Morlok não fossem tão terríveis assim, e agora eu via, surpreso, que os escolhidos para serem enviados, 11 ao todo, estavam estranhamente calmos.

A noite caiu rápido, psicologicamente, é claro, e quando voltei à aldeia após receber uma alarme falso a respeito de algo que acontecera na nave, percebi que o grupo já havia partido. Porém minha maior surpresa foi o fato de que um dos marcados que estava destinado a ir não havia partido. Fora liberado na última hora, foi então que imediatamente deduzi porque eu não conseguia encontrar Uiina.

CAPÍTULO XI

Disparei pela floresta rumo ao caminho para as cavernas dos Morlok, sob a resistência constrangida de alguns de meus companheiros mais chegados. Como eu já havia desenvolvido bem minha condição física naquele novo mundo, venci a distância que me separava do grupo com relativa facilidade, e portava minha melhor lanterna, bem como me muni do resto da resistente barra de metal que me fora útil no conserto da máquina do tempo.

O grupo era composto por uma dezena de anciãos, e por mais de 20 Eloi encapuzados, os mesmos que pela manhã me subjugaram. E dentro do grupo dos condenados percebi Uiina imediatamente. Ela porém, tal como os demais 10 marcados, não estava a oferecer qualquer resistência, e na verdade parecia mais calma que qualquer um dos anciões ou dos capangas, então subitamente percebi. Estavam drogados!

Segui-os furtivamente por um tempo, ainda pensando no que deveria fazer. Eu me apegara demais a Uiina para permitir que ela se fosse, e era evidente que ela estava sendo punida por minha causa. Mas eu não poderia me lançar a um conflito tão drástico e precipitado. Tinha que primeiro saber melhor o que estava acontecendo. Além disso, eu sabia que a nave do tempo já podia funcionar, e se a situação se agravasse eu poderia fugir para o passado.

Finalmente saímos da floresta e avançamos por um descampado ainda bem iluminado, porém em poucas horas a Lua iria desaparecer totalmente, deixando ainda cerca de uma hora de total escuridão antes do Sol nascer. Pela primeira vez então vi a caverna dos Morlok, e fiquei ao mesmo tempo espantado, impressionado e arrependido de não tê-la visto antes em dia claro.

Não era uma simples caverna, mas uma entrada de uma construção que parecia um enorme templo, com uma arquitetura totalmente além da capacidade dos Eloi. Se por um lado era fascinante, não deixava de ser grotesca. Havia uma imensa estátua de um Morlok, totalmente apavorante, encimada sobre a entrada principal. Ao lado dela, estátuas de animais selvagens similares a cães de guarda, de aspecto doentio e feroz. Evidentemente não havia luz alguma em local algum, e pela coloração da caverna e seu aspecto visual geral, percebi que não fora feita para ter apreciação de cores, mas somente de formas.

Provavelmente o nível de luz no qual os Morlok enxergavam não lhes permitia distinguir cores, tal como a visão noturna de minhas filmadoras, que agora eu me arrependia de não ter trazido. Se bem que sequer havia tido tempo.

Meu dilema aumentava. Deveria intervir agora ou esperar os Morlok aparecerem? Minha dúvida se justificava porque caso agisse imediatamente e fosse bem sucedido, provavelmente iriam escolher outros Eloi para serem ofertados. Caso agisse perante os Morlok talvez detivesse aquela ação em sua raiz, mas poderia eu enfrentá-los? Embora eles fossem repulsivos, fisicamente não chegavam a intimidar, mas e quanto àqueles animais que pareciam lhes ser aliados? A além de tudo isso, poderia eu dialogar com eles buscando um entendimento?

Fui porém surpreendido quando vi morloks emergindo da escuridão de seu prédio, com a Lua ainda no céu e mantendo o cenário bem iluminado. Os anciões apagaram as poucas tochas que haviam trazido, mesmo assim, pude ver a cena com nitidez. De 10 a 20 deles cercaram os Eloi, que mesmo estando em maioria numérica e mesmo aparentando superioridade física, se encolhiam em total reverência e temor.

Os mais velhos e os guardas se afastaram, deixando os condenados serem cercados pelas grotescas criaturas. Pude então ter uma visão melhor deles. Sua pele era lisa, um tanto rugosa e sem pelos. Mas possuíam longos cabelos brancos. Olhos negros enormes, mais de 3 vezes a proporção de um humano ou de um Eloi. Tinham destes afiados, animalescos, e unhas compridas.

Não estavam nus, usavam tangas ou saias de tecido escuro, alguns tinham acessórios de metal junto ao corpo e um deles tinham um elmo com uma jóia na cabeça. Apenas dois tinham algo que poderia ser considerado arma, era como um bastão, ou um cetro, prateado, com formas sinuosas, que eles usavam as vezes como apoio, as vezes para tocar e ameaçar os pobres condenados, que mesmo drogados estavam assustados.

De repente, um deles começou a farejar o ar, e não demorei a perceber que detectava minha presença. Cometi o erro de estar a favor do vento, que levava meu cheiro a eles, e logo começaram a olhar na minha direção. Eu tinha que agir agora. Saí repentinamente detrás da pedra e avancei com eles ordenando que parassem, na língua dos Eloi.

Eles recuaram, visivelmente assustados. Pude então me aproximar dos condenados que então me olharam com nítida esperança. Ao ver o sorriso de alívio nos olhos de Uiina, dissipei a última dúvida de que pudesse estar fazendo algo de reprovável. Aquelas vítimas não queriam ir de modo algum. E mesmo os anciões, que compactuavam com aquela situação, nem remotamente pareciam felizes em fazê-lo.

Em voz alta me dirigi a eles, visto que os Morlok haviam recuado totalmente amedrontados. E mais uma vez perguntei do que se tratava aquela situação. Desta vez, me ofereceram uma resposta.

Desde tempos imemoriais o mundo era assim. Os Morlok eram senhores dos Eloi, permitiam que eles vivessem naquela floresta e lhe forneciam utensílios em geral. Em troca, exigiam um tributo de Eloi a cada período de cerca de 6 meses. Esses Eloi eram levados para o mundo dos Morlok e jamais retornavam. Assim, os dirigentes dos Eloi adotaram aquela solução punitiva, preferindo eliminar de sua sociedade os indivíduos de comportamento perturbado.

Deveriam ser enviados tanto homens quanto mulheres entre 3 e 7 anos. Após essa idade a oferenda não era mais aceita, e caso houvesse qualquer falha no procedimento, os Eloi seriam punidos com sequestros em massa, perpetrados pelas mais diversas formas indescritíveis e irresistíveis daqueles deuses demônios.

Indagando sobre qual seria afinal o destino daqueles Eloi, não souberam ou não quiseram responder, então me virei para os morloks, que ainda me olhavam fixamente, porém, o grupo estava bem diferente, vários haviam sumido e foram substituídos por morloks maiores e equipados com lanças. Percebei que eles entendiam ao menos parcialmente a linguagem dos Eloi, mesmo assim não se mostravam nem um pouco abertos ao diálogo.

Mas uma sequência de tentativas de abordagem por vezes diplomáticas, por vezes mais agressivas, me deixaram com a nítida sensação que os Eloi teriam um triste destino. Então lhes ofereci um ultimato. Ou me explicavam do que se tratava, ou eu levaria de volta todos aqueles Eloi.

Disse isso baseado em alguns trunfos. Primeiro, parecia óbvio que os demais Eloi encapuzados não tomariam nenhuma atitude diante de seus monstruosos mestres, portanto eu podia descartá-los como ameaça, segundo, porque eu dispunha de um último recurso especial. De repente, percebi os Morlok avançando, e então uma grotesca criatura emergiu da escuridão. Um Morlok imenso, peludo, selvagem, trazido por uma corrente no pescoço por 5 outros morloks comuns.

Ao perceber que a Lua começava a se ocultar nas pedras, e que os Morlok se preparavam para hostilidades, apelei para minha arma secreta: Minha lanterna.

CAPÍTULO XII

O efeito foi devastador. Ao serem atingidos pelo facho de luz os Morlok recuaram aos berros e em total terror. Mesmo o mostro acorrentado foi sensível ao efeito. Rapidamente todos eles recuaram para o interior de seu templo e desapareceram. Deixados a sós do lado de fora, não hesitei em trazer de volta os Eloi condenados.

Os demais não pareciam ter idéia do que fazer, assistiram chocados às vitimas serem levadas de volta rumo a floresta. Uiina me abraçava aos prantos, dizendo coisas ininteligíveis mas que eram evidentemente um agradecimento. Respeitosamente espantados estavam também meus amigos. Finalmente então os anciãos intervieram.

Eles nos cercaram e exigiam que voltássemos, caso contrário, a vingança dos Morlok seria terrível. Indaguei então o porquê. Porque não lutavam? Porque temiam tanto os Morlok e porque se submetiam? As respostas em nada me agradaram. Ficava evidente que os motivos era supersticiosos. Eles falavam em punições dos deuses, em maldições e grandes arrependimentos.

Subestimei seus motivos. Primeiro porque os Eloi não me pareciam de forma alguma tão indefesos contra os Morlok. Eram maiores, aparentemente mais fortes e eu podia contá-los na casa de ao menos dois milhares. Algo me sugeria que os Morlok não poderiam ser tão numerosos, e mesmo possuindo recursos sofisticados, sua sensibilidade a luz me parecia um ponto fraco fácil de explorar.

Os anciãos e seus capangas recrudesceram, e quando ameaçaram usar a força saquei minha outra arma, a barra de ferro, e mostrei-lhe uma face inédita de minha personalidade. Além disso, pude perceber, houve se não um apoio, ao menos uma admiração por parte de meus companheiros. Intimidados, os anciãos recuaram, e nos seguiram lamuriando-se.

Avançamos muito floresta adentro, e ao nos aproximarmos da aldeia, os ânimos melhoraram. O efeito da droga parecia estar passando e os ex-condenados pareciam estar sendo tomados de alegria. Risos começaram a surgir e uma série de comentários deslumbrados passaram a ocorrer. Embora eu ainda estivesse muito nervoso, me permiti alguma descontração, e num momento especialmente distraído, uma pancada me atingiu atrás da cabeça.

Fui ao chão, totalmente tonto, e me pareceu que a visão me faltou apenas por alguns instantes, porém, quando abri os olhos já era dia, e eu estava sozinho! Olhei à minha volta e chamei por meus amigos, sem resposta. Minha cabeça ainda doía e eu nem sabia o que havia me atingido. Só suspeitava que não tivessem sido os Morlok caso contrário eu provavelmente não teria saído ileso, e não via porque eles levariam minha lanterna.

Estando mais perto da Máquina do Tempo, decidi correr até ela, estava intacta, e lá obtive outra lanterna, uma câmera, outro bastão de metal e um cabo que servia como chicote. Ativei os sistemas para partida e fechei a máquina com cuidado redobrado. Corri à aldeia mas não me atrevi a entrar, tudo indicava que agora eu tinha inimigos entre os Eloi, observei de longe e procurei meus amigos. Interceptei um deles no meio de floresta, choroso, e me procurando. Ele me disse que os condenados foram levados de volta, e então não perdi tempo.

A luz do dia me inspirava confiança, corri como o vento e finalmente cheguei de fronte à construção dos Morlok. Sob um sol radiante, a estátua parecia ainda mais imponente, mas logo vi que a entrada estava bloqueada por uma imensa porta de pedra, e não tive nenhuma esperança de ser capaz de movê-la.

Vasculhei à volta. Os domínios dos Morlok pareciam bem maiores do que eu pensava. Havia uma vasta estrutura de pedra na superfície, sugerindo a ponta de um iceberg subterrâneo de instalações. Vi outras entradas, mas todas fechadas por colossais portas de pedra. Havia várias estátuas diferentes, colunas imensas, e torres de pedra que subiam alto ao céu. Então percebi que além destas havia várias torres pequenas, e que eram abertas, como chaminés, cobertas apenas por um pequeno telhado. Olhei por uma delas, apontei a lanterna o logo vi o fundo, não muito abaixo.

O cilindro era estreito, e não tive dúvidas, me apoiando nas paredes fui descendo com cuidado. Alguns trechos eram escorregadios, mas havia muitas saliências onde ou podia me apoiar com relativa facilidade. Confiante de que poderia subir de volta, fui até o fundo, uns 8 metros abaixo.

Pisei numa terra fofa, e me deparei com um túnel em declive na qual pude prosseguir abaixado. Logo notei sons estranhos, repetitivos, como o de máquinas, e o ar foi ficando malcheiroso, porém, o fluxo de vento me permitia pensar que havia outras saídas e ou lugares bem amplos. Eu estava tranquilo porque a luz do Sol penetrava até um bom pedaço do túnel, e considerei que numa provável fuga precipitada, simplesmente atingir aquela luminosidade poderia ser a minha salvação.

Mas eu era na verdade impulsionado por um sentimento ainda mais forte. Uiina. Eu não podia me aquietar ao imaginá-la em poder daqueles seres asquerosos, e com coragem e determinação segui o declive até chegar num corredor suficientemente escuro para ser aprazível aos residentes do subterrâneo. Para evitar que a luz da lanterna me denunciasse, liguei a câmera e ativei a visão noturna, o que me permitiu avançar com relativa facilidade pelos corredores. A fim de economizar baterias, não ativei a gravação, e fui avançando até que o som das máquinas se tornou suficientemente nítido para me permitir associá-los as suaves lufadas de vento que eu sentia.

Meu destino final confirmou minhas suspeitas, havia um imenso engenho que movia uma grande hélice, evidentemente um sistema de ventilação. Não demorei a concluir que o engenho era movido a vapor, pois detectei uma fornalha cujo braseiro fornecia luz avermelhada suficiente para me permitir a visão. Então vi dois morloks, aparentemente conversando, que se aproximaram e lançaram lenha ao braseiro. Percebi então que a luminosidade avermelhada parecia não incomodá-los, e esperei se afastarem para continuar uma investigação mais ostensiva.

Passar da ampla câmara do ventilador me colocou em desvantagem, antes eu estava contra o vento, que trazia o odor das profundezas até mim, agora, muito provavelmente meu cheiro iria adentrar os domínios dos Morlok. No entanto, eu não tinha outra escolha. Só havia um único caminho a seguir. Por sorte, notei uma tal confusão de odores distintos, a maioria desagradáveis, que supus que não seria fácil distinguir o meu.

Avancei por um corredor com piso liso, de pedra, talvez mármore, até que diversos sons encheram meus ouvidos, finalmente saí numa imensa caverna. Eu estava num precipício, que se estendia uns 10 metros abaixo, e cujo teto subia quase o mesmo tanto acima. Era imensa! Muito ampla, e repleta de morloks! Uma verdadeira cidade. Notei em vários pontos focos de fogo avermelhado, discretos, que forneciam luz e calor. Para minha sorte, os Morlok não eram seres de escuridão total, e toleravam níveis de luz vermelha bastante elevados. Além disso, minha visão já estava acostumada e pude então distinguir diversas tendas, caixas, mesas e cadeiras onde vários deles se sentavam e conversavam entre si aos grunhidos. Havia brigas entre eles, e num canto alguns casais copulando.

Subitamente houve um som estranhíssimo, e todos se voltaram rapidamente para a abertura no lado oposto da caverna. Foi uma debandada em massa, numa notável excitação. Os que comiam pedaços de carne ou coisas aparentemente vegetais, levaram a comida nas mãos deixando restos em toda parte, que eram prontamente comidos por cães esqueléticos e deploráveis.

Em segundos o salão ficou vazio e silencioso, foi quando dentre os inúmeros sons que vinham da abertura distingui um inconfundível grito aterrorizado de um Eloi.

Desci para a caverna por uma escadaria lateral e avancei resoluto por entre o caos de móveis e sujeira, iluminados fracamente por brasas e tochas cujo óleo dava uma coloração quase escarlate às chamas liberando um cheiro de petróleo. Com muito cuidado entrei pela abertura sendo ocasionalmente incomodado por um ou outro cão que me vi obrigado a enxotar. Preocupou-me que denunciassem minha presença, mas a intensificação dos gritos de Eloi e os urros selvagens dos Morlok obrigaram-me a prosseguir.

Não precisei caminhar muito para me deparar com a terrível cena. Era um local ainda maior e mais amplo em todos os sentidos, porém muito mais refinado. Enormes estátuas monstruosas erguiam-se em toda parte, estranhas máquinas jaziam inertes, com amplas engrenagens e correntes, e tochas de fogo vermelho e alaranjado ainda mais intensas estavam em toda parte, facilitando-me ainda mais a visão.

Perante um tipo de ídolo de pedra, havia o que considerei como sacerdotes. Eles vestiam roupas de couro muito sofisticadas, que destoavam das vestimentas dos demais, mas também de aparência muito antiga e mesmo inadequada a seus tamanhos. Acorrentados como animais nas paredes de mármore ao pé da estátua, estavam os Eloi, apenas 8 deles, incluindo Uiina.

Então o primeiro da fila, que estava ao lado de Uiina, foi tirado das correntes, gritando tão desesperadamente que abafou até mesmo os latidos dos cães que me desafiavam. Foi arrastado por dúzias de morloks visivelmente sádicos, em direção a um tipo de imenso caldeirão, antes que eu pudesse entender o que acontecia, o coitado foi jogado em água fervente. Gritou horrendamente em total agonia e desespero, e então foi removido, com a pele descolando do corpo, já paralisado pela dor, então foi jogado numa mesa onde imediatamente começou a ser fatiado em pedaços por sacerdotes com facas afiadas, numa atitude cerimonial, distribuíam a carne da vítima a alguns excitados membros da platéia que era pré-selecionados. Ao agarrarem seu pedaço, comiam-no imediatamente, como que entrando em seguida num transe temporário, para depois sair dançando em movimentos grotescos e insanos.

Meu cérebro processou as informações velozmente, e o que conclui era completamente desesperador. Os Morlok sacrificavam humanos por motivos religiosos, em algum tipo de honra a uma divindade demoníaca. Não era por alimentação, pois pude verificar claramente que comiam outras coisas, e mesmo porque somente 11 Eloi não poderiam alimentá-los por meio ano.

Aquele ato nauseante de tortura e canibalismo tinha algum significado para eles, mas nem me passou pela cabeça querer saber qual era. Atormentado pela visão hedionda perdi os últimos resquícios de cautela, e irrompi aos gritos pelo salão atingindo violentamente todos os que via pela frente com meu bastão.

O elemento surpresa era meu principal aliado, e logo vi que eles fugiam aterrorizados. Mas isso se aplicava apenas àqueles da platéia, os sacerdotes, por outro lado, me fitaram com indisfarçável ódio, e apesar da surpresa, não pareciam tão amedrontados.

Quando comecei a ser cercado, instintivamente saquei minha lanterna, por um instante pensando que seria inútil, mas quando a ativei o efeito foi, mais uma vez, assombroso, centenas de morloks bateram em retirada e em desespero, e mesmo os sacerdotes se abaixaram duramente afetados pela intensidade da luz, que comparada as débeis chamas vermelhas, parecia tão ofuscante quanto o Sol.

De fato, eu mesmo fiquei surpreso, acostumado àquela tênue iluminação local, até eu fiquei um tempo ofuscado pela luz. O problema era que aquela lanterna fora improvisada com um dos faróis da Máquina do Tempo, e sua bateria não me daria carga para muito tempo.

Passei pelos sacerdotes e cheguei aos 7 Eloi sobreviventes. Estavam muito bem acorrentados, e quando me virei para procurar um meio de abrir suas algemas, a maioria dos sacerdotes já havia desaparecido. Havia porém um instrumento similar a um machado próximo à parede, e por sorte, a corrente era única, ou seja, passava por todas as algemas. Dei alguns duros golpes e ela se partiu, liberando todos os Eloi.

Então eu os conduzi a uma fuga desesperada. Abrindo caminho com a luz da lanterna, fomos seguindo de volta ao salão anterior, mas mal entramos nele comecei a ouvir os terríveis rosnados em nosso encalço. Me virei e apontei a lanterna. Os morloks maiores e os gigantes, similares a gorilas, foram ofuscados e se detiveram, porém enormes cães repugnantes avançaram resolutos. Por sorte conseguimos alcançar a escada bem antes deles, e sendo estúpidos, ficaram inutilmente tentando nos alcançar pelas paredes. Somente quando seus donos os orientaram eles tomaram o caminho da escada.

Correndo em disparada, passamos pelo imenso ventilador, e seguimos então pelo corredor que nos daria acesso ao túnel onde havia luz. Por um bom tempo a escuridão total nos envolveu, tornando nossa situação ainda mais desesperada. O facho de luz de minha lanterna, oscilando, tornava o caminho nervoso e vertiginoso, e só quase na entrada da passagem que nos levaria à liberdade, percebi que um dos nossos estava faltando.

Olhei para trás e o vi sendo estraçalhado pelos cães, o que entretanto foi um sacrifício vital, pois assim os estúpidos animais se detiveram num brutal banquete, lutando entre si, e só retomaram nosso encalço, creio eu, quando seus senhores os alcançaram.

Para nossa desagradável surpresa, outro grupo de morloks surgiu pelo lado oposto, por sorte todos recuaram aos gritos perante meu poderoso facho de luz, alcançamos o túnel ascendente e não demorou para chegarmos à claridade. Agora eu podia me dar ao luxo de apontar a lanterna sempre para trás, impedindo os Morlok de vir a nosso encalço. Chegando à chaminé, instruí todos a subirem escalando as saliências das pedras, e o fizeram pronta e habilmente. Mesmo assim, quando os cães irromperam pelo túnel, ainda restávamos eu, Uiina e mais dois Eloi no solo.

Levantei Uiina e a coloquei na escalada, e empunhando minha barra de aço me preparei para uma luta que, sinceramente, me parecia perdida. Por pura sorte, assim que o primeiro deles se aproximou atingi-o diretamente no olho, cravando a fina ponta da barra de metal dentro de seu crânio. O monstro, que era maior do que o maior cachorro de nosso tempo, urrou de dor, mas continuou a avançar, e então pude confirmar que aquelas bestas eram cegas.

Também por pura sorte, o túnel não permitia a passagem de mais de uma daquelas feras de uma só vez, e minha luta com o primeiro da fila impedia a chegada dos outros. Quando o último Eloi subiu, num gesto final e desesperado, empurrei o animal mais uma vez com o bastão, além de jogar pedras violentamente eu sua cabeça. Consegui então dar um salto e iniciar minha escalada mas não escapei ileso de uma mordida que rasgou minha calça e arranhou dolorosamente minha perna. Mais uma vez foi por pura sorte que aquele monstro não conseguiu me abocanhar firmemente até eu conseguir ganhar altura suficiente para estar fora de seu alcance. Nem percebi o tempo que levei para estar na superfície, sentido a luz do Sol tão intensa em meu rosto que me senti como um verdadeiro Morlok.

Com meus amigos, batemos em retirada rumo à floresta, mas fiquei aterrorizado ao perceber que ainda não estávamos seguros. A longe, vi vários daqueles cães monstruosos emergirem de uma recém aberta porta que dava para as profundezas. Por demorarem a se orientar e pegar nosso rastro, conseguirmos ganhar uma boa distância, mesmo porque foram obrigados a dar uma ampla volta para se colocar em nosso encalço.

Mas assim que entramos na floresta, tive uma surpresa ainda mais desagradável. Das imensas torres mais altas começou a emergir uma densa fumaça negra. Muito pesada e muito rápida. Em minutos ela já vinha se espalhando em nossa direção, pois o vento, por azar também nos perseguia. Se aquelas torres continuassem a emitir fumaça naquela quantidade, poderiam obscurecer totalmente o Sol.

O desespero da fuga deixou nosso grupo disperso, mas pude ouvir quando um deles foi pego pelos cães infernais. Amaldiçoando aquelas criaturas, prossegui com Uiina e outros companheiros, sem nem perceber o quanto eu sangrava. Eles estavam indecisos entre me seguir e fugir para a aldeia, pois meu objetivo agora era a máquina do tempo.

Foi uma benção chegar até a clareira e ver algo totalmente magnífico e que me encheu de esperança. Enquanto minha máquina repousava intacta no presente, já ativada e pronta para partir, pude notar a mesma máquina piscando no céu! Sim. Era eu! Não só eu. Mas nós! No interior da máquina e chegando novamente ao local.

Naquele instante eu soube, então, que minha viagem seria possível. Para evitar complicações ordenei a Uiina e os outros que esperassem do lado de fora, então entrei, dei a partida no reator e ativei o retorno temporal. A viagem de volta foi imensamente mais rápida, poucos minutos, eu acho, e o resto vocês já sabem.

Foi por isso que voltei, e é por isso que iremos, nós 3, de volta ao futuro!

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